RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar a posição e os argumentos mobilizados pelas parlamentares mulheres para se pronunciarem sobre o aborto. Para realizar esta pesquisa foi utilizada como metodologia de trabalho a análise dos pronunciamentos das deputadas, proferidos na Câmara dos Deputados do Brasil e do Uruguai, entre 1985-2016. A proposta é apresentar um panorama geral dos resultados, explorando os dados em sua formação integral, proporcional e distribuição na série histórica, com a realização de inferências sobre as evidências expostas. Duas perguntas de partida orientam a redação: 1) É possível identificar um padrão que permita relacionar a posição das parlamentares com ampliações no acesso ao direito ao aborto? A segunda consiste na verificação de um fenômeno em ascensão, com distintos graus, nos países da América Latina: 2) Qual a atuação das representantes políticas alinhadas às igrejas cristãs, evangélica ou católica, e seu efeito na discussão em plenário sobre o aborto?
aborto; democracia; representação feminina; Brasil; Uruguai
ABSTRACT
This article examines the positions and arguments of women parliamentarians on the topic of abortion, as expressed in their speeches in the Chambers of Deputies in Brazil and Uruguay between 1985 and 2016. The study aims to provide a general overview of the results, exploring the data both integrally, proportionally, and through time series analysis. It also aims to draw insights from the evidence presented. This paper focuses on two main questions: 1) Is it possible to identify a pattern that establishes a relation between the stance of women parliamentarians and increased access to abortion rights? The second question aims at verifying a phenomenon on the rise, with varying degrees, in Latin American countries: 2) What is the stance of women representatives aligned with Christian, Evangelical or Catholic churches, and what is its effect on plenary discussions about abortion?
abortion; democracy; female representation; Brazil; Uruguay
RÉSUMÉ
L’objectif de cet article est d’analyser la position et les arguments mobilisés par les femmes parlementaires pour se prononcer sur l’avortement. Pour mener à bien cette recherche, l’analyse des déclarations des députées, prononcées à la Chambre des Députés du Brésil et de l’Uruguay, entre 1985 et 2016, a été utilisée comme méthodologie de travail. La proposition est de présenter un aperçu des résultats, en explorant les données dans leur formation intégrale, proportionnelle et sa distribution dans les séries historiques, avec la réalisation d’inférences sur les preuves exposées. Deux questions de départ guident l’écriture : 1) Est-il possible d’identifier un schéma permettant de mettre en relation la position des parlementaires avec les élargissements de l’accès au droit à l’avortement ? La seconde consiste à vérifier un phénomène en augmentation, à des degrés divers, dans les pays d’Amérique latine : 2) Quel est le rôle des représentantes politiques alignées sur les églises chrétiennes, évangéliques ou catholiques, et leur effet sur la discussion plénière sur l’avortement ?
avortement; démocratie; représentation féminine; Brésil; Uruguay
RESUMEN
El objetivo de este artículo es analizar la posición y los argumentos utilizados por las parlamentarias mujeres alrededor del aborto. Para realizar esta investigación se utilizó como metodología de trabajo el análisis de los pronunciamientos de las diputadas, proferidos en la Cámara de Diputados de Brasil y de Uruguay entre 1985 y 2016. Se propone presentar un panorama general de los resultados, explorando los datos en su formación integral, proporcional y de distribución en la serie histórica, con la realización de inferencias sobre las evidencias expuestas. El texto se orienta por dos preguntas de partida: 1) ¿es posible identificar un patrón que permita relacionar la posición de las parlamentarias respecto a la ampliación en el acceso al derecho al aborto? La segunda consiste en la verificación de un fenómeno en ascenso, con distintos grados, en los países de América Latina: 2) ¿cuál es la actuación de las representantes políticas alineadas a las iglesias cristianas, evangélica o católica, y su efecto en la discusión en plenario sobre el aborto?
aborto; democracia; representación femenina; Brasil; Uruguay
Introdução
O direito ao aborto foi inserido paulatinamente como um dos principais e mais controversos temas de discussão dos sistemas políticos da América Latina, após a redemocratização dos países da região. Esse processo ocorreu em virtude de reivindicações em torno desta agenda, orientadas sob distintas motivações, a partir da interlocução dos/as representantes políticos com os movimentos feministas (Machado, 2017; Machado, 2012). Inicia-se uma cruzada conservadora (Miskolci, 2018) ainda nos anos 1990 encabeçada pela Igreja Católica que recebe apoio de outros segmentos religiosos e agnósticos. A disputa torna-se mais e mais antagônica e encontra na categoria gênero, em especial na utilização de “ideologia de gênero”, o ponto nevrálgico (Corrêa, 2018; Biroli, 2020; Biroli, Machado, Vaggione, 2020; Faur, Vigoya, 2020). Contudo, há variações relevantes na forma como este debate repercutiu em cada país, sobretudo no modo como os/as representantes políticos construíram suas plataformas de entendimento acerca da interrupção voluntária da gravidez.
O objetivo deste artigo é analisar a posição e os argumentos mobilizados pelas parlamentares mulheres ao se pronunciarem sobre o aborto. Para realizar esta pesquisa utilizamos como metodologia de trabalho a análise dos pronunciamentos das deputadas, proferidos na Câmara dos Deputados do Brasil e na Câmara de Representantes do Uruguai, entre 1985 e 2016. A proposta é apresentar um panorama geral dos resultados aferidos pela investigação, explorando os dados em sua formação integral, proporcional e distribuição na série histórica, com a realização de inferências sobre as evidências expostas. Duas perguntas de partida orientam a redação: 1) É possível identificar um padrão que permita relacionar a posição das parlamentares às ampliações no direito ao aborto? A segunda pergunta consiste na verificação de um fenômeno em ascensão, com distintos graus, nos países da América Latina: 2) Qual a atuação das representantes políticas alinhadas às igrejas cristãs, evangélica ou católica, e seu efeito na discussão em plenário sobre o aborto?
Para analisar esse cenário subdividimos o artigo em duas seções: na primeira apresentamos brevemente os elementos metodológicos adotados para a realização da pesquisa, assim como o contexto de emergência dos dados; na segunda, examinamos o modo como as posições sobre o aborto foram enunciadas pelas deputadas, e os argumentos empregados para sustentar suas posições.
Metodologia da pesquisa e contexto dos dados
A metodologia da pesquisa se baseou na análise dos pronunciamentos sobre o tema aborto, proferidos pelas deputadas que compõem a Câmara dos Deputados do Brasil e a Câmara de Representantes do Uruguai, entre os anos de 1985 e 2016, logo, todas as manifestações de fala realizadas em plenário desde o início do governo civil até 2016.
Essa pesquisa foi iniciada em 2012 e se concentrou nas informações disponibilizadas pelo legislativo brasileiro, realizadas pelo grupo de pesquisa Democracia e Desigualdades (Demodê) da Universidade de Brasília (UnB), no âmbito do projeto: “Direito ao aborto e os sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”1. Posteriormente, a base de dados foi ampliada no desenvolvimento da tese de doutorado de Luis Gustavo Teixeira da Silva, orientada pela Profª Flávia Biroli, assim incorporando a Câmara de Representantes do Uruguai, para entender as razões da aprovação da descriminalização do aborto em 2012.
O primeiro passo foi a seleção dos pronunciamentos que iriam compor a base de dados. Para isso, elaboramos um conjunto de palavras-chave que permitisse coletar as diferentes formas de construção da fala sobre o aborto. Após testes para experimentar os resultados obtidos no mecanismo de busca no site da Câmara dos Deputados Federais do Brasil, a conclusão foi que os termos mais apropriados para rastrear os pronunciamentos seriam os seguintes: “aborto”, “abortamento”, “interrupção voluntária da gravidez”, “interrupção da gravidez”, “interrupção voluntária da gestação” e “interrupção da gestação”. A partir desses procedimentos, coletamos e analisamos 1.078 discursos proferidos entre janeiro de 1985 e dezembro de 2016, período que abrange a 47ª legislatura até a 55a legislatura. Na Câmara de Representantes do Uruguai foram coletados e analisados 337 discursos, proferidos entre janeiro de 1985 e dezembro de 2016, entre a 42a legislatura até a 48a legislatura2.
A pesquisa na Câmara de Representantes do Uruguai foi efetuada a partir de 2014, após a conclusão parcial da realizada na Câmara dos Deputados do Brasil. Para estabelecer uma análise comparativa foram adotados os mesmos procedimentos, salvo por pequenas adequações executadas, sobretudo idiomáticas. A comparação foi realizada a partir de alguns parâmetros. Em primeiro lugar foi efetuada com base em um recorte espacial específico, isto é, a análise dos pronunciamentos proferidos em uma esfera do Poder Legislativo, a Câmara dos Deputados. Em segundo, foi também aplicado um recorte temático, ou seja, entre os diversos assuntos que compõem a agenda parlamentar selecionamos os discursos sobre o aborto. Por último, o recorte temporal foi equivalente para ambos os países. Portanto, apesar das enormes diferenças entre Brasil e Uruguai (por exemplo, demográficas, territoriais e sociais), tais recortes viabilizaram a análise comparativa, pelo fato de nos concentrarmos no material produzido pelos/as representantes políticos/as de uma instituição do Estado circunscrita, que possuem função similar no regime democrático.
A seleção dos casos para comparação se baseou no fato de que em ambos o aborto foi tema da agenda de discussão parlamentar desde a redemocratização, assim como pelo fato de se constituírem em casos opostos, no tocante ao tratamento dos direitos reprodutivos das mulheres. O Uruguai tornou-se o primeiro país da região, em período recente, a aprovar uma legislação para descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez. Já no Brasil verifica-se a ascensão de forças políticas, sociais e religiosas conservadoras, as quais são, em grande medida, responsáveis por conduzir de modo regressivo a discussão sobre o aborto no Poder Legislativo. Assim, a proposta é realizar um recorte nos dados para analisar em que medida os discursos das parlamentares mulheres pode apresentar indicadores relativos às dinâmicas político-sociais para explicar a composição das posições em disputa acerca dessa agenda.
