Open-access As Disputas entre Ortodoxos e Heterodoxos: O que é (e o que não é) Economia *

The Disputes between Orthodox and Heterodox: What is (and what is not) Economics

Les Différends entre Orthodoxes et Hétérodoxes: Qu’est-e que (et qu’est-ce que n’est pas) l’Économie

Las Disputas entre Ortodoxos y Heterodoxos: lo que es (y lo que no es) Economía

RESUMO

Recorrendo ao conceito bourdieusiano de campo científico, este artigo se dedica a compreender como as fronteiras que delimitam o que é a Economia têm sido definidas. Para tanto, são identificadas e analisadas as relações estabelecidas entre ortodoxos e heterodoxos e entre ortodoxos, heterodoxos e os demais agentes do campo. A exemplo de outros estudos, os programas de pós-graduação da PUC-Rio e da FGV-Rio, de um lado, e da UFRJ e da Unicamp, de outro, foram tomados, respectivamente, como os representantes paradigmáticos da ortodoxia e da heterodoxia. O mapeamento das redes de interações mostra que, em que pese a importância da oposição entre o liberalismo neoclássico e seus críticos, o processo contínuo de disputas em torno dos limites definidores da Economia é complexo e multifacetado. Em vez de se encerrar exclusivamente no enfrentamento entre dominantes e não dominantes, o campo abriga ortodoxos e heterodoxos de variadas matizes, em diferentes situações.

conceito de economia; ortodoxia; heterodoxia; campo científico; sociologia do conhecimento

ABSTRACT

This article aims at understanding how the boundaries of economics have been set. Using the Bourdieusian concept of the scientific field, it identifies and analyzes the relationships established between orthodox and heterodox, as well as among orthodox, heterodox and other agents in the field. As in previous studies, the graduate programs of PUC-Rio and FGV-Rio, on the one hand, and UFRJ and Unicamp, on the other, were taken respectively as paradigmatic examples of orthodoxy and heterodoxy. The mapping of interaction networks shows that, despite the importance of the opposition between neoclassical liberalism and its critics, the continuous disputes around setting boundaries in economics is complex and multifaceted. Rather than being restricted to a confrontation between dominant and non-dominant agents, the field is home to orthodox and heterodox scholars of varying shades in various contexts.

the concept of economics; orthodoxy; heterodoxy; scientific field; sociology of knowledge

RÉSUMÉ

Recourant au concept bourdieusien de champ scientifique, cet article s’attache à comprendre comment ont été définies les frontières qui délimitent ce qu’est l’Économie. À cette fin, les relations établies entre orthodoxes et hétérodoxes et entre orthodoxes, hétérodoxes et d’autres agents de terrain sont identifiées et analysées. À l’instar d’autres études, les programmes d’études supérieures de la PUC-Rio et de la FGV-Rio, d’une part, et de l’UFRJ et de l’Unicamp, d’autre part, ont été pris, respectivement, comme les représentants paradigmatiques de l’orthodoxie et de l’hétérodoxie. La cartographie des réseaux d’interaction montre que, malgré l’importance de l’opposition entre le libéralisme néoclassique et ses détracteurs, le processus continu de disputes autour des limites de définition de l’économie est complexe et multiforme. Au lieu d’aboutir exclusivement à l’affrontement entre dominants et non dominants, le champ abrite des orthodoxes et des hétérodoxes de diverses nuances, dans des situations différentes.

concept d’économie; orthodoxie; hétérodoxie; domaine scientifique; sociologie de la connaissance

RESUMEN

Recurriendo al concepto bourdiano de campo científico, este artículo se dedica a comprender cómo las fronteras que delimitan lo que es la Economía han sido definidas. Para tal fin, son identificadas y analizadas las relaciones establecidas entre ortodoxos y heterodoxos y entre ortodoxos, heterodoxos y los demás agentes del campo. Así como lo han hecho otros estudios, los programas de posgrado de la PUC-Rio y de la FGV-Rio, por un lado, y de la UFRJ y de la Unicamp, por el otro, fueron tomados, respectivamente, como los representantes paradigmáticos de la ortodoxia y de la heterodoxia. El mapeo de las redes de interacciones muestra que, a pesar de la importancia de la oposición entre el liberalismo neoclásico y sus críticos, el proceso continuo de disputas en torno de los limites definidores de la Economía es complejo y multifacético. En vez de encerrarse exclusivamente en el enfrentamiento entre dominantes y no dominantes, el campo abriga ortodoxos y heterodoxos de variados matices y en diferentes situaciones.

concepto de economía; ortodoxia; heterodoxia; campo científico; sociología del conocimiento

Introdução

O debate sobre política econômica mobiliza intensamente, há anos, dois termos antagônicos: ortodoxia e heterodoxia. Esses termos são categorias nativas usadas pelos próprios economistas para autodesignação e identificação de seu oposto. O primeiro é identificado com os pressupostos neoclássicos; o segundo, com um amplo conjunto de diferentes correntes de pensamento, entre as quais a marxista, a institucionalista e a pós-keynesiana1 .

Quatro instituições acadêmicas brasileiras são fortemente associadas a um ou a outro. O Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e a Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (EPGE/FGV-Rio), também na capital fluminense, são consideradas representantes exemplares da ortodoxia, ao passo que os Institutos de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ) e da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp) são tidos como as principais referências da heterodoxia ( Loureiro e Lima, 1994 ; Loureiro, 1997 ; Cantu, 2009 ; 2021; Dequech, 2018 ).

Dada sua proeminência, essas quatro instituições adquiriram notável simbolismo, inclusive fora dos fóruns especializados de pesquisadores, fazendo-se conhecidas também nos discursos sobre política e políticas públicas feitos pela sociedade em geral. Seus nomes funcionam como atalhos informacionais largamente empregados nas discussões sobre a economia nacional; nos debates sobre o papel do Estado, são frequentemente usados para comunicar a orientação, mais próxima da ortodoxia ou da heterodoxia, de candidatos à Presidência da República, políticos e dirigentes do governo, especialmente do Ministério da Fazenda ( Patú, 2003 ; Estado de São Paulo, 2007; Romero, 2011 ; Nunes e Dantas, 2013 ; Villaverde e Coletta, 2015 ).

Nas páginas a seguir analiso as relações que essas escolas têm estabelecido umas com as outras e com os demais agentes do campo da Economia, integrantes ou não da academia, formados ou não em seus cursos e vinculados ou não às suas instituições de ensino e pesquisa. Mais precisamente, munido do conceito bourdieusiano de campo, meu objetivo é compreender dois aspectos fundamentais da constituição da disciplina: (1) como ortodoxos e heterodoxos têm se relacionado entre si; e (2) como ortodoxos e heterodoxos têm dialogado com os demais agentes do campo. Inevitavelmente entrelaçados, esses aspectos dizem respeito à própria definição de Economia: as questões que merecem atenção da disciplina, os métodos adequados para investigá-las e as teorias capazes de explicá-las2 .

O recorte temporal da análise abrange o período de meados da década de 2010. Como apontam diversos estudiosos, a agenda de pesquisa na área de Economia caracteriza-se, atualmente, pela presença dominante de modelos explicativos baseados na teoria neoclássica, codificados em linguagem matemática e postos a prova por ferramentas econométricas. Esses são os três elementos fundamentais que informam a compreensão ortodoxa acerca do estudo da Economia. Sua larga prevalência se firmou gradativamente em diferentes países, em tempos distintos e em variadas intensidades ao longo do século XX (Mirowisk, 1991; Misas Arango, 2004; Montecinos et al ., 2009; Bianchi, 2013 ; Godechot, 2011 ; Chavance e Labrousse, 2018 ). Como atestam análises sobre a produção intelectual de nossos economistas, a situação no Brasil não é diferente. Aqui, a década de 1990 marca o ponto de inflexão desse processo ao registrar o aumento significativo do número de artigos que fazem uso de modelos estatísticos/econométricos e, na direção oposta, a diminuição expressiva de artigos elaborados sem tais ferramentas (Faria et al. , 2007; Luperi, 2014 ). A análise, portanto, debruça-se sobre a conformação do campo da Economia, no Brasil, nessa situação de consolidação da ortodoxia neoclássica.

Como será visto nas páginas a seguir, em que pese a importância da oposição entre o liberalismo neoclássico e seus críticos, o processo contínuo de disputas em torno dos limites definidores da Economia é complexo e multifacetado. Em vez de se encerrar exclusivamente no enfrentamento entre dominantes e não dominantes, o campo abriga ortodoxos e heterodoxos de variadas matizes, em diferentes situações. Alguns agentes, embora não dominantes, estão relativamente próximos de seu centro, se comparados a outros que, em posição marginal, encontram-se ameaçados de ser excluídos de suas fronteiras.

Feita esta introdução, o restante do artigo se divide em seis outras seções. Na segunda seção, apresento os dados e métodos utilizados. Dedico a terceira seção a justificar o objeto de análise. Na quarta seção trato do conceito de campo científico, de Pierre Bourdieu (1976 ; 2004). Na quinta, abordo a história do campo da Economia no Brasil. Descrevo brevemente o processo de estruturação da pós-graduação no país e comparo as características de cada uma das instituições ortodoxas e heterodoxas foco de minha atenção, apontando suas singularidades, semelhanças e diferenças. Na sexta seção passo a mapear e analisar as relações entre elas e entre elas e os demais agentes do campo, identificando padrões de proximidade e de distanciamento. Na última seção teço os comentários finais, destacando como as fronteiras da Economia tendem a ser definidas, considerando os rumos tomados nas últimas décadas, a crescente aderência da disciplina aos parâmetros científicos das hard sciences e os não raros convites à interdisciplinaridade.

Dados & métodos

Este artigo combina dois métodos: Análise de Redes Sociais (ARS) e econometria. Recorro à ARS, aliada a um conjunto de estatísticas descritivas, para mapear as relações no campo da Economia, ilustrando-as com maior clareza por meio de diversos grafos. Quanto à econometria, submeto esse mesmo universo de dados, relativo às relações no campo da Economia, a uma análise de regressão multivariada a fim de identificar as tendências que delineiam as fronteiras da disciplina.

Informado pelo conceito-chave de campo , de Bourdieu, o processo de coleta, codificação e análise dos dados referencia-se na bibliografia sobre as relações de cooperação entre pesquisadores e, especialmente, no debate específico sobre o campo da Economia no Brasil, com destaque para os trabalhos de Maria Rita Loureiro (1997) e Rodrigo Cantu (2009) .

As relações entre os agentes do campo serão identificadas pelas interações exigidas para a formação de mestres e doutores em economia: a composição das bancas examinadoras dos pós-graduandos. Especificamente, baseadas nos Programas de Pós-Graduação (PPGs) acadêmicos em Economia dos nossos dois pares de escolas ortodoxas e heterodoxas, serão traçadas as conexões estabelecidas entre os agentes do campo, expressas pelos convites feitos pelos orientadores aos examinadores externos para compor as bancas de mestrado e doutorado durante o período de 2013 a 2016. Assim, os orientadores e os membros das bancas constituem os nós da rede, ligados uns aos outros pela presença nas defesas de dissertações e teses.

Ao todo serão mapeados os vínculos criados a partir dos convites feitos pelos orientadores dos seguintes PPGs acadêmicos, observando-se que o IE/Unicamp possui dois programas, e não apenas um:

  • - PPG em Ciência Econômica do IE/Unicamp;

  • - PPG em Desenvolvimento Econômico do IE/Unicamp;

  • - PPG em Economia da EPGE/FGV-Rio;

  • - PPG em Economia da Indústria e da Tecnologia do IE/UFRJ;

  • - PPG em Economia do Departamento de Economia da PUC-Rio3

A maior parte das informações necessárias para a construção do banco de dados está disponível online na Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A Plataforma integra, entre outros, dados sobre dissertações e teses – inclusive de seus orientadores e examinadores –, nome das professoras e professores de PPGs e suas respectivas áreas e instituições de formação. Quando necessário, recorri igualmente aos currículos registrados, também online , na Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Alguns casos, relativos a pessoas sem vínculos com a academia, exigiram a realização de buscas em diferentes sites para a coleta de todos os dados necessários.

Ao todo, foram reunidas as seguintes informações sobre os 547 indivíduos que atuaram como orientadores e examinadores externos das bancas de mestrado e doutorado ocorridas nos cinco PPGs supracitados durante o período de 2013 a 2016: (i) área de conhecimento do doutoramento, se Economia, Ciências Sociais Aplicadas/Humanas, Ciências Exatas/da Terra ou Ciências da Saúde/Biológicas; (ii) ano de doutoramento; (iii) instituição de doutoramento; (iv) perfil da instituição de doutoramento, quando pertencente à área de Economia, se ortodoxo ou heterodoxo; (v) local de trabalho, se empresa privada, academia, governo – administração direta, indireta e estatais – ou instituição de pesquisa ligada ao governo4 .

Por que considerar os cinco PPGs selecionados

Como mencionado na introdução, as escolas às quais estão vinculados os cinco programas objeto de análise nas próximas páginas encarnam paradigmaticamente a ortodoxia e a heterodoxia do pensamento econômico e da construção do conhecimento em Economia no Brasil. Estudos de diferentes autores, feitos ao longo das últimas três décadas, consideram a FGV-RJ e a PUC-Rio, de um lado, e a Unicamp e a UFRJ, de outro, como as pontas de um continuum sobre o qual se dispõem as demais instituições. Dado o seu prestígio e suas claras filiações teóricas, essas escolas têm sido os principais agentes do campo, ao lado da Universidade de São Paulo (USP), cuja posição na escala ortodoxia/heterodoxia é de distanciamento dos polos (Lima e Loureiro, 1994; Loureiro, 1997 ; Cantu, 2009 ; 2021; Dequech, 2018 ).

São justamente esses ortodoxos e heterodoxos, acompanhados de seus colegas uspianos, os protagonistas da análise historiográfica e sociológica de Loureiro (1997) , fundamentada em métodos qualitativos, sobre a constituição dos economistas como parte da elite dirigente a partir dos anos 1960. A partição do campo é clara e seus balizadores facilmente identificados: FGV-RJ e PUC-Rio, de um lado, e Unicamp e UFRJ, de outro. Essa configuração emerge igualmente de estudos baseados em métodos quantitativos, como a Análise de Correspondências Múltiplas, empregada por Cantu (2009) . Em ambos os casos, as clivagens teóricas e metodológicas são as mesmas, bem como as instâncias de consagração e os agentes de maior prestígio. Os currículos e cursos dos PPGs expressam essa mesma divisão do campo, dominado por esses mesmos agentes, como Dequech (2018) nota:

Dois extremos podem ser identificados na pós-graduação. Em um extremo, estão a FGV-Rio e a PUC-Rio, duas das mais prestigiadas escolas brasileiras de Economia, e, desde a sua criação, fortalezas da ortodoxia neoclássica. (...) Seus currículos e cursos assemelham-se muito àqueles encontrados nos departamentos de maior prestígio dos Estados Unidos (EUA). Igualmente, muitos de seus professores obtêm seu doutorado em universidades norte-americanas ou britânicas de grande prestígio. (...) No outro extremo, a Unicamp e a UFRJ, outro par de instituições brasileiras de maior prestígio na área, caracterizam-se pela predominância de abordagens alternativas (...). (...) Nos dois casos, e mais especialmente na UFRJ, há uma variedade considerável de perspectivas heterodoxas, combinada à oferta de alguns poucos cursos alinhados ao mainstream da academia norte-americana. Entre os extremos estão os outros departamentos – plurais ou ecléticos – nos quais as abordagens ortodoxas e heterodoxas dividem espaços de maneira razoavelmente equilibrada. Aqui destaca-se, pelo seu grande prestígio, o PPG da USP ( Dequech, 2018: 909-910, tradução do autor).

A relevância crucial dessas instituições é, como se vê, amplamente reconhecida pelos estudiosos. Ainda, especificamente sobre a importância fundamental da Unicamp e da UFRJ, se faz necessário somar a pesquisa de Cabello (2018) . Em lugar de definir ou pretender identificar a filiação teórica das escolas – a exemplo de Lima e Loureiro (1994), Loureiro (1997) , Cantu (2009) e Dequech, (2018) –, Cabello (2018) traça as relações de influência existentes entre os programas, sem classificá-los no continuum ortodoxia/heterodoxia. Em seu estudo, o poder de influência é medido pela presença ou não, mais forte ou mais fraca, de doutores formados em determinada instituição – influenciadora – contratados como professores em outra – influenciada. Esses laços de “enviar” e “receber” professores doutores constituem uma rede de interações na qual há claramente distintos grupos de programas, destacados pela maior proximidade que têm entre si.

Em um dos grupos identificados, a Unicamp e a UFRJ se sobressaem como a principal fonte de influência. Embora Cabello (2018) não recorra às categorias que dividem o campo, é possível identificar, apoiando-se no artigo de Fernandez e Suprinyak (2019) , que os PPGs integrantes desse grupo filiam-se à heterodoxia. O quadro abaixo reúne informações sobre a data de criação dos programas, a sua principal influência ‒ definida nos termos de Cabello (2018) ‒ e a sua filiação teórica, estabelecida por Fernandez e Suprinyak (2019) – se heterodoxa, plural ou ortodoxa.

Quadro 1
: Programas de Pós-Graduação – data de criação, filiação teórica e principal influência 5

Como se vê, excetuando-se os PPGs da Unicamp e da UFRJ, foram contados 11 programas heterodoxos. Desses, cinco possuem apenas cursos de mestrado e outros quatro criaram o seu doutorado há menos de dez anos. Portanto, entre os heterodoxos, a formação de doutores e, consequentemente, a realização de pesquisas de maior fôlego ocorrem em um conjunto bastante reduzido de instituições. Com efeito, se comparados aos programas ortodoxos e plurais, os heterodoxos são os de menor longevidade. Confirma-se assim, uma vez mais, a importância fundamental da Unicamp e da UFRJ, traduzida pela medida de influência de Cabello (2018) .

Por outro lado, a FGV-Rio e a PUC-Rio não figuram como instituições de grande influência de nenhum grupo. A razão para esse resultado, a princípio inesperado, provavelmente reside na estratégia adotada por esses dois programas, fortemente orientada à internacionalização. A fim de manter sua conexão com o exterior, a PUC-Rio e a FGV-Rio incentivam seus mestres a se doutorarem em universidades estrangeiras alinhadas à ortodoxia neoclássica. Além disso, e especialmente no caso da PUC-Rio, esses programas têm um número razoavelmente menor de docentes se comparado à quantidade de professores vinculados à Unicamp e à UFRJ, o que, por si só, considerando a métrica de influência utilizada, reduz sua importância.

Ainda assim, para além de sua posição central no campo, como já mencionado, é preciso ressaltar que as duas escolas ortodoxas do Rio de Janeiro são consideradas instituições modelo para a avaliação da pós-graduação brasileira em Economia feita pela Capes ( Marques, 2022 ). Seus cursos estão em linha com o “padrão internacional” exigido dos programas de excelência e sua produção, como requisitado, é veiculada nos “principais periódicos internacionais” no quadriênio 2013-2016 (Capes, 2017a, 2017b). A bem-sucedida internacionalização ou, para ser mais preciso, americanização, recorrendo ao termo utilizado por Loureiro (1997) , rende aos dois PPGs as posições de maior prestígio identificadas por Cantu (2009) , largamente associadas ao mainstream da academia estadunidense7 .

À luz dos estudos dedicados a mapear e compreender a configuração do campo da Economia no Brasil, nos parece estar claro que os cinco programas selecionados como objeto de nossa análise são as instituições que melhor representam a clivagem fundamental construída pela oposição ortodoxia vs . heterodoxia. O prestígio em torno da dupla ortodoxa (FGV-Rio e PUC-Rio) e do trio heterodoxo (CE-Unicamp, DE-Unicamp e UFRJ) lhes tem garantido poder de influência sobre o campo grande o suficiente para justificar nossa atenção especial nas páginas que se seguem.

O campo científico de Pierre Bourdieu

O conceito de campo de Pierre Bourdieu (1976 ; 2004) apresenta-se como alternativa às abordagens internalistas e externalistas a respeito das produções culturais, entre as quais a ciência. Para os internalistas, a produção literária, por exemplo, deve ser entendida exclusivamente a partir da análise do texto. Essa mesma lógica se aplica à maneira de compreender as produções científicas, enxergando a ciência como algo apartado da ordem social, capaz de engendrar-se a si mesma, como se não houvesse contexto. Os externalistas, por sua vez, entendem a ciência, tal como as demais produções culturais (como a filosofia e as artes), fundamentalmente como o resultado das determinações do mundo exterior. Em uma frase, o conceito bourdieusiano de campo escapa ao antagonismo que opõe internalistas e externalistas, afastando as noções de “ciência pura”, livre de qualquer constrangimento externo, de um lado, e de “ciência escrava”, inteiramente permeável às pressões da ordem social, de outro.

De acordo com Bourdieu, a sociedade sempre exerce algum grau de pressão sobre o campo. Seus efeitos, porém, são invariavelmente produto de processos de mediatização efetuados segundo a lógica do próprio campo. Alguns campos são capazes de refratar ou retraduzir as pressões externas a ponto de torná-las irreconhecíveis, ao passo que outros revelam-se mais suscetíveis a sofrer os impactos das forças exteriores sem alterar significativamente seu sentido original. É a maior ou menor autonomia do campo que explica a sua maior ou menor capacidade de refração ou retradução das demandas externas. Dito de outra forma, quanto mais as regras e a estrutura do campo são moldadas pela ação de seus agentes, maior sua autonomia e, consequentemente, menor a influência externa sobre ele. Assim, a medida em que o campo adquire autonomia, o grupo reconhecido socialmente como legitimado para se manifestar sobre ciência torna-se cada vez mais restrito aos cientistas, elevando o custo de entrada e aumentando a homogeneidade de seus agentes.

Portanto, o campo em si é um mundo social dotado de leis próprias e mais ou menos autônomas em relação à sociedade. Em seu interior, desenvolvem-se disputas contínuas pela definição mesma daquilo que é legítimo se apresentar, no nosso caso, como ciência, ou, para ser mais exato, a disciplina de Economia. Essas disputas permanentes acerca daquilo que é e de o que não é Economia é o que define os parâmetros para a distribuição dos recursos dentro do campo. Essencialmente, as disputas estabelecem quais teorias, métodos e instrumentos são considerados mais científicos. Mais ainda, as disputas delimitam o que constituem os próprios objetos de interesse de pesquisa. A configuração do campo – ou seja, da Economia – desenhada em função da correlação de forças entre os agentes, determina não apenas a condição de dominantes e de dominados, mas, igualmente, as suas fronteiras e a condição de quem está dentro e de quem está fora desse mundo social.

Essas disputas em torno das definições do campo são a um só tempo a expressão de uma estrutura de poder e a força que a conforma. Os agentes que compõem o campo ocupam, cada um deles, uma posição na sua estrutura, diferenciando-se pela quantidade de capital que possuem. Embora a posição na estrutura determine, ao restringir mais ou menos, o universo possível de ações de cada agente, essas mesmas ações, em maior ou menor medida, determinam a forma dessa mesma estrutura. As relações entre estrutura e agentes, assim como as relações desses agentes entre si são, portanto, dialéticas.

A formação e a trajetória do campo da Economia no Brasil nos contam a história de um campo cujos agentes, o grau de autonomia e a distribuição de poder têm se modificado substancialmente ao longo do tempo.

O campo da economia no Brasil

A Economia no Brasil constituiu-se como área de conhecimento, inicialmente, fora da academia. Até a década de 1970, quando começou o processo de implantação dos PPGs, havia três loci principais de produção de teses, pesquisas e profissionais da área: (i) os órgãos governamentais de regulação e planejamento, criados a partir dos anos 1930; (ii) a Fundação Getulio Vargas, uma entidade quasi estatal; e (iii) os organismos internacionais, como o Banco Mundial (Bird), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). Embora divididos acerca das teorias, todos se inclinavam fortemente à reflexão aplicada da Economia, conduzida no mais das vezes por estudiosos formados originalmente no Direito e/ou nas Engenharias.

A constituição do campo fora da academia

O campo confundia-se inteiramente com o mundo exterior. Os objetos de análise eram temas candentes na sociedade, mobilizada em torno das diferentes estratégias de desenvolvimento para o país. As controvérsias, além de veiculadas em jornais de grande circulação, faziam-se presentes em publicações de associações de classe num momento de rearranjo fundamental dos setores produtivos nacionais.

Neoclássicos e desenvolvimentistas distinguiam-se pelos espaços ocupados no Estado. Estes, por exemplo, se associavam à Assessoria Econômica de Vargas e ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), ao passo que aqueles se vinculavam a instituições como a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) ‒ nascido sem o S, de Social. A dicotomia se expressava também pela ligação com os organismos internacionais. Os liberais se identificavam com o Bird e o FMI; os intervencionistas, com a Cepal. Essencialmente, discutia-se à época os rumos que o país, que havia recém-iniciado sua industrialização, deveria seguir. As teses em disputa exprimiam as posições antagônicas de frações do capital; e, como tais, chegavam às revistas patrocinadas por entidades patronais, como a Confederação Nacional do Comércio (CNC) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) ( Loureiro, 1997 ).

O enfrentamento deu-se em relativo equilíbrio até a primeira metade da década de 1960. A disputa, embora sem prevalência clara de nenhum dos lados, se dava de maneira desigual em diferentes espaços. As concepções liberais e intervencionistas da Economia se inseriam de maneira distinta na academia, ainda muito incipiente, na burocracia estatal e na sociedade em geral. Os ortodoxos ou neoclássicos, além de firmemente instalados em postos-chave da máquina governamental, sempre encontraram canais privilegiados de veiculação de sua produção em periódicos acadêmicos bem estabelecidos, como a Revista Brasileira de Economia , editada pela FGV desde 1946. Os desenvolvimentistas ou heterodoxos, em comparação, não tinham esse mesmo espaço e tampouco estavam tão bem posicionados nos órgãos do governo. Ademais, o golpe de 1964 determinou sua desarticulação e, em muitos casos, perseguição. Ainda assim, entre idas e vindas, a linha mestra de suas teses orientou a atuação do Estado em diferentes governos durante a maior parte do período que se estende até o final dos anos 1980.

Estruturação e consolidação da pós-graduação e maior autonomia do campo

Os primeiros cursos de economia no Brasil datam do pós-Segunda Guerra. A Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da Universidade do Brasil (FNCE/UB), no Rio de Janeiro, e a Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP) são ambas criadas em 1946. Essas duas escolas, no entanto, a exemplo das demais instituições de ensino fundadas ao longo das duas décadas seguintes, não se tornaram centros relevantes de produção de conhecimento. O protagonismo manteve-se nos espaços dedicados às questões práticas e imediatas da economia.

A academia adquiriu relevância com os programas de pós-graduação, instituídos na década de 1970. Via de regra, a americanização caracterizou a estruturação dos PPGs, a exemplo do que se sucedeu em diversas outras partes do mundo. Diversas iniciativas de cooperação internacional, em sua maior parte financiadas pela Fundação Ford e pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), tiveram papel decisivo na definição de agendas de pesquisa, de organização curricular e de referências metodológicas. A formação de doutores brasileiros nos EUA também compunha o rol de elementos fundamentais dessas iniciativas. As teorias neoclássicas e o uso de modelos econométricos, já presentes nos anos 1940, nas cooperações envolvendo a FGV e universidades estadunidenses , seguiam como os dois pilares a sustentar a implementação dos programas.

Resultado do esforço de edificação da pós-graduação, a autonomia do campo aumentou significativamente ao longo das décadas de 1980 e 1990, distanciando-se das questões prementes de governo. Multiplicaram-se durante esses anos os recursos do campo: realização de congressos, organização de associações, instituição de premiações, publicação de revistas especializadas. A titulação adquirida nos EUA manteve-se como fonte de prestígio, convertido em altos cargos no Estado e posições de destaque nos principais centros de pesquisa.

Embora cada vez mais configurada em função da produção acadêmica dos economistas, submetidos ao crivo dos seus próprios pares, a Economia continua sujeita a influências do mundo exterior. Desse modo, por exemplo, a chefia de um ministério em Brasília e a autoria de artigos em jornais de grande circulação, principalmente em manifestações sobre macroeconomia, são meios poderosos de acumulação de capital; constituem, para usar a expressão de Bourdieu, instâncias de consagração do campo, assim como as publicações em revistas especializadas, as apresentações em eventos científicos e os prêmios recebidos de seus iguais.

Em 2021, o país somava 56 PPGs acadêmicos de Economia. O gráfico abaixo mostra o número de programas, de mestrado e doutorado, existentes em cada ano, desde 1961.

Gráfico 1
: Programas de pós-graduação no país – mestrado e doutorado – 1961-2021

Apesar da influência das tendências vindas dos EUA no pós-Segunda Guerra e das ações de fomento estruturantes deliberadamente orientadas à ortodoxia predominante na academia norte-americana, esses programas formam um conjunto relativamente diverso de instituições em termos de suas filiações teóricas e metodológicas ( Bianchi, 1997 ). Essa pluralidade da área, ainda que gradativamente menos robusta ao tempo em que avança a ortodoxia, é provavelmente resultado da importância dos programas mais antigos ligados à tradição cepalina, sediados na Unicamp e na UFRJ, na formação dos economistas brasileiros ( Cabello, 2018 )8 .

Sublinhe-se, no entanto, que a diversidade de abordagens, algo visto com naturalidade nas ciências humanas e em outras ciências sociais, é frequentemente considerada prejudicial à construção do conhecimento na Economia. Os embates não raras vezes se resumem essencialmente a apontar o caráter “ideológico” e, portanto, desprovido de validade científica das teses e métodos rivais. Desse modo, as acusações de “neoliberal” e “intervencionista” são mobilizadas de parte a parte para descartar de pronto as linhas de pensamento divergentes.

Com efeito, embora ambos os lados lancem mão desse mesmo recurso, o expediente de deslegitimar o oponente rotulando-o de “não científico” é mais largamente usado pelos ortodoxos, cujo modo de compreender a Economia adequa-se ao modelo consagrado de cientificidade das hard sciences . Os heterodoxos, por seu turno, são levados à defensiva. A imputação de não cientificidade pesa mais sobre eles. Suas teses, fundamentadas no elemento-chave da historicidade dos fenômenos econômicos, mais afeitas às análises qualitativas, distanciam-se do método hipotético-dedutivo ( Bresser-Pereira, 2009 )9 .

Os tweets abaixo, de duas economistas referências no debate sobre política econômica e papel do Estado, expressam as posições de heterodoxos, em postura defensiva, e ortodoxos, em atitude mais incisiva e aberta de deslegitimação de perspectivas alternativas às suas: à esquerda, Laura Carvalho (2018) , da USP, colunista de importantes veículos nacionais de mídia e autora heterodoxa de grande projeção, se vê obrigada a provar que é capaz de trabalhar com “matemática e estatística”; e à direita, Elena Landau (2019) , egressa da PUC-Rio, reconhecida por sua atuação nos setores público e privado e firme defensora da ortodoxia, trata de encerrar uma discussão sobre gasto público e orçamento com o professor Guilherme Mello da Unicamp recorrendo à deslegitimação resumida em um só termo. Desnecessário afirmar que não se encontrará economista ortodoxo compelido a exibir suas credenciais de pesquisador competente em métodos qualitativos de pesquisa.

Imagem 1
: Ortodoxia vs Heterodoxia e Legitimidade Científica

O recurso à deslegitimação da cientificidade das teses rivais, feita sem meias palavras, expressa de maneira plena as disputas no campo. A postura mais contundente dos ortodoxos e a posição mais frágil dos heterodoxos traduzem, grosso modo, a situação de dominante e não dominante dos diferentes agentes. Como explicado anteriormente, a estrutura do campo – a fonte e a distribuição dos recursos entre seus agentes – é espaço de disputas contínuas e, portanto, sempre passível de mudanças.

Ao longo do tempo, desde meados do século XX, o conhecimento de Economia deixou de se originar e circular predominantemente nos órgãos do governo e migrou gradualmente para a academia. Consequentemente, as instâncias de consagração, em larga medida, fizeram esse mesmo caminho. A distribuição dos recursos no campo também foi alterada. A crescente matematização, quantificação e formalização da disciplina estão em perfeita consonância com a expertise abraçada pelos ortodoxos e distantes das especialidades caras aos heterodoxos em geral.

A institucionalização das disputas ortodoxos vs. heterodoxos na academia

À exceção do PPG em Desenvolvimento Econômico do IE/Unicamp, criado em 1997, os programas analisados estão entre os mais longevos. A pós-graduação da EPGE/FGV-Rio, primeira instituída no Brasil, iniciou-se em 1961. Em 1974, a Unicamp inaugurou seu mestrado em Ciência Econômica. O Departamento de Economia da PUC-Rio fez o mesmo em 1978, seguido pelo IE/UFRJ, cujo mestrado em Economia da Indústria e da Tecnologia foi fundado em 1979.

Mais do que quaisquer outros, os programas da FGV-Rio e da PUC-Rio, de um lado, e da UFRJ e da Unicamp, do outro, dão corpo, no mundo acadêmico, às disputas entre ortodoxos e heterodoxos que marcam o debate público e a produção especializada de conhecimento sobre Economia desde a Revolução de 1930. Seus fundadores são tributários, quando não eles próprios, dos liberais e intervencionistas que se enfrentavam ainda antes da existência da pós-graduação no país. As semelhanças e diferenças entre esses cinco PPGs, portanto, remontam às suas origens. Suas trajetórias revelam a permanência de seus traços inaugurais, mantidos ao longo dos anos, como apontou Loureiro (1997) em fins da década de 1990.

De um lado encontra-se a EPGE que, continuando a seguir as mesmas orientações básicas da FGV estabelecidas nos anos 50 e 60, é considerada, mesmo hoje, a versão monetarista mais ortodoxa. Seus membros valorizam muito a modelização matemática e o instrumental econométrico. Ainda deste lado está a PUC-Rio (...). (E)sses dois centros constituem o polo mais internacionalizado, isto é, mais integrado ao mainstream atual. (...) Do outro, os cursos da Unicamp e da UFRJ, criados por ex-discípulos da Cepal, permaneceram ligados àquelas questões definidas como estruturais. Seus estudos são desenvolvidos em linguagem pouco formalizada matematicamente e valorizam a abordagem histórica e sócio-política dos processos econômicos ( Loureiro, 1997: 70).

Essa mesma distinção entre ortodoxos e heterodoxos, associados a essas mesmas instituições, é identificada por Cantu (2009) , cujo recorte temporal de análise é posterior àquele de Loureiro. Assim, a conclusão de Loureiro é reafirmada por Cantu dez anos depois.

Há uma Ciência Econômica mais matematizada, associada à Revista Brasileira de Economia, cujos artigos utilizam frequentemente técnicas econométricas e cujos autores cursaram o doutorado na FGV-RJ ou na PUC-RJ, que se distingue de uma Ciência Econômica menos matematizada, associada à Revista de Economia Política e cujos artigos têm autores com doutoramento na UFRJ ou na Unicamp ( Cantu, 2009: 24).

A distinção entre as duas “ciências econômicas” se faz presente de maneira marcante nas bibliografias usadas nos cursos de cada programa. Os ortodoxos, salvo exceções, restringem-se a textos escritos nos últimos cinco anos e, em geral, na língua inglesa. Os heterodoxos, por sua vez, apoiam-se essencialmente em referências publicadas há várias décadas e de autoria dos estudiosos considerados clássicos, como Prebisch, Furtado, Keynes, Marx e Ricardo, muito frequentemente redigidos em português ou castelhano, dada a influência do pensamento cepalino ( Loureiro, 1997 ).

Com efeito, o que se observa aqui, como argumenta Arida (1996) , são duas concepções de ciência econômica baseadas nos modelos de hard e soft sciencies , adotados respectivamente por ortodoxos e heterodoxos. Os adeptos da hard science atuam conforme a noção de “fronteira do conhecimento”. Para eles, o estado da arte contemporâneo reúne tudo aquilo que é relevante. Ou seja, entende-se que a produção científica passada foi falseada e, portanto, descartada ou foi corroborada e, portanto, incorporada aos estudos mais recentes. Desse modo, não é preciso ter conhecimento dos clássicos ou se debruçar sobre estudos mais distantes no tempo. Por outro lado, aqueles filiados à soft science , via de regra mais cautelosos ou descrentes da noção de falseamento, acreditam ser fundamental voltar aos clássicos e aos debates balizadores da Economia reinterpretando-os à luz da contemporaneidade.

As semelhanças e diferenças entre os programas se expressam também no critério de seleção de seus estudantes, como se nota nos pesos atribuídos a cada uma das cinco provas que compõem o exame da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC). O desempenho no exame anual da ANPEC é a referência adotada pela maioria dos PPGs para a seleção de seus mestrandos. A tabela abaixo informa a importância conferida a cada prova em dois anos, 1993 (fora dos parênteses) e 2021 (entre parênteses). Embora, em geral, os pesos tenham sido alterados, as ênfases que dão identidade aos programas permaneceram as mesmas, tornando-se em alguns casos mais nítidas.

Tabela 1
: Peso das Provas do Exame da ANPEC, 1993 e 2021, entre parênteses

Mais uma vez, encontram-se alinhados FGV-Rio e PUC-Rio, de um lado, e UFRJ e Unicamp, do outro, dividindo ortodoxos e heterodoxos. Essencialmente, a diferença encontra-se nos pesos discrepantes aplicados às provas de Matemática, Estatística e Economia Brasileira. Atualmente, os candidatos às vagas dos programas de mestrado da FGV-Rio e da PUC-Rio sequer são cobrados pela realização da prova de Economia Brasileira. Em contraste, os interessados em ingressar nos programas de Economia da Indústria e da Tecnologia da UFRJ e de Ciência Econômica da Unicamp sabem que essa é justamente a prova mais importante para a seleção dos mestrandos. De modo inverso, como esperado, a FGV-Rio e a PUC-Rio dão grande relevância às provas de Matemática e Estatística, ao contrário dos PPGs heterodoxos da UFRJ e da Unicamp.

Frise-se, ademais, que o DE-Unicamp não recorre ao exame da ANPEC para estabelecer os parâmetros de seu processo seletivo. Opta-se, nesse caso, pela avaliação dos candidatos de acordo com a qualidade de seus projetos de pesquisa e sua performance em provas oral e escrita sobre desenvolvimento econômico. Sem fazer referência a nenhuma abordagem em particular, quantitativa ou qualitativa, exige-se dos potenciais mestrandos projetos baseados em “metodologia coerente e consistente” (IE/Unicamp, 2019:4)10 .

Ainda sobre as semelhanças e diferenças entre os cinco PPGs e sua permanência ao longo do tempo, chama atenção a trajetória característica dos professores dos dois grupos – ortodoxos e heterodoxos. A tabela abaixo mostra o local nos quais os docentes dos programas realizaram seu doutoramento. Os dados referem-se a 1991 e ao período 2013-2016.

Tabela 2
: Local de Doutoramento dos Docentes, 1991 e 2013-2016

O local de formação dos professores distingue claramente os programas. Enquanto os membros da FGV-Rio e da PUC-Rio, via de regra, realizaram o doutorado em universidades dos EUA, a maioria de seus colegas da UFRJ e, de maneira mais acentuada, da Unicamp, produziu suas teses em instituições brasileiras. Nota-se, no entanto, que a definição de “instituições brasileiras” deve ser qualificada: segundo as informações relativas aos anos 2013-2016, todas as instituições brasileiras pelas quais se formaram doutores os docentes dos cinco PPGs se concentram no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao lado das mesmas Unicamp, UFRJ e PUC-Rio, encontram-se programas da USP, da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). De igual modo, ao se observar em detalhe os números referentes aos doutorados feitos nos EUA, nota-se a larga prevalência de cinco instituições. Assim, os programas de Economia da Princeton University, University of Chicago, Stanford University, University of California e University of Pennsylvania somam 22 das 37 teses defendidas em escolas norte-americanas. Portanto, em que pesem as diferenças de local, os programas ortodoxos e heterodoxos assemelham-se em termos da estreiteza de seus universos de formação11 .

A dicotomia entre ortodoxos e heterodoxos, evidenciada em diferentes aspectos nesta subseção pela comparação entre os cinco PPGs em análise, se manifesta também na composição das bancas de mestrado e doutorado. A análise das relações entre orientadores e examinadores externos, de diferentes perfis, permite enxergar as interações, as disputas e o desenrolar mesmo do processo contínuo de conformação do campo e definição de suas fronteiras.

Como ortodoxos e heterodoxos se relacionam entre si e com os demais agentes do campo

Nas últimas décadas, o desenvolvimento de técnicas de extração e análise de grandes massas de informação e a existência de grandes bases de dados amplamente acessíveis tornaram possível a realização de inúmeros estudos sobre como e por que os cientistas se conectam. Usualmente, as redes de citações ou de co-autoria são usadas como proxies de colaboração entre os pesquisadores ( Newman, 2004 ; Hunter e Leahey 2008 , Ding, 2011 ; Bruggeman et al ., 2012; Biancani e MacFarland, 2013; Sidone et al ., 2016; Haddad et al ., 2017). Embora em menor quantidade, há também, como fazemos aqui, investigações baseadas na composição das bancas de defesa de mestrado e doutorado, nas quais os convites para a função de examinador de dissertações e teses são considerados eventos de interação entre orientadores e avaliadores (Casanueva e Larrinaga, 2013; Neto e Cunha, 2016 ; Ramos e Mena-Chalco, 2016 ; Smith e Urquhart, 2018 ).

De acordo com autores de diferentes áreas do conhecimento, afinidade teórica e relações de cooperação caminham juntas ( Ding, 2011 ; Bruggeman et al ., 2012; Biancani e MacFarland, 2013; Casanueva e Larrinaga, 2013; Smith e Urquhart, 2018 ). Smith e Urquhart (2018) , por exemplo, identificam que no Reino Unido os orientadores convidam para compor as bancas de seus estudantes de doutorado pessoas que lhes são próximas, com as quais têm agendas de pesquisa e abordagens teóricas em comum. No Brasil não é diferente. Especificamente dedicados à Economia, Haddad et al . (2017) mapearam a rede de coautoria entre os professores de pós-graduação da área destacando a existência de três clusters: um reúne os programas de produção marcadamente heterodoxa, outro agrupa as instituições mais fortemente vinculadas à economia agrícola e um terceiro congrega os PPGs associados à pesquisa de linha ortodoxa.

A rede de relações do campo objeto de nossa análise se caracteriza, igualmente, pela constituição de laços mais estreitos entre as professoras e professores que compartilham uma mesma linha teórica. As convergências e divergências, como é de se esperar, aproximam e afastam os agentes. Há, no entanto, matizes, senão mesmo diferenças fundamentais, entre programas filiados a uma mesma escola de pensamento, como será mostrado a seguir.

De 2013 a 2016, foram defendidos 503 trabalhos de mestrado e doutorado na modalidade acadêmica nos cinco PPGs em foco. Ao todo, 148 professores atuaram como orientadores, responsáveis pelo convite a 456 pessoas chamadas a desempenhar o papel de examinadores externos. A tabela abaixo informa o número de professores orientadores de cada um dos cinco programas durante o período 2013-2016 e seus respectivos números de convidados e de convites para a composição de bancas, além das proporções entre convidados/orientadores, convites/orientadores e convites/convidados.

Tabela 3
: Orientadores, Convidados e Convites por PPGs – 2013-2016

Embora os números relativos ao tamanho do corpo docente sejam discrepantes, as proporções entre convidados/orientadores, convites/orientadores e convites/convidados são bastante semelhantes. Os 148 orientadores dos cinco PPGs convidaram em média 3,5 examinadores externos para as suas bancas no período 2013-16. O número médio de convites por orientador foi de 5,0 e cada convidado foi chamado, em média, para 1,4 avaliação.

Como ortodoxos e heterodoxos se relacionam entre si

A fim de melhor conhecer as relações entre ortodoxos e heterodoxos, é profícuo identificar inicialmente as interseções entre os programas destacando os casos de convidados em comum. A imagem abaixo cumpre esse objetivo mostrando o número de convidados exclusivos e o número de convidados em comum com, pelo menos, uma instituição; o número entre parênteses refere-se, para cada um dos PPGs, ao percentual de convidados exclusivos em relação ao total de convidados.

A quantidade de convidados exclusivos é bastante expressiva em todos os casos, embora o DE-Unicamp e a PUC-Rio se sobressaiam pelos valores consideravelmente superior e inferior, respectivamente, aos demais. A integração da PUC-Rio à rede deve-se, em larga medida, aos convidados que tem em comum com a FGV-Rio. De todos os examinadores externos que compuseram as bancas de avaliação de pós-graduandos da PUC-Rio e da FGV-Rio, quinze são nomes em comum às duas instituições – treze foram convidados por ambos os PPGs ortodoxos e outros dois foram chamados também pela UFRJ.

O programa da federal do Rio de Janeiro é o único do trio heterodoxo a registrar interseções com a dupla ortodoxa. Os examinadores em comum às três escolas cariocas, em que pesem suas diferenças, não é surpreendente, como atestam estudos que revelaram a importância da localização geográfica para o estabelecimento de relações de colaboração científica. À parte os efeitos de outras variáveis, como afinidade teórica ou metodológica, a maior ou menor distância geográfica entre os agentes impacta de modo significativo a construção de laços de cooperação entre os pesquisadores, inibindo-os ou os incentivando ( Hunter e Leahey, 2008 ; Sidone et al ., 2016; Haddad et al ., 2017; Cabello, 2018 ). O curto trajeto entre bairros de uma mesma cidade diminui a distância causada por divergências conceituais, aproximando heterodoxos e ortodoxos baseados na capital fluminense, que recorrem em alguns casos aos mesmos avaliadores. Por sua vez, os cerca de 500 quilômetros entre o Rio de Janeiro e Campinas reforçam o afastamento entre os programas da Unicamp, de um lado, e os da PUC-Rio e da FGV-Rio, de outro.

As informações a respeito dos convites de orientadores a examinadores externos serviram também à elaboração da imagem abaixo. A rede confirma as observações e argumentos apresentados acima ao mostrar de maneira mais detalhada a maior e menor distâncias entre os programas12 .

Um grande componente – conjunto de nós ligados uns aos outros ainda que indiretamente – se destaca na rede, reunindo 491 dos 547 orientadores e examinadores externos. Grosso modo, os nós desse grande componente estão distribuídos em dois grandes grupos ou clusters que, não surpreendentemente, congregam ortodoxos de um lado e heterodoxos de outro. Os demais componentes, bem menores, somam, quando muito, sete nós; e na maior parte dos casos, apenas dois ou três.

Os docentes da FGV-Rio e da PUC-Rio, nitidamente, formam um cluster na parte superior direita da rede. Nota-se, nesse cluster, a participação de alguns professores da UFRJ, característica já indicada, mesmo que de maneira não tão clara, na Imagem 2 . A maior parte dos membros da UFRJ, porém, encontra-se em outro cluster, junto a integrantes de ambos os programas da Unicamp. Esse cluster, no entanto, inclui apenas uma minoria dos orientadores vinculados ao DE-Unicamp. A presença do DE-Unicamp, em verdade, é preponderantemente dispersa, localizada nas franjas da área ocupada pelos heterodoxos. Com efeito, ainda sobre o cluster UFRJ/Unicamp, observa-se que a inserção da federal do Rio de Janeiro, apesar de expressiva, é relativamente marginal, situando-se mais próxima ao centro do que à esquerda da rede.

Imagem 2
: Interseções entre os programas – Convidados em Comum – 2013-2016

A fim de compreendermos a configuração da rede e a diferença de coesão entre os dois clusters, é importante observar especificamente também os convites feitos entre os próprios membros dos programas, ou seja, a interação direta entre os PPGs por meio da participação de seus professores nas bancas de mestrado e doutorado uns dos outros.

Tabela 4
: Local de Trabalho dos Examinadores Externos

Nota-se que a conexão direta entre os ortodoxos é mais forte que aquela entre os heterodoxos. Cerca de 15% dos examinadores externos das dissertações e teses da PUC-Rio são professores da FGV-Rio e vice e versa. A relação entre os heterodoxos é mais distante. A maior interação direta ocorre entre o CE-Unicamp e a UFRJ. Pouco menos de 9% dos convidados do CE-Unicamp são docentes da UFRJ. Os convites na direção oposta existem, mas em menor proporção: 5,2% dos avaliadores das bancas da UFRJ vêm do CE-Unicamp. A situação relativamente afastada do DE-Unicamp é mais uma vez confirmada. Em comparação com os laços entre PUC-Rio e FGV-Rio, ambas instituições ortodoxas localizadas numa mesma cidade, os dois programas heterodoxos de Campinas, ambos integrantes de uma mesma estrutura acadêmica, estão longe de exibir a proximidade esperada. Sublinhe-se, por fim, a inexistência de convites entre a PUC-Rio e a FGV-Rio, de um lado, e os dois PPGs da Unicamp, de outro. Assim, a exemplo da falta de convidados em comum, observada na Imagem 2 , verifica-se aqui a ausência de uns nas bancas dos outros entre os ortodoxos, baseados no Rio de Janeiro, e os heterodoxos de Campinas.

A divisão ortodoxos/heterodoxos também é percebida quando se considera o PPG de formação dos convidados, como faz a tabela a seguir.

Tabela 5
: PPG de Doutoramento dos Examinadores Externos

Sobre os heterodoxos, destacam-se mais uma vez a maior interação entre o CE-Unicamp e a UFRJ e a menor integração do DE-Unicamp ao trio. Aproximadamente 15% dos avaliadores das dissertações e teses da UFRJ doutoraram-se no CE-Unicamp. No sentido inverso, constata-se que a participação de doutores formados na UFRJ nas bancas de pós-graduação do CE-Unicamp tem esse mesmo peso. No entanto, frisa-se que, embora em diferentes graus, os três programas heterodoxos estão ligados entre si, distinguindo-se dos ortodoxos, que compõem outro grupo. Vale ressaltar que a UFRJ, novamente, relaciona-se em alguma medida com a dupla PUC-Rio/FGV-Rio. Cabe assinalar, ademais, a presença menos expressiva de convidados da casa entre os ortodoxos e de laços mais fracos entre as suas instituições se comparados às conexões que unem os heterodoxos.

A Tabela 6 , abaixo, que detalha a origem da formação dos examinadores externos, nos ajuda a compreender o elo mais frágil entre a PUC-Rio e a FGV-Rio.

Tabela 6
: Local da Formação – Examinadores Externos

Os dados da Tabela 6 ressaltam mais um aspecto distintivo dos programas. Os avaliadores dos mestrandos e doutorandos da PUC-Rio e da FGV-Rio formaram-se, em sua grande maioria, em universidades estrangeiras – sobretudo norte-americanas. Os examinadores externos da dupla de PPGs ortodoxos com doutorado fora do país somam 58,4% no caso da FGV-Rio e 67,3% no caso da PUC-Rio. Em contraste, pelo menos três quartos dos convidados a compor as bancas de defesa das instituições heterodoxas obtiveram o título de doutor no Brasil.

Assim como se apontou anteriormente que a formação dos professores dos próprios programas é altamente concentrada em algumas poucas instituições de São Paulo, Rio de Janeiro e EUA, sublinha-se agora o quão restrita é, também, a origem dos cursos de doutorado dos convidados. Os 272 examinadores externos chamados a compor as bancas pelo trio heterodoxo formaram-se em 77 instituições diferentes; sendo 65 delas localizadas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Os próprios CE-Unicamp, DE-Unicamp e UFRJ são a casa de 123 convidados (45,2% do total). Se os juntarmos a outros oito programas da USP, da Unicamp, da UFRJ e da PUC-Rio, alcançamos mais de dois terços de todos os avaliadores. Os ortodoxos, por sua vez, recorreram a 70 doutores diplomados em 35 PPGs estrangeiros para a avaliação de seus pós-graduandos. Seis programas de Economia dos EUA e um do Reino Unido são responsáveis pela formação de metade de todos os membros externos das bancas da PUC-Rio e da FGV-Rio: University of Chicago; Princeton University; London School of Economics; Massachusetts Institute of Technology; Stanford University; University of California, at Berkeley; e Columbia University.

Como ortodoxos e heterodoxos dialogam com os demais agentes do campo

Para além dos pontos abordados acima, a discussão a respeito das trajetórias de orientadores e examinadores externos é fundamental para respondermos como ortodoxos e heterodoxos têm dialogado com os demais agentes do campo. Esta subseção versa sobre as relações estabelecidas com agentes cuja formação ou atuação encontra-se formalmente fora da área de Economia. Se compreendemos bem o conceito de campo de Pierre Bourdieu, a própria definição de quem são os agentes do campo é objeto de contínua disputa. As fronteiras do campo definem as questões que merecem atenção, os métodos adequados para investigá-las e as teorias capazes de explicá-las.

A imagem a seguir mostra a rede de interações entre os orientadores dos cinco programas centrais para a nossa análise e os examinadores externos convidados para as bancas de mestrado e doutorado, destacando se esses doutores são formados em Economia ou em outra área, indicados pelos nós de cor cinza.

Observando o componente principal da rede nota-se que a presença de avaliadores com formação em outras áreas é mais expressiva no cluster heterodoxo, especialmente na parte debaixo da imagem, caracterizada pela predominância de orientadores do DE-Unicamp. Nos demais componentes da rede, localizados no canto inferior direito, chama atenção a maior conexão entre os examinadores externos com doutorado em outras áreas e orientadores do DE-Unicamp.

A princípio, o esperado se confirma: comparados aos ortodoxos, os heterodoxos são, via de regra, mais próximos de agentes formados em outras disciplinas. Embora a imagem indique a participação mais numerosa de avaliadores de outras áreas nas bancas do DE-Unicamp, pode-se inicialmente considerar que os professores do CE-Unicamp e da UFRJ que se encontram no cluster heterodoxo se destacam por esse mesmo motivo, ainda que em menor intensidade. Desse modo, os heterodoxos estariam mais envolvidos em diálogos interdisciplinares, incorporando mais fortemente ao seu modo de entender e fazer a Economia elementos de outras áreas de conhecimento.

Entretanto, investigando mais detalhadamente a relação dos agentes formados em outras áreas com os cinco PPGs, percebe-se que essa conclusão é equivocada. O exame mais detido a respeito da formação dos convidados nos aponta uma situação diversa.

Tabela 7
: Área de Doutoramento – Examinadores Externos

O DE-Unicamp claramente se destaca dos demais programas. Quase metade dos avaliadores externos de suas dissertações e teses é formada em outras áreas, em contraste com a incontestável prevalência dos economistas nas bancas dos outros quatro PPGs. A menor participação dos economistas se deve sobretudo à presença massiva de examinadores provenientes das Ciências Sociais/Humanas, a quem os orientadores do DE-Unicamp endereçaram um terço de seus convites. Embora em quantidade bastante inferior, os doutores das áreas de Exatas e Ciências da Terra correspondem a uma proporção importante dos convidados do programa em Desenvolvimento Econômico da Unicamp.

Nesse sentido, portanto, as instituições do trio heterodoxo não guardam entre si a unidade vista até aqui. Em termos de área de formação dos avaliadores externos, o CE-Unicamp e a UFRJ estão distantes do DE-Unicamp e relativamente mais próximos da dupla ortodoxa. Essa singularidade do DE-Unicamp ajuda a explicar a sua posição menos integrada ao cluster heterodoxo. Sua interlocução com agentes de outras disciplinas é consideravelmente maior. Mais especificamente, a julgar pelo diálogo que estabelece com as Ciências Sociais/Humanas, seu modo de compreender o que é Economia inclui, mais frequentemente, o uso de métodos qualitativos e a adoção de abordagens interdisciplinares indutivas ou histórico-dedutivas. A composição de suas bancas de mestrado e doutorado indicam, muito claramente, a sua firme divergência com a concepção de Economia baseada nos pressupostos – tão afeitos à ortodoxia neoclássica – de identificação e quantificação precisas de variáveis que se relacionariam de maneira unidirecional em uma cadeia de causas e efeitos adequados às mensurações de modelos econométricos.

A distância do DE-Unicamp da dupla ortodoxa, como esperado, e dos seus pares heterodoxos, em termos de diálogo com os demais agentes do campo, também se expressa na análise dos convites feitos a avaliadores de outras áreas. A exemplo da imagem anterior, a rede abaixo mostra as interações entre os docentes dos cinco PPGs e os examinadores externos chamados a compor as bancas de mestrado e doutorado. Dessa vez, no entanto, os nós de cor cinza informam os convidados pertencentes a instituições de ensino e pesquisa fora da área de Economia.

Imagem 5
: Orientadores e Examinadores Externos à Área de Economia

A distribuição de avaliadores vinculados a outras áreas é bastante semelhante àquela de examinadores externos que se doutoraram fora da Economia, vista na Imagem 4 . Portanto, novamente, em que pese a impressão inicial a respeito da clivagem entre ortodoxos e heterodoxos, o exame mais detalhado dos dados nos mostra o DE-Unicamp deslocado dos demais programas.

Imagem 4
: Orientadores e Examinadores Externos Economistas/Não Economistas

Nota-se, mais uma vez, a menor participação de convidados da área de Economia nas bancas do DE-Unicamp. Somados, os convites do DE-Unicamp dirigidos a professores pertencentes a escolas de Economia não alcançam 40% do total. Com efeito, os examinadores externos vinculados às Ciências Sociais/Humanas têm participação ligeiramente superior à de seus colegas dos departamentos e institutos de Economia – 39,9% e 38,1%, respectivamente. Os demais programas se assemelham no maior diálogo com os docentes da área de Economia e se diferenciam na sua interação com os avaliadores das Ciências Sociais/Humanas, mais frequentes nas bancas heterodoxas, e das Empresas Privadas, por vezes requisitados pelos ortodoxos, mas ausentes das bancas da UFRJ e do CE-Unicamp.

Considerando as trajetórias e as características de cada programa, seus interlocutores e os critérios de distribuição de poder no campo, é possível aprofundar a análise feita até aqui observando mais detidamente as semelhanças e diferenças identificadas e, ainda, apontando como a Economia tende a ser definida daqui para frente.

O par de regressões logísticas apresentado na Tabela 8 mede a chance de um orientador ter feito pelo menos um convite para a função de avaliador externo a: (a) indivíduo com doutorado em outra área, diferente de Economia; e (b) indivíduo vinculado a instituição acadêmica de outra área, diferente de Economia. Portanto, a variável dependente é a ocorrência (ou não) de, pelo menos, um convite para indivíduos com as características especificadas nos itens (a) e (b). A existência de convite é codificada como 1 e sua inexistência como 0.

Tabela 8
: Área de Trabalho – Examinadores Externos

As variáveis independentes, por sua vez, são as seguintes:

  • Filiação institucional do orientador: atribuindo-se ao DE-Unicamp a função de grupo de referência, codificado como 0, em contraste com os outros quatro PPGs, codificados como 1.

  • Filiação teórica da instituição de doutoramento do orientador: se ortodoxa, codificada como 0, ou heterodoxa, codificada como 1 (Ort/Het).

  • Ano de conclusão do doutoramento do orientador: codificado de acordo com o ano de conclusão da tese (PhD/Ano) 13 .

Sobre a categorização da variável Ort/Het, inicialmente foram identificadas as áreas de conhecimento de cada instituição de doutoramento. As instituições da área de Ciências Sociais Aplicadas, que não a Economia, ou de Ciências Humanas, foram categorizadas como heterodoxas, pois, via de regra, utilizam modelos analíticos distantes das hard sciences . Por sua vez, as instituições da área de Ciências da Terra ou Exatas foram categorizadas como ortodoxas, pois, por sua condição de hard sciences , servem de modelo às escolas ortodoxas. Ao todo, seis programas de ciências sociais aplicadas/humanas e seis programas de ciências exatas/da terra formaram 14 dos 148 orientadores. Já as instituições de Economia foram identificadas como, por um lado, pluralistas e heterodoxas, ambas categorizadas como heterodoxas e, de outro, como ortodoxas e categorizadas como ortodoxas. Além de doutoramentos da casa, que somam a maioria, há entre os 148 orientadores aqueles formados no exterior, em instituições do México, Canadá, EUA, Reino Unido e França, e em outros três PPGs brasileiros. Os PPGs de Economia brasileiros da UFF e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP foram identificados, respectivamente, como heterodoxo e ortodoxo ( Fernandez e Suprinyak, 2019 ); e o do Impa, como Ciência Exata e, portanto, categorizado como ortodoxo. Em relação à Universidad Nacional Autónoma de México, seu doutorado em Economia foi identificado como pluralista, após consulta ao site da instituição. Os programas sediados nos EUA, Reino Unido e Canadá foram categorizados de acordo com Novaes (2008), Lee (2009) e Quigley (2018) . Finalmente, a categorização das instituições francesas baseia-se na leitura de Godechot (2011) e nas consultas mencionadas na nota de rodapé 5.

Como se nota, as variáveis testadas dizem respeito a elementos fundamentais da análise feita até aqui. No entanto, uma dessas variáveis introduz a dimensão temporal à equação, extrapolando o período 2013-2016. A variável PhD/ano visa aferir se a época de obtenção do título de doutor – se mais recente ou distante no tempo ‒ impacta as relações que os orientadores estabelecem com os demais agentes do campo.

A bem da clareza e da concisão, são apresentados a seguir os coeficientes cujo p-valor é inferior a 0,1; ou seja, considerados estatisticamente significantes pelo entendimento usualmente adotado nas Ciências Sociais. Como se nota, a variável Ort/Het não se encontra na Tabela 8 , dada sua insignificância estatística, destoando das demais.

Tabela 9
: Interação com agentes de outras áreas – Regressões logísticas

O conjunto de variáveis relativas aos PPGs, medidas em referência ao DE-Unicamp, reforça a compreensão, baseada na análise das redes de interações e em estatísticas descritivas, construída até aqui. A singularidade do DE-Unicamp é confirmada pelo par de regressões logísticas. Sobre as chances de convite a avaliadores de instituições acadêmicas de outras áreas, os números são todos bastante expressivos. Quanto à dupla ortodoxa, os docentes da FGV-Rio têm 66,6% menos chances de convidar alguém de instituições acadêmicas de outras áreas para as suas bancas quando comparados aos integrantes do DE-Unicamp. Já a comparação entre a PUC-Rio e o DE-Unicamp resulta numa distância ainda maior (71,7%) mas cujo p-valor (0,114), omitido da tabela, é ligeiramente acima do corte de 0,1. Por sua vez, a diferença entre os heterodoxos da UFRJ e aqueles associados ao DE-Unicamp é de 70%. O maior percentual, no entanto, se verifica na comparação entre os colegas de IE da Unicamp: os orientadores do CE-Unicamp têm 79,9% menos chances de convidar alguém de instituições acadêmicas de outras áreas para avaliar seus pós-graduandos quando comparados aos professores do DE-Unicamp.

Quanto às chances de convite a avaliadores com doutorado em outras áreas, registradas na coluna da esquerda da Tabela 8 , os números que diferenciam o DE-Unicamp dos demais programas são igualmente expressivos, variando entre 74,8% e 82,9%. Desse modo, a título de ilustração, os liberais neoclássicos da FGV-Rio têm 79,8% menos chances de convidar um não economista para a função de examinador externo de seus orientandos quando comparados aos membros do DE-Unicamp. Mais importante, porém, é apontar a significância estatística de PhD/Ano. O passar do tempo, medido em anos, em referência ao ano de obtenção do título de doutor dos orientadores, impacta negativamente as relações com não economistas. Em outras palavras, quanto mais recentemente tenha concluído seu doutorado, menos chances tem o orientador de se relacionar com não economistas. Para ser preciso, para cada ano a mais, em termos de ano de conclusão do doutorado do orientador, a chance de serem feitos convites a examinadores de outras áreas diminui em 4,4%.

A informação acerca das relações com não economistas pode ser apresentada em probabilidade. Desse modo, o gráfico a seguir mostra a probabilidade de não economistas serem convidados para as bancas, considerando o ano de doutoramento dos orientadores14 .

Gráfico 2
: Probabilidade de Orientador Convidar Não Economistas (%)

Como se nota, o DE-Unicamp se destaca claramente dos outros quatro programas. Um professor do DE-Unicamp, com doutorado defendido em 1990, tem 80% de probabilidade de convidar não economistas para as bancas de seus orientandos, ao passo que esse percentual para seus colegas da PUC-Rio, FGV-Rio, CE-Unicamp e UFRJ, com doutorado concluído igualmente em 1990 é, respectivamente, 50,3%, 44,8%, 44,3% e 40,6% (a linha roxa do CE-Unicamp está encoberta pela linha amarela da FGV-Rio). Ainda assim, os cinco programas têm algo em comum: a trajetória de queda de convites feitos a profissionais de outras áreas, tanto mais recente é a titulação de doutor dos orientadores. Observando o gráfico vê-se que os 44,8% de probabilidade de um docente da FGV-Rio, com doutorado obtido em 1990, convidar um não economista, contrastam com os 22,5% de seu colega com doutorado obtido em 2013 fazer o mesmo. Seguindo-se esses mesmos critérios, os números para o DE-Unicamp são de, respectivamente, 80% e 59%.

O efeito da variável PhD/ano, que alcança os cinco programas, reforça nosso entendimento sobre a conformação da Economia, provendo-lhe a dimensão temporal ou geracional. Como se vê, o campo tem progressivamente afastado os interlocutores cuja formação não se deu em PPGs de Economia. Cada vez mais espelhados nas hard sciences , os critérios de consagração da disciplina sinalizam aos agentes os elementos constitutivos do status quo , bem como, em larga medida, as posições de dominantes e não dominantes e, no limite, a exclusão do campo15 .

Considerações finais

Como demostrado, as relações, se mais ou menos fortemente estabelecidas, tanto entre ortodoxos e heterodoxos como entre ortodoxos, heterodoxos e os demais agentes do campo, não devem ser compreendidas como mero resultado da dicotomia que opõe o liberalismo neoclássico e seus críticos.

Sem dúvida, há algumas décadas, é evidente a crescente aderência da Economia aos paradigmas de cientificidade das hard sciences e, em especial, ao programa de pesquisa neoclássico. A divisão entre ortodoxos e heterodoxos se expressa claramente nos diferentes clusters que caracterizam a rede de relações orientadores/examinadores externos: dupla de programas ortodoxos de um lado; trio de heterodoxos, de outro. No entanto, à parte a ampla prevalência do liberalismo neoclássico e a partição ortodoxos/heterodoxos, a Economia tem se conformado de tal modo a restringir, num movimento mais abrangente, quem está apto a integrar o campo, reservando-o aos economistas de formação. Esse processo, embora capitaneado pelo avanço da ortodoxia, é impulsionado também por parte da heterodoxia.

Como notamos, os orientadores da UFRJ e do CE-Unicamp, assim como seus colegas da PUC-Rio e da FGV-Rio, privilegiam largamente o diálogo com examinadores externos doutores em Economia ou pertencentes a PPGs de Economia. Os professores do DE-Unicamp, por sua vez, estabelecem assiduamente relações com interlocutores de outras áreas. Seu entendimento acerca das fronteiras do campo reclama o debate mais amplo com outras disciplinas com as quais a Economia tem interseções ou mesmo se confunde. A singularidade do DE-Unicamp, deslocado dos dois outros programas heterodoxos, nos mostra como o processo contínuo de disputas em torno do que constitui a Economia é complexo e multifacetado. Antes de se resumir ao enfrentamento entre dominantes e não dominantes, a disciplina abriga ortodoxos e heterodoxos de variadas matizes, em diferentes situações.

A insubmissão não apenas à ortodoxia, mas, igualmente, à tendência geral de interposição de barreiras aos não economistas cobra o seu preço. Em 2017, por exemplo, o DE-Unicamp recorreu à CAPES, sem sucesso, para alterar o conceito obtido na avaliação referente ao quadriênio 2013-2016. A comissão de reconsideração, favorável ao recurso, registrou:

Cabe destacar que a avaliação da produção intelectual deste programa apresenta uma peculiaridade. O programa tem caráter interdisciplinar e parte significativa de sua produção é veiculada em periódicos de áreas das ciências sociais afins à Economia , Sociologia, Ciência Política, Planejamento Urbano etc. São todas áreas próximas às áreas de atuação do programa e suas linhas de pesquisa e que não geram desvio de foco do mesmo, contudo, o Documento de Área ao colocar travas à produção fora de área penaliza bastante a produção do programa , que apesar de ser fora de área é completamente aderente à proposta do programa e muito bem qualificada. (...) Por outro lado, em função da perspectiva teórica do mesmo, sua produção também é fortemente veiculada em livros , é menos valorizada pela área . Contudo, essa veiculação é consistente com programas com essa perspectiva teórica , próxima à Sociologia, Ciência Política, História etc. (CAPES, 2017c:4, destaques do autor).

Observa-se, na transcrição acima, os enfrentamentos envolvidos no desenho das fronteiras da disciplina. O distanciamento em relação aos profissionais das outras áreas empurra para as margens, inicialmente, e para fora do campo, finalmente, questões, métodos e conceitos hoje ainda presentes graças a esforços de pesquisa interdisciplinares. No limite, a construção de status quos marcados pelo pouco espaço à pluralidade pode levar os não dominantes a opções de saída , conforme o conceito de Albert O. Hirschman (1973) . Na França, por exemplo, em meados dos anos 2010, um grupo de economistas heterodoxos, convencidos de que não tinham voz no processo de definição do campo, esforçaram-se para criar uma nova área de conhecimento, reconhecida pelo ministério da educação daquele país, chamada “Economia e Sociedade” ( Chavance e Labrousse, 2018 ).

A autonomia do campo da Economia no Brasil se fortaleceu consideravelmente desde a segunda metade do século XX.16 As barreiras de entrada, tal como têm sido erguidas, circunscrevem o debate, aos economistas e apenas a eles. Esse processo, pode-se dizer, é, ao menos em parte, esperado; resultado da maior autonomia do campo. Ainda assim, não são raros e desprovidos de importância os chamados à interdisciplinaridade ( Neves, 2017 ; Silva, 2019 ). Nesse sentido, vale lembrar o apontamento de Pierre Bourdieu (1976) , segundo o qual os parâmetros definidores do campo, quaisquer que eles sejam, resolvem tão somente as questões que eles podem propor ou, dito de outra forma, propõem tão somente as questões que eles podem resolver. Frente a complexidade de nossas sociedades, aos incontáveis e determinantes fenômenos que as conectam, às diversas e variadas lógicas e estruturas que as organizam, deixar a Economia exclusivamente aos economistas é limitar demasiadamente o seu alcance, lhe estreitando excessivamente as perspectivas e seu poder de elaboração e explicação da realidade.

AGRADECIMENTOS

Gostaria agradecer, pela leitura, críticas e observações, a Miguel Soares Palmeira, do Departamento de História da Universidade de São Paulo, e a Ivan da Costa Marques, do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Devo mencionar também minha gratidão a Daniel de Pinho Barreiros, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelos seus comentários. Registro ainda a gentileza de Adriana Moreira Amado, professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, cujas impressões sobre a configuração do campo da Economia no Brasil me ajudaram a compreender melhor meu objeto de estudo. Sou grato, igualmente, a Bernard Chavance, Florence Jany-Catrice, Jérôme Gautié e Oliver Godechot, pela generosidade ao compartilhar suas avaliações sobre a configuração do campo da Economia na França durante os anos 1980 e 1990.

Referências

Notas

  • 1
    . Há inúmeros textos sobre a definição dos termos economia ortodoxa e economia heterodoxa e as diferenças entre eles. A título de referência, destaco: Arida (1996) , Bresser-Pereira (2009) e Mota et al . (2007).
  • 2
    . Adota-se o termo “agente”, a exemplo de Bourdieu (2004) , para fazer referência a quem – indivíduos ou instituições – compõe o campo.
  • 3
    . Usarei as seguintes siglas para me referir aos programas: CE-Unicamp, DE-Unicamp, FGV-Rio, UFRJ e PUC-Rio.
  • 4
    . Para efeito de exemplo, instituições como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) são classificadas como instituições de pesquisa ligadas ao governo. Sobre o perfil das instituições francesas, nas quais alguns indivíduos da base de dados se doutoraram, agradeço a Bernard Chavance, Florence Jany-Catrice, Jérôme Gautié e Oliver Godechot pelas valiosas impressões a respeito da pós-graduação em Economia nas décadas de 1980 e 1990 nas seguintes universidades: Université Paris Ouest Nanterre La Défense – Paris X; Université Panthéon Sorbonne – Paris I; Université Paris Diderot – Paris VII; Université Sorbonne Nouvelle – Paris III; e Université Pierre Mendès France – Grenoble II.
  • 5
    . Cabello (2018) não faz distinção entre dois programas vinculados a uma mesma instituição. Portanto, não há informações individualizadas sobre os programas da UFC e da UFV. Por outro lado, Fernandez e Suprinyak (2019) classificam os programas individualmente.
  • 6
    . A mudança de perfil do PPG em Economia de Empresas da FGV-SP, indicada em análise de Dequech (2018) , é registrada ao longo dos anos 2000 nas fichas de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ( Capes, 2001 ; 2004; 2007; 2010; 2013; 2017d). O meio de difusão de sua produção é bastante ilustrativo desse processo. No quadriênio 2013-2016, por exemplo, as oito publicações de maior destaque, conforme critérios do próprio programa, foram todas veiculadas em journals de língua inglesa e filiados à ortodoxia, segundo classificação encontrada em Novaes (2008) (Capes, 2017d). Além disso, a FGV-SP tem optado por estabelecer suas parcerias com escolas ortodoxas, como a UFPEL, a UFJF e a UFC (Economia) (Capes, 2017d). Pode-se ressaltar, ainda, como a reorientação da FGV-SP da heterodoxia à ortodoxia se expressa nos pesos atribuídos às diferentes provas do exame da Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), utilizado pela maioria dos PPGs para a seleção de seus mestrandos. Em 1993, a FGV-SP e a UFRJ conferiram exatamente os mesmos pesos às provas, reservando especial relevância – 30% do total de pontos – às questões relacionadas à economia brasileira, como o fazem os programas de linha heterodoxa ( Loureiro, 1997: 71). Em 2004, o peso da prova de economia brasileira, para os candidatos ao curso de mestrado da FGV-SP, foi de 20% e, em 2011, 10% ( ANPEC, 2004: 5; 2011: 6). Atualmente, a FGV-SP sequer cobra de seus potenciais estudantes a realização da prova de economia brasileira ( ANPEC 2020: 8).
  • 7
    . Para uma análise recente do processo de internacionalização da formação dos professores da pós-graduação brasileira em Economia, ver Albuquerque (2019) .
  • 8
    . De acordo com dados de 2013, 13,9% dos docentes de pós-graduação de programas de Economia no Brasil doutoraram-se pela Unicamp, 7,2% obtiveram seu título na UFRJ e outros 11,2% na USP. As três instituições formam o trio com maior número de doutores egressos lecionando em PPGs do país ( Cabello, 2018 ). Sobre os fatores que contribuíram para a pluralidade do campo no Brasil, ver Dequech (2018) e Fernandez e Suprinyak (2019) . O livro Economists in the Americas (Montecinos e et al. , 2009) coloca em perspectiva comparada a velocidade e o alcance do avanço da ortodoxia predominante nas escolas norte-americanas na academia brasileira. A obra reúne textos sobre o campo da Economia em sete países americanos: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Estados Unidos, México e Uruguai. Em resumo, pode-se dizer que os economistas brasileiros, bem como seus vizinhos latino-americanos, galgaram os mais altos escalões decisórios da burocracia de seus países, legitimados pelas suas credenciais acadêmicas, consideradas técnicas. Entretanto, no Brasil, em contraste com o restante do continente, o campo da Economia permanece razoavelmente plural, em que pese a crescente importância da ortodoxia norte-americana ( Montecinos, 2009 ; Biglaiser, 2009 ; Enciso, 2009 ; Babb, 2009 ; Garcé, 2009 ).
  • 9
    . Ainda sobre o debate em torno da definição de ortodoxia e heterodoxia, vale mencionar a série de artigos, voltados ao público mais amplo, publicados em 2016 e 2017 no caderno Ilustríssima do jornal Folha de São Paulo e na revista semanal Carta Capital: Belluzzo e Bastos (2016) , Oureiro e Gala (2016) , De Paula e Jabbour (2016) , Lisboa e Pessôa (2016a; 2016b), Gonçalves e Lisboa (2016) e Duayer e Paincera (2017a; 2017b).
  • 10
    . As diferenças e semelhanças entre os programas são observadas também na produção discente, como mostram as nuvens de palavras formadas pelas palavras-chave de dissertações e teses do período 2013-2016, no Anexo 1 .
  • 11
    . Note-se, no entanto, que a composição do corpo docente, em termos de gênero, constitui elemento de distinção entre os programas. Entre os ortodoxos, a participação feminina na FGV-Rio restringe-se à presença de uma única professora; na PUC-Rio, só há homens. Entre os heterodoxos, a proporção de mulheres é, nos três casos, um pouco superior a 25%: 28% no CE-Unicamp, 26,3% no UFRJ e 25,5% no DE-Unicamp. Para mais informações sobre a presença de docentes mulheres, ver Albuquerque (2019: 77). Não há dados referentes a raça/cor na Plataforma Sucupira. Ainda assim, a julgar pelas fotos encontradas nos sites das instituições, a presença de professores brancos é largamente dominante nos cinco PPGs. Observe-se que não há imagem dos docentes no site do IE/UFRJ, apenas os seus nomes. Alternativamente, portanto, foi preciso pesquisar em bancos de imagens diversos, usando ferramentas de busca. Essa mesma medida foi tomada em alguns casos de professores dos programas da Unicamp cujas fotos também não estavam no site do Instituto. As páginas institucionais, consultadas em 07 de julho de 2022, são: < http://www.econ.puc-rio.br/pessoas/professores-quadro-principal > (PUC-Rio); < https://epge.fgv.br/pt/pessoas/professores/quadro-principal > (FGV-Rio); < https://www.ie.ufrj.br/pos-graduacao-j/pos-graduacao-em-economia/ppge-quem-somos.html > (UFRJ); e < https://www8.eco.unicamp.br/ConsultaDocente/ > (Unicamp).
  • 12
    . A Imagem 3 , assim como as demais redes neste artigo, foi gerada com o software Netdraw 2.116 ( Borgatti, 2002) , recorrendo-se à funcionalidade spring embedding , realizando 100 interações, de acordo com o critério de distance + node repulsion + equal edge length , com distância 10 entre os seus componentes e proximidade entre eles determinada por distâncias geodésicas.
    Imagem 3
    : Orientadores e Examinadores Externos
  • 13
    . Considerando a grande dispersão dos dados originais, devido ao espaço temporal que separa os anos de formação dos orientadores cujo doutoramento foi concluído antes de 1990, foi necessário somar as observações de 1990 àquelas relativas aos anos anteriores. Ao todo, 22 dos 148 orientadores se doutoraram entre 1974 e 1989, em 11 anos diferentes. Desse modo, alterada, a variável, que é contínua, tem observações que vão de 1990 a 2013.
  • 14
    . Para a conversão de razão de chances em probabilidade, ver Incae Business School (2014) .
  • 15
    . Por certo, a posição dos agentes não se dá, apenas, pela filiação a determinados métodos e teses. Entre os ortodoxos brasileiros, por exemplo, há grande disparidade de graus de consagração entre a produção – de maior prestígio – oriunda das capitais dos estados do Sudeste, notadamente Rio de Janeiro e São Paulo, e aquela – de menor prestígio – vinda das demais localidades, como os estudos de economia agrária feitos no campus da USP em Ribeirão Preto e na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais ( Cantu, 2009) .
  • 16
    . Há inúmeras pesquisas de cientistas sociais sobre a institucionalização de suas disciplinas e a autonomia de seus campos. Em 2020, a Associação de Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) apoiou a publicação de três volumes de artigos, de diferentes cortes temporais, referentes à trajetória e à produção nas áreas de sociologia, ciência política e antropologia ( Bolognesi e Silva, 2020 ; Campos, Chaguri e Fleury, 2020; Machado, et al., 2020). Os Relatórios de Avaliação Quadrienal 2017 , elaborados por especialistas das três disciplinas indicados à CAPES, são documentos interessantes para compreender a autonomia de cada um dos campos no país (CAPES 2017e; 2017f; 2017g). Ainda, sobre a ciência política no Brasil, ver Avritzer, Milani e Braga (2016). Para uma análise a respeito das duas primeiras décadas de estruturação das ciências sociais no país, sugere-se a tese de Keinert (2011) .
  • *
    Gostaria agradecer, pela leitura, críticas e observações, a Miguel Soares Palmeira, do Departamento de História da Universidade de São Paulo, e a Ivan da Costa Marques, do Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Devo mencionar também minha gratidão a Daniel de Pinho Barreiros, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pelos seus comentários. Registro ainda a gentileza de Adriana Moreira Amado, professora do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, cujas impressões sobre a configuração do campo da Economia no Brasil me ajudaram a compreender melhor meu objeto de estudo. Sou grato, igualmente, a Bernard Chavance, Florence Jany-Catrice, Jérôme Gautié e Oliver Godechot, pela generosidade ao compartilhar suas avaliações sobre a configuração do campo da Economia na França durante os anos 1980 e 1990.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2024

Histórico

  • Recebido
    24 Dez 2021
  • Aceito
    1 Jun 2022
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