Acessibilidade / Reportar erro

Custo-utilidade do tratamento primário não farmacológico do glaucoma de ângulo aberto

Cost-utility of primary non-pharmacological treatment of open-angle glaucoma

RESUMO

Objetivo:

Avaliar o impacto econômico de iniciar o tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto com estratégias não farmacológicas nos centros de referência para o tratamento do glaucoma no Sistema Único de Saúde.

Métodos:

A população foi oriunda de uma coorte hipotética de pacientes aos 60 anos de idade, portadores de glaucoma primário de ângulo aberto inicial. A estratégia 1 se baseou apenas em uso de colírios. As estratégias 2 e 3 tiveram como tratamento inicial a trabeculoplastia seletiva a laser. Na estratégia 2, após a falência do laser, foi realizado o implante de dispositivo trabecular (iStent inject®), seguido de uso de colírios. A estratégia 3 iniciou-se com o tratamento medicamentoso logo após a falência do laser. O modelo desenvolvido foi o de Markov. Foi usada a razão de custo-utilidade incremental como medida de desfecho.

Resultados:

As estratégias 2 e 3 geraram ganho de qualidade de vida e foram dominantes em relação à estratégia 1, sendo mais efetivas e baratas. Porém a relação custo-efetividade da estratégia 2 sofreu um impacto significativo, de acordo com a idade de entrada no modelo.

Conclusão:

As estratégias não farmacológicas do glaucoma primário de ângulo aberto inicial foram custo-efetivas sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde em um horizonte da expectativa de vida da população.

Descritores:
Glaucoma e ângulo aberto; Análise custo-benefício; Qualidade de vida; Sistema Único de Saúde; Brasil

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the economic impact of starting the treatment of primary open angle glaucoma with non-pharmacological strategies within the scope of reference centers for the treatment of glaucoma in the Unified Health System.

Methods:

The population of this study comes from a hypothetical cohort of patients aged 60 years with initial primary open angle glaucoma. The reference strategy (strategy 1) is based only on the use of eye drops, following the guidelines of the clinical protocol of the Brazilian Ministry of Health. Strategies 2 and 3 have the same initial treatment, with selective laser trabeculoplasty. In strategy 2, after laser failure, a trabecular device (iStent inject®) is implanted, followed by the use of eye drops as needed, and in strategy 3, it starts with the drug treatment right after the failure of the laser. The model developed for the cost-utility analysis was the Markov model. The incremental cost-utility ratio was used as an outcome measure.

Results:

Strategies 2 and 3 generated a gain in quality of life and were dominant over strategy 1, being at the same time more effective and less costly in relation to clinical treatment. The two non-pharmacological strategies (2 and 3) proved to be cost-effective; however, the cost-effectiveness of strategy 2 suffers a significant impact according to the age of entry into the model.

Conclusion:

It is concluded that the initial non-pharmacological treatment strategies of the initial primary open angle glaucoma are cost-effective from the perspective of the Unified Health System in a horizon of the life expectancy of the population.

Keywords:
Glaucoma, open-angle; Costbenefit analysis; Quality of life; Unified Health System; Brazil

INTRODUÇÃO

O glaucoma é considerado uma doença genética e crônica, em que se observam mudanças estruturais no nervo óptico e a consequente perda de campo visual, levando à cegueira.(11 Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014;311(18):1901-11) Estudos recentes sugerem que o glaucoma afeta cerca de 3% das pessoas acima de 40 anos e estima-se que, em 2040, existam 118,8 milhões de pessoas com glaucoma.(22 Kang JM, Tanna AP. Glaucoma. Med Clin North Am. 2021;105(3):493-510.,33 Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.)

Alguns estudos de prevalência estimam que o glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) sofrerá aumento de 50% em todo o mundo, indo de 52,7 milhões, em 2020, para 79,8 milhões, em 2040, de acordo com a idade.(44 Gedde SJ, Vinod K, Wright MM, Muir KW, Lind JT, Chen PP, Li T, Mansberger SL; American Academy of Ophthalmology Preferred Practice Pattern Glaucoma Panel. Primary Open-Angle Glaucoma Preferred Practice Pattern®. Ophthalmology. 2021;128(1):P71-150.)

De acordo com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas, o tratamento usual do glaucoma inicial é realizado por meio de colírios antiglaucomatosos, porém alguns estudos mostram a possibilidade de se iniciar tal tratamento com a trabeculoplastia a laser (SLT, (selective laser trabeculoplasty).(55 Gazzard G, Konstantakopoulou E, Garway-Heath D, Garg A, Vickerstaff V, Hunter R, Ambler G, Bunce C, Wormald R, Nathwani N, Barton K, Rubin G, Buszewicz M; LiGHT Trial Study Group. Selective laser trabