Resumos
A fauna de serpentes do bioma Caatinga é uma das menos estudadas do Brasil. Estudamos a assembleia de serpentes de uma área de Caatinga arbustivo-arbórea a fim de descrever a história natural das espécies ocorrentes na região. Um total de 636 indivíduos de 22 espécies de quatro famílias foi registrado. A distribuição das abundâncias das espécies na área é log-normal e a composição apresenta serpentes típicas de Caatinga sendo Oxybelis aeneus (Wagler, 1824) e Philodryas nattereri Steindachner, 1870 as espécies mais comuns. A história natural de cada espécie é descrita a partir das informações sobre padrões de atividade, dieta, uso do ambiente, reprodução e repertório defensivo obtidas durante o estudo e de informações disponíveis na literatura. A área de estudo está em uma área prioritária para conservação e os resultados reforçam que políticas conservacionistas sejam aplicadas na região.
Comunidade; Assembleia; Dieta; Comportamento; Atividade
We studied a snake assemblage from an area of Caatinga with shrub and tree vegetation to describe the natural history of the snake species. A total of 636 individuals among 22 species from four families were recorded. The distribution of species abundances is log-normal; and the composition presents typical species from the Caatinga, with Oxybelis aeneus (Wagler, 1824) and Philodryas nattereri Steindachner, 1870 being the most common. The natural history of each species is described based on information regarding activity patterns, diet, habitat use, reproduction, and defensive repertoire obtained during the study, as well as on information available in the literature. The study area is located in a priority region for conservation and our results emphasize that conservation policies should be implemented in the region.
Community; Assemblage; Diet; Behavior; Activity
Ecologia e história natural das serpentes de uma área de Caatinga no nordeste brasileiro
Paulo C.M.D. MesquitaI,III; Daniel C. PassosII; Diva M. Borges-NojosaII; Sonia Z. CechinI
ILaboratório de Herpetologia, Departamento de Zoologia, Universidade Federal de Santa Maria. Avenida Roraima, 1.000, CEP 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil
IINúcleo Regional de Ofiologia, Universidade Federal do Ceará. Campus do Pici. Bloco 905, CEP 60455-760, Fortaleza, Ceará, Brasil
IIIE-mail para correspondência: paulocmdm@gmail.com
RESUMO
A fauna de serpentes do bioma Caatinga é uma das menos estudadas do Brasil. Estudamos a assembleia de serpentes de uma área de Caatinga arbustivo-arbórea a fim de descrever a história natural das espécies ocorrentes na região. Um total de 636 indivíduos de 22 espécies de quatro famílias foi registrado. A distribuição das abundâncias das espécies na área é log-normal e a composição apresenta serpentes típicas de Caatinga sendo Oxybelis aeneus (Wagler, 1824) e Philodryas nattereri Steindachner, 1870 as espécies mais comuns. A história natural de cada espécie é descrita a partir das informações sobre padrões de atividade, dieta, uso do ambiente, reprodução e repertório defensivo obtidas durante o estudo e de informações disponíveis na literatura. A área de estudo está em uma área prioritária para conservação e os resultados reforçam que políticas conservacionistas sejam aplicadas na região.
Palavras-Chave: Comunidade; Assembleia; Dieta; Comportamento; Atividade.
ABSTRACT
We studied a snake assemblage from an area of Caatinga with shrub and tree vegetation to describe the natural history of the snake species. A total of 636 individuals among 22 species from four families were recorded. The distribution of species abundances is log-normal; and the composition presents typical species from the Caatinga, with Oxybelis aeneus (Wagler, 1824) and Philodryas nattereri Steindachner, 1870 being the most common. The natural history of each species is described based on information regarding activity patterns, diet, habitat use, reproduction, and defensive repertoire obtained during the study, as well as on information available in the literature. The study area is located in a priority region for conservation and our results emphasize that conservation policies should be implemented in the region.
Key-Words: Community; Assemblage; Diet; Behavior; Activity.
INTRODUÇÃO
Estudos de história natural das espécies consistem na obtenção de informações básicas sobre a ecologia das espécies (Shine, 1995). Informações de história natural como dieta, uso do ambiente, reprodução e atividade são fundamentais para realização de estudos que busquem compreender padrões e processos gerais de comunidade e para a definição de estratégias de conservação baseadas no conhecimento das espécies que compõem cada área (Sawaya et al., 2008).
Estudos em ecologia e história natural de comunidades de serpentes brasileiras, outrora raros, têm recebido crescente atenção nos últimos anos em diferentes biomas como: Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, Amazônia e Pampa (Strüssmann & Sazima, 1993; Bernarde & Abe, 2006; Zanella & Cechin, 2006; Sawaya et al., 2008; Hartmann et al., 2009a,b).
Enquanto há um notável crescimento no conhecimento da ecologia e história natural das serpentes na maior parte dos biomas brasileiros apenas um estudo aborda este tema no bioma Caatinga de forma ampla. Vitt & Vangilder (1983) abordaram ecologia das espécies ocorrentes em Exú, Pernambuco, baseado principalmente em estruturas de guildas alimentares. Este estudo foi realizado em região de Caatinga com fisionomias abertas e predominância de afloramentos rochosos.
Neste estudo apresentamos contribuições ao conhecimento da ecologia e história natural de uma assembleia de serpentes de uma área de Caatinga, predominantemente arbustivo-arbórea.
MATERIAL E MÉTODOS
Área de estudo
O estudo foi realizado na Fazenda Experimental Vale do Curu (FEVC, coordenadas da entrada principal: 03º49'06.1"S, 39º20'14.8"W, GPS Datum: WGS 84) e em aproximadamente 21 km da rodovia estadual CE-341, no município de Pentecoste, Ceará, Nordeste do Brasil. A FEVC é uma área de 823 hectares, com 142 ha de áreas preservadas do bioma Caatinga. A região apresenta clima semi-árido, seco, existindo uma pequena temporada úmida, classificada como tipo climático BSw'h' da classificação de Köppen (1918). A temperatura média anual é de 26,8ºC, 73% de umidade relativa e 723,3 mm de chuva, apresentando uma sazonalidade marcada com o período de chuvas concentrado de fevereiro a julho e o período de seca durante o resto do ano (Aguiar et al., 2001; Barros et al., 2002; Leão et al., 2004).
