RESUMO
O marco significativo da primeira recepção, entre nós, de T. S. Eliot, seja como crítico, seja como poeta, data da geração de 45. Este artigo examina um dos momentos representativos do diálogo intertextual, em particular, com The waste land (1922): trata-se do poema “A tempestade”, do poeta-pintor José Paulo Moreira da Fonseca (1922-2004). Em virtude de seu duplo e uno ofício, Fonseca estende, ainda, o diálogo, em seu poema, ao campo das artes plásticas, por meio da écfrase, especialmente com Giorgione e Velázquez.
PALAVRAS-CHAVE: José Paulo Moreira da Fonseca; T. S. Eliot; The waste land; Giorgione; Velázquez.
ABSTRACT
The first reception of T. S. Eliot, whether as critic or poet, in Brazil dates from Generation of’45. This article examines one representative moment of the intertextual dialogue with The waste land (1922): it is the poem “A tempestade” (“The storm”) of the poet-painter José Paulo Moreira da Fonseca (1922-2004). Because of his double talent, Fonseca also extends the dialogue in his poem to the painting (through ekphrasis), especially with Giorgione and Velazquez.
KEYWORDS: José Paulo Moreira da Fonseca; T. S. Eliot; The waste land; Giorgione; Velazquez.
O marco significativo da primeira recepção de Eliot no Brasil data da geração de 45. No mais das vezes, identifica-se essa recepção inaugural com o debate em torno das ideias críticas do autor de The sacred wood (1920), notadamente sua concepção de tradição e talento individual, de clássico e de correlato objetivo. O que menos se evidencia, todavia, nesse período, é sua recepção poética, em especial entre os integrantes da referida geração. Sem buscar inventariá-la aqui, creio que um dos momentos representativos do diálogo intertextual, em particular com The waste land (1922), esteja no poema “A tempestade”, do hoje esquecido poeta-pintor José Paulo Moreira da Fonseca (1922-2004).
A TEMPESTADE (1950-1955)2 A Willy Lewin, Como testemunho de fraternal amizade3 J.P. “Andromaca - Quid petam praesidi aut exequar, quove nunc Auxilio exili aut fugae freta sim?” Q. EnniusI
PAISAGEM Ainda não desceu a chuva. Como um leopardo O mundo nos espreita nessa lívida luz. Como um leopardo, os morros E pedras do edifício e portas e janelas Denunciam a culpa. Invisíveis pupilas, Invisível fúria. A árvore possuída pelo vento Se verga para o chão numa vertigem de areia e se crispa À maneira da mulher defendendo o leito violado. Não toquemos em tesoura, agulha Ou qualquer utensílio de metal4. Um pássaro Na gaiola se debatia entre os pequenos fios. Jamais atribuas o teu sobressalto A esta folha de zinco infrenemente arrastada pelas ruas Nem ao estalido das vidraças. O trem que passa sobre as campinas da noite, A despedida no cais, a mesa rolante levando O adormecido à sala de cirurgia, os telefonemas da madrugada, Estas árvores convulsas - não lhes atribuas o teu sobressalto. Difícil é ouvirmos o rádio, a estática impede. Eis que os bichos da casa buscam nosso convívio, Encostam-se no recôncavo de algum móvel. Se dermos ao cão o brinquedo costumeiro Ele nem o verá, com os olhos fixos na imperceptível distância. Uma jovem procura se abrigar. Uma jovem amamenta o filho, Além: o canal de águas mortas, Um silencioso casario, a folhagem amedrontada. Que tenta guardar esse pastor ou barqueiro De roxo manto? Que tenta guardar Giorgione de Castelfranco? Que vale guardar? Que nos importa guardar? Que nos importa? O ruído é de silvos e buzinas, breve Escutaremos a chuva, O seu ríspido timbre sobre os telhados, Breve o curso dos rios há de correr lamacento. Não é isso que temes, as nuvens de fogo Se esvairão no éter, a derradeira rajada Quase tranquilamente será sorvida pelo surdo bueiro.II
A QUEDA DE BABILÔNIA ISAÍAS Assim me falou o Senhor: “Põe uma sentinela Para que anuncie o que há de ver. Verá cavaleiros, dois a dois, sobre corcéis, Cavaleiros sobre jumentos, Cavaleiros sobre camelos. E há de olhar com atenção, com grande atenção.” E disse-me a sentinela: “Caiu! Babilônia caiu! E todas as estátuas de seus deuses Foram quebradas sobre a terra.” CORO Esta cidade noturna que fundamos: Ei-la suspensa, caindo, ei-la Que naufraga em mar sem lembrança. Esta cidade não é nossa, não se pertence, Noturna, frágil, à mercê das sombras. Esta cidade noturna que fundamos. UM QUALQUER Construí minha casa, o dinheiro Foi pago com lisura. Construí Aos poucos, o úmido cheiro de cimento Era limpo e confortante. Nenhuma dúvida nos documentos. É um amparo sentir o aconchego Das paredes, ver essas coisas fiéis Que há tanto me acompanham: o tapete Cujo desenho já sei de cor, a xícara De louça anil que tem uma pequena falha, o sereno Rumor do relógio. Construí a casa Para mim e para meus filhos. ISAÍAS Quem mediu as águas no vazio de sua mão, E estimou as distâncias com o braço, E pesou montanhas e outeiros numa balança? CORO Nosso lamento se ergue nos muros de Babilônia. Nossa voz se confunde Com o murmúrio do Eufrates e do Tigre. Essas águas que se perdem, esses muros Que vemos ilesos e vemos em escombros, Esse tropel que há de tornar da caça Que corre aos nossos olhos e que já se foi. Celebremos a infinda alegoria, As mãos que do vazio modelam o vazio, Apenas um gesto sobre a argila inexistente. Ébrios oleiros e os seus cântaros de sono. UM QUALQUER Construí minha casa Aos poucos, em terra firme. CORO Lamentemo-nos, irmãos. O AEROMOÇO Não se preocupe, minha senhora. São exímios no voo cego. Chega a se tornar Mais seguro. Não fique atemorizada, em poucos momentos Desceremos no aeroporto. Descanse E leia o Paris-Match. A PASSAGEIRA Só em terra me sentirei segura. Só em terra. Nem posso ver a revista. O senhor garante que não há perigo? Só em terra. ISAÍAS Quem pesou montanhas e outeiros numa balança? CORO A mesa rolante levando o adormecido À sala de cirurgia, aqueles silenciosos Corredores, o manso rumor das roldanas5. No saguão, De gosto banal, a família aguarda o desfecho. Doutor, o senhor garante que não há perigo? Que cidade existe livre do assédio? De que vale defendermos o Bósforo, se vencidos enfim seremos? Toda a noite é povoada de incêndios. Cavaleiros, dois a dois, Homens da guerra sobre noturna planície. Caiu! Babilônia caiu! Quem pesou montanhas6 e outeiros numa balança? Que poderemos guardar? Que nos cumpre guardar?III
