Open-access Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada: Avaliação da fase da doença na qual os pacientes recebem o primeiro atendimento em serviço especializado

Resumo

Objetivo:  Avaliar em qual fase da síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) os pacientes recebem o primeiro atendimento em serviço especializado.

Métodos:  Foram analisados prontuários de 14 pacientes atendidos no Setor de Uveítes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ no período de janeiro de 2014 a março de 2017. Nesta análise, foram observados o sexo, a idade, a fase da doença e a acuidade visual destes pacientes com ao menos doença provável da SVKH.

Resultados:  Observamos que 35,4% dos pacientes apresentavam a doença ainda na fase uveítica e que 78,5% destes pacientes apresentava acuidade visual igual ou pior que 0,05. Destes pacientes, 78,5% eram do sexo feminino e 21,5% do sexo masculino e a mediana de idades foi de 34 anos.

Conclusão:  Os pacientes analisados obtiveram dificuldade em ter acesso precoce a um setor especializado, afetando assim, diretamente o tratamento e prognóstico visual.

Descritores: Síndrome uveomeningoencefálica; Uveíte; Panuveíte/epidemiologia; Panuveíte/ prevenção & controle; Transtornos da visão/ prevenção & controle

Abstract

Objective:  To evaluate in which phase of Vogt-Koyanagi-Harada (VKH) syndrome the patients receive the first attendance in specialized service.

Methods:  A retrospective study was conduted to evaluate medical records of 14 patients with VKH in the Clementino Fraga Filho University Hospital of the Federal University of Rio de Janeiro from January 2014 to March 2017. In this analysis, gender, age, stage of disease and visual acuity of these patients with at least probable VKH were recorded.

Results:  Of these patients, 78.5% were female and 21.5% male and the median age was 34 years. We observed that 35.4% of the patients had the disease still in the uveitic phase and that 78.5% of these patients had visual acuity equal to or worse than 0.05.

Conclusion:  There is a delay in the admission of these patients to a specialized sector, thus affecting directly the treatment and visual prognosis.

Keywords: Uveomeningoencephalitic syndrome; Uveitis; Panuveitis/epidemiology; Panuveitis/prevention & control; Vision disorders/prevention & control

Introdução

A Síndrome de Vogt – Koyanagi – Harada (SVKH) é uma doença sistêmica granulomatosa que tem como alvo órgãos e tecidos ricos em melanócitos, tais como olho, ouvido interno, meninges, pele e cabelos.1 Também conhecida como síndrome úveomeningoencefálica, possui como marco do acometimento ocular uma panuveíte bilateral severa associada a descolamento seroso da retina. A SVKH é dividida em quatro fases distintas: prodrômica, que antecede a inflamação ocular em 3 a 5 dias, se extende por 1 a 2 semanas,2,3 mimetiza uma infecção viral e, apresenta como características: febre, cefaléia, dor orbitária, fotofobia, zumbido, meningismo e pleocitose liquórica; uveítica (aguda), que se inicia 3 a 5 dias após a fase prodrômica e dura semanas a meses, na qual há inflamação difusa da coróide, responsável pelo subsequente acúmulo de líquido subretiniano, característico desta fase da doença, e variável extensão da inflamação, geralmente granulomatosa, para o segmento anterior; a fase de convalescência segue gradualmente com regressão da inflamação e despigmentação da úvea e pele; este estágio quiescente é interrompido em 17 a 73% dos casos pela fase crônica da doença, apresentando-se majoritariamente como uveíte anterior recorrente.1-5 O diagnóstico é eminentemente clínico, e, devido a grande variação na apresentação clínica da doença, o Comitê Internacional de Nomenclatura propôs, em 2001,6 critérios diagnósticos revisados que categorizam os pacientes em SVKH completa, incompleta ou provável (Quadro 1). O prognóstico da SVKH é considerado bom, com 60% dos pacientes obtendo acuidade visual (AV) melhor que 0,5, e está diretamente relacionado ao diagnóstico e tratamento precoces.1,5,7

Quadro 1
Critérios diagnósticos revisados da Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada. A forma completa consiste na presença dos critérios de 1 a 5. Na doença incompleta, critérios de 1 a 3 e 4 ou 5 devem estar presentes. Na doença provável, temos a doença ocular isolada com a presença apenas dos critérios 1 a 3.6

Objetivo

Analisar em qual estágio da doença, os pacientes com Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada (SVKH) receberam o primeiro atendimento em uma unidade especializada.