Os solos da região são constituídos, por rochas de embasamento cristalino, representadas por gnaisses, xistos, quartizitos, calcários e granitos, de idade pré-cambriana. São solos dos tipos bruno não-cálcicos, planossolos e solos aluviais, permitindo o desenvolvimento de vegetação de caatinga arbustiva densa (Brandão et al., 1998).
Protocolo de campo
Os registros de serpentes ocorreram entre julho de 2008 e junho de 2010, com visitas mensais à FEVC com duração de aproximadamente quatro dias por mês.
Utilizamos quatro métodos para capturar as serpentes: Procura Visual Limitada por Tempo (PVLT), Encontros Ocasionais (EO), Coletas por terceiros (CPT) e Armadilhas de interceptação e queda com cercas-guia (PIT).
PVLT Consistiu na procura de serpentes a pé ou de carro (velocidade máxima de 25 km/h) realizada por três pessoas, caminhando lentamente, em trilhas e estradas na área e no entorno da área de estudo. A cada mês foi realizado um total de 24 horas de PVLT, sendo 22 horas de procuras a pé e 2 horas de procuras de carro, sem ultrapassar 25 km/h de velocidade, buscando amostrar cada período do dia e da noite. Por questões logísticas, em cada campanha foram realizadas 16 horas de buscas diurnas e 8 horas noturnas.
EO Consistiram do encontro com serpentes pela equipe de campo durante atividades fora do período de aplicação do método de PVLT.
PIT Consistiu em três conjuntos de armadilhas instalados em três diferentes fisionomias (Caatinga arbórea, Caatinga arbustiva e várzea de rio). Cada conjunto de armadilha foi formado por 20 baldes plásticos (50 litros) enterrados no solo em conformação radial e ligados entre si por 5 metros de cercas-guia de aproximadamente 50 cm de altura, totalizando 60 baldes enterrados (Mengak & Guynn-Jr, 1987).
Os baldes foram perfurados no fundo e no interior de cada balde colocamos folhiço proveniente da área de estudo cobrindo o fundo e uma folha de isopor para servir de refúgio contra as intempéries.
Mensalmente cada recipiente permaneceu aberto por 60 horas e as armadilhas foram verificadas a cada 20 horas durante as campanhas.
CPT Para adequação às exigências legais e para padronização do esforço de CPT treinamos, para as técnicas de manejo e captura de serpentes, um único trabalhador local durante seis meses de estudo-piloto (o tempo total de treinamento foi superior a 72 horas, entre janeiro e junho de 2008) e solicitamos que ele capturasse as serpentes que, por ventura, encontrasse durante suas atividades cotidianas. O coletor residente não foi remunerado para evitar a coleta ativa de animais. Algumas informações de uso do ambiente obtidas neste método que não foram confirmadas foram desconsideradas, mas as informações sobre mês do registro e dieta foram contabilizadas.
Os indivíduos registrados tiveram anotados: comprimento rostro-cloacal (CRC), ambiente e substrato utilizado, horário do encontro e mecanismos de defesa apresentados.
Para acessar informações sobre a dieta, os animais foram submetidos à regurgitação através de suave apalpação do ventre em movimento antiperistáltico e liberados no local de captura (Shine, 1995). Sempre que registrada a presença de ovos, o procedimento de regurgitação forçada não foi realizado.
Não foram registradas informações sobre uso do ambiente e horário de encontro das serpentes registradas por CPT.
Protocolo de laboratório
Os indivíduos coletados foram depositados na Coleção de Herpetologia da Universidade Federal do Ceará (CHUFC) e foi realizada incisão ventral nos indivíduos fixados para obtenção de informações sobre a dieta e estado reprodutivo.
Análises
Para estimar a riqueza local utilizamos o estimador Jacknife 1ª ordem e para indicar a riqueza observada relacionada à equabilidade, produzimos um diagrama de distribuição de abundâncias seguindo Melo (2008) e Gotelli & Colwell (2001). Testamos o diagrama para verificar a adequação aos principais modelos teóricos de distribuição de abundância existentes (geométrico, log-série ou log-normal) através do Software PAST (Magurran, 2004; Hammer et al., 2001).
Cada espécie foi classificada conforme sua dominância e frequência seguindo método adaptado de Abreu & Nogueira (1989) e Luiselli (2006).
Neste método a proporção de frequência é igual a (número de amostras com registro da espécie/número total de amostras) x 100. E as classificações de frequência são: Acidental = de 0,1% a 25%; Acessória = de 25% a 50%; e Constante = de 50% a 100%.
A proporção de dominância é dada pela fórmula (número de indivíduos da mesma espécie/número total de indivíduos coletados na área) x 100. Assim as espécies são classificadas em três classes: Acidental = de 0,0% a 2,5%; Acessória = de 2,5% a 5,0%; e Dominante = de 5,0% a 100%.
A combinação destas proporções permite a classificação das espécies em comum (constante e dominante), intermediária (constante e acessória; constante e acidental; acessória e acidental; acessória e dominante; acessória e acessória), rara (acidental e acidental) e muito rara (acidental e acidental com menos de 1% de dominância).
RESULTADOS
Diversidade
Entre julho de 2008 e junho de 2010 registramos 620 serpentes na área de estudo. Considerando os seis meses de estudo piloto, quando os métodos de coleta foram aplicados de forma inconsistente, outros 16 indivíduos são adicionados a amostra, totalizando 636 serpentes registradas. Um total de 22 espécies de serpentes foi registrado, das quais 14 Dipsadidae (Apostolepis cearensis, Boiruna sertaneja, Leptodeira annulata, Liophis dilepis, L. mossoroensis, L. poecilogyrus, L. viridis, Oxyrhopus trigeminus, Philodryas nattereri, P. olfersii, Pseudoboa nigra, Psomophis joberti, Thamnodynastes sp. e Xenodon merremii), quatro Colubridae (Leptophis ahaetulla, Mastigodryas bifossatus, Oxybelis aeneus, Tantilla melanocephala), duas Boidae (Boa constrictor, Epicrates assisi), uma Elapidae (Micrurus ibiboboca) e uma Viperidae (Crotalus durissus) (Tabela 1).