VIAGEM À TEMPESTADE Uma noite qualquer, bem me recordo, Um momento como os outros - o mundo se transfigurou E surgiu-me feito um nimbo de trevas em torno ao vazio. Senti com as roupas desfeitas O opróbrio do leproso que em si descobre a doença. Sobre o abismo infindo, Sobre o clamor do silêncio Naufraguei, em vão buscando o manso dorso de uma vaga, Em vão tateando o gume de uma penha Que ferindo pendesse-me o corpo. Gritei Sem ouvir a voz, e perto Crescia a sombra de muitos gritos emudecidos. Eurídice! Eurídice morta! Ainda a vejo em mim desejando amparo. Aonde a imagem que modelava o sol? Aonde as madeixas afagando o vento? A figura amada, jovem, abandonou-me. Como Eurídice eu estava só, e tudo que acontecia Era a minha solidão, era eu assistindo minha solidão Sem as afáveis cortinas do sono. Os espelhos atraem o raio Cubram a todos com um pano ou uma colcha. Aquele momento como os outros, Diego Velázquez retrata o menino de Vallecas. Ao longe, a treva de7 Guadarrama, e os olhos do anão Nada parecem ver, seus lábios são como os de alguém que morresse. Talvez mais tarde se tenham rido. Que importa o riso? Que é o riso? Que nos importa? O louco se ri da solidão Ignorando sua loucura, ignorando Que se encontra só. Se comerdes desse fruto Serei como deuses. A vidrada cúpula da loucura, Aquele cinza tão cruel, um brilho que cega, os loucos Eu os vejo dançar sobre o gelo, os pés sangrando, Alguns rolam em postura indigna, As camisolas sujas do excremento. Somos reis! Somos deuses! Curva-te e beija a nossa mão. O riso fenece nos corredores de neve. É a lua, é a lua - confessou-me um deles - que nos ilumina Desse modo tão desolado. Eu já levei seu archote Por vales desconhecidos. É a lua, a minha irmã lua. Não atribuas o teu sobressalto À folha de zinco infrenemente arrastada pelas ruas. Os espelhos atraem o raio Cubram a todos com um pano ou uma colcha.IV
EPÍLOGO À direita erguem-se alguns edifícios, à esquerda Uma rua arborizada, no fundo o montículo Com casario e antenas. Ainda não desceu a chuva, Como um leopardo o mundo nos espreita Nessa lívida luz. Qualquer nuvem mais escura Ou talvez uma centelha dê início ao drama. Da distância vem o vento que flameja o pó, Da distância: aquele surdo rumor que se embebe na terra. Em desalinho uma jovem procura se abrigar. As fibras de teu coração clamam Leopardo! Configura a imagem que nos espreita, Os olhos acesos na noite, a tímida fuga das lebres. Leopardo! é possível que o descubras Naquele beco ou mesmo nos escombros Desse velho hotel em demolição. O certo É que sabes de sua existência, ela se encravou em ti Feito a farpa que entumece a mão e queres arrancar. A camponesa intranquila percebe o exército Que se aproxima. Pelo oriente, fumos Falam do incêndio de todas as searas. Na véspera Aparecera entre os moinhos um novilho coberto de sangue. Fugir. Para onde fugir? Não toquemos em tesoura, Agulha ou qualquer utensílio de metal. Vês no sombrio céu o luzir das antenas, Os derradeiros aviões que buscam seguro pouso, As rajadas inquietas, clarões súbitos. Invisíveis Pupilas, invisível fúria. Alguém dirige o automóvel pelos meandros da noite. O motor não deve falhar, não pode falhar nesse ermo Tão cheio de perigos. Os faróis na neblina Aclaram esquivas formas. Não teriam força Para contê-las. Ansiosos querem ouvir Os rumores do lugarejo. Ansiosa a mulher amamentando Espera guardar o filho sob a tormenta. À direita: os edifícios, à esquerda: a rua arborizada. O mundo nos espreita nessa lívida luz, o montículo, As pedras do casario, as portas e janelas dizem Da nossa culpa. Todos fogem, desejam se amparar, O perigo em todos se encravou. Imenso É o mundo e a treva, imensa é a luz. Que poderemos guardar? Que nos cumpre guardar? Que nos exige O sobressalto? Que somos? Que nos cumpre ser? A jovem em desalinho procura abrigo.O título do poema evoca, de pronto, toda uma tradição poética e pictórica dedicada à representação do sublime na natureza (notadamente a vertente do sublime dinâmico, em termos kantianos), que alcançou seu maior momento no romantismo, inclusive entre nós. Entretanto, não há aqui a dualidade de sentimentos, o misto de fascínio e temor que caracteriza o sublime romântico. A ameaça da tempestade desperta nos versos acima uma só ordem de sentimento, de que tratarei no devido momento.
Sobre a mencionada recepção eliotiana no poema, foi Ruggero Jacobbi quem chamou a atenção para ela numa das primeiras apreciações de “A tempestade”:
Este poema, partindo de ambições e influências eliotianas (The Waste Land), é o mais sério esforço, feito até hoje por um poeta brasileiro, de interpretar por dentro a condição humana, e especialmente a condição histórica do homem moderno e, mais ainda, a condição do burguês ocidental no mundo das entreguerras [...] Diante deste poema, sentimo-nos reconduzidos à mais antiga noção de canto, de narração, de tragédia, de coro; voltamos a saber o que é poesia, fora da deleitação marginal. José Paulo Moreira da Fonseca encontra, no fim de um longo caminho do abstrato ao concreto, sua condição de confessor social, humanista e cristão8.
No final da presente abordagem, voltarei a essa interpretação “por dentro” que o poema promove, segundo o crítico italiano. Por ora, detenho-me em outros dois aspectos destacados por ele, começando por notar que a transição (ou convergência) entre abstrato e concreto, entre transcendente e imanente, só à primeira vista irreconciliáveis, foi insistentemente apontada na obra de Moreira da Fonseca pelos intérpretes tanto de sua poesia, quanto de sua pintura, ambas, segundo Carlos Drummond de Andrade, marcadas pelo “rigor modulado que exercita em seu duplo ou uno ofício”9. Mas ao mesmo tempo que Drummond fala de uma realidade que “transcende o real”10 configurada na obra do poeta-pintor, e que o próprio Moreira da Fonseca sintetiza sua criação como fruto de um “ato de amor” que atinge uma plenitude capaz de libertá-lo “das vicissitudes do tempo”, Telênia Hill11 diz que o percurso de sua criação define-se pelo “trajeto da imanência”. Ao definir a “vocação de pensador metafísico” do poeta, Vamireh Chacon12 sugere “algo como um humanismo religioso existencial”13 que começou se manifestando episodicamente e tornando-se mais explícito no correr de sua obra, embora de tal maneira que o poeta “consegue manter-se religioso no patamar do misticismo sob controle de uma clara razão mediterrânea”14. Por último, vale citar a síntese de sua trajetória feita por um crítico espanhol de sua obra:
[...] Esta mesma trajetória sempre flutuante entre a estética e o testemunho comprometido, entre a metafísica e a dialética inclusive, tão própria de um cristão sincero, se acusa ainda mais em seu livro Sequência, publicado em 1962 e no qual o autor se destaca como um dos melhores poetas maduros da chamada geração de 45. Estamos, portanto - se disse de Moreira da Fonseca - ante um lirismo que não se quer abstrato, que se prefere situado, localizado, concreto. Lirismo que repudia a torre de marfim e que procura penetrar o mais profundo da condição humana. Trata-se de uma poesia vital. Poesia que não se admite alienada, que sabe viver e experimentar as contradições do nosso tempo15.
Em relação ao aspecto formal destacado por Jacobbi, de fato, o poema é estruturado segundo certos recursos característicos da tragédia, como se vê no canto II, com as vozes do coro16 da Babilônia alternando com a do profeta Isaías e de personagens, cronologicamente, ligados à contemporaneidade do poeta. Além disso, em virtude da estratégia de despersonalização eliotiana, de que tratarei adiante, o poema põe em cena uma série de outras vozes nos demais cantos, interagindo de forma dramática.