Métodos

Estudo observacional, transversal, retrospectivo, realizado através da análise de 14 prontuários dos pacientes com SVKH atendidos no setor de Uveítes do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no período de janeiro de 2014 a março de 2017. Foram incluídos neste estudo pacientes que possuíam ao menos doença provável de acordo com os critérios estabelecidos no primeiro workshop internacional da doença de Vogt-Koyanagi-Harada. Pacientes com traumas ou cirurgias oculares que antecederam o quadro de uveíte, com evidências clínicas ou laboratoriais sugestivas de outras doenças oculares ou ainda que não apresentassem o envolvimento ocular bilateral característico da doença, não foram englobados neste estudo.

Os pacientes que preencheram os critérios de inclusão foram avaliados com relação ao primeiro atendimento, idade, sexo, acuidade visual e fase da doença à época desta primeira consulta.

Para avaliação da acuidade visual, esta foi dividida em 3 grupos: visão melhor do que 0,3, entre 0,3 e 0,05 e igual ou inferior a 0,05.

A doença foi dividida nas fases prodrômica, uveítica, convalescente ou crônica. A divisão dos pacientes entre os estágios foi realizada através da história e exame clínico associado aos exames complementares solicitados de acordo com cada caso.

Resultados

A tabela 1 apresenta o resultado da análise individual de cada prontuário analisado.

Tabela 1
Resultados encontrados na avaliação dos 14 pacientes estudados, separados por sexo, idade, fase da doença e acuidade visual

Dos 14 pacientes, 11 (78,5%) eram mulheres, e 3 (21,5%) eram homens, com idade mediana de 34 anos (7 a 56 anos).

Cinco (35,7%) pacientes receberam o primeiro atendimento durante a fase uveítica da doença, 6 (42,8%) pacientes se encontravam na fase de convalescência e 3 (21,5%) na fase crônica.

Em relação à acuidade visual, 11 (39%) olhos tinha visão igual ou inferior a 0,05, outros 5 (18%) olhos apresentavam visão entre 0,3 e 0,05 e 12 (43%) olhos com visão melhor do que 0,3.

Discussão

A SVKH, representa 2 a 13% dos atendimentos em serviços especializados no Brasil.8-10 As mulheres são comumente mais afetadas, em uma proporção de 2 para 1 em relação ao sexo masculino e a faixa etária mais acometida encontra-se entre a terceira e a sexta década de vida.1,2 População semelhante a esta descrita foi encontrada neste trabalho, com um predomínio de mulheres e com mediana de idade de 34 anos.

Durante a fase prodrômica, o caráter sistêmico da doença, pode levar o paciente a não procurar inicialmente um médico oftalmologista. Nesta fase o desconhecimento da doença e a dificuldade diagnóstica são fatores que dificultam o início do tratamento precoce.

Apesar da baixa visual e outros sintomas oftalmológicos serem característicos da fase uveítica, podemos observar neste trabalho que mais da metade dos pacientes nesta fase não tiveram acesso a um serviço oftalmológico especializado.

Fatores relacionados à doença e suas complicações, como uma pior acuidade visual ao início da doença, em um estágio mais avançado, maior número de recorrências, com manifestações extraoculares, além de sinéquias, glaucoma e catarata associados, estão relacionados a um pior prognóstico visual.11-13

Fatores relacionados ao paciente, como início do quadro em pacientes mais jovens13,14 e presença do gene HLA-DRB1*0405,4,15 além de fatores relacionados ao tratamento como demora a iniciá-lo,11,12 duração do tratamento menor do que 9 meses12 e uso de doses de corticoesteroides que não permitam o controle eficaz da inflamação14,16 também estariam relacionados a um pior prognóstico.

Dentre os fatores citados, os modificáveis a fim de se obter um melhor prognóstico final, relacionam-se com um diagnóstico e início de tratamento precoce, além de uma abordagem terapêutica correta.

Conclusão

Como dificilmente o paciente com SVKH será avaliado por um oftalmologista durante a fase prodrômica da doença, o paciente deve ser diagnosticado ainda na fase uveítica, já que o tratamento precoce interfere no prognóstico.

Nossos resultados demonstram um atraso na referência da atenção básica à atenção terciária. As dificuldades diagnósticas de uma doença incomum e de referência no Sistema Único de Saúde são hipóteses para justificar o resultado encontrado. Portanto, é imprescindível aperfeiçoar o atendimento na unidade básica, a fim de preservar a função visual e evitar complicações em uma população jovem e economicamente ativa, garantindo a qualidade de vida destes pacientes e um menor impacto socioeconômico para a sociedade.

  • Trabalho realizado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2017
  • Aceito
    12 Dez 2017
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