Open-access Tumoração retro-orbitária sugestiva de meningocele da bainha do nervo óptico

RESUMO

Meningocele da bainha do nervo óptico é uma condição extremamente rara, com poucos casos relatados na literatura. Exames de imagem revelam alargamento tubular-cístico do nervo óptico, com espessamento do mesmo. Os sintomas são muitas vezes relacionados com o comprometimento do nervo, ocasionando diminuição de lenta a acelerada da acuidade visual. O tratamento cirúrgico precoce por meio da descompressão da bainha do nervo óptico pode proporcionar melhora da função visual. Apresenta-se um caso de paciente com as características clínicas e radiológicas desta condição patológica rara. Paciente masculino, atendido no serviço com queixa de proptose do olho direito (OD) desde nascimento, com progressão nos últimos meses associada à dor. Melhor acuidade visual corrigida de conta dedos a 50 cm do OD. Olho esquerdo sem anormalidades. Ressonância Magnética de OD demonstrou formação expansiva cística de limites definidos em situação intraconal em órbita direita, em íntima relação com nervo óptico, determinando compressão, deformidade e deslocamento anterior do bulbo ocular, além de apresentar sinal semelhante ao líquor em todas as sequências obtidas. Suscitou-se hipótese diagnóstica de meningocele da bainha do nervo óptico direito e o paciente foi encaminhado para cirurgia descompressiva.

Descritores: Meningocele/diagnóstico; Nervo óptico/patologia; Neoplasias; Exoftalmia; Relatos de casos

ABSTRACT

Meningocele of the optic nerve sheath is an extremely rare condition with a few cases reported in literature. Image studies reveal tubularcystic enlargement of the optic nerve although with the same thickness. Symptoms are often related to the involvement of the optic nerve, leading from slow to accelerated decreasing of the visual acuity. The early surgical treatment is the decompression of the optic nerve sheath, which it could provide improvement of visual function. We are presenting a case report of a patient who showed clinical and radiological signs of this rare pathological condition. Male patient attended at service complaining of proptosis of right eye (OD) since birth, in progress during the last months associated to stabbing pain. Best corrected visual acuity (BCVA) of OD was movements at 50 cm far; OS showed no abnormalities. Nuclear Magnetic Resonance of the OD showed expansive formation with cystic aspect, defined boundaries, located in an intraconal situation on the right orbit cavity and in a closing anatomical relationship to the optic nerve, inducing compression, deformity and anterior displacement of this eye besides presenting signal similar to spine liquor in all sequences obtained. The first hypothesis was meningocele of right optic nerve sheath. Then, patient was referred for surgical decompression.

Keywords: Meningocele/diagnosis; Exophthalmia; Optic nerve/pathology; Neoplasms; Case reports

INTRODUÇÃO

Meningocele da bainha do nervo óptico (MBNO) é uma condição extremamente rara, com poucos casos relatados na literatura, sendo definida como uma dilatação da bainha do nervo óptico por fluido espinhal. Há uma expansão do espaço fluido cefalorraquidiano em torno do nervo óptico, sem inflamação associada, neoplasia cerebral ou orbital. Os exames de imagem revelam um alargamento tubular-cística do nervo óptico / bainha-complexo óptico, com espessamento do nervo óptico. O diagnóstico diferencial inclui tumores do nervo óptico, como meningioma, hamartoma vascular, glioma, neurofibromatose, doença de Von Hippel-Lindau, hemagioendoelioma, ou fratura crânio-orbital(1).

Os sintomas são muitas vezes relacionados com o comprometimento do nervo, ocasionando classicamente dores de cabeça ou declínio visual progressivo, lento ou acelerado(2).

Este trabalho tem por objetivo relatar o caso de um paciente cujos dados clínicos e exames de imagem são bastante sugestivos de Meningocele da bainha do nervo óptico, ressaltando as principais características dessa rara patologia.

RELATO DE CASO

Paciente masculino, 28 anos, atendido no Hospital Universitário Lauro Wanderley, com queixa de exoftalmia congênita em olho direito (OD), em progressão nos últimos meses, associada à dor em pontada esporádica. Antecedentes: pré-termo de 28 semanas, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Inspeção: Proptose de OD (figura 1); acuidade visual (AV) – OD: conta dedos a 50 cm e 20/20 (1,0); OE (-4,50 D -1,00D 170º). Bio – OD: Catarata cortical 2+/4; OE: sem anormalidades. FO – OD: Polo posterior coroidótico, com atrofia óptica importante em extensa área do epitélio pigmentar da retina associada à área de hiperpigmentação adjacente ao disco óptico; OE: relação escavação/disco aumentada, brilho macular característico, arcadas vasculares de conformidade habitual e retina aplicada. Pio – OD: inviável, OE: 12mmHg.