Passemos à descrição do poema, que integra o volume intitulado A tempestade e outros poemas, datados de 1950 a 1955, e publicado em 1956 no Rio de Janeiro, na Coleção Rex da Organização Simões Editora, sinalizando algumas de suas estratégias eliotianas. Vale notar que, embora os demais poemas aí recolhidos aparentem autonomia em relação a este que dá nome ao volume, percebe-se certos procedimentos afins. É o caso da persistência do mesmo tom ou estilo e a fusão de vozes distintas em alguns poemas, havendo um deles, “Miserere”, que repete o verso (citado aqui em epígrafe) de “A tempestade”, além da referência a um clima de ameaça e catástrofe pairando sobre um cenário impreciso e uma indefinida rota de viagem descrita de trem e carro, depois do pouso em um hotel. Em mais de um momento do livro, também, há o emprego das indagações éticas ou existenciais que pontuam esse longo poema.
Em termos de estratégia de composição, ressalte-se a retomada de expressões ou versos inteiros (como as advertências sobre os cuidados com espelhos e objetos de metal, em virtude dos raios ou trovões), ajudando a cerzir o tecido propositadamente esgarçado do poema. As frases repetidas são, por vezes, deslocadas para uma voz distinta da que as pronunciou originalmente, ressignificando-as. Ao lado dessa recorrência, destaque-se outra estratégia, presente em menor grau, de disseminar certas imagens aparentemente soltas, que, logo em seguida, são retomadas de forma mais ordenada e ganham uma conexão clara, como a menção à mesa rolante levando o adormecido à sala de cirurgia e os telefonemas da madrugada...
No que concerne à linguagem e ao estilo, “A tempestade” dista da dicção eliotiana, que é aparentemente mais prosaica, por se valer de um vocabulário trivial, condizente com a aridez descrita (a suposta devastação decorrente da Primeira Guerra Mundial). Como lembra Wright, aplicando palavras emprestadas de Wordsworth em outro contexto: o que temos em The waste land é “a linguagem real dos homens em vívida situação”17.
Também não parece haver em “A tempestade” o que o mesmo Wright observa sobre a “fala” eliotiana: ela reflete “a aspiração e o desespero do falante, sua capacidade para o êxtase e para o humor, sua união de sentido e sensibilidade que o faz um homem representativo”18. Ainda que possa haver momentos de desespero dos falantes em “A tempestade”, ele não é contrabalançado pelo humor. Pode-se, talvez, julgar que o comentário do aeromoço no canto II traga alguma impressão de humor ou ironia, quando responde ao desespero da passageira do avião, em meio aos trovões e turbulências: “Não fique atemorizada [...] Descanse/ E leia o Paris-Match”. Mas não só o humor é incerto, como também seria a única exceção nesse registro. Mesmo a incorporação de crenças populares que cercam a tempestade e de falas corriqueiras de personagens como “Um qualquer” ou dos que interagem com o bufão no canto III, expondo sua condição degradada, não parece visar, como em Eliot, “a reprodução deliberada dos tons da fala casual”19. Elas acabam sendo reabsorvidas pela dicção geral, num tom mais grave, elevado.
Anos depois, em versos de “No campo aceso das palavras”, Moreira da Fonseca viria afirmar: “A poesia se constrói com o barro fértil das palavras usuais. É fala densa e não arabesco verbal”20. Apesar de mais variado e distendido, o registro poético que ele emprega em “A tempestade” não parece se afastar completamente do de seus contemporâneos de geração. Sem se confundir, é certo, com o tom dominante, exacerbadamente retórico em muitos casos, pode-se dizer, com respaldo de Sérgio Buarque de Holanda - crítico ferrenho da geração de 45, embora sempre nutrindo certa simpatia pela poesia de Moreira da Fonseca -, que a linguagem poética de “A tempestade” instala-se a meio caminho entre o demótico e o hierático21.
Em termos de paratextos, “A tempestade” traz uma dedicatória e, sobretudo, uma epígrafe que vale destacar. Moreira da Fonseca dedicou seu poema, originalmente, apenas a Willy Lewin, crítico pernambucano atuante no contexto literário do Recife, cuja biblioteca particular e cuja formação literária foram decisivas a João Cabral22. Quando reeditou “A tempestade” em sua Antologia poética, Moreira da Fonseca viria estender a dedicatória ainda ao próprio Ruggero Jacobbi, certamente em vista dessa primeira recepção crítica do poema.
Com relação à epígrafe, que parece conter uma das chaves de leitura dos versos, Moreira da Fonseca retrocede à mitologia, tal como Eliot. Todavia, em vez da Sibila do Satiricon, que aparece na epígrafe de The waste land, “suspensa dentro de uma ampola” e ansiando pela morte, temos agora uma Andrômaca cativa, desesperada por não encontrar apoio para fuga segura. Assim como essa famosa troiana já fizera sua aparição num poema inaugural da modernidade poética, em “A tempestade”, Moreira da Fonseca enfatiza o desamparo da cativa, decorrente mesmo do exílio, alegoricamente evocado por Baudelaire em “Le cygne”.
Entre as várias representações de Andrômaca, Moreira da Fonseca extraiu sua epígrafe de uma das tragédias desaparecidas de Quintus Ennius:
Quid petam praesidi aut exequar, quove nunc
Auxilio exilia ut fugae freta sim?
[Que tipo de proteção hei de buscar ou alcançar?
Ou com que auxílio agora poderei contar, no exílio ou na fuga?]
O fragmento acima foi preservado e exaltado por Cícero como exemplo de potência cênica, simplicidade, pausa eficaz e imagem patética. Sobre essa passagem do poeta e dramaturgo romano, diz Joaquín Balcells Pinto:
Do triste destino das mulheres de Troia, sua grandeza moral, crueldade e despotismo dos vencedores, formou Eurípides As troianas, Hécuba e Andrômaca. Estas duas foram traduzidas por Ênio à sua maneira rude, mas sincera e comovente como o original. [...] A situação de Andrômaca cativa (Andrómacha aechmalatis) ante Menelau, sozinha, abandonada por toda a sua família que morreu em Troia combatendo seus muros, preenche a heroína de abatimento; mas, logo, a recordação da grandeza do passado, encontra em seu espírito uma energia de dor que irrompe apaixonada, comovente... 23..
Pode-se avaliar a força poética de Ênio nesse lamento habilmente graduado, cujo tom, como música, “aumenta, enfraquece, eleva-se, varia e distingue-se”, conforme diz Cícero, reportando-se à passagem citada por Moreira da Fonseca. Vale complementar o trecho da epígrafe com o final da fala de Andrômaca nesta passagem:
Órfã estou de muros e de cidade. Aonde irei? De quem me acercarei? Não tenho em casa altares pátrios, que jazem destruídos e disseminados; os templos têm ardido em chamas, os elevados muros estão abrasados e deformados com suas travas de abeto destruídas24.
Essa condição de desamparo configurada pela heroína trágica da epígrafe repercutirá na das personagens que surgem ao longo dos cantos de “A tempestade”.
Antes de repassarmos mais detidamente os quatro cantos (I - Paisagem; II - A queda de Babilônia; III - Viagem à tempestade; e IV - Epílogo), vale um comentário sobre as referências espaçotemporais do poema. Talvez se possa estender ao poema de Moreira da Fonseca a definição de Joseph Frank, valendo-se da célebre expressão poundiana: trata-se de “um complexo intelectual e emocional apreendido em um instante do tempo”25. Nesse sentido, “A tempestade”, assim como The waste land, é concebida para ser lida não como narrativa temporal e sim como uma forma espacial26.
O poema de Moreira da Fonseca opera com a sobreposição de referências temporais, fundindo presente e passado, a urbe moderna e a cidade bíblica com o coro de vozes pranteando junto aos muros da Babilônia e o profeta Isaías anunciando o fim dos tempos. A imprecisão na referência espacial talvez se dissipasse um pouco se observássemos que uma passagem de “A tempestade” foi transposta, ipsis litteris, de outro poema de Moreira da Fonseca dedicado à fundação da cidade de “São Sebastião do Rio de Janeiro”:
Esta cidade noturna que fundamos: Ei-la suspensa, caindo, ei-la Que naufraga em mar sem lembrança. Esta cidade não é nossa, não se pertence, Noturna, frágil, à mercê das sombras.Esta cidade noturna que fundamos27.
Publicado em Dois poemas (livro imediatamente anterior, que saiu em 1951), a urbe moderna de que trata esse último poema é contraposta à cidade histórica, preservada da ação do tempo, que é Petrópolis, a que Moreira da Fonseca viria a dedicar toda uma série de elegias. Esse contraponto é algo ainda a se investigar em sua obra, mas deixo para outro momento. Por enquanto, cumpre apenas assinalar que, na transposição da referida estrofe, a referência específica à antiga capital não persiste nos versos de “A tempestade”. Talvez, no máximo, interesse a Moreira da Fonseca sustentar certa ambivalência, na alusão implícita ao Rio, apenas para o leitor familiarizado com sua poesia. Mas é certo que o apagamento das referências contidas desde o título a “São Sebastião do Rio de Janeiro” parece atestar o desejo do poeta de configurar, em termos mais gerais, uma urbe moderna, inespecífica, da qual ele tratará de aproximar personagens ou sobrepor figurações babilônicas.
Nesse sentido, poderíamos supor o desejo de Moreira da Fonseca de configurar algo como a “unreal city” de Eliot, mas sem que com isso pudéssemos balizar integralmente as observações de Chapman Sharpe sobre a visão da Londres contemporânea em The waste land, aproximada a outras tantas cidades do presente e do passado, encarnando, inclusive, a associação, dada já etimologicamente, entre Babilônia e Babel, de modo a fazer convergir estranhamento e alienação humana e linguística, além das imagens e sugestões que operam com o par composto por esterilidade e revitalização ou restauração...28
Com Moreira da Fonseca, Babilônia assume alguns de seus atributos tradicionais, evocados por outros tantos poetas que a aproximaram da cidade moderna como fonte de perversão da vida humana, culpa e degradação moral, respondendo pelo sentimento dominante de exílio, perda, estranhamento, alienação... Em “A tempestade”, contudo, ela não chega à configuração personificada da Babilônia como mulher decaída. Tal personificação surge, no discurso bíblico e na literatura inspirada nele, como sombra degradada da cidade virginal que a substituiria, a Nova Jerusalém, ou num plano eterno, aspirando à ordem celestial, a civitas dei29. Nada similar comparece de forma explícita em “A tempestade” - a menos que se atribua a isso a culpa denunciada em mais de um momento...
Passemos, afinal, à matéria de que se alimentam os versos. O poema descreve o momento que antecede o desabar da tempestade - momento esse que o poeta-pintor voltaria, depois, a retratar plasticamente30. É “Só o trovão seco e estéril e sem chuva” (“But dry sterile thunder without rain”) conforme se lê no canto V, “O que disse o trovão”, de A terra devastada31.
Por conta disso, Moreira da Fonseca recorre não só a todo um imaginário simbólico e mítico, mas também aos temores e crenças populares (algumas cientificamente justificadas) em torno desse fenômeno atmosférico, como é sobremodo o caso das advertências disseminadas nos versos sobre os riscos de se tocar em objetos de metal e deixar espelhos a descoberto:
Não toquemos em tesoura, Agulha ou qualquer utensílio de metal [...] Os espelhos atraem o raio Cubram a todos com um pano ou uma colcha.O poema detém-se nos efeitos que os trovões e a ameaça da tempestade produzem sobre seres e coisas, incluindo aqui o rádio, difícil de ouvir devido à estática, além dos animais domésticos. Destaque-se a reação apreensiva do cão, no seguinte excerto:
Difícil é ouvirmos o rádio, a estática impede. Eis que os bichos da casa buscam nosso convívio, Encostam-se no recôncavo de algum móvel. Se dermos ao cão o brinquedo costumeiro Ele nem o verá, com os olhos fixos na imperceptível distância.O tom dominante nesse e nos demais cantos é de inquietação, agonia, aflição ou angústia associada ao anúncio de uma tempestade que, obviamente, significa mais do que um fenômeno atmosférico... Na verdade, mais que o registro dos acontecimentos, interessam suas reverberações afetivas - as sensações e sentimentos que eles provocam.
Como em The waste land, essa tempestade se arma sem jamais desabar. Interessa ao poeta, justamente, o clima convulso, de apreensão ou “sobressalto” expressamente reiterado e associado à iminência de uma catástrofe. É o prenúncio de uma tragédia cuja motivação reside numa “culpa” que se denuncia por tudo, como enfatiza o polissíndeto empregado no quarto verso, com sua sugestão de acumulação e continuidade:
Ainda não desceu a chuva. Como um leopardo O mundo nos espreita nessa lívida luz. Como um leopardo, os morros E pedras do edifício e portas e janelas Denunciam a culpa. Invisíveis pupilas, Invisível fúria.Essa culpa parece remeter tanto à culpa cristã, quanto ao processo civilizatório e à sociedade degradada. De todo modo, ela aparece personificada na forma de uma ameaça encarnada pela figura do leopardo, já à espreita desde a abertura. Ele volta a ser expressamente referido no canto final, embora sua ameaça pareça pairar ao longo de todo o poema:
Ainda não desceu a chuva, Como um leopardo o mundo nos espreita Nessa lívida luz. Qualquer nuvem mais escura Ou talvez uma centelha dê início ao drama. [...] As fibras de teu coração clamam Leopardo! Configura a imagem que nos espreita, Os olhos acesos na noite, a tímida fuga das lebres. Leopardo! é possível que o descubras Naquele beco ou mesmo nos escombros Desse velho hotel em demolição. O certo É que sabes de sua existência, ela se encravou em ti Feito a farpa que entumece a mão e queres arrancar.Nos versos iniciais, como se viu, ele surge como analogia para o mundo que nos espreita sob a luz sombria da tempestade e, logo em seguida, transita dos elementos da natureza para os da civilização, para os morros e pedras do edifício, ao que se somam, no último canto, o beco ou os escombros do velho hotel onde ele pode estar oculto.
As construções soturnas que aí aparecem sugerem o exato oposto do “casario supostamente passadista, mas na verdade reconstituições do ontem, com vistas ao amanhã”, que marca uma fase da pintura de Moreira da Fonseca, onde “há sempre uma janela, ou uma porta, aberta ou entreaberta, indicando a saída, a viagem, a esperança”, com o “sol entrando pelas frestas da casa e rasgando o caminho”32...
O que temos em “A tempestade”, ao contrário, é um mundo em desagregação, em consonância com o clima de apreensão dominante nos versos. Ele responde por uma condição afim à dos personagens que figuram nos versos: o já referido desamparo, denunciado desde a epígrafe, em vista da condição de Andrômaca cativa, ansiando por socorro. Desamparado é também Orfeu - que toma a palavra no canto II, quando reconhece a perda irreparável de Eurídice -, bem como o coro de vozes que pranteiam nos muros da Babilônia, do mesmo modo que a passageira do avião diante da hipótese de queda, em virtude das turbulências provocadas pela ameaça da tempestade. Todos se irmanam, assim, na condição de desproteção, insegurança, desabrigo, postos à mercê de um outro que não atende a seus apelos.... Como diz Jacques André, a frágil vida psíquica do desamparado é aquela “vivida fora de si, na desesperada abertura para um outro que não responde”33...
Para configurar esse clima de apreensão e desespero, o poema, concebido como um tecido de citações e reescritas, toma de empréstimo às vanguardas o recurso da montagem ou da assemblage, na medida em que institui um diálogo não só com a poesia, tendo Eliot à frente, mas também com a pintura, por meio da écfrase. O poeta reencontra aqui o pintor, por meio do ut pictura poesis34.
A interlocução com as artes plásticas se faz logo no canto de abertura, dada a referência expressa à cena e aos personagens do quadro de Giorgione de Castelfranco, igualmente denominado La tempesta (1508). Além da referência às personagens da tela, a evocação do cenário e, sobretudo, do “silencioso casario”, talvez mais do que descrever sinestesicamente as casas aparentemente vazias, inabitadas, pode ser alusão à atmosfera de quietude que tem fascinado tantos intérpretes, em contraste com a ameaça da tempestade prestes a desabar:
Uma jovem amamenta o filho, Além: o canal de águas mortas, Um silencioso casario, a folhagem amedrontada. Que tenta guardar esse pastor ou barqueiro De roxo manto? Que tenta guardar Giorgione de Castelfranco? Que vale guardar? Que nos importa guardar? Que nos importa?
La tempesta, de Giorgione de Castelfranco. Gallerie dell’Accademia de Venezia (1506-1508 circa)
A estrutura indagativa é algo a se destacar em todo o poema. Sem dúvida, está em The waste land, mas também na fala de Andrômaca citada em epígrafe. Nos versos acima, a indagação retórica sobre o que tenta guardar Giorgione diz respeito tanto ao que ele deseja figurar, quanto ao que significa sua tela mais enigmática, a ponto de o grande Vasari, escrevendo cinquenta anos após a morte do pintor, afirmar nunca tê-la entendido, nem conhecido alguém que a tivesse compreendido...
Sua imantação alegórica parece remeter ora à mitologia grega, ora à cristã, ora ainda ao horizonte histórico do grande pintor da scuola veneta. Ou seja, para alguns intérpretes, haveria na tela alusões mitológicas a Ío e Zeus, Párise Enone ou Iasião e Demeter, sendo ainda possível a referência a uma antiga novela pastoral grega. Outros veem a representação do Paraíso na cidade deserta e, nos personagens, a encarnação de Adão e Eva com seu filho Caim, tendo inclusive o relâmpago representando Deus que os expulsara do Éden. Também em termos bíblicos, supõe-se uma menção velada à fuga para o Egito. Descartou-se, por fim, que a tela apresentasse mais uma versão da Madona com o menino Jesus, devido à exposição da nudez da mulher e à proximidade a seu corpo da criança que lhe suga o peito.
Mais interessantes são as hipóteses que remetem ao contexto histórico-social do pintor e das elites representadas pelos doges da Sereníssima República veneziana. A pintura, uma paisagem com figuras - inovação atraente para essas elites artisticamente sofisticadas da Veneza do século XVI -, traz um jovem elegantemente vestido e parado, observando a mulher amamentando o bebê. O pastor ou barqueiro/ de roxo manto, segundo o descreve Moreira da Fonseca, já foi visto como figuração do próprio pintor ou, devido a suas vestimentas, como um membro da Compagnia della Calza, confraria de nobres venezianos que organizavam eventos teatrais e musicais em sua cidade. Nenhum dos personagens parece estar preocupado ou mesmo ciente da tempestade que se arma, cujos tons verdes e azuis projetam uma sensação de mau agouro, reforçada pelo efeito plástico do relâmpago, outro traço inovador para a pintura da época.
Resumindo de modo apressado, o pressentimento parece, simbolicamente, relacionar-se ao conflito decorrente da guerra da Liga de Cambrai (1508-1516). Embora a cidade figurada na tela não traga nenhum edifício identificável, há, nalgumas paredes, símbolos heráldicos (o do leão de São Marcos e outro, representando quatro rodas), um dos quais associado à família Carrara de Pádua, cidade anexada por Veneza em 1406. Partindo dessas referências, intérpretes supõem que a tela, supostamente concebida entre 1506 e 1508, traz uma advertência velada, agora à Sereníssima República e à pretensa superioridade que se arrogava. Tendo em vista as hostilidades crescentes de Veneza com o papado, a tela advertiria para os prejuízos que ela poderia enfrentar, tão grandes quanto aqueles sofridos pela família Carrara, cuja extinção é registrada em 1435.
Dada essa sobredeterminação de sentidos, podemos compreender a indagação reiterada: “que tenta guardar Giorgione de Castelfranco?”. A pergunta pode ser deslocada da tela ao poema, que também parece se propor como alegoria, conforme se vê no canto II:
Celebremos a infinda alegoria, As mãos que do vazio modelam o vazio, Apenas um gesto sobre a argila inexistente.Do poema, é claro, as indagações acabariam sendo redirecionadas ao leitor. Começando pelo intento de um dos personagens da tela e, em seguida, pela intenção do pintor, elas vão, assim, descolando-se de seu referente imediato e, de modo cada vez mais sucinto, alcançam um grau de generalidade e abstração que se dirige ao leitor, irmanado ao poeta pelo nós, sob a forma de reflexão existencial mais abrangente: “Que vale guardar? Que nos importa guardar?/ Que nos importa?”
Na passagem do primeiro para o segundo canto do poema, Moreira da Fonseca torna explícita a associação já comentada entre a cidade moderna e a Babilônia. Também já se afirmou que o ecletismo das imagens em The waste land evocava Babilônia, mas o que aparece em flashes, aos fragmentos, no poema eliotiano, mimetizando formalmente o caos da modernidade urbano, em “A tempestade” tende a um maior ordenamento, apesar da assemblage das citações que, conforme vimos, inclui não só a literatura, a mitologia e a Bíblia, mas também as artes plásticas. Essa associação torna-se mais explícita em “A tempestade” já pela retomada e citação literal, que estrutura o canto II, extraída de trecho do Oráculo sobre a Queda da Babilônia atribuído35 ao profeta Isaías - profeta também evocado em The waste land de forma mais episódica e sutil. É nesse canto que, como já disse, aflora a estrutura dramática ou trágica, por conta da presença do coro de vozes babilônicas, cujos lamentos interpõem-se às falas do profeta da devastação, além de outras vozes de personagens, que precisam ser considerados mais detidamente.
Sem dúvida, o cerne da interlocução do poema de Moreira da Fonseca com Eliot diz respeito ao ideal de impessoalidade como via de libertação das armadilhas da individualidade, da hegemonia do eu romântico e suas pretensões de sinceridade, assim como da instabilidade do “nós” vitoriano, segundo Altieri. Com a supressão desse eu hegemônico, uma pluralidade de vozes passa a ecoar e é orquestrada de tal maneira que faz de The waste land uma “sequência de monólogos dramáticos”, desafiando o leitor a discernir suas conexões e identificar os falantes, como nota Alan Sinfield. Para este, a “visão perturbada” do poema “não é o reflexo de uma mente distorcida”, nem a “matéria-prima da vida na qual as verdades morais devem ser discernidas”, mas uma concepção de mundo que se resume, para o poeta, a uma competição por atenção entre tais “vozes escassamente encarnadas [...] falando apenas de frustração e miséria”36.
A despersonalização, a pluralidade de vozes e a sequência de monólogos dramáticos também definem a composição de “A tempestade”, embora mais facilmente discerníveis do que no poema eliotiano: diferentemente deste, sabemos, quase sempre, quem é e quando começa e termina a fala de cada personagem - sendo a única exceção, talvez, a voz em primeira pessoa no canto III...