Após o processo de seleção, todos os pronunciamentos foram lidos e analisados. Para cada discurso uma ficha no software estatístico Sphinx Lexica foi preenchida, com 32 variáveis de classificação dos discursos. A utilização deste instrumento foi de suma importância à sistematização das informações, realizado em três etapas. A primeira etapa consistiu na documentação da fala parlamentar, com o registro da Página, Expediente (BR)/Sessão Plenária (UY) e Data do discurso nos Diários da Câmara dos Deputados e Câmara de Representantes. Na segunda, foram registradas as informações de identificação do/a parlamentar pronunciante, tais como: Nome, Sexo, Filiação Partidária, Unidade Federativa (BR)/Departamento (UY) pelo qual foi eleito/a, e o número de Mandatos que estava exercendo. A última etapa consistiu em classificar o conteúdo expresso em cada discurso, tais como: as Palavras-chave mencionadas na fala, a Centralidade com que o tema do aborto foi tratado no pronunciamento, Posição sobre o assunto, Posição específica (tipo de ampliação ou restrição ao aborto); Argumentos empregados para sustentar sua posição; o Argumento Principal da fala; o(s) argumento(s) que o/a parlamentar buscou contestar e/ou refutar; a Autoidentificação utilizada como argumento de autoridade para pontuar um lugar de fala (por exemplo, mãe, mulher, médico, sacerdote etc.); a especificação de algum Fato do momento sobre o qual o pronunciamento se baseou, por fim, o arquivamento do Discurso e Observações sobre ele (sobre aspectos metodológicos ver: Silva, 2017). A utilização do software estatístico Sphinx Lexica tornou exequível a sistematização e cruzamento dos dados obtidos. Do mesmo modo, a construção de panoramas qualitativos e quantitativos de um material composto essencialmente por textos.
Nesta análise comparativa precisamos levar em consideração o contexto em que os discursos foram proferidos. Do ponto de vista legal, é necessário sinalizar que a legislação brasileira, desde 1940, criminaliza o aborto, com atenuante para gestações resultantes de estupro, quando há risco de vida da gestante e, em 2012 por ação do Poder Judiciário, em fetos diagnosticados com anencefalia. Por sua vez, no Uruguai o aborto foi criminalizado em 1938, com atenuantes para casos de estupro, risco de saúde ou vida da mãe, penúria econômica e honra, esta legislação vigorou até o ano de 2012, quando a interrupção voluntária da gravidez foi descriminalizada.
Neste artigo foi realizado um recorte na pesquisa, com o propósito de analisar apenas a posição e os argumentos das parlamentares mulheres sobre o aborto, sendo uma continuação das evidências apresentadas em outros trabalhos (Mariano; Biroli, 2017; Miguel, Biroli, Mariano, 2017; Silva, 2021). Para isso, salientamos que vamos explorar os resultados obtidos por variáveis específicas na classificação dos pronunciamentos. A primeira, intitulada sexo, que serviu para assinalar qual o sexo do/a orador/a. A segunda variável é o discurso se coloca: que por definição serviu para esmiuçar a posição em cada pronunciamento sobre a interrupção voluntária da gestação. Esta variável é composta por sete categorias que abrangem os distintos posicionamentos sobre a matéria. Para cada fala era possível assinalar até duas categorias, são elas:
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1ª a favor da ampliação do aborto legal: assinalada quando o pronunciamento defendia outras possibilidades de aborto legal, além dos casos já previstos na legislação;
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2ª a favor da manutenção da lei: pela posição em defesa da legislação e situações vigentes nos países correspondentes à pesquisa. Portanto, ela identifica aqueles discursos que apresentam resistências quanto às mudanças na legislação;
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3ª a favor da restrição do aborto legal: empregada em situações que o/a deputado/a se posicionava pela extinção de uma ou todas as exceções de aborto legal, previstos nas respectivas legislações;
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4ª contra o aborto (genérico): utilizada naqueles discursos contrários ao aborto, mas que não falavam da legislação e não defendiam mudanças nela;
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5ª por novas medidas punitivas e/ou de controle: utilizada quando o pronunciamento defendia que nas situações em que o aborto já era crime as penas deveriam ser mais rigorosas ou haver maior controle para que ele não fosse realizado;
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6ª pela educação sexual e/ou planejamento familiar: assinalado quando se colocava em prol de políticas direcionadas à educação sexual de jovens e/ou adultos, e à criação/ampliação dos programas destinados à orientação sobre o planejamento familiar;
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7ª não se posiciona: quando a fala se caracterizava pela ausência de posicionamento quanto à questão do aborto.
Nos casos em que o discurso era a favor da ampliação do aborto legal, imediatamente o preenchimento da ficha remetia à identificação da posição específica do discurso, através da variável caso a posição seja a favor da ampliação do aborto legal: em que era necessário tipificar a que tipo de ampliação o discurso fazia menção. Em cada caso era possível marcar até quatro alternativas das seguintes categorias, pela ordem: 1) descriminalização total; 2) permissão em caso de inviabilidade do feto; 3) ampliação da assistência da rede hospitalar; 4) não indica que tipo de ampliação; e/ou 5) outra ampliação. Mesmo procedimento ocorreu quando a posição do pronunciamento era: a favor da restrição do aborto legal e/ou por novas medidas punitivas e/ou de controle. Nesta situação a ficha remetia à variável caso seja a favor da restrição do aborto legal, assim era possível designar até cinco das seguintes categorias de preenchimento, pela ordem: 1) proibição total; 2) estupro; 3) risco de vida da mãe; 4) inviabilidade do feto; 5) políticas de repressão ao aborto; e/ou 6) outra restrição. As variáveis designadas a identificar a posição parlamentar sobre o aborto e suas respectivas categorias e especificações, exerceram papel significativo na catalogação adequada dos discursos. Por meio desse processo de classificação foi possível apresentar e escalonar as gradações entre as distintas inclinações expressas nas falas.
Esta exposição teve por propósito elucidar os procedimentos de coleta e classificação dos pronunciamentos, assim como o conteúdo das variáveis e categorias utilizadas nesse processo. Na etapa seguinte vamos explorar os resultados obtidos, através do cruzamento de informações entre as variáveis, apresentando quadros quantitativos e qualitativos sobre o posicionamento das parlamentares.
A posição das parlamentares sobre o aborto
Antes de iniciar, algumas informações devem preceder esta análise. A principal delas diz respeito às assimetrias na representação entre homens e mulheres. No Brasil, durante o período estudado, as mulheres representaram entre 1,6% e 10% da composição total da Câmara dos Deputados, no Uruguai entre 3% e 17,2% na Câmara de Representantes. O crescimento da participação feminina ocorreu de modo gradual, resultado de enfrentamentos e mobilizações da sociedade civil, sobretudo dos movimentos feministas, para desobstrução dos canais de acesso à política institucional às mulheres. Cada um dos países enfrentou a baixa representatividade das mulheres de forma distinta: o Brasil optou pela adoção de cotas para as eleições proporcionais em 1996, lei que sofreu várias alterações ao longo dos anos na tentativa de corrigir limitações (Araújo, 2008, 2009, 2013)3, enquanto o Uruguai somente aplicou nas eleições de 2014 (Johnson, 2008)4. O debate sobre as cotas ocorreu no país vizinho, mas o resultado foi “una concesión por única vez de los hombres que siguen controlando los partidos y sus reglas de juego en la interna” (Celiberti, Johnson, 2010:13). Embora os dois países utilizem estratégias distintas, os resultados são limitados como demonstra o gráfico abaixo sobre a presença de mulheres nos parlamentos.
As primeiras legislaturas analisadas registram os índices mais baixos de presença feminina, ao passo que as últimas os mais altos. A enorme diferença numérica entre homens e mulheres se transpõe à quantidade de pronunciamentos, igualmente desproporcional entre os sexos. Enquanto os discursos proferidos por mulheres contabilizam 149 falas no Brasil (13,8% do total de 1.078) e 67 (19,9%) no Uruguai, aqueles efetuados por homens foram 929 (86,2%) e 270 (80,1%), respectivamente. Abaixo apresentamos tabela com os posicionamentos das deputadas nos respectivos países.
Ao observar a tabela reparamos que existe um padrão distinto quanto às posições das deputadas nos dois países. A posição a favor da ampliação do aborto legal foi a mais sustentada nos discursos proferidos pelas deputadas. Entre as deputadas brasileiras e uruguaias os argumentos mobilizados com maior frequência para sustentar essa posição foram: aborto é uma questão de saúde pública; injustiça social; liberdade individual e argumentos jurídicos. O maior desnível concentra-se no uso do argumento pelo controle da mulher sobre o próprio corpo, que entre as uruguaias representou 31,8% do total de citações, já nos discursos das brasileiras apenas 7,1%.
Em perspectiva comparada, há uma diferença significativa de proporção nas duas amostras. Os discursos assinalados com a favor da ampliação do aborto legal atingem o percentual de 41% nos pronunciamentos das deputadas brasileiras e 64,5% entre as uruguaias. Essa informação é ilustrativa, na medida em que permite verificar níveis razoavelmente distintos na forma de absorção desta agenda nas plataformas de atuação das deputadas mulheres nestes países.
Para cada posição registrada na categoria a favor da ampliação do aborto legal era necessário apontar até quatro tipos de ampliação. Na Tabela 3 apresentamos os resultados sobre os tipos de ampliação no direito ao aborto defendido nos discursos.
De acordo com a Tabela 3, há variações nesta posição específica comparando os dois países. As deputadas uruguaias apresentaram posição favorável à descriminalização total em 82% dos discursos a favor da ampliação do aborto legal, já as brasileiras 31%. As categorias permissão em caso de inviabilidade do feto e ampliação da assistência na rede hospitalar foram apontadas pelas parlamentares brasileiras em 14% e 37%, respectivamente, entre as deputadas uruguaias tais categorias representam 2% e 6% das falas, respectivamente.
Por intermédio deste exercício notamos que os números sobre o tipo de ampliação pela descriminalização total aprofundam ainda mais as diferenças nos discursos proferidos. Neste caso é preciso ponderar os contextos, primeiramente notar que 60 discursos proferidos pelas deputadas uruguaias (90% do total de 67) foram proferidos em pleno processo de apreciação e votação de projetos de lei sobre a descriminalização do aborto, ao passo que os pronunciamentos no Brasil foram majoritariamente efetuados em sessões ordinárias de tema livre, sem a deliberação exclusiva sobre a descriminalização.
Em segundo lugar, consideramos importante avaliar os baixos índices de ampliação aferidos no Uruguai nas demais categorias. O Uruguai é historicamente um dos países referência na América Latina na promoção e acesso a serviços de saúde, a partir de 2004 com a promulgação da Resolução 369/04 houve a regulamentação dos serviços de saúde pré e pós-aborto (Rostagnol, 2009). Logo, esses fatos permitem entender a ausência da alta demanda nos discursos com relação à ampliação da assistência na rede hospitalar. Do mesmo modo, a categoria permissão em caso de inviabilidade do feto apresenta poucos registros pelo fato de que em boa parte das gestações nestes casos (por exemplo, anencefalia), acarretam riscos à saúde da gestante (Diniz, 2003). Sendo assim, esta situação enquadrava-se na legislação vigente de 1938 até 2012.
A realidade brasileira é constituída por outro cenário, pois o sistema público de saúde é precário e insuficiente para atender a enorme demanda, e o sistema privado é inacessível à grande parcela da população. Mais que isso, as exceções previstas desde 1940, permissão em caso de estupro ou risco de vida à gestante, são até certo ponto esvaziadas e ineficazes devido à burocracia, à falta de atendimento e à informação. As normas técnicas do Ministério da Saúde, de 1999 e 2005, foram tentativas de regulamentar e desburocratizar os serviços de atendimento e o acesso à interrupção voluntária da gravidez nos referidos casos. As pesquisas da antropóloga Debora Diniz (2003) demonstram que o usufruto deste direito envolve longas e controversas disputas judiciais, bem como uma série de laudos médicos comprobatórios da violência sexual e/ou do risco de vida da gestante. Aliás, é necessário ressaltar as muitas proposições legislativas com o propósito de normatizar os obstáculos à realização do aborto nos casos previstos na legislação, como por exemplo: a exigência do exame de corpo de delito comprovando estupro para que o médico possa realizar aborto (Projeto de Lei (PL) 6.115/2013 – Salvador Zimbaldi – Partido Democrático Trabalhista – PDT/SP; Alberto Filho – Movimento Democrático Brasileiro – PMDB/MA); a tipificação como crime contra a vida, o anúncio de meio abortivo e previsão de penas específicas para quem induz a gestante à prática de aborto (PL 5.069/2013 – Eduardo Cunha – PMDB/RJ com outros deputados)6. Com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República a agenda moral-conservadora se fortaleceu não apenas no Executivo – como demonstram as políticas propostas pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, mas também no Legislativo, com contribuições da base de apoio composta por parlamentares dos segmentos conservadores religiosos ou não.
Portanto, as demandas por ampliação da assistência na rede hospitalar e pela permissão em caso de inviabilidade do feto devem ser avaliadas como pontos relevantes no debate sobre o tema ante o panorama do legislativo brasileiro. Isto dito, tendo em vista que a ascensão de grupos conservadores na esfera política tornou regulamentações e/ou ampliações moderadas no direito ao aborto em empreendimento que exige significativa mobilização entre distintas esferas do Legislativo, Judiciário e da sociedade civil.
Esta ponderação teve a finalidade de entender os contextos em que os dados surgem e quando eles são comparados entre si. Neste sentido, não é possível aferir, no campo da discussão pela ampliação dos direitos reprodutivos, uma maior inclinação ou predisposição das deputadas uruguaias em comparação com as brasileiras no tocante à descriminalização total do aborto. É possível apontar um cenário atrelado à estrutura do sistema político, com a influência das forças antagônicas que atuam pressionando parlamentares: por um lado estão os atores conservadores, em especial os religiosos; por outro, os atores que defendem direitos reprodutivos, em especial o movimento feminista. A oscilação destas forças possibilitou no período investigado, em certa medida, no caso uruguaio ampliar a discussão e o conjunto das ações para deliberar sobre a descriminalização do aborto, já no brasileiro discutir agendas relacionadas à efetivação da legislação vigente e impedir que sofra retrocessos.
A categoria contra o aborto (genérico) também apresenta percentuais distintos nos discursos das deputadas do Brasil e do Uruguai. Esses pronunciamentos caracterizam-se por apresentar discordância à ampliação do direito ao aborto, geralmente evocando argumentos relacionados à inviolabilidade do direito à vida, questões jurídicas, científicas, morais e/ou religiosas para sustentar a posição, ainda que sem defender alteração para retroagir na legislação vigente.
A diferença mais substantiva entre as deputadas brasileiras e uruguaias concentra-se nos pronunciamentos que sustentaram posições regressivas sobre o assunto: a favor da restrição do aborto legal e por novas medidas punitivas e/ou de controle. No Brasil são poucos os pronunciamentos com estas conotações, apesar disso eles podem ser avaliados como indicadores, pelo fato de as representantes mulheres se colocarem a favor da restrição das exceções de punibilidade existentes na legislação, mais ainda pela defesa de medidas que estipulem maiores penas a outras mulheres. Além disso, esses dados revelam uma tendência crescente entre as deputadas mulheres, que serão examinadas com mais informações logo adiante. Por outro lado, como é possível notar na Tabela 4, nenhuma parlamentar uruguaia se pronunciou para defender maiores punições às mulheres ou restrições ao aborto, sendo que a legislação do país, vigente desde 1938, abrangia um número considerável de exceções, tais como: gravidez decorrente de violação sexual, penúria econômica, risco de saúde ou vida da gestante, com penas estipuladas entre 3 e 6 meses de reclusão (Sapriza, 2002), por exemplo, no Brasil são de 1 a 3 anos. Para cada posição registrada nas categorias a favor da restrição do aborto legal e/ou por novas medidas punitivas e/ou de controle era necessário apontar até cinco tipos de restrição. Na tabela abaixo apresentamos restrições defendidas nos discursos.
Conforme abordado anteriormente, nos pronunciamentos das deputadas uruguaias não há registros da defesa de restrições na legislação de 1938, tampouco de maiores punições às mulheres. Na realidade, esse tipo de posicionamento também não é mobilizado pelos deputados homens, registrado apenas três falas com tais inclinações. Consideramos esse um indicador da consolidação da laicidade do Estado nas deliberações públicas no Uruguai, princípio este que demonstra ter impacto nos limites, termos e parâmetros em que se organizam as construções discursivas. Isto dito, é possível enquadrar as razões científicas, jurídicas e/ou atreladas à opinião pública enunciadas em contrariedade à descriminalização do aborto e à autonomia plena das mulheres sobre seus corpos, mesmo que apoiadas em visões não consensuais da ciência e/ou de jurisprudência sobre a origem da vida, bem como em pesquisas de opinião com resultados discutíveis quanto à amostra e sua representatividade. Porém, não há sustentação sob esses parâmetros para defender, por exemplo, políticas de repressão às mulheres. Portanto, uma coisa é dizer que a população é contra a descriminalização do aborto, e outra que a população é favorável à ampliação das penas às mulheres que abortam, ou ainda que a ciência e/ou a jurisprudência ofereçam razões para sustentar a restrição e/ou repressão ao aborto em caso de risco de vida da gestante, estupro ou quando há inviabilidade do feto. Logo, este tipo de fundamentação de caráter regressivo incide preponderantemente em uma questão moral e/ou de crença do/a parlamentar.
Entre as parlamentares brasileiras os pronunciamentos defendendo a proibição total do aborto, restrição em caso de estupro, inviabilidade do feto e/ou políticas de repressão são expressivos, apesar de representar apenas 11,4% (17 de 149 discursos) do total de falas das deputadas sobre o assunto. As investigações realizadas em discussões sobre o aborto em outros países apontam que são raríssimas as falas de mulheres defendendo este tipo de posicionamento (Ruibal, 2014; Ferre et al. 2002). Este é um dado relevante, na medida em que até 2003 apenas duas parlamentares haviam se pronunciado dessa forma, são elas: Sandra Cavalcanti (Partido da Frente Liberal − PFL/Democratas − DEM-RJ) e Simara Ellery (PMDB/BA), as demais falas foram todas proferidas após 2004, pelas parlamentares: Angela Guadagnin (Partido dos Trabalhadores − PT-SP), Sueli Vidigal (Partido Democrático Trabalhista − PDT-ES), Fátima Pelaes (PMDB-AP), Zelinda Novaes (PFL/DEM-BA), Lauriete (Partido Social Cristão − PSC-ES), Liliam Sá (Partido Social Democrático − PSD-RJ), Elaine Costa (Partido Trabalhista Brasileiro − PTB-RJ), Nice Lobão (PFL/DEM-MA), Solange Almeida (PMDB-RJ). Em comum entre essas parlamentares é o fato de todas professarem a fé cristã, algumas vinculadas mais diretamente à Igreja Católica e Igrejas Evangélicas, além disso, conforme o Quadro1 apresentado no Anexo 1 deste artigo, a maioria delas (com exceção de Nice Lobão) integraram as Frentes Parlamentares de oposição ao aborto, instaladas no Congresso Nacional desde 2005. Desde já, a informação permite avaliar a ascensão de grupos religiosos na Câmara dos Deputados, com a presença crescente de mulheres entre seus quadros, contudo, são necessárias mais evidências, que serão expostas adiante, para examinar o fenômeno.
Por ora é necessário analisar as posições a favor da manutenção da lei e pela educação sexual e/ou planejamento familiar, haja vista que elas deflagram certa complexidade não identificada nas outras categorias, devido à heterogeneidade de direcionamentos e as circunstâncias com que foram empregadas.
A categoria a favor da manutenção da lei caracteriza-se pela posição em defesa da legislação e pelas situações vigentes nos países correspondentes à pesquisa. Portanto, ela identifica aqueles discursos que apresentam resistências quanto às mudanças na legislação. Mais relevante é notar as distintas composições entre estes discursos pronunciados pelas deputadas de ambos os países. Haja vista que esta posição foi assumida pelas deputadas brasileiras, na maioria das vezes, com o intuito de se opor a retrocessos na legislação, precisamente 24 discursos (de 29) tiveram essa inclinação em distintos contextos. Entre as deputadas uruguaias a posição a favor da manutenção da lei foi empregada majoritariamente (quatro de seis discursos) para se opor, ainda que moderadamente, aos projetos de lei cujo propósito era descriminalizar o aborto. Após 2012, quando foi aprovada a interrupção voluntária da gravidez, as parlamentares Gabriela Perdomo (Frente Ampla) e Romina Napiloti (Frente Ampla) se pronunciaram a favor da manutenção da lei, sobretudo para contestar projetos de lei apresentados com objetivo de propor recuos na legislação aprovada em 20127.
A posição pela educação sexual e/ou planejamento familiar esteve preponderantemente associada à ampliação dos direitos reprodutivos das mulheres. Por um lado, sua função no debate parlamentar e político era pontuar a necessidade de ações direcionadas à educação sexual de jovens e/ou adultos, assim como orientação sobre a importância do planejamento familiar, no contexto de uma sociedade secular dirigida por um Estado laico, logo, sem interferências de pressupostos religiosos sobre a vida sexual e reprodutiva das mulheres. Por outro lado, durante as décadas de 1980 e 1990, a posição pela educação sexual e/ou planejamento familiar foi um dos principais fundamentos dos movimentos feministas e negros para coibir as ações de esterilizações de mulheres pobres na América Latina, promovidas por organizações internacionais. Por exemplo, no Brasil o combate a estas ações resultou no estabelecimento na Câmara de Deputados, em 1992, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Esterilizações, a qual apontou a motivação higienista e racista destas ações que ocorreram no Brasil e em outros países da região.
A partir dos anos 2000 a demanda por políticas de educação sexual e planejamento familiar passou a ser elaborada com outro enfoque, isto é, tais políticas começaram a ser apontadas como alternativas à ampliação nos direitos reprodutivos. Nesta construção as parlamentares tendem a argumentar que o aborto está associado à pobreza e, consequentemente, à ausência de políticas de educação sexual e planejamento familiar. Por isso, a resposta para a questão do aborto seria o investimento em políticas desta natureza, que produziriam melhores resultados na diminuição da prática, ao invés da descriminalização, que na perspectiva das parlamentares, “não respeita a vida e transformaria o aborto em método contraceptivo”.
Após a exposição e análise parcial dos dados em sua forma integral é necessário avaliar como eles se conformam em sua distribuição na série histórica, permitindo aprofundar pontos destacados anteriormente e novas evidências sobre os discursos das deputadas em ambos os países. Abaixo o gráfico com a posição das deputadas uruguaias.
O Gráfico 2 demonstra que a posição a favor da ampliação do aborto legal é preponderante nos pronunciamentos das deputadas uruguaias em todas as legislaturas, porquanto que a posição contra o aborto (genérico) e a favor da manutenção da lei8 foram proferidas em poucos e isolados registros. Selecionamos três fragmentos de discursos contra o aborto proferidos nos dois períodos de maior debate do tema no parlamento. Em 2002, a deputada Beatriz Argimón (atual Vice-Presidenta do Uruguai) do Partido Nacional (PN) reflete sobre o tema a partir de uma perspectiva pessoal.
: Distribuição dos discursos por legislatura, de acordo com a posição das deputadas mulheres no Uruguai (1985-2016)
[…] Para terminar, y consciente de que soy legisladora de un país laico, quiero hacer una reflexión personal. Me parece que en estas instancias también podemos trasladar nuestra opinión en forma personal. Soy una mujer militante que está en contra del aborto por lo que significa para los niños, y también por lo que significa para nosotras, las mujeres. Estoy a favor de una planificación responsable de las familias. Yo, que soy profundamente cristiana -no me saco o dejo mis convicciones cristianas cuando entro a esta Cámara […] (Beatriz Argimón - PN - Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 26/11/2002, p. 156.
Os dois outros fragmentos pertencem a discursos enunciados no ano de 2012, ano em que o Projeto de Lei 567/2011 que descriminalizava o aborto foi debatido e aprovado na Câmara de Representantes. O primeiro discurso foi proferido por representante do Partido Colorado (PC) e o segundo por uma deputada do Partido Nacional.
[…] Despenalizar el aborto como medida sanitaria con el objetivo de disminuir la muerte de madres víctimas de mala praxis es éticamente inválido, ya que el mal sigue siendo mal aun cuando se lleve a cabo queriendo un bien. Los médicos están obligados a defender la vida y la salud, nunca a matar (Graciela Matiaude − PC − Canelones) Uruguay, Diario de Sesiones, 25/09/2012, p. 79).
[…] Quien hoy me acompaña no es un feto, señor Presidente; no es un embrión. Es mi hija, y tiene vida desde el momento en que la concebimos. […] A lo largo del día se ha debatido-seguramente, utilice otro espacio para dejar planteadas diversas situaciones- cuál es el derecho que prima: si el de la libertad de la mujer, o el derecho a la vida. Como mujer y como madre de tres hijas, he dicho que por supuesto defiendo la libertad que tenemos como mujeres, pero acá no hay una antinomia entre el derecho humano y la equidad de género […] (Verónica Alonso − PN − Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 25/09/2012, p. 147).
Ademais, podemos notar que o crescimento da inserção das mulheres na política institucional teve impacto significativo no aumento das posições a favor da ampliação do aborto legal, assim como na inserção da deliberação de projetos de lei para descriminalização do aborto no Uruguai. Essa constatação é consoante com as conclusões de Nikki Johnson (2011), sobre o protagonismo da bancada feminina na diminuição das desigualdades de gênero e na conquista de direitos às mulheres uruguaias.
Esse resultado não deve ser analisado somente a partir das fronteiras institucionais, uma vez que é fruto da articulação dos movimentos feministas e de mulheres desde a redemocratização do país. Articulação focada em duas frentes: ampliar a representação feminina nos espaços de decisão política; e, em interlocução com as suas representantes, definir as estratégias e os momentos oportunos de inserir suas agendas no debate público.
A atuação das feministas, e das parlamentares vinculadas à agenda, sobre a questão do aborto no Uruguai é compreendida em três etapas. O período entre 1985 e 1999 representa a primeira fase, em que suas ações não se direcionaram no sentido de inserir a questão da descriminalização no debate parlamentar. A preocupação do movimento consistiu em construir uma agenda consensual entre as organizações de mulheres, bem como promover a percepção, na interlocução com o Estado e com a sociedade, de que as mulheres que recorriam ao aborto eram portadoras de direitos, cuja liberdade de consciência para decidir pela interrupção da gravidez estava sendo violada (Johnson, Rocha, Schenck, 2015)9. Esse recuo estratégico pode ser avaliado como reflexo das incertezas, distintos direcionamentos e desgastes de derrotas que um projeto de lei sobre o aborto poderia sofrer no período. Isto dito, tendo em vista a composição do Poder Legislativo, formado por ampla maioria de parlamentares homens oriundos do Partido Nacional.
O período entre 2000 e 2009 representou a segunda etapa da atuação em torno do tema aborto, o qual oscilou entre a proximidade da conquista dos direitos reprodutivos e a reorganização de suas forças diante de frustrações e impasses. Neste momento, a composição de forças políticas e sociais focadas na agenda já haviam construído um discurso consolidado, integrando número significativo de organizações de mulheres. Além disso, a demanda foi capaz de ampliar a base de apoio entre diferentes setores da sociedade civil, por exemplo, a Coordenação Nacional de Organizações Sociais pela Defesa da Saúde Reprodutiva era também integrada pela Central dos Trabalhadores (PIT-CNT), movimentos pela diversidade sexual, organizações de saúde, organizações religiosas (como a Igreja Metodista) e por redes de jovens (Johnson, Rocha, Schenck, 2015).
Um capítulo à parte nesta conjunção de forças foi a intensa mobilização dos profissionais de saúde em apoio à descriminalização do aborto, sobretudo no início dos anos 2000, em virtude dos problemas de saúde pública relacionados à quantidade de abortos realizados no país e à elevação da mortalidade materna. Essa mobilização culminou na criação da organização Iniciativas Sanitarias contra el Aborto Provocado en Condiciones de Riesgo, contando com o apoio das principais instituições e organizações profissionais do país (Rostagnol, 2009). A seguir, dois trechos de discursos proferidos por deputadas situadas em diferentes campos ideológicos que tratavam o aborto como questão de saúde pública com a diferença de uma década.
[…] Ese 12 de diciembre, la Sociedad de Ginecología del Uruguay realizó un ateneo sobre las consecuencias del aborto practicado en condiciones de riesgo. En esa ocasión se volvió a discutir este tema en un ambiente de seriedad, de discrepancia, de disenso y, en algunos casos, de consenso. En la maternidad de este hospital se llevó a cabo este seminario con la intención de difundir y de sensibilizar a la Facultad de Medicina, al Ministerio de Salud Pública y al Parlamento sobre la muerte de mujeres víctimas de abortos clandestinos […] (Glenda Rondán − PC − Montevidéu, 2002. Uruguay, Diario de Sesiones, 06/03/2002, p. 13).
O discurso da representante do Partido Colorado ocorreu no momento em que o debate sobre o aborto adentra o campo da saúde. Uma década depois, a deputada da Frente Ampla (FA) relembra a iniciativa de 2002.
[…] Con respecto a Uruguay, la tasa de mortalidad materna es la más baja de la región, pero la mayoría de los casos son evitables. La mitad de ellos se originan en casos de abortos provocados en condiciones de riesgo. Por ello, en 2002 se puso en marcha el Programa Iniciativas Sanitarias, contra el aborto provocado en condiciones de riesgo […] (Bertha Sanseverino − FA – Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 18/09/2012, p. 33).