Figura 1:
Paciente em exame oftalmológico inicial, durante inspeção, demonstrando proptose ocular em OD

A ultrassonografia de OD demonstrou lesão cística, retro-orbitária, em topografia de nervo óptico, sendo então solicitados outros exames complementares. A tomografia computadorizada (TC) demonstrou sistema ventricular com dimensões, morfologia e topografia normais, cisternas basais de aspecto normal, estruturas encefálicas com densidade radiográfica normal, observando-se espessamento fusiforme do nervo óptico direito, associado à exoftalmia homolateral, não havendo alteração do canal óptico, nem no percurso intracraniano do nervo óptico. A ressonância magnética nuclear (RMN) em OD demonstrou formação expansiva de aspecto cístico, de limites definidos e paredes finas localizada em situação intraconal em órbita direita, com íntima relação anatômica com a topografia do nervo óptico, determinando compressão, deformidade e deslocamento anterior do bulbo ocular homolateral, além de apresentar sinal semelhante ao líquor em todas as sequências obtidas de tamanho 3,4 x 3,2 x 3,1 cm (figuras 2, 3 e 4).

Figura 2:
Corte axial, pré-contraste, pesado em T1, mostrando isossinal da lesão expansiva, levando à proptose de OD
Figura 3:
Corte axial da RNM, sequência pesada em T1 com saturação de gordura; lesão com hipossinal após uso de contraste paramagnético, destacando dilatação importante da bainha do nervo óptico, com consequente proptose de OD
Figura 4:
Corte axial, sequência pesada em T2, com saturação de gordura; lesão hipersinal demonstrando dilatação importante da bainha do nervo óptico

Não houve impregnação anômala significativa do meio de contraste paramagnético (gadolínio) nas paredes ou no interior da lesão. A musculatura ocular extrínseca encontrava-se deslocada pela referida formação, determinando compressão, deformidade e proptose do bulbo ocular OD. Sendo muito característica, suscitou-se como primeira hipótese diagnóstica meningocele da bainha do nervo óptico direito.

O paciente foi então encaminhado para cirurgia descompressiva, retornando oito meses após o procedimento cirúrgico, sem queixa de dor ou cefaléia, contudo relatando persistência de baixa acuidade visual em OD. Foi observado, ao exame físico em OD, melhora significante na proptose ocular, porém com persistência de acuidade visual corrigida de movimentos de mãos, esotropia, reflexo fotomotor direto e consensual ausente; Surgimento de lesão corneana conjuntivalizada, quadrante temporal superior da córnea, estendendo-se até próximo ao eixo visual (figura 5). O laudo anatomopatológico demonstrou que a peça retirada tratava-se de “tecido fibroadiposo típico hialinizado sem revestimento epitelial, compatível com parede de lesão cística benigna”.

Figura 5:
Paciente ao exame físico pós-cirurgia, à inspeção, demonstra redução importante da proptose ocular em OD

DISCUSSÃO

Segundo Garrity et al.(2), a patologia em questão surge a partir do espaço subaracnoideo perineural do nervo óptico, e deve ser diferenciado do acúmulo congênito de fluido cefalorraquidiano (LCR) no espaço subaracnoideo perióptico. Em tais casos, a lesão resulta de um fluxo de LCR anormal através de um divertículo dentro da membrana aracnoideia. Relatam ainda os casos de 13 pacientes com MBNO, sendo a visão turva e cefaleia os principais sintomas apresentados.

Lunardi et al.(1) fizeram uma revisão bibliográfica, encontrando apenas cerca de 31 casos de MBNO em toda literatura, e descrevem a patologia como cistos primários da bainha do nervo óptico, sem massa apical ou malformação da junção crânio-orbital. Os sintomas apresentados são muitas vezes relacionados com o envolvimento do nervo óptico, com uma diminuição lenta ou rápida da acuidade visual. Exames complementares, como TC e RM revelam um alargamento tubular-cístico da bainha do nervo óptico, com espessamento do mesmo. Os autores sugerem que a intervenção cirúrgica precoce por meio de descompressão da bainha do nervo óptico possibilita uma melhora da função visual com mínima morbidade em pacientes que apresentam uma diminuição rápida da acuidade visual dentro de 3-6 meses.

Shanmuganathan et al.(3) relatam o caso de um adulto, 59 anos, com proptose bilateral simétrica e queixa de baixa acuidade visual progressiva, associado a dor retro-orbital e, posteriormente, à edema macular cistoide (EMC) no OD. A RNM revelou dilatação bilateral da bainha do nervo óptico e alargamento, mas com tamanho normal dos nervos ópticos. Descrevem que o EMC pode ser causado por uma força tracional da meningocele sobre o globo ocular e que o papel do aumento da pressão intracraniana (PIC) ainda não está clara na etiologia da doença, pois apenas alguns dos casos relatados tiveram aumento da PIC, medida por punção lombar. Concluem ainda que a rápida descompressão cirúrgica da bainha do nervo óptico sempre deve ser considerada, em caso de perda visual progressiva.

Mesa-Gutiérrez et al.(4) relatam o caso de um paciente, 53 anos, com MBNO associado à hipertensão intracraniana, contudo com acuidade visual corrigida para 20/20 (1,0), com +2,00D no exame inicial. O diagnóstico foi confirmado apenas por exames complementares. Na RNM, foi identificada dilatação da bainha do nervo óptico causada por líquido de características condizentes com fluido cefalorraquidiano. Não havia alterações dos nervos ópticos, como também não houve evidência de tumor cerebral ou em órbita. A punção lombar foi realizada com pressão de abertura de 22 mmHg e análise química do líquor foi normal. Após avaliação neurocirúrgica, o paciente foi tratado apenas clinicamente com acetazolamida por três meses, mantendo-se estável ao longo de 24 meses de seguimento. Em todos os exames de acompanhamento, a função do nervo estava normal, com uma acuidade visual de 20/20 sem correção óptica, após tratamento. Os autores concluem que a intervenção cirúrgica deve ser reservada para casos graves, com dor, proptose considerável, ou rápida e progressiva queda da acuidade visual.

Spooler et al.(5) descrevem um caso de uma criança com anomalias congênitas múltiplas, incluindo MBNO unilateral com rápida expansão e deslocamento da órbita lateral, resultando em deformidade estética severa e cegueira completa do olho esquerdo, que foi tratado com descompressão cirúrgica. Os autores retificam ainda que a descompressão cirúrgica é o tratamento padrão, com melhora ou parada de progressão na maioria dos casos.

CONCLUSÃO

O presente caso relata a presença de uma lesão retro-orbitária em situação intraconal e relacionada anatomicamente de forma íntima ao nervo, fortemente sugestiva de meningocele da bainha do nervo óptico. O diagnóstico pode ser dado através de imagem da RMN e, mesmo que pendente de confirmação anatomopatológica, fica consistente a conduta investigativa, além da indicação de cirurgia descompressiva, em casos selecionados, excepcionalmente diante de evolução rápida e com iminente comprometimento funcional e anatômico das estruturas circunvizinhas(4). Concluindo, demonstrase por meio deste caso, a importância de lembrar desta entidade, mesmo diante da raridade da doença.

REFERÊNCIAS

  • 1 Lunardi P, Farah JO, Ruggeri A, Nardacci B, Ferrante L, Puzzilli F. Surgically verified case of optic sheath nerve meningocele: case report with review of the literature. Neurosurg Rev. 1997;20(3):201-5.
  • 2 Garrity JA, Trautman JC, Bartley GB, Forbes G, Bullock JD, Jones TW Jr, et al. Optic nerve sheath meningoceles. Clinical and radiographic features in 13 cases with a review of the literature. Ophthalmology. 1990;97(11):1519-31. Comment in Ophthalmology. 1991;98(5):562.
  • 3 Shanmuganathan V, Leatherbarrow B, Ansons A, Laitt R. Bilateral idopathic optic nerve sheath meningocele associated with unilateral transient cystoid macular oedema. Eye (Lond). 2002;16(6):800-2.
  • 4 Mesa-Gutiérrez JC, Quiñones SM, Ginebreda JA. Optic nerve sheath meningocele. Clin Ophthalmol. 2008;2(3):661-8.
  • 5 Spooler JC, Cho D, Ray A, Zouros A. Patient with congenital optic nerve meningocele presenting with left orbital cyst. Childs Nerv Syst. 2009;25(2):267-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Jul 2012
  • Aceito
    31 Mar 2013
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