Também como em The waste land, os personagens do poema de Moreira da Fonseca podem adquirir o ritual aspect dos personagens eliotianos, que se deve ao fato de estes últimos não serem, de pronto, “individualidades ou tipos familiares à nossa cultura, mas figuras que desempenham papéis arquetípicos”37. Ao mesmo tempo, Wright chama a atenção para a contemporaneidade desses arquétipos, enfatizada pelo próprio poeta, de maneira que “muitos de seus personagens, pertencentes à cultura europeia moderna, comportam qualidades humanas contemporâneas e eternas”. Esse arranjo, está visto, “permite ao poeta apresentar o mundo moderno como apenas mais um do infinito número de disfarces que a realidade humana pode encarnar”38. Por causa desse seu aspecto ritual, “os personagens eliotianos são instáveis e tendem a misturar diferentes papéis em uma humanidade abstrata”. Eles são, em suma, “como imortais inconscientes que, à maneira de Tiresias, mudam a forma, o lugar e a cultura de uma época a outra e, repetidamente, representam as mesmas funções ritualísticas no Egito, na Grécia, na Inglaterra, por trás das máscaras que não revelam nada da face distintiva”39.
Boa parte dos personagens de “A tempestade” desempenham, igualmente, papéis arquetípicos e procedem da mitologia clássica ou cristã. É o caso da cativa Andrômaca da epígrafe, de Orfeu desamparado com a perda definitiva de Eurídice; dos personagens da tela Giorgione, se considerados como alegoria mítica; do próprio coro de vozes que pranteia a perda da cidade junto aos muros da Babilônia (evocada na sua dimensão dúplice, mística e real, para lembrar o título do auto de Calderón de la Barca) e cujas lágrimas se misturam às águas dos rios Eufrates e Tigre; e do visionário Isaías, ligado à história dessa cidade mística e real. Aos personagens mitológicos ou bíblicos, Moreira da Fonseca aproxima tipos contemporâneos, quase que interagindo de forma direta, dialógica...
Talvez um dos momentos altos do poema, em termos de alcance social, ocorra quando, em meio à interlocução travada entre o coro de vozes da Babilônia e o profeta Isaías, surge a voz de um terceiro personagem, que não comparece como individualidade, mas como tipo representativo de uma classe. Tanto que não tem nome, mas é sintomaticamente designado como “Um qualquer”. Na verdade, podemos entender essa designação não como representativa de todo um grande contingente humano socialmente inespecífico, mas circunscrita à perspectiva de uma dada classe... Está visto que é o burguês ou pequeno-burguês apegado à casa que ele mesmo construiu aos poucos, para si e para os filhos (como perpetuação da posse), cioso de nada dever e da lisura da documentação de propriedade; embevecido com o prazer que extrai do cheiro úmido, limpo e confortante do cimento, bem como do aconchego das paredes, recompondo uma conhecida tópica, do douceur de foyer, nos termos descritos por Jauss40; além do sentimento de permanência e fidelidade dos objetos caseiros que o acompanham há muito...
Muito da configuração desse interior burguês e do apego desse “Um qualquer” à casa e aos adereços ou objetos caseiros explica-se pela observação de Walter Benjamin a respeito do intérieur quando da aparição do homem privado sob o regime de Luís Felipe na França, que levou à redefinição do espaço privado como domínio de sustentação das ilusões por oposição à realidade das ruas e ao realismo do cálculo no local de trabalho. Buscava-se reprimir ambos ao “confirmar o pequeno mundo privado”, dando origem às “fantasmagorias do ‘interior’, da interioridade”. Para a vida privada do homem, o interior da residência representa o universo. Ou ainda,
É no interior do lar que o burguês procura esquecer as contradições da sociedade. Os rituais domésticos, os objetos de decoração servem para manter a ilusão de um universo harmonioso. A fantasmagoria da cultura capitalista se desdobra no interior burguês: cortinas, papéis de parede, quadros, molduras rebuscadas, tapetes etc. devem montar um cenário capaz de oferecer segurança e apoio espiritual aos personagens. Além do conforto, é preciso solidez e beleza, em oposição à fragilidade e à feiura do mundo do lado de fora41.
No poema, a supressão do poder devastador e acelerado do tempo dá-se, ilusoriamente, pelo rumor do relógio no refúgio da casa de “Um qualquer”, rumor esse qualificado como “sereno”. O senso de continuidade ou permanência é evidenciado pelos objetos decorativos que acompanham o personagem “há tanto tempo”... Tais objetos “fiéis” (o tapete, a xícara, que inclusive tem “uma pequena falha”...) são destituídos do valor de troca e investidos apenas de valor afetivo e identitário.
O interessante dessa passagem do canto II não reside só nas falas isoladas de “Um qualquer” como configuração de uma perspectiva de classe, mas em sua alternância com as sentenças e apartes de Isaías e do coro decretando a perda da cidade e o fim do mundo, justificando o sentimento geral de desamparo. O contraste entre esse sentimento generalizado e o apego do personagem ao precário sentimento de amparo suscitado pela casa e pelo aconchego do interior burguês evidencia, ironicamente, sua completa alienação. Aliás, alienação que é condição afim a de outros personagens do poema face à ameaça trágica anunciada pela tempestade, incluindo os personagens das telas evocadas nos versos...
Talvez essa passagem do poema dedicada a “Um qualquer” seja dos raríssimos episódios em que o poeta carioca se aproxima minimamente do alcance crítico da estratégia eliotiana da impessoalidade. Esse alcance reside na abertura para o social, de que trata Altieri, ao buscar “restaurar Eliot para a consciência contemporânea”42, demostrando como o poeta fez da poesia um meio de combate às estruturas básicas formadoras do processo de identificação numa cultura obcecada com identificações imaginárias. Ou, ainda, quando demonstra que Eliot utiliza-se das vozes como meio para captar as qualidades íntimas da maneira como a vida pública é experimentada. O poeta surpreende tais vozes no instante em que revelam sua posição numa ordem cultural deformada, e os versos tratam de descrever apenas as falhas ou os sintomas do que é problemático na experiência coletiva da cultura. É certo, entretanto, que a “Tempestade” está bem distante desse alcance crítico admirável (que se dá revelia à do poeta, visto que Eliot nega força social ao poema).
Passo ao canto III, no qual aparece a outra tela com que o poema dialoga de perto: Francisco Lezcano, el Niño de Vallecas, de Diogo Velázquez, que, juntamente com Juan Calabazas, Diego de Acedo e Sebastián de Morra, forma o conjunto de retratos de bufões denominado por Lafuerte Ferrari, em termos bastante insensíveis, em franca contradição com a intenção do pintor, de “políptico de los monstruos”, em virtude das deformidades físicas dos três anões retratados e de suas supostas “limitações intelectuais”.
Sobre a procedência dos personagens representados e o tratamento dado a eles pelo grande pintor espanhol, sobretudo o Lezcanillo, diz ainda Jorge Chen Sham, retomando o comentário (em termos também nada felizes) de um contemporâneo do pintor:
Para a Torre da Parada do Alcázar de Madrid, Velázquez fez uma série de retratos de bufões ou “hombres de placer” que tinha a Casa del Rey para diversão da família real e que provinham de manicômios e hospícios. Eram seres com limitações físicas e mentais e, seguindo a tradição da casa real, Velázquez os retrata e “com sua arte milagrosa [...] infunde uma dignidade humana naqueles desgraçados, loucos ou disformes” [...]. Em 1644, pintou os três melhores retratos dedicados a homens da Casa del Rey, entre eles o de Lezcanillo, anão vizcaíno, conhecido como “El niño de Vallecas”. Gállego nota ser este retrato pintado com uma grande humanidade e afeto, com uma grande humanidade que faz encontrar no espectador a simpatia ante uma figura anormal como o é o anão Lezcanillo, que, por padecer de hidrocefalia, possuía uma cabeça enorme e bastante anômala em proporções. A humanidade do anão comove e interpela ao espectador que contempla os retratos destes personagens singulares, adverte Gállego43.
Moreira da Fonseca também se deixou fascinar pela tela de Velázquez e desdobrou poeticamente sua leitura particular do quadro, tal como fizeram também Léon Felipe (“Pie para el Niño de Vallecas”) e Vicente Aleixandre (“Óleo ‘Niño de Vallecas’”), mas com ênfase diversa. O poeta carioca é, talvez, o único a dar destaque ao céu de fundo, cinzento, escuro, que cobre a Serra de Guadarrama. Céu que, decerto, ele associa ao prenúncio de uma tempestade, o que justifica a evocação do quadro de Velázquez nos versos e permite aproximá-lo ao de Giorgione.
Não encontrei nenhuma referência ao céu de fundo nas análises que consultei sobre a tela de Velázquez, nem na mais respeitada, de Jonathan Brown44, para julgar da hipótese de figuração de uma tempestade e seu possível significado. Os críticos, assim como os dois poetas espanhóis, concentraram-se mais na figura do retratado, de que Moreira da Fonseca também não descurou, evidentemente, mas que encarou de modo diverso.
A captação poética de Léon Felipe tem a “finalidade reivindicatória de um ato de salvação”, como diz Chen Sham45, no sentido de perceber o verdadeiro sentido de uma figura posta à margem, resgatando-a do esquecimento, acrescido da premência de uma “necessidade de compromisso”, de “ação imediata” do observador/leitor: “a exigência de que ninguém cruze os braços ante a miséria e a injustiça, de que ninguém se evada do lugar onde se encontra” tanto ele, poeta, quanto seus interlocutores, para não perder de vista aquilo que revela e (re)clama o “Niño de Vallecas”.
Vicente Aleixandre, por sua vez, “celebra a sensibilidade de Velázquez ao plasmar a dimensão humana de Francisco Lezcano”46, lembrando que, ao redimi-la, o pintor desafiou as prescrições das artes plásticas de seu tempo, no tocante aos temas iconográficos ideais. No caso do Lezcanillo, como nas demais telas dedicadas a esses “hombres de placer” ou também discriminadamente denominados de “sabandijas” (“canalhas”), objetos de jogos e abusos de cortesãos, desprezados ainda por contemporâneos que os consideravam “parasitas insolentes”, Vicente Aleixandre enaltece a mão carinhosa do pintor que, ao contrário da visão corrente, dirige uma mirada afetiva que dignifica o retratado:
A veces ser humano es difícil. Se nació casi al borde. Helo aqui, y casi mira. Desde su estar inmóvil rompe el aire y asoma súbito a este frente: aqui es asombro. Pues está y os contempla, o más, pide ser visto, y más: mirado, salvo. [...] La mano aquí lo pintó, o acarició y más: lo respetó, existiendo. Pues era. Y la mano apenas lo resumió exaltando su dimensión veraz.[...] Si le miráis le veréis hoy ardiendo como en húmeda luz, todo él envuelto en verdade, que es amor, y ahí adelantado, aducido pidiendo, suplicando sin voz: pide ser salvo. Miradle, sí: salvadle. El fía en el hombre.Já o poeta brasileiro não parece explorar nem a dimensão contestadora, nem a redentora desse ser posto quase al borde. Em vez disso, enfatiza os olhos do Lezcanillo que nada parecem ver, os lábios como de alguém que morresse, a suposta alienação ou loucura do menino de Vallecas e a inconsciência de sua solidão expressa pelo riso. Associado a essa condição de pequeno bufão, os versos, descolando do que representa de imediato a tela, embaralham suas falas com as do rei a que serve, invertendo os papéis pela sua perspectiva desatinada: “Somos reis!/ Somos deuses! Curva-te e beija a nossa mão”.
Ao contrário da dignificação do personagem no quadro e no poema de Aleixandre, Moreira da Fonseca parece associá-lo a outros loucos representados em condição degradada, chegando à notação grotesca, escatológica, pois eles “rolam em postura indigna,/ As camisolas sujas do excremento”, apesar da imagem de dor e sofrimento associada ao bailado que descrevem: “os pés sangrando sobre a neve onde dançam”. Há nessa passagem uma voz em primeira pessoa, sem se poder identificar de pronto a quem pertence, mas que, certamente, não parece ser de nenhum dos personagens que falam nessa passagem.
Quanto ao “Epílogo” (Canto IV), além dos versos e imagens insistentemente repetidas, há uma referência em particular que causa certo estranhamento em meio ao cenário urbano, ainda mais evidenciado nesse canto final, com a ênfase dada aos edifícios, às antenas, à rua arborizada, ao montículo com casarios, aos aviões e a um carro que surge nos meandros da noite, o temor de que o motor falhe no ermo cheio de perigos e os faróis na neblina aclarando formas esquivas. Refiro-me à referência a uma camponesa, que se mostra intranquila ao perceber a aproximação do exército e as searas incendiadas, além da menção a um novilho coberto de sangue entre os moinhos. Ela instiga, entre outras coisas porque, obviamente, destoa do ambiente citadino configurado pelo poema como um todo, do qual voltam a tratar os versos imediatamente seguintes, com o luzir das antenas e os derradeiros aviões em busca de um pouso seguro.
Talvez o poeta buscasse, desse modo, sinalizar que a ameaça da catástrofe se estende por tudo, incluindo o campo, onde as tensões recrudesciam nos anos 1950, com o fortalecimento política e a autonomização crescente da ação camponesa - de fato, a novidade à época47 - ameaçando interesses seculares e levando, como de praxe, a ações repressoras... Se assim for, a velha oposição cidade x campo é reposta, aí, em novas bases... Todavia, dado o caráter alusivo, deliberadamente impreciso dos versos, pode-se estar forçando a nota, já que não há ancoragem para essa hipótese em outras passagens do poema...
Essa impressão, aliás, assola o leitor em outros momentos, quando afloram alusões que parecem encontrar algum esteio no contexto histórico do poeta, mas que podem referir-se a outro momento distante no tempo ou mesmo a época nenhuma, dada a feição sempre ambivalente, duvidosa dos versos. Essa imprecisão, inclusive, é a sensação final que pode assolar o leitor ao indagar pelo sentido último do poema em sua totalidade, no contexto em que foi concebido... Tanto mais por se tratar de um poeta que integra uma geração cujo projeto estético sempre primou pelo recuo em relação ao presente histórico em busca de uma pretensa universalidade que acabou, não raramente, por lhe conferir a impressão de anacronismo48...
Todavia, não se pode esquecer que esse poema encena algo como uma viragem no projeto poético de José Paulo Moreira da Fonseca pois, conforme vimos com Jacobbi, no início desta abordagem, há aqui uma tentativa de interpretação “por dentro” da condição histórica do burguês ocidental. É quase como se ele atribuísse ao poema um papel similar ao conferido a The waste land, como expressão do estado de espírito de uma geração, a despeito de o próprio Eliot negar tal intenção. Já no caso de Moreira da Fonseca, ao contrário, ele parece referendar a avaliação que o crítico italiano fez de seu poema, a ponto de homenageá-lo na dedicatória, quando da republicação do poema em sua Antologia poética, conforme vimos...
Seja como for, a referência de Jacobbi ao entreguerras causa espécie, uma vez que o poema data, afinal, dos anos 1950, sendo publicado em 1956, portanto no bojo da euforia desenvolvimentista dos anos JK... Ainda que não haja referências históricas mais imediatas nos versos, dada a imprecisão e ambiguidade características do todo, é curioso pensar o efeito de sentido que esse poema, como forma objetivada, produz à luz desse contexto desenvolvimentista.
É claro que o tom disfórico dominante em “A tempestade” não parece nada tributário do otimismo então reinante, como se veria, por exemplo, em outros movimentos de vanguarda surgidos à época (a exemplo do Concretismo).