O estimador de riqueza Jacknife de primeira ordem, baseado em todos os métodos, previu uma taxocenose composta entre 22 (valor observado) a 26 espécies (valor estimado = 25,83 ± 2,26 DP).
A distribuição das abundâncias observadas se ajustou ao modelo log-normal (X2 = 6,155; p < 0,104) (Fig. 1).
História natural
Família Dipsadidae
Apostolepis cearensis Gomes, 1915
Espécie de pequeno porte (CRC médio = 223,0 mm; DP = 45,25 mm; n = 2), provavelmente terrícola e fossorial (Lema, 2001). Muito rara na área de estudo (n = 2), com 0,31% do total de indivíduos e ocorrendo em 8,33% das amostras. Foi encontrada apenas em área de Caatinga arbustiva sempre sobre o solo. Registramos o horário de atividade de apenas um indivíduo, ativo às 14 horas. Um indivíduo continha em seu trato digestivo uma serpente da espécie Tantilla melanocephala (Mesquita et al., 2009). Embora o gênero seja frequentemente estudado quanto à taxonomia, ainda há poucas informações sobre aspectos da ecologia e comportamento de A. cearensis (Lema, 2001; Lema & Renner, 2005; Mesquita et al., 2009). O único indivíduo vivo manuseado procurou fugir e não tentou morder. O uso da cauda para pressionar o coletor é possível, pois foi registrado para congêneres, mas não registramos para o indivíduo de A. cearensis manuseado (Martins & Oliveira, 1998).
Boiruna sertaneja Zaher, 1996
Espécie terrícola de grande porte (CRC médio = 1.156,75 mm, DP = 288,53 mm, n = 4). Rara na área de estudo (n = 7), com 1,10% do total de indivíduos e ocorrendo em 20,83% das amostras. Dois indivíduos foram registrados a partir da doação de uma coleção particular de um residente local e não havia informações sobre o ambiente utilizado, dois indivíduos foram encontrados atropelados em uma rodovia nos arredores da área de estudo e um indivíduo foi encontrado no solo em atividade noturna (21:50 h) em várzea de rio. Embora nenhum item alimentar tenha sido obtido neste estudo esta espécie é presumivelmente generalista, incluindo mamíferos, lagartos e serpentes em sua dieta (Pinto & Lema, 2002; Vitt & Vangilder, 1983). Os mecanismos de defesa desta espécie consistem da coloração escura associada à atividade noturna e quando manuseados, os indivíduos tendem a tentar fugir com movimentos vigorosos do corpo e realizam constrição, embora nenhuma tentativa de mordida tenha sido desferida pelo exemplar manuseado neste estudo, existem relatos de envenenamento humano por sua congênere B. maculata (Santos-Costa et al., 2000).
Leptodeira annulata (Linnaeus, 1758)
Espécie semi-arborícola de pequeno porte (CRC médio = 502,48 mm, DP = 78,25 mm, n = 27). Comum na área de estudo (n = 35), 5,5% do total de indivíduos e frequente em 79,17% das amostras. Serpente comumente encontrada no interior de residências ou em caixas d'água (n = 14), ocorrendo também em ambiente de Caatinga arbustiva (n = 4), plantações (n = 3), várzea de rio (n = 3), Caatinga arbórea (n = 2), cerrado (n = 1) e mata próxima a canal de irrigação (n = 1). Outros sete indivíduos foram encontrados atropelados em estradas vicinais. Apresenta atividade noturna e é encontrada durante todos os meses do ano, com maior abundância nos meses chuvosos de maio a julho (n = 16). Uma fêmea ovígera (n = 5 ovos) foi registrada no mês de maio. Sabe-se que sua dieta é composta principalmente por anfíbios anuros (Vitt, 1996), mas a cauda de um lagarto Gekkonidae foi obtida a partir de um indivíduo (Tabela 2). Leptodeira annulata apresenta um grande arsenal de mecanismos de defesa (Mendoza, 2009; Guimarães & Sawaya, 2011) e são serpentes não agressivas. Durante este estudo observamos comportamentos como: erguimento da parte anterior do corpo com achatamento dorso-ventral e triangulação da cabeça, fuga, descarga cloacal de substâncias com mau odor e saltos rápidos de galhos diretamente para o solo, em queda livre, imediatamente depois de tocadas, sendo esta estratégia registrada pela primeira vez para serpentes neotropicais. Nenhum indivíduo ameaçou morder ou dar botes e também não observamos tanatose apesar de este comportamento já ter sido registrado para a espécie (Mendoza, 2009).
Liophis dilepis (Cope, 1862)
Espécie terrícola de pequeno porte (CRC médio = 424,63 mm, DP = 57,54 mm, n = 11). Apresenta abundância intermediária na área de estudo (n = 20) correspondendo a 3,14% do total de indivíduos, ocorrendo em 58,3% das amostras. Serpente mais encontrada em ambientes antropizados (n = 13), Caatinga arbustiva (n = 2), cerrado (n = 1) e Caatinga arbórea (n = 1), não obtivemos informações sobre uso do ambiente de três indivíduos obtidos através de uma coleção particular. Dos 13 indivíduos registrados em ambientes antropizados, oito foram localizados atropelados em estradas vicinais. Apresenta atividade diurna (n = 11) e ocasionalmente noturna (n = 1). Foram mais abundantes de maio a dezembro (n = 18) e dois indivíduos foram registrados no mês de março. Fêmeas ovígeras foram registradas em maio (6 ovos), agosto (4 ovos) e novembro (6 ovos). Três itens alimentares foram obtidos, todos anfíbios anuros, sendo dois Leptodactylidae, Leptodactylus sp. e um Hylidae, Scinax xsignatus. São serpentes pouco agressivas, com coloração diruptiva com linhas longitudinais, grande mobilidade, o que confere a capacidade de fuga veloz, quando manuseadas podem liberar substâncias mal cheirosas pela abertura cloacal, girar no próprio eixo e eventualmente abrem a boca em menção de morder.