Conforme sustentam Lilián Abracinskas e Alejandra Gómez (2007) a agenda extrapolou o círculo de discussões exclusivamente engendrado pelos feminismos para se tornar, em certa medida, reivindicação cidadã. O resultado dessa mobilização no início da década de 2000 teve como efeito uma ampla adesão social. O levantamento produzido por Lucía Selios (2007) indica que as pesquisas de opinião realizadas entre 2001 e 2004 apontavam que 63% da população uruguaia era a favor da descriminalização do aborto. Apesar de aprovado em 2002 na Câmara de Representantes, o Projeto de Lei 3.107/1993 foi vetado pela Câmara de Senadores em 2004 (Jones, 2007).
Em 2006, outro projeto de lei ingressou no Poder Legislativo, todavia a mobilização veio a se tornar efetiva apenas em 2007. Neste contexto é criada a campanha Nosotras y nosotros también, a qual reuniu 8.798 adesões de pessoas e também de 116 organizações sociais, cuja premissa se assentava no direito à liberdade de decisão das mulheres. Assim, em 2007 a Câmara de Senadores aprovou o Projeto de Lei 536/2006, assim como a Câmara de Representantes em 2008, no entanto o presidente Tabaré Vázquez (FA) vetou partes do projeto sancionado no âmbito legislativo, sobretudo aquelas que regulamentavam a descriminalização do aborto.
A defesa do aborto sustentada no direito à liberdade individual e no controle da mulher sobre o próprio corpo encontra-se presente em discursos de deputadas no ano de 2008 quando o projeto aprovado no Parlamento foi vetado pelo presidente. O primeiro exemplo trata da liberdade individual, no segundo a deputada trata do controle sobre seu próprio corpo.
[…] Y yo estoy convencida de que tenemos derecho a decir cuándo queremos ser madres y cuándo no y de que tenemos derecho a planificar nuestras vidas y nuestras familias. En última instancia, señor Presidente, si asumo que tengo derecho a mi placer, si asumo que tengo derecho a definir si quiero ser madre o no, quiso la naturaleza que ese fenómeno se produjera en el cuerpo de una mujer. Porque a quien se le hinchan los pies el quinto mes, como dice Joan Manuel, es a las mujeres. A quienes se les infla la panza y pasan por el parto, por la cesárea, a quienes se les agrieta los pezones, es a las mujeres. Y una pasa felizmente por todas las instancias que debe pasar, cuando realmente quiere ser madre pero, ¿quién puede obligar a una mujer a pasar por todo eso si no quiere ser madre? […] (Silvana Charlone − FA − Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 04/11/2008, p. 135).
[…] Este proyecto de ley va a defender parte de esos derechos que a las mujeres nos cuesta tanto conquistar. Y uno de ellos es la autonomía de nuestro cuerpo, la posibilidad de decidir sobre él y ser nosotras mismas las tomemos esa decisión. Esto tiene que ver con el patriarcado y con todas sus instituciones. De alguna manera sigue habiendo ramalazos, revolcándose para no ver la posibilidad de que las mujeres tomemos nuestras decisiones acerca de qué queremos hacer con nuestro cuerpo […] (Nora Gauthier − FA − Río Negro. Uruguay, Diario de Sesiones, 04/11/2008, p. 154).
A demanda pela descriminalização do aborto foi incorporada no programa de governo dos candidatos eleitos nas prévias da Frente Ampla, José Mujica e Danilo Astori. Este impulso fomentou a reorganização das alianças entre os movimentos feministas, representantes parlamentares e as demais forças sociais, desta vez sob a nomenclatura: Coordenação pelo Aborto Legal. As mobilizações foram realizadas a partir de lemas como El tiempo es ahora e ¿Qué más hay que ver?, cujo propósito era pressionar o sistema político e a agenda governamental para finalmente ratificar a legislação já aprovada em legislaturas anteriores (Johnson, Rocha, Schenck, 2011; 2015). Novamente os temas liberdade individual e controle da mulher sobre o próprio corpo estão presentes nos discursos de parlamentares da Frente Ampla, como vemos nos exemplos abaixo em 2011 e 2012.
[…] Cuando discutimos el proyecto de interrupción voluntaria del embarazo tuve la misma coherencia que ahora para aprobar el proyecto: la garantía de la libertad de esa ciudadana o de ese ciudadano que quiere acceder a un tratamiento para reproducción asistida. Hoy es inequitativo porque solo lo pueden pagar quienes tienen dinero; eso es inequidad y debe corregirse, y el Estado tiene la obligación, sin moralizar ni juzgar desde ningún punto de vista, de garantizar sus derechos […] (Daisy Tourné − FA − Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 09/10/2011, p. 67).
[…] En las primeras décadas del siglo XX -quiero poner énfasis en esto- hubo movimientos sociales de mujeres lúcidas y atrevidas, anticipatorias de emancipaciones que hoy todavía estamos discutiendo, como María Abella o Paulina Luisi, que reclamaban la emancipación del cuerpo de la mujer como condición para su acceso al estatus de sujeto social libre y autónomo, materializado gracias al Batllismo y a estas luchas, a través del logro de sus derechos civiles y políticos […] (María Elena Laurnaga − FA − Montevidéu. Uruguay, Diario de Sesiones, 25/09/2012, p. 80).
Sendo assim, em 2012 o Projeto de Lei 567/2011 esteve em apreciação em plenário, em uma única sessão foram registrados 111 discursos. Ao final da sessão o projeto foi aprovado na Câmara de Representantes, sendo que já havia sido sancionado no Senado. Assim, este projeto descriminalizou o aborto no Uruguai, ao estabelecer em seu primeiro artigo que “Toda mujer mayor de edad tiene derecho a decidir la interrupción voluntaria de su embarazo durante las primeras doce semanas del proceso gestacional”.
No Brasil o cenário é muito diferente, uma vez que a posição a favor da ampliação do aborto legal foi predominante entre as deputadas durante os anos de 1985 e 1998, período em que a mobilização pela ampliação dos direitos reprodutivos das mulheres avançou em termos de discussão em plenário.
Alguns eventos corroboraram para a inscrição do tema na agenda de discussões no período. Antes mesmo da redemocratização a discussão sobre aborto legal adentra o Congresso Nacional em um projeto no ano de 1983. Em seguida o Ministério da Saúde lança o Programa de Assistência Integral da Saúde da Mulher (PAISM-1984), que reconhece o aborto como problema de saúde e assegura métodos contraceptivos. Em 1985 foi criado o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) junto ao Ministério da Justiça. No processo de elaboração da Constituição Federal entre 1987 e 1988 foi discutida, em interlocução com os movimentos feministas, a possibilidade de apresentar um projeto de lei para descriminalizar o aborto. Porém, a mobilização das forças religiosas contra a proposta, demonstrando a organização dos setores contrários à pauta, levou as defensoras a optarem por um recuo estratégico, temendo um retrocesso em relação aos avanços em termos de políticas públicas direcionadas às mulheres. O discurso da deputada Raquel Candido em 1989 retrata o embate.
[…] Lamentamos que a Assembleia Nacional Constituinte tenha dado atenção aos que utilizam o Testamento e a pregação de Cristo para determinar esse universo que pertence unicamente à mulher. Durante os debates da Assembleia Nacional Constituinte houve muita polêmica, mas nada foi decidido em relação às milhares de mulheres que morrem em consequência da prática do aborto ilegal em um País que quer modernizar-se (Raquel Candido (PDT-RO) Brasil. Diários da Câmara dos Deputados, 08/03/1989, página 737).
Dada a complexidade do debate, a não inclusão do direito à vida desde a concepção no texto constitucional foi considerada uma vitória das feministas na disputa antagônica em torno do tema (Corrêa, Kalil, 2020).
: Distribuição dos discursos por legislatura, de acordo com a posição das deputadas mulheres no Brasil (1985-2016)
A legislatura entre 1995 e 1998 registrou o maior número de discursos em toda a série histórica, a mobilização em torno do Projeto de Lei 20/91 é preponderante para entender essa elevação das manifestações de fala10. Apresentado pelo deputado Eduardo Jorge (PT-SP) em 1991, a proposição tinha por objetivo regulamentar a realização do aborto pela rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), nas situações admitidas pelo Código Penal de 1940, isto é, gravidez resultante de estupro e risco de vida da gestante. Após ser aprovado nas comissões seria encaminhado ao Senado Federal, todavia uma manobra regimental permitiu que o projeto retornasse à Câmara dos Deputados para ser votado, mas foi retirado da Ordem do Dia por requerimento do deputado federal Aécio Neves (MG), na condição de líder do PSDB (Mariano, Biroli, 2017).
Apesar de não ter avançado, este projeto forneceu as bases para a edição da Norma Técnica do Ministério da Saúde, discutida em plenário já no ano de 1998 e publicada em 1999, intitulada Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, para promover a regulamentação nacional referente ao aborto decorrente de estupro, assim como a normatização da estrutura de serviços e amparo às gestantes no SUS (Mariano, Biroli, 2017).
Há um aspecto que deve ser ressaltado na mobilização dos argumentos ao analisar a série histórica. Como já foi dito os principais argumentos evocados para sustentar a posição a favor da ampliação do aborto legal foram: aborto é questão de saúde pública; liberdade individual; controle da mulher sobre o próprio corpo; injustiça social. Não obstante, os dados demonstram que em nenhum discurso após 1998 o argumento controle da mulher sobre o próprio corpo foi proferido pelas parlamentares. Como exemplo, selecionamos dois fragmentos emitidos por deputadas sobre o tema. O primeiro destaca a posição consensual da bancada feminina na 48ª Legislatura.
[…] Na bancada feminina desta Casa há divergências, mas temos um só pensamento em relação ao nosso corpo, ao nosso mundo e à nossa esfera de determinação […] O aborto tem sido tratado de forma elitista, privilegiando somente quem pode ir a clínicas especializadas. É necessário elaborarmos a regulamentação do aborto, pois cabe à mulher decidir sobre seu corpo e sua vontade […] (Raquel Candido (PDT-RO) Brasil. Diários da Câmara dos Deputados, 08/03/1989).
O segundo fragmento, enunciado quase uma década depois, é da deputada Marta Suplicy (PT).
[…] gostaria de registrar minha posição sobre a discussão do aborto, ocorrida hoje pela manhã, que não é de fato sobre a constitucionalidade ou o direito à vida, mas sobre o último baluarte do poder do homem sobre a mulher – seu direito de decidir sobre o seu corpo […] (Marta Suplicy (PT-SP) Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 26/11/1997, p. 38403).
Já o aborto relacionado à liberdade individual apareceu em apenas oito pronunciamentos entre 1998 e 2016, um deles proferido pela deputada Marta Suplicy (PT) ao noticiar a aprovação do aborto pela Câmara de Deputados de Portugal.
[…] Prevaleceu em Portugal o bom-senso: tanto quanto o Brasil, o Estado é laico, e sua legislação deve garantir o acesso ao aborto. Deve delegar à mulher a opção, garantir que possa seguir seus princípios individuais. […] Parabéns às mulheres portuguesas, que têm lutado pela garantia da autonomia e da vigência do respeito aos seus direitos individuais e de serviços públicos para atendimentos aos direitos reprodutivos. (Marta Suplicy (PT-SP) Brasil, Diário da Câmara dos Deputados, 06/02/1998, pp. 03353-54).
Para explicar essa evidência podemos considerar, por um lado, a existência no legislativo brasileiro de constrangimentos a posições que justifiquem o direito ao aborto como questão de autonomia, por outro, que essa possa ser uma questão programática das parlamentares, ou seja, dar enfoque a outros ângulos sobre o fenômeno, tais como, os problemas de saúde pública engendrados pelo aborto realizado em clínicas clandestinas e a injustiça social que envolve a prática ilegal realizada nessas clínicas. Os exemplos a seguir, retratam as duas temáticas − saúde pública e injustiça social − presentes em discursos enunciados por deputadas de diferentes partidos. No primeiro exemplo, a deputada do PTB defende uma política nacional de saúde para controle de natalidade.
[…] Da forma pela qual o problema é encarado no Brasil, é favorecida apenas a mulher economicamente privilegiada. Esta é uma responsabilidade que cabe unicamente à mulher. E quando o Estado diz à mulher o que fazer com o corpo dela, o Estado não é mais democrático. A emenda ora em votação é um retrocesso. A simples imposição da norma não porá fim às interrupções de gravidez […] Necessitamos de uma política nacional de saúde com opções democráticas de controle da natalidade, para que não continue havendo cinco milhões de abortos por ano, nos quais 10% das mulheres morre no ato, por falta de assistência médica e por omissão governamental. Imploro a esta Casa, em nome de 54% da população brasileira, que diga não à emenda que proibindo o aborto, incentiva sua prática clandestina, com gravíssimas consequências para as mulheres menos favorecidas pela fortuna ou que não tiveram acesso à orientação sexual (Dirce Tutu Quadros (PTB - SP) Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 02/02/1988).
No segundo exemplo, a deputada Jandira Feghali protesta no Dia Internacional de Luta Contra a Mortalidade Materna.
[…] A terceira causa de morte de mulheres brasileiras é a soma da prática ilegal do aborto com a falta de assistência no parto […]. A inexistência de uma rede de atendimento à saúde da mulher não permite, apesar do discurso feito por Ministros e Presidentes, sequer detectar gravidez de alto risco ou, o que é mais simples, assistir adequadamente os partos normais […]. Exterminar a população de baixa renda parece ser uma prioridade do Governo, matando as mulheres, esterilizando-as, ceifando a vida de seus filhos nas ruas […] (Jandira Feghali – Partido Comunista do Brasil −PCdoB-RJ. Brasil, Diário da Câmara dos Deputados, 28/05/1992, pp. 11262-63).
De todo modo, as investigações de Alba Ruibal (2014) e Naara Luna (2014) chegam a conclusões similares, identificando nesse aspecto uma moderação no discurso das parlamentares. Com base nas considerações de Leila Barsted (2009), é possível aferir uma convergência entre o discurso dos movimentos sociais e das parlamentares engajadas pela ampliação no direito ao aborto, conferindo primordial atenção a questões de saúde pública e injustiça social, em lugar da defesa dos direitos reprodutivos a partir da autonomia e autodeterminação das mulheres sobre seus corpos, como demonstram os fragmentos dos discursos exemplificados abaixo que fazem parte do período em que o aborto volta a ser debatido na Câmara de Deputados.
(...) O aborto é um tema polêmico. Particularmente, sou absolutamente favorável à descriminação do aborto. Não posso aceitar que uma mulher pobre vá presa ou morra nos hospitais e fundos de quintal por fazer o mesmo que faz a mulher rica, com a única diferença de que a que pode pagar tem toda a segurança, enquanto a outra é submetida às maiores crueldades. (Luciana Genro (Partido Socialismo e Liberdade − PSOL-RS). Brasil, Diários da Câmara dos Deputados, 08/03/2006, pp. 10671).
Tenho sempre dito, onde quer que vá, que pessoalmente sou contra o aborto, nunca fiz aborto na minha vida, e não faria. No entanto, eu gostaria de deixar alguns argumentos para reflexão: é justo o que ocorre em nosso País com a mulher que toma a decisão de fazer o aborto, muitas vezes uma decisão isolada, por estar sozinha, em um momento em que se sente abandonada, em um momento de muita dor, de muita dificuldade? Muitas vezes essa mulher usa métodos extremamente agressivos à sua vida, à sua saúde, e por isso muitas morrem, porque introduzem agulhas de tricô para provocar aborto, utilizam métodos os mais absurdos, que perfuram o útero, ou que provocam infecção grave, ou hemorragia grave, que evolui para a morte […] (Cida Diogo − PT-RJ − Brasil, Diário da Câmara dos Deputados, 07/05/2008, pp. 19550).
A posição a favor da manutenção da lei apresenta elevações em períodos específicos, este fato está relacionado com cenários de votação e apreciação de proposições políticas, em que esse posicionamento, na ampla maioria das vezes, serviu para demarcar oposição a retrocessos na legislação, assim como, em frequência menor, para impedir avanços na legislação.
A oposição a retrocessos na legislação é identificada, principalmente, em dois momentos. A primeira elevação nos discursos das deputadas a favor da manutenção da lei ocorreu na legislatura de 1995-1998. A discussão e votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no 25/1995 foi, em grande medida, responsável por esse aumento. A PEC 25/95 foi apresentada pelo deputado federal Severino Cavalcanti (Partido Progressista Brasileiro −PPB-PE), tinha por objetivo dar nova redação ao caput do artigo 5o da Constituição, garantindo definitivamente a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. De acordo com o Editorial do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) o conteúdo desta emenda constitucional iria proibir (ou dificultar) a realização do aborto em qualquer hipótese, inclusive em casos de gestações com risco de vida da mãe ou decorrentes de estupro (Cfemea, 1996). A proposição foi rejeitada em Comissão Especial por nove votos a dois, assim como em votação no Plenário da Câmara dos Deputados em 1996, por 351 votos contra 33. Convém lembrar que proposição com mesmo conteúdo também havia sido rejeitada durante o processo de elaboração da Constituição, entre 1987 e 1988 (Biroli, 2014). A outra elevação aconteceu na legislatura de 2007-2010, motivada pela reação das parlamentares às muitas proposições que tramitaram com o nome de Estatuto do Nascituro, cujo objetivo é também instituir o direito à vida desde a concepção, tornando a prática do aborto crime hediondo11.
É importante notar que houve significativas reações contrárias ao aborto no período entre 1985 e 1999, sobretudo às proposições citadas para ampliar o direito ao aborto, assim como projetos para restringir a interrupção voluntária da gravidez. Por exemplo, os parlamentares homens durante o processo de deliberação da Constituição (1987-1988) proferiram 35 discursos contrários e com conotação regressiva sobre o aborto, na legislatura de 1991 a 1994 foram 40, já na legislatura de 1995 a 1998 foram 110. Esse dado permite aferir que discursos contrários ao aborto e com teor regressivo estavam, em certa medida, plenamente ausentes nas falas das parlamentares, sendo identificados em apenas seis pronunciamentos entre 1985 e 1999, três deles proferidos pela deputada Simara Ellery (PMDB/BA), dois pela deputada Sandra Cavalcanti (PFL/DEM – PP/PPB/PPR/RJ) e um por Dolores Nunes (PFL/DEM/TO).
A transformação mais significativa no padrão de atuação das parlamentares, seja na defesa da ampliação do direito ao aborto ou para impedir retrocessos na legislação vigente, ocorreu a partir da legislatura de 2003-2006. A partir de 2003 percebemos que as parlamentares passam a emitir em volume expressivo posições contrárias ao aborto. O direito à vida foi um argumento constante nos discursos contra o aborto, como exemplificam os fragmentos a seguir. O primeiro faz referência ao PL 1.135/91 que prevê o direito ao aborto e que ainda tramita na Casa, bem como a Conferência das Mulheres de 2004 que debateu o tema.
[…] Escolhi conversarmos nesta tarde sobre o tema direito à vida, haja vista que hoje, nesta Casa, diversas ações estão sendo realizadas para que o direito inviolável à vida, garantido na Constituição, seja mantido. O Projeto de Lei no 1.135/91 tramita nesta Casa desde 1991. Recebeu agora um grande apoio (Angela Guadagnin (PT-SP), Câmara dos Deputados, 07/12/05, p. 59690).
Uma década depois, o discurso está direcionando à decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que segundo a deputada federal Keiko Ota, “não vê crime na prática de aborto realizado durante o primeiro trimestre de gestação”. A parlamentar sustenta o direito à vida, desde a concepção.
[…] No momento em que ele é gerado, ele já é um ser vivo, com vontade, com a missão de fazer o bem ao próximo. Essa dádiva nos deu a oportunidade de evolução. Por isso, eu defendo a vida, que é a coisa mais preciosa que há. Muito obrigada. (Keiko Ota (Partido Socialista Brasileiro − PSB-SP) Brasil, Câmara dos Deputados, 30/11/2016, pp. 516).
Como destacamos anteriormente, em muitos casos as representantes defendem retrocessos na legislação, ou seja, a proibição do aborto em qualquer circunstância, em caso de estupro, inviabilidade do feto, e demandam por políticas de repressão a quem recorre, pratica e auxilia ao aborto clandestino. Esse processo ocorre justamente no período em que é possível registrar o gradual aumento no número de mulheres na Câmara dos Deputados. Os discursos antagônicos ao aborto encontram nas deputadas federais ligadas ao campo religioso um novo sujeito de enunciação. Selecionamos dois exemplos para ilustrar, ambos fazem referência ao projeto do Estatuto do Nascituro.
[…] Apenas me basta a condição de mulher e mãe para que eu seja uma defensora da vida e contra o aborto. E rechaço os que veem esse tema como fanatismo religioso […]. Compartilho com os colegas uma fala de Madre Tereza de Calcutá: “Se nós permitirmos que uma mãe pratique um assassinato, como é que vamos dizer para os seres humanos não matarem uns aos outros?”. De uma coisa eu tenho certeza: as leis feitas pelo Congresso não perturbam os planos de Deus. Ele está completamente no comando e está trabalhando através da autoridade sobre nós para fazer a sua vontade (Sueli Vidigal (PDT-ES) Brasil, Câmara dos Deputados, 27/04/2011; ênfase do original).
[…] Quero falar da minha alegria de ter participado, esta semana, de importantes eventos de valorização à vida e à família: a caminhada contra o aborto, organizada pela Igreja Católica e pela nossa amada Pastora Damares, num momento tão especial, que foi a aprovação, também nesta Casa, do Estatuto do Nascituro. Devemos respeitar nossas crianças desde o momento de sua concepção. Para finalizar, quero deixar uma palavra que está em Jeremias, Capítulo 1, Versículo 5, que traduz tudo isso de que nós estamos falando hoje: a valorização da vida, da família. Diz assim: “Antes do seu nascimento, quando você ainda estava na barriga da sua mãe, eu o escolhi e separei para que você fosse um profeta para as nações”. Por isso, nós devemos valorizar a vida, devemos valorizar a criança desde o ventre da sua mãe […] (Liliam Sá (PSD-RJ) Brasil, Câmara dos Deputados, 06/06/2013; ênfase do original).
A disputa de atores do campo religioso por cadeiras no Parlamento é uma constante após a redemocratização. A novidade parece estar no investimento em candidaturas de mulheres que sustentam um discurso conservador e neoconservador − religioso ou não − antagônico aos discursos que defendem direitos humanos e da diversidade. Na conclusão, refletiremos sobre o impacto da presença crescente de parlamentares que defendem uma agenda antiaborto.
O impacto das parlamentares conservadoras no debate sobre aborto: considerações finais
a expansão do debate sobre direitos humanos, em especial direitos das mulheres, que ocorreu no período de redemocratização dos países da América Latina, estimulada pelos movimentos feministas em redes incentivadas por organismos internacionais12 gerou uma resposta dos setores conservadores ainda nos anos de 1990, forjada pela Igreja Católica no primeiro momento, em aliança com outros segmentos religiosos e setores agnósticos na continuidade (Corrêa, 2018). O fortalecimento do ativismo conservador propicia a cruzada moral que virá nos anos 2000, a partir do questionamento da categoria gênero, ressignificada de forma negativa como “ideologia de gênero” (Mikolsci, Campana, 2017; Mikolsci, 2018; Bracke, Paternotte, 2020).
Brasil e Uruguai não ficam ilesos ao avanço conservador contrário às pautas de Direitos Humanos, em especial os direitos das mulheres e Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBTs). Ao longo do debate parlamentar sobre o direito ao aborto que culminou na aprovação da lei em 2012 no Uruguai, o ativismo contrário esteve sempre presente, contribuindo para atrasos no andamento dos projetos (como ocorreu quando, em 2005, o presidente Tabaré Vasquez (Frente Amplia) anunciou que vetaria qualquer iniciativa parlamentar com objetivo de legalizar o aborto e o fez em 2008, frustrando o movimento pró-escolha) e, após a aprovação da lei, tentativas de retrocesso (Iglesias et al., 2020). No Brasil, também percebemos uma oscilação em termos de investimentos na discussão do tema aborto na Câmara dos Deputados como demonstram as análises dos discursos das parlamentares. A oscilação está diretamente relacionada com os avanços dos discursos conservadores que se iniciam ainda nos anos 1990, e investem contra as iniciativas pró-escolha. Ser contra o aborto trata-se da defesa da vida, o que pode ser constatado pelos títulos das Frentes Parlamentares (FP) sobre o tema que iniciam em 2005: FP em Defesa da Vida – Contra o aborto; FP da Família e Apoio à Vida; FP Contra a Legalização do Aborto – Pelo Direito à Vida; FP em Defesa da Vida e da Família Projetando um discurso antagônico entre vida/família X aborto. Vários projetos apresentados por deputados da bancada evangélica tratam do tema13. A ofensiva conservadora é tão significativa que foi possível perceber uma alteração no próprio discurso das parlamentares que sustentam propostas de apoio ao aborto legal, os enunciados ligados à autonomia das mulheres sobre seus corpos foram substituídos por enunciadas relacionados à saúde pública, como destacado anteriormente.
Se as disputas entre os discursos pró e contra o aborto legal possuem algumas similaridades nos dois países no período da análise, os resultados são significativamente distantes. Enquanto o parlamento uruguaio aprovou o direito ao aborto, no Brasil o debate da descriminalização não avança, inclusive a limitada lei vigente tem sido questionada por deputados e senadores da base conservadora do Congresso Nacional14.
Não é novidade que grupos conservadores religiosos ou agnósticos pressionam parlamentares para obstaculizar leis que ampliam o direito ao aborto. Sequer é novidade a presença de representantes de organizações religiosas nos Parlamentos. O espraiamento do ativismo conservador no campo social nos países da América Latina com o retorno da democracia teve reflexos no campo político com o avanço de candidatos e representantes ultraconservadores com discursos antigênero e antiaborto.
Este é o quadro do Brasil, em que o aumento constante da bancada evangélica eleva sua importância15 de tal forma que diferentes governos precisam de seu apoio para compor a base de sustentação no Parlamento. Seu protagonismo se amplifica com a eleição de Jair Bolsonaro (2018) que concede às lideranças pentecostais ministérios e, inclusive, a secretaria de políticas voltadas para os direitos das mulheres e direitos humanos (Biroli, 2020). Embora a laicidade do Estado uruguaio seja um dos pilares explicativos para a aprovação da lei do aborto (Silva, 2018), o país vizinho não está imune ao avanço de grupos ultraconservadores religiosos ou não no campo político. Os governos da Frente Ampla de Tabaré Vásquez (2005-2010 e 2015-2020) e de José Mujica (2010-2015) tiveram de fazer acordos com setores conservadores. porém, a novidade no campo político uruguaio é recente, trata-se do reaparecimento na política nacional de grupos explicitamente de direita antidireitos que têm entre seus líderes pastores neopentecostais e católicos carismáticos, empresários neoliberais e militares vinculados ao período ditatorial que têm nas feministas e nas organizações LGBTs inimigos a enfrentar. Além disso, grupos “religiosos neopentecostales buscan expresiones político-partidarias para ‘ocupar’ las instituciones del Estado y desde allí imponer sus creencias”, e o fazem “a través de la creación de nuevos partidos o de lograr espacio en los existentes” (Iglesias et al., 2020: 64-65), como apontam os resultados das eleições parlamentares de 201916.
Em relação à expansão de grupos ultraconservadores na política, um ponto que importa discutir neste momento está relacionado com a presença crescente de mulheres entre seus quadros. Como a expansão ainda está sendo gestada no Uruguai, vamos nos ater ao cenário brasileiro em que há o incremento de parlamentares ultraconservadores na Câmara de Deputados. Como demonstram os discursos analisados, durante o período de 1985 a 2016 mulheres conservadoras estavam representadas no parlamento. Porém, o Anexo 1 que apresenta a presença das deputadas em frentes parlamentares contra o aborto pode ser um indicador do aumento de parlamentares conservadoras, a frente lançada em 2005 tinha a assinatura de cinco parlamentares; em 2007 foram criadas três frentes assinadas por 14 deputadas; em 2011 duas frentes tiveram apoio de 22 deputadas; no ano de 2015 duas frentes lançadas contavam com o apoio de 19 parlamentares do sexo feminino; e, por fim, em 201917, já no governo Bolsonaro, 23 deputadas subscrevem a frente contra o aborto. Como mostram os números, a cruzada conservadora antigênero e antiaborto iniciada no início do século XXI reflete no crescimento do número de parlamentares ultraconservadoras.
É possível considerar que a promoção de candidaturas femininas pode ter se constituído como uma estratégia dos grupos ultraconservadores, com o propósito de disputar o debate sobre os direitos reprodutivos, com parlamentares mulheres defendendo posições regressivas, cujo efeito em termos de legitimidade são consideravelmente maiores caso fossem parlamentares homens a realizar majoritariamente esse processo de disputa. Tendo em vista que o crescimento da participação feminina nas Frentes Parlamentares contrárias ao aborto, a partir de 2005, é confluente com a organização sistemática no Congresso Nacional da reação a avanços na legislação sobre o aborto (Machado, 2017; Luna, 2014).
Algumas ações do Poder Executivo estimularam a organização e reação dos grupos ultraconservadores sobre o aborto. Em 2005, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Poder Legislativo a minuta de Projeto de Lei em favor da descriminalização do aborto. Este projeto foi resultado das ações da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), órgão do Poder Executivo, em interlocução com os movimentos feministas, assim como das deliberações da Comissão Tripartite instalada no Congresso Nacional, por iniciativa da SPM, constituída por membros do executivo, legislativo e da sociedade civil, cujo propósito era revisar a legislação punitiva sobre o aborto (Machado, 2017). Neste mesmo ano, o Poder Executivo editou a norma técnica, intitulada Atenção Humanizada ao Abortamento, cujo propósito era retirar a exigência do boletim de ocorrência (BO) e/ou laudo do Instituto Médico Legal (IML) para comprovação da violência sexual (Luna, 2014). Portanto, neste contexto é plausível mensurar a importância da ocupação de espaços na esfera legislativa (tais como: Comissões Parlamentares) por mulheres com posições regressivas nas tensões e desdobramentos sobre essa matéria. Por outro lado, como destacado no início do artigo, a inclusão das mulheres no campo político eleitoral tem avanços limitados no país. A Lei de Cotas vem sofrendo constantes modificações com intuito de estimular que os partidos cumpram a regra. A última alteração trata-se da destinação de parte do Fundo Partidário para candidaturas femininas.
Apesar de o recurso financeiro ser apenas uma das variáveis presentes em candidaturas vitoriosas, tem se mostrado fundamental. Porém, em todas as eleições após a implementação da lei de cotas ocorreram denúncias de “candidaturas laranjas”, ou seja, candidaturas de mulheres sem apoio dos partidos, inclusive sem o cumprimento da destinação dos recursos do Fundo Partidário. O recurso financeiro produz efeitos em todos os partidos, independente de sua matriz ideológica ou da relação com o campo religioso. Trata-se de uma variável que analisada de forma isolada não tem capacidade de explicar o crescimento de representantes ultraconservadoras. Embora possa ser um fenômeno contingencial, alertou os movimentos feministas que nas diferentes campanhas por mais mulheres na política, questionam “Qual mulher deve nos representar?”.
Agradecemos imensamente a colaboração e as sugestões realizadas pelos/as pareceristas anônimos/as da DADOS. Agradecemos a equipe editorial da DADOS, especialmente ao Prof. Luiz Augusto Campos, Editor-Chefe, a Profª Márcia Rangel Candido e ao Prof. Murilo Gomes da Costa, Editores Assistentes, pela atenção e compreensão em todo o processo envolvido até aprovação do artigo, assim como agradecemos à Claudia Boccia, revisora da DADOS pelas contribuições na correção, adequação e aprimoramento do texto. Agradecemos também às agências de fomento à pesquisa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), por possibilitarem de diferentes formas a realização desta investigação.
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- Uruguay. (2014), Reglamento de la Cámara de Representantes.
Notas
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1
. Esta pesquisa foi financiada pelo edital MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA 32/2012,coordenada pela Profª. Flávia Biroli e pelo Prof. Luis Felipe Miguel, sendo Luis Gustavo Teixeira da Silva um de seus colaboradores.
-
2
. Essa diferença no número de pronunciamentos é explicada pelo número de parlamentares eleitos a cada legislatura, 513 no Brasil e 99 no Uruguai, e também pela organização institucional dos espaços de fala na Câmara dos Deputados (mais sobre estes aspectos em nota de pesquisa: Silva, 2020).
-
3
. Há várias alterações na Lei 9.100/1995 que instituiu as cotas no país: Lei 9.504/1997 altera o número de vagas para candidaturas de cada sexo (mínimo de 30% e máximo de 70%); Lei 12.034 torna obrigatório o preenchimento do percentual mínimo; Lei 13.165/2015 que previa que os partidos obrigatoriamente empenhassem recursos nas campanhas de mulheres (http://www.planalto.gov.br ), acesso em 12/5/2020.
-
4
. Após extenso debate e várias derrotas, a lei de cotas (Ley no 18.476) foi aprovada em 2008. Porém, foi aplicada uma única vez para os cargos parlamentares nacionais nas eleições de 2014.
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5
. Quando os argumentos expressos nos discursos não coincidiam com as categorias construídas era necessário assinalar Outro argumento. Esta categoria apresenta índices elevados, pois nela estão contidos argumentos padronizados, inexplorados neste artigo pelo fato de serem específicos da realidade de cada país, portanto, sem possibilidade de comparação. Na pesquisa no Brasil três argumentos específicos foram encontrados com maior frequência, são eles: Usurpação dos poderes do legislativo; Falsa alegação de estupro; Terror do aborto. No Uruguai quatro argumentos foram padronizados, são eles: Argumentos técnicos; Argumentos demográficos, Objeção de consciência; Consulta popular.
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6
. No mês de novembro de 2015 os protestos feministas − #ForaCunha − tomam as ruas das capitais e principais cidades do país em protesto contra o PL 5.069/13 em debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Lembrando que Eduardo Cunha era o presidente da Câmara de Deputados no período.
-
7
. Projetos de lei que tramitam de forma intermitente (arquivados e desarquivados constantemente) na Câmara de Representantes desde 2012: 1o CRR 2.755/2008, autoria de Jaime Trobo, Lacalle Pou e outros deputados do Partido Nacional (PN), tinha por objetivo garantir o direito à vida e fornecer recursos às famílias manterem seus filhos. 2o CRR 559/2010, autoria de Luis Alberto Lacalle Pou (PN) visava garantir o direito de liberdade de consciência, sobretudo a profissionais da saúde. 3o CRR 851/2011, autoria de Fernando Amado (Partido Colorado), estipulava pena de 3 a 9 meses de prisão à mulher que causar ou consentir com o aborto. 4o CRR 56/2015, autoria de Gerardo Amarilla e outros deputados do Partido Nacional, garantir e proteger a vida desde a concepção. Três observações são importantes: 1) Até 2008 nenhum outro projeto com tais conotações havia sido apresentado; 2) O atual presidente Lacalle Pou (2020) é (co)autor da maioria deles; 3) Nenhuma deputada mulher foi (co)autora desses projetos.
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8
. Neste contexto, pelo menos até 2012, esta posição representou oposição, ainda que moderada, aos três projetos de lei para descriminalização do aborto, discutidos na Câmara de Representantes.
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9
. Em 1985 houve discussão plenária, com base no Projeto de Lei (CRR) 385/1985, de autoria dos deputados Daniel Lamas e Victor Vaillant (ambos do Partido Colorado), para descriminalizar o aborto. Após alguns pronunciamentos, houve tumulto e a sessão foi encerrada.
-
10
. Outros projetos foram objeto de análise das parlamentares, mas com menor repercussão, entre eles: PL 1.135/1991, autoria de Eduardo Jorge (PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG), e PL 3.609/1993, autoria de José Genoíno (PT/SP), que visavam descriminalizar o aborto; PL 2.023/1991, de Eduardo Jorge (PT/SP) e PL 3.005/1992, de Celso Bernardi (PDS/RS), que almejam ampliar o direito ao aborto às gestantes com vírus HIV; PL 1174/1991, de Eduardo Jorge (PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG), visava descriminalizar o aborto também em casos de risco à saúde e/ou psíquica da gestante.
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11
. Entre eles: o PL 6.150/2005, autoria de Osmânio Pereira (PTB-MG) e Elimar Damasceno; e o PL 478/2007, autoria de Luiz Bassuna (PT-BA) e Miguel Martini (Partido Humanista da Solidariedade − PHS-MG). Desde 2005 projetos de lei com o nome de Estatuto do Nascituro são arquivados e desarquivados.
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12
. Corrêa (2018) aponta que os avanços em termos dos debates em torno dos direitos das mulheres nos diferentes encontros internacionais − Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro (1992), a Conferência de População e Desenvolvimento do Cairo (CIPD, 1994) e a IV Conferência Mundial das Mulheres de Pequim (IV CMM, 1995), as Revisões +5 e mais 10 da CIPD e da IV CMM (1999, 2000, 2004 e 2005) − são prontamente seguidos por repertórios de ação conservadora que buscam barrar tais avanços.
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13
. Várias propostas de transformar o tema em lei: 1995 − proposta de emenda constitucional (EC) de direito à vida desde a concepção; 2008 − PL do Estatuto do Nascituro; 2013 − proposta de EC de direito à vida desde a concepção; 2015 − Magno Malta apresentou proposta de EC com o mesmo conteúdo no Senado (Corrêa, Kalil, 2020:34).
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14
. Em 2015 o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB), então presidente da Câmara de Deputados, retoma o debate do Projeto de Lei 5.069/2013 que cria novas regras para o atendimento a vítimas de abuso sexual e, assim, dificulta o acesso ao aborto legalmente permitido no Brasil. Protestos feministas contra o PL tomam as ruas das principais cidades do país, com o slogan Fora Cunha!
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15
. Em 1986, entre os parlamentares que elaborariam a Constituição, 33 se autoproclamaram evangélicos; são 70 em 2010; 74 em 2015 e 83 em 2019 (Biroli, 2020).
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16
. O Partido Cabildo Abierto fundado em 2019 que defende uma pauta ultraconservadora elegeu 11 deputados federais, entre eles duas mulheres. Outro partido com pauta ultraconservadora, Partido de la Gente, fundado em 2016, elegeu um deputado (http://www.diputados.gub.uy/data/docs/LegActual/LegxPartido.pdf).
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17
. A 56ª Legislação não consta do recorte da pesquisa, mesmo assim pensamos ser fundamental incluir os dados da Frente Parlamentar Mista contra o Aborto e em Defesa da Vida recém-lançada por uma deputada do Partido Social Liberal (PSL).
-
*
Agradecemos imensamente a colaboração e as sugestões realizadas pelos/as pareceristas anônimos/as da DADOS. Agradecemos a equipe editorial da DADOS, especialmente ao Prof. Luiz Augusto Campos, Editor-Chefe, a Profª Márcia Rangel Candido e ao Prof. Murilo Gomes da Costa, Editores Assistentes, pela atenção e compreensão em todo o processo envolvido até aprovação do artigo, assim como agradecemos à Claudia Boccia, revisora da DADOS pelas contribuições na correção, adequação e aprimoramento do texto. Agradecemos também às agências de fomento à pesquisa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF), por possibilitarem de diferentes formas a realização desta investigação.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
25 Maio 2021 -
Revisado
22 Jan 2022 -
Aceito
7 Abr 2022