Justamente num momento de acentuada exploração de riquezas naturais (como as fontes de energia) em virtude do incremento da indústria e do acelerado processo de modernização em outros segmentos, que vai instituir uma nova concepção de tempo e de superação das distâncias, vale indagar pelo contraste representado por um poema que tratar de enfatizar, notadamente, a condição de desamparo dos indivíduos em função do fracasso, decadência ou impotência da civilização moderna face a uma força natural indomável, anunciando o fim apocalíptico, traçado em associação com moldes míticos. Daí, mais uma vez, a importância da imagem emblemática do leopardo à espreita, como força natural e agressiva. Não por acaso, talvez, ele apareça, nesse canto final, instalado entre os escombros de um edifício, justamente um hotel, local jamais de habitação permanente, mas provisória. Seu valor como signo de transitoriedade é ainda mais acentuado porque em demolição, repondo simbolicamente o precário de toda civilização...
Tal como La tempesta de Giorgione, a do poeta carioca permitiria ser lida, assim, como uma advertência, em registro trágico, ao otimismo e à ideologia triunfalista que marcaram o espírito eufórico reinante a partir de meados dos anos 1950. Lógico que isso não responde de forma decisiva à inquietação que o poema provoca. Continuamos a lançar a ele a mesma ordem de indagação que o eu lírico dirige à tela do pintor veneziano face à sua imantação alegórica: que tenta guardar José Paulo Moreira da Fonseca? Ou mesmo: o que interessa, o que vale guardar?
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3
Na versão da Antologia poética (doravante indicada como AP), que traz a segunda edição do poema, a dedicatória muda para: “a Willy Lewin e Ruggero Jacobbi”. Desaparece a expressão: “Como testemunho de fraternal amizade”. Ver: FONSECA, José Paulo Moreira da. Antologia poética. Rio de Janeiro: Leitura, 1965, p. 60.
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10
Para se ter alguma noção do valor conferido por Drummond à obra do poeta-pintor, reproduzo o excerto de provável crônica publicada no Jornal do Brasil de 14/7/1981, utilizada como epígrafe em: FONSECA, José Paulo Moreira da. Cores & palavras, op. cit. “[...] – Nós estávamos combinando a decoração do apartamento, sabe? Essa coisa gostosa de fazer planos, botar aqui um móvel aconchegante, ali um quadro do José Paulo Moreira da Fonseca, daqueles em que a realidade transcende o real, atinge o mistério profundo das coisas. Se bem que ainda nem tínhamos apartamento [...]”.
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21
O demótico é forjado por Sergio Buarque com base nas palavras de Eliot em “The music of poetry”: “A poesia não há de afastar-se muito da linguagem que falamos e escutamos todos os dias [...] ela não se pode permitir uma perda de contato com o instável idioma do trato comum”. Apud HOLANDA, Sérgio Buarque de. Rebelião e convenção – II. In: _____. O espírito e a letra: estudos de crítica literária II (1948-1959). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 506-507.
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22
Cf. depoimento de Edson Nery da Fonseca: “João Cabral de Melo Neto, grande poeta brasileiro e meu amigo, costuma dizer que é formado em letras pela biblioteca de Willy Levin, outro intelectual recifense que possuía grande e selecionada biblioteca”. ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco. Edson Nery da Fonseca. Maio/2004. INFOhome. Geral. Disponível em: <www.ofaj.com.br/experiencias_conteudo.php?cod=3>. Acesso em: fev. 2017.
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26
Além de Frank, veja ainda o que observa Lentricchia a respeito dessa forma espacializada devida à “radical compressão editorial” que Pound imprimiu (e Eliot aceitou) a The waste land, transformando o poema na “clássica colagem modernista de penetrante” ou cortante “descontinuidade, que conhecemos”. LENTRICCHIA, Frank. Modernist quartet. Cambridge: Cambridge UP, 1994, p. 193-194.
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30
Refiro-me à tela intitulada Antes da tempestade. No mesmo volume em que ela aparece, há uma estrofe poética denominada “Na tempestade”, que reporta a esse mesmo clima anterior ao desabar da tormenta: “vê a beleza do raio/ e os ventos hão de soprar/ as cinzas de teu receio”. Vinculado, ainda, ao clima dominante em “A tempestade”, num cenário urbano, há também os versos de “Megalópolis/ Vaga luz de chumbo asfixia a cidade/ e as cores desmaiam/ neblina talvez surdo gemido a se perder sobre a febre do mar./ O navegante que passa ao largo fixa os seus olhos e vê um fantasma”. FONSECA, José Paulo Moreira da. O pintor e o poeta. Edição bilíngue, traduzida para o inglês por Kerry Shawn Keys e Kern Krapohl. Rio de Janeiro: Spala Ed., p. 114-116 e 137.
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32
Eduardo Portella, em FONSECA, José Paulo Moreira da. Cores & palavras, op.cit., p. 145. Várias dessas telas em que vemos janelas e portas entreabertas para um cenário de luz estão reproduzidas nesse volume. A título de ilustração, ver Porta amarela (p. 123), Luz e casas (p. 127) e Tempo azul (p. 129).
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Antonio Bento já havia evocado a clássica fórmula horaciana, em matéria sobre o poeta-pintor publicada em Última Hora (Rio de Janeiro, 27 jun. 1968): “Há dois mil anos, mestre Horácio já dizia, no seu Tratado de poesia, que os pintores e os poetas sempre trabalharam unidos ou foram semelhantes em suas criações. É o que mais uma vez acontece atualmente, quando a pintura de caráter narrativo readquire todo o seu prestígio. Aliás, a pintura de José Paulo sempre esteve ligada à poesia, tanto na fase de suas fachadas, como agora em que o pintor se preocupa com a composição de paisagens maiores, apresentando cidades inteiras”. Artigo republicado como Apresentação (orelhas) a: FONSECA, José Paulo Moreira da. Diário de bordo. Edição bilíngue, traduzida para o inglês por Richard Spock. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial/Xerox do Brasil, 1982.
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Digo atribuído porque esse oráculo que anuncia a ruína de Babilônia pelos persas e medos de Ciro em 539 pode ser uma retomada modificada de um poema mais antigo dirigido contra a Assíria, tratando da queda de Nínive em 612, sob ataque conjugado de medas e babilônios, de modo que o poema, em sua forma primitiva, não seria, assim, de Isaías. Cf. A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional e Paulus, 1995, p. 1390 (nota c).
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A respeito do movimento camponês (com as Ligas constituídas em meados de 1940), a ação repressora sobre ele e sua recriação nos anos 1950, ver: JINKINGS, Ivana. Ligas Camponesas. Enciclopédia Latinoamoericana. Disponível em: <latinoamericana.wiki.br/verbetes/l/ligas-camponesas>. Acesso em: fev. 2018; MOREIRA, Vânia Maria Losada. Nacionalismos e reforma agrária nos anos 50. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 18, n. 35, 1998, p. 329-360.
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Na verdade, esse é um lugar-comum repetido à exaustão por historiadores e críticos, que busquei rever em estudo mais detido sobre a poesia e crítica do período. Um exemplo polêmico desse lugar-comum é o famoso ensaio de José Guilherme Merquior , cuja visada depreciativa em relação aos poetas de 45 foi relativizada depois. MERQUIOR, José Guilherme. Falência da poesia ou uma geração enganada e enganosa: os poetas de 45. In: _____. Razão do poema: ensaios de crítica e de estética. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. Ver, também: ALVES, Maria Marcelita. Revista Brasileira de Poesia: periódico pós-modernista. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1979, p. 50-51.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jan-Apr 2018
Histórico
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Recebido
30 Set 2017 -
Aceito
19 Mar 2018