Liophis mossoroensis Hoge & Lima-Verde, 1972
Espécie pequena (CRC = 432,0 mm, n = 1), provavelmente terrícola e semi-aquática (Vitt, 1983). Muito rara na área de estudo (n = 1), foi registrada apenas através da doação de uma coleção de um residente local. É considerada anurófaga e exclusivamente diurna (Vitt & Vangilder, 1983). Vitt (1983) encontrou fêmeas ovígeras em março e agosto. Pouco se sabe sobre a ecologia e o comportamento desta espécie, mas a proximidade filogenética com L. miliaris sugere que seja uma serpente pouco agressiva e de hábitos terrícola-aquático (Dixon, 1980).
Liophis poecilogyrus (Wied, 1825)
Espécie terrícola de pequeno porte (CRC médio = 393,95 mm, DP = 88,44 mm, n = 21). Comum na área de estudo (n = 47) correspondendo a 7,4% do total de espécimes, ocorrendo em 50% das amostras. Considerando apenas os adultos, ocupam praticamente todos os ambientes amostrados, foram encontrados em estradas vicinais (n = 10), no interior de residências (n = 9), várzea de rio (n = 6), Caatinga arbustiva (n = 3), cerrado (n = 2), mata próxima a canal de irrigação (n = 1) e Caatinga arbórea (n = 1). Apresenta atividade diurna, principalmente matinal entre 7 e 9 h (n = 8), crepuscular e noturna entre 17 e 21 h (n = 6). Encontradas mais comumente nos meses de transição entre períodos seco e chuvoso, picos de registros ocorrendo de maio a agosto (n = 21) e novembro a fevereiro (n = 11). Uma fêmea ovígera carregando seis ovos foi encontrada atropelada agonizando em uma estrada vizinha à área de estudo durante o mês de agosto. Espécie especialista em anuros (Vitt, 1983). Neste estudo doze itens alimentares foram obtidos a partir de onze indivíduos, todos anuros (Tabela 3). A espécie é pouco agressiva, foge quando confrontada, quando manuseada pode apresentar achatamento dorso-ventral da região gular, girar no próprio eixo e realizar descarga de substâncias com mau odor pela cloaca. Embora nenhum indivíduo tenha mordido ou picado durante o estudo, este comportamento foi registrado para esta espécie (Quintela, 2010).
Liophis viridis Günther, 1862
Espécie terrícola de pequeno porte (CRC médio = 344,61 mm, DP = 73,54 mm, n = 26). Comum na área de estudo (n = 33), correspondendo a 5,2% da abundância total e ocorrendo em 62,5% das amostras. Foram encontradas em ambientes de Caatinga arbórea (n = 8), alterados pela ação humana como estradas (n = 8) e residências (n = 1), mas também ocorreu em várzea de rio (n = 4), mata próxima a canal de irrigação (n = 4), Caatinga arbustiva (n = 3) e cerrado (n = 1). Três jovens foram encontrados no interior de residências e um em mata próxima a canal de irrigação. Apresenta atividade diurna e indivíduos ativos foram encontrados em praticamente todos os meses do ano, exceto outubro. Vitt (1983) considerou esta espécie especialista em anuros, durante este estudo observamos informação de dez itens alimentares de sete indivíduos, sendo nove anuros e uma cauda de lagarto. Além do lagarto, realizamos os primeiros registros de Leptodactylus troglodytes (juvenil), L. macrosternum (juvenil) e Rhinella granulosa como itens alimentares desta espécie (Tabela 4). Fêmeas ovígeras foram registradas em janeiro (6 ovos), abril (4 ovos), julho (7 ovos) e agosto (6 ovos). Espécie inofensiva, tenta fugir à aproximação, quando manuseada raramente realiza descarga de substâncias repulsivas pela cloaca e pode apresentar suave compressão lateral da região gular.
Oxyrhopus trigeminus Duméril, Bibron & Duméril, 1854
Espécie terrícola de pequeno porte (CRC médio = 450,95 mm, DP = 96,17 mm, n = 38). Comum na área de estudo (n = 50), correspondendo a 7,86% do total de indivíduos, ocorrendo em 83,33% das amostras. Encontradas principalmente em ambientes antropizados (n = 22), mas também foram localizadas em ambientes de: Caatinga arbustiva (n = 8), mata próxima a canal (n = 3), plantações (n = 3), várzea de rio (n = 3), cerrado (n = 2) e Caatinga arbórea (n = 1). Sendo que dos 22 indivíduos encontrados em ambientes antrópicos a maioria (n = 19) estavam mortos atropelados em uma estrada vizinha. Apresenta atividade crepuscular e noturna. Indivíduos ativos foram encontrados ao longo de todos os meses do ano, exceto dezembro. Houve uma redução marcante na taxa de registros durante o início da estação chuvosa, entre dezembro e fevereiro (n = 2). Seis itens alimentares foram obtidos a partir de seis indivíduos adultos, sendo registrado, pela primeira vez, o Scincidae Mabuya heathi na alimentação desta espécie. Não encontramos indícios de consumo de mamíferos por O. trigeminus neste estudo mas Vitt & Vangilder (1983) registraram um roedor para O. trigeminus e mamíferos são itens constantes na dieta das congêneres O. guibei e O. rhombifer (Andrade & Silvano, 1996; Sawaya et al., 2008) (Tabela 5). Fêmeas ovígeras foram encontradas em março, junho, julho, agosto e outubro apresentando entre 6 e 9 ovos. Seu arsenal defensivo é bastante variado, apresenta coloração coralina possivelmente mimética do gênero Micrurus, tenta fugir quando tocada, pode realizar descarga cloacal ao ser manuseada, debater-se vigorosamente, desferir botes falsos (com a boca fechada), realizar movimentos erráticos e esconder a cabeça embaixo do corpo.
Philodryas nattereri Steindachner, 1870
Espécie de médio porte (CRC médio = 810,54 mm, DP = 219,31 mm, n = 38) primariamente terrícola, mas pode ser considerada semi-arborícola. Comum na área de estudo (n = 81), correspondendo a 12,74% do total de indivíduos, foi registrada em 70,83% das amostras. Ocorrem em ambientes alterados por ação humana, como estradas, residências e depósitos de material (n = 42), frequentemente visualizadas paradas em estradas realizando termorregulação, o que leva a um elevado número de indivíduos atropelados (n = 24), também foi encontrada em Caatinga arbustiva (n = 10), Caatinga arbórea (n = 6), várzea de rio (n = 4) e mata próxima a canal de irrigação (n = 4). Apresenta atividade diurna e indivíduos ativos foram registrados em todos os meses do ano, com maior abundância entre maio e julho (n = 42). A dieta é generalista, consumindo lagartos, mamíferos, anfíbios, ovos de Squamata, serpentes e aves (Vitt, 1980, Mesquita & Borges-Nojosa, 2009; Mesquita et al., 2010a; Mesquita et al., 2011a). Fêmeas ovígeras foram registradas em maio (5 ovos) e outubro (8 ovos). Mesquita et al. (2011a) incluíram os dados de atividade e dieta obtidos durante este estudo para descrever a ecologia de P. nattereri em maiores detalhes. Espécie de coloração críptica (cinza-amarronzado), moderadamente agressiva, realiza fugas velozes em busca de abrigos (exceto quando em termorregulação), pode apresentar achatamento dorso-ventral da região gular, ao ser manuseada pode: morder, desferir botes falsos, realizar descarga cloacal, constrição e quando em termorregulação pode assumir a postura de "body-bending" que supostamente dificulta sua detectabilidade (Marques et al., 2006; Maddock et al., 2011).
Philodryas olfersii (Lichtenstein, 1823)
Espécie de médio porte (CRC médio = 639,16 mm, DP = 108,29 mm, n = 40) semi-arborícola. Comum na área de estudo (n = 63), representando 9,92% do total de indivíduos registrados, ocorrendo em 79,16% das amostras. Encontrada principalmente em ambientes relacionados à água como várzea de rio (n = 25) e mata próxima a canal de irrigação (n = 12), sendo também encontrada em ambiente de Caatinga arbustiva (n = 13) e plantações (n = 4). Cinco indivíduos foram observados atropelados em uma estrada próxima à área de estudo. Apresenta atividade diurna e pode ser encontrada ativa ao longo de todos os meses do ano, com maior abundância no início do período chuvoso, de janeiro a março (n = 25). Obtivemos 27 itens alimentares a partir de 21 indivíduos e a dieta é composta por anfíbios, lagartos, aves e mamíferos (Tabela 6). Encontramos fêmeas ovígeras com 6 a 8 ovos em: junho, julho, setembro, novembro e dezembro. Observamos cópula no mês de junho (Mesquita et al., 2012a). A coloração verde e a tendência de utilizar ambientes associados à água (com vegetação verde ao longo do ano inteiro) representam um modo de defesa por camuflagem. Espécie agressiva que tenta fugir ao toque, mas ao ser manuseada geralmente tenta morder, realiza descarga de substâncias de mau odor pela cloaca e debate-se vigorosamente. Acidentes provocados por P. olfersii são constantemente relatados na literatura (Fowler & Salomão, 1994; Ribeiro et al., 1999; Rocha & Furtado, 2007; Correia et al., 2010).
Pseudoboa nigra (Duméril, Bibron & Duméril, 1854)
Espécie terrícola de médio porte (CRC médio = 703,06 mm, DP = 188,39 mm, n = 17). Abundância intermediária área de estudo (n = 27), compreendendo 4,25% do total de indivíduos e sendo frequente em 66,67% das amostras. Ocorre em ambientes antropizados como residências e estradas (n = 12), sendo frequentemente atropeladas (n = 9), foram também encontradas em Caatinga arbustiva (n = 4), várzea de rio (n = 3), Caatinga arbórea (n = 1), plantação (n = 1) e mata próxima a canal de irrigação (n = 1). Apresenta atividade noturna e foi encontrada durante praticamente todos os meses do ano, exceto setembro tendo um pico de abundância durante o período chuvoso nos meses de maio e junho (n = 9). Orofino et al. (2010) registrou a dieta de P. nigra composta principalmente por lagartos. Aqui obtivemos 12 itens alimentares de sete indivíduos com a dieta básica de P. nigra na área de estudo sendo formada por lagartos e ovos de lagartos (Tabela 7). Não registramos fêmeas ovígeras, mas Orofino et al. (2010) sugerem que a ovulação ocorre durante todo ano. Espécie dócil. Tem como defesa a coloração escura associada aos hábitos noturnos, apresenta fuga relativamente lenta e quando manuseada pode esconder a cabeça embaixo do corpo ou realizar constrição.
Psomophis joberti (Sauvage, 1884)
Espécie de pequeno porte (CRC médio = 365,8 mm, DP = 66,29 mm, n = 5). Rara na área de estudo (n = 13), correspondendo a 2,04% do total de indivíduos e ocorrendo em 25% das amostras. Encontrada no solo ou subsolo em ambientes de Caatinga arbórea (n = 4), residências (n = 4, todos jovens), Caatinga arbustiva (n = 2) e mata próxima a canal de irrigação (n = 1). Um indivíduo foi encontrado atropelado em estrada vizinha. Serpente diurna, encontrada nos meses de janeiro, fevereiro, julho, agosto e novembro. Porém, nos meses de janeiro e fevereiro somente jovens foram localizados. Strüssmann & Sazima (1993) indicam que esta espécie alimenta-se de lagartos e anfíbios. Não obtivemos itens alimentares a partir dos indivíduos registrados. Uma fêmea contendo 7 ovos no oviduto foi atropelada no mês de novembro (Mesquita et al., 2011b). Espécie dócil. Defende-se fugindo velozmente e quando manuseada pode utilizar uma pequena escama modificada em forma de espinho localizado na porção terminal de sua cauda pressionando-o contra o manuseador (Lima et al., 2010).
Thamnodynastes sp. (Thunberg, 1787)
Identificada como Thamnodynastes strigilis por Vanzolini et al. (1980) ou Thamnodynastes sp.2. conforme Franco & Ferreira (2003). Espécie de pequeno porte (CRC = 330,0 mm, n = 1) muito rara na área de estudo. Apenas um indivíduo foi registrado, (0,16% da abundância total) sendo encontrado morto atropelado em uma estrada vicinal no mês de agosto. Não existem informações precisas sobre aspectos ecológicos desta espécie porque sua posição taxonômica não está bem resolvida. Vitt & Vangilder (1983) consideraram esta espécie como noturna, mas, em outra área, aproximadamente 40 km distante de nossa área de estudo, um indivíduo foi encontrado ativo às 10 h na serapilheira, portanto, é possível que apresente atividade diurna e noturna. É esperado que esta espécie também seja capaz de utilizar ambientes acima do solo, como é comum em outras Thamnodynastes (Strüssmann & Sazima, 1993; Bernarde et al., 2000). Vitt & Vangilder (1983) registraram um ovo de lagarto como item alimentar, portanto é possível que também prede lagartos (Queiroz & Rodríguez-Robles, 2006). O indivíduo encontrado em outra área ao ser manuseado realizou achatamento dorso-ventral da região gular, triangulação da cabeça e desferiu botes, comportamentos também registrados para uma congênere, T. longicaudus (Franco et al., 2003).
Xenodon merremii (Wagler, 1824)
Espécie terrícola de médio porte (CRC médio = 708,12 mm, DP = 171, 95 mm, n = 8). Rara na área de estudo (n = 8) correspondendo a 1,26% da abundância total, frequente em 25% das amostras. Encontradas em ambiente de Caatinga arbustiva (n = 4) e plantações (n = 4). Apresenta atividade diurna e foi encontrada nos meses de janeiro, fevereiro, junho, julho e setembro. Quatro itens alimentares foram registrados, sendo três Rhinella jimi e um anuro não identificado. Xendon merremii pode ser considerada especialista em Bufonidae (Vitt, 1983; Fernandes-Ferreira et al., 2010). Serpente muito agressiva, o repertório defensivo de X. merremii é semelhante ao reportado por Tozzetti et al. (2009) para X. dorbigny e consiste de coloração críptica, fuga, achatamento dorso-ventral de todo o corpo, erguimento da cabeça, abertura de boca, botes falsos e mordidas, além de alguns indivíduos apresentarem padrão de coloração semelhante ao de serpentes do gênero Bothrops.
Família Colubridae
Leptophis ahaetulla (Linnaeus, 1758)
Espécie arborícola de médio porte (CRC médio = 773,51 mm, DP = 186,26 mm, n = 37) sendo longa, porém delgada. Comum na área de estudo (n = 51), ocorrendo em 70,83% das amostras. Encontrada principalmente em ambientes menos perturbados como várzea de rio (n = 16), mata próxima a canal de irrigação (n = 12) e Caatinga arbustiva (n = 10). Foram registradas em menor frequência em plantações (n = 3) e Caatinga arbórea (n = 1), ocorreram cinco atropelamentos em estradas vizinhas. Apresenta atividade diurna e foi registrada em todos os meses do ano exceto junho, com maior abundância nos meses de janeiro (n = 8) e fevereiro (n = 7). Obtivemos 15 itens alimentares a partir de 9 indivíduos. Consistentemente com Albuquerque et al. (2007) observamos a dieta composta basicamente por anuros, com lagartos sendo utilizados ocasionalmente (Tabela 8). Fêmeas ovígeras foram encontradas em janeiro (12 ovos), fevereiro (5 ovos), julho (4 ovos) e agosto (três fêmeas com 3 ovos e uma com 7 ovos). Vitt & Vangilder (1983) registraram de 4 a 7 ovos. Nossos registros de 3 e o registro de 12 ovos representam o novo e mínimo e máximo tamanho de ninhada conhecido para L. ahaetulla. Espécie muito agressiva, de coloração verde que auxilia na camuflagem, ao ser manuseada procura fugir para galhos mais altos, descarrega substâncias de mau odor pela cloaca, abre a boca expandindo a maxila inferior, realiza achatamento lateral da região gular e desfere botes.
Mastigodryas bifossatus (Raddi, 1820)
Espécie terrícola de médio porte (CRC = 745 mm, n = 1, mas veja Leite et al., 2007; Marques & Muriel, 2007). Muito rara na área de estudo (n = 1) foi registrada apenas através da doação de uma coleção de um residente local, correspondendo, portanto, a 0,16% da abundância total de serpentes. Apresenta atividade diurna, geralmente associada a ambientes abertos e antropizados (Strüssmann, 1992), consumindo uma grande variedade de presas, mas preferencialmente anfíbios (Strüssmann & Sazima, 1993; Leite et al., 2007; Marques & Muriel, 2007), neste estudo obtivemos apenas um item alimentar, sendo o primeiro registro de Leptodactylus vastus como presa de M. bifossatus. Não obtivemos informações sobre fêmeas ovígeras durante este estudo, mas sabe-se que são potencialmente reprodutivas ao longo do ano (Marques & Muriel, 2007). Strüssmann (1992) descreveu o comportamento defensivo de M. bifossatus, com tendência a fuga em busca de abrigos subterrâneos ou na vegetação, vibração da cauda e mordidas.
Oxybelis aeneus (Wagler, 1824)
Espécie arborícola de médio porte (CRC médio = 795,21 mm, DP = 161,44 mm, n = 93), sendo longa e delgada (Mesquita et al., 2010b). É a espécie mais comum na área de estudo (n = 127), correspondendo a 19,97% do total de serpentes da área e ocorrendo em 95,83% das amostras. Encontrada em ambientes de Caatinga arbustiva (n = 61), mata próxima a canal de irrigação (n = 20), várzea de rio (n = 18), ambientes urbanizados (n = 18), plantações (n = 6) e Caatinga arbórea (n = 2). Apresenta atividade diurna ao longo de todo o ano, com pelo menos 10 indivíduos registrados em cada mês, exceto em três meses do período chuvoso: abril (n = 2), maio (n = 6) e junho (n = 6). Registramos 14 itens alimentares a partir de 10 indivíduos, evidenciando uma tendência ao consumo especialista em lagartos (Tabela 9). Fêmeas ovígeras foram encontradas desde a estação seca até o início da estação chuvosa, especificamente em janeiro (9 ovos, veja Mesquita et al., 2010c), fevereiro (5 ovos), março (duas fêmeas com 7 ovos), outubro (5 ovos) e dezembro (5 ovos). Serpente muito agressiva, de coloração e forma do corpo semelhante a galhos secos, à aproximação pode fugir para galhos mais altos ou permanecer no mesmo local movendo o corpo lembrando a movimentação de galhos ao vento e utiliza substratos espinhosos para repouso (Mesquita et al., 2012b). Quando manuseada abre a boca exibindo o palato de coloração escura, assume a postura de "S", desfere botes repetidamente e realiza descarga cloacal de substâncias com mau odor.
Tantilla melanocephala (Linnaeus, 1758)
Espécie terrícola de pequeno porte (CRC médio = 229,5 mm, DP = 25,85 mm, n = 6). Rara na área de estudo (n = 7), correspondendo a 1,1% do total de serpentes encontradas e ocorrendo em 20,83% das amostras. Foi encontrada em ambientes residenciais (n = 4), várzea de rio (n = 1) e Caatinga arbórea (n = 1). Um indivíduo foi encontrado atropelado em estradas vicinais. Evidenciamos atividade diurna (entre 08:00 e 11:00 h) e crepuscular (17:50 h), enquanto que no norte do Brasil esta espécie foi considerada diurna e no sudeste foi considerada principalmente noturna (Martins & Oliveira, 1998; Marques & Puorto, 1998). Registramos dois itens alimentares a partir de dois indivíduos, duas centopéias Scolopendromorpha, o que é consistente com o registrado por Marques & Puorto (1998). Fêmeas ovígeras foram registradas em novembro (3 ovos) e maio (1 ovo). Espécie pouco agressiva foge velozmente à aproximação, quando manuseada realiza movimentos vigorosos a fim de se desvencilhar do manuseio.
Família Boidae
Boa constrictor Linnaeus, 1758
Espécie semi-arborícola de grande porte (CRC médio = 1.590,0 mm, DP = 467,28 mm, n = 5) e robusta. Apresenta abundância intermediária na área de estudo (n = 19, apenas 5 adultos), correspondendo a 2,99% da abundância total de serpentes e ocorrendo em 45,83% das amostras. Foram encontrados em: ambientes antrópicos (n = 7), Caatinga arbustiva (n = 4), várzea de rio (n = 2), mata próxima a canal de irrigação (n = 1) e plantação (n = 1). Três atropelamentos em estradas vizinhas foram registrados e não havia dados para um indivíduo doado a partir de uma coleção particular. Apresenta atividade noturna e diurna ao longo de todo o ano com maior abundância no mês de janeiro (n = 5). A espécie é conhecida por predar um grande espectro de presas (Henderson, 1993), mas durante este estudo encontramos somente uma ave (Passer familiaris), um lagarto Teiidae (Cnemidophorus ocellifer) e pelos de mamífero não identificado. Não registramos fêmeas ovígeras durante este estudo, mas registramos indivíduos jovens em janeiro, fevereiro e abril. Espécie muito agressiva tenta fugir lentamente à aproximação, ao ser confrontada assume a postura de "S", abre a boca, silva fortemente, e desfere botes frequentes. Quando manuseada realiza descarga cloacal, tenta morder e aplica constrição vigorosa contra o capturador, ocasionalmente regurgita conteúdo alimentar.
Epicrates assisi Machado, 1945
Apenas juvenis desta espécie semi-arborícola foram registrados na área (CRC máximo = 735 mm), mas existem registros de indivíduos com CRC de até 1.420 mm (Passos & Fernandes, 2008). Rara na área de estudo (n = 11, todos jovens), correspondendo a 1,73% da abundância total de serpentes e ocorrendo em 33,33% das amostras. Mais frequentemente encontradas em ambientes urbanizados (n = 5), mas também registrada em várzea de rio (n = 2), plantações (n = 1) e cerrado (n = 1). Dois indivíduos foram encontrados atropelados em estradas vizinhas. Apresenta atividade predominantemente noturna e no início da manhã. Os jovens foram registrados entre janeiro e agosto, com a maior parte dos indivíduos encontrada nos meses de janeiro (n = 3) e fevereiro (n = 3), nenhum indivíduo adulto foi registrado durante o estudo. Vitt & Vangilder (1983) encontraram mamíferos, ovos e lagartos na dieta de E. assisi. Durante este estudo obtivemos a partir da análise do trato digestivo de dois indivíduos, pelos de mamíferos não identificados. Espécie é muito agressiva, assume a postura de "S" e desfere botes em abundância ao ser confrontada, quando manuseada tenta morder, realiza constrição vigorosa e realiza descarga de substâncias com mau odor pela cloaca.
Família Elapidae
Micrurus ibiboboca (Merrem, 1820)
Espécie de pequeno a médio porte (CRC médio = 595,12 mm, DP = 308,44 mm, n = 24). O maior indivíduo registrado mediu em CRC 1.185 mm, sendo o maior indivíduo conhecido para a espécie, em nossa área de estudo seis indivíduos apresentaram CRC maior que 1.000 mm, que representam os maiores indivíduos desta espécie já registrados (veja Vanzolini et al., 1980; Vitt & Vangilder, 1983, Campbell & Lamar, 1989, Uetz & Hoek, 2011). Abundância intermediária na área de estudo (n = 31) correspondendo a 4,88% do total de indivíduos e ocorrendo em 62,5% das amostras. Foi registrada em ambientes de Caatinga arbustiva (n = 6), domiciliares (n = 4), plantações (n = 4), várzea de rio (n = 4), mata próxima a canal de irrigação (n = 2) e cerrado (n = 1). Registramos o atropelamento de três espécimes em uma estrada vizinha. Apresenta atividade diurna e noturna com pico entre 9 e 11 horas da manhã (n = 7). Serpentes ativas foram localizadas ao longo de todo o ano, sem picos claramente observáveis. Sete itens alimentares foram registrados em sete indivíduos, a dieta de M. ibiboboca consiste principalmente de anfibenídeos e outros Squamata alongados (Tabela 10). A espécie é peçonhenta, apresenta a típica coloração coralina de advertência (Buasso et al., 2006), quando confrontada procura fugir em busca de abrigos subterrâneos, esconde a cabeça embaixo do corpo, ergue a cauda enrodilhada e quando manuseada debate-se vigorosamente, gira no próprio eixo e morde injetando peçonha.
Família Viperidae
Crotalus durissus (Linnaeus, 1758)
O único indivíduo desta espécie registrado na área não foi medido, mas sabe-se que se trata de uma espécie de médio a grande porte, podendo ultrapassar 1.400 mm (Sawaya et al., 2008). Muito rara na área de estudo (n = 1), representando 0,16% da abundância total e sendo registrada em 4,17% das amostras. Foi encontrada em ambiente antropizado, no interior de uma vacaria. O indivíduo foi registrado ativo no solo durante o dia no mês de julho. É registrado que esta espécie alimenta-se preferencialmente de mamíferos, podendo predar lagartos ocasionalmente (Almeida-Santos & Germano, 1996; Klauber & Greene, 1997). Espécie vivípara com ciclo reprodutivo extenso e as fêmeas podem realizar estocagem de esperma por longos períodos (Almeida-Santos & Salomão, 1997). Sawaya et al. (2008) registraram um extenso repertório defensivo para C. durissus consistindo em fuga, virar a cabeça na direção do observador, vibrar o chocalho da cauda, assumir postura de "S", realizar descarga cloacal, dar botes, morder injetando peçonha, debater-se vigorosamente, realizar achatamento do corpo, girar no próprio eixo e esguichar secreção das glândulas cloacais na direção do rosto do coletor.
DISCUSSÃO
A biodiversidade da Caatinga é ainda pouco conhecida e poucos recursos são investidos para pesquisa neste bioma (Leal et al., 2005) por isso ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas para o conhecimento da fauna de serpentes de Caatinga. Vitt & Vangilder (1983) encontraram uma fauna de 19 espécies de serpentes em um ambiente pedregoso, Rodrigues (1996) encontrou 25 espécies em dunas quaternárias e Loebmann & Haddad (2010) encontraram uma fauna de 45 espécies de serpentes em um fragmento de mata úmida inserido na Caatinga. Em comparação com os estudos realizados em fisionomia de Caatinga sensu strictu, a fauna de serpentes encontrada neste estudo (22 spp.) é formada de espécies típicas de Caatinga, apresentando uma riqueza ligeiramente superior à encontrada por Vitt & Vangilder (1983) e ligeiramente inferior à encontrada por Rodrigues (1996).
Em relação à distribuição de abundâncias, espera-se um pequeno número de espécies comuns, com a maioria das espécies sendo raras (Gaston & Fuller, 2007). Assim, a maioria das comunidades biológicas apresenta distribuição de abundâncias ajustadas ao modelo log-normal, assim como na comunidade estudada. Segundo Magurran (2004), uma distribuição de abundâncias ajustada a este modelo pode gerar várias interpretações, podendo indicar inclusive suficiência amostral caso o modelo log-normal seja utilizado como hipótese nula. O fato de a distribuição de abundâncias não se ajustar ao modelo log-série (X2 = 159,8; p < 0,001) é importante, pois é uma evidência de que a estrutura de comunidades de caatinga não é equivalente às de desertos áridos. Demonstrando que processos diferentes de colonização e adaptação ocorrem nestes ambientes.
Por muito tempo a herpetofauna da Caatinga foi considerada como sem endemismos (Vanzolini, 1974, 1976), mas hoje já se reconhece o bioma como centro de endemismo (Rodrigues, 1996). Na área de estudo registramos três espécies consideradas típicas de Caatinga: L. mossoroensis, B. sertaneja e Thamnodynastes sp.
Durante este estudo fizemos registros importantes, como os de Boiruna sertaneja que são serpentes pertencentes a um gênero raro de serpentes e que há evidências de que as populações deste gênero apresentam acentuado declínio (Pizzatto, 2005). A ocorrência desta espécie na área destaca a importância para conservação de todo o entorno da área de estudo.
Outras espécies apresentam potencial para futuros estudos de planos de conservação. Philodryas olfersii, embora seja uma espécie relativamente comum na área de estudo foi raramente encontrada em ambientes urbanizados, sendo comum em áreas menos alteradas. Espécies comuns e com potencial de indicação ambiental podem ser excelentes organismos modelos para estudos ecológicos voltados a conservação de uma área, pois podem ser mais facilmente estudadas que espécies raras (Gaston & Fuller, 2007).
AGRADECIMENTOS
Ao ICMBio pela licença concedida: 18596-1. À CAPES pela bolsa de doutorado fornecida à P.C.M.D. Mesquita, ao CNPq pela bolsa de pesquisa 303359/2009-9 concedida a S.Z. Cechin. À Castiele Bezerra, Fabrício Rodrigues e Wallony Brito pelo auxílio em campo.
Aceito em: 04/03/2013
Impresso em: 30/06/2013
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Jul 2013 -
Data do Fascículo
2013
Histórico
-
Recebido
04 Mar 2013 -
Aceito
30 Jun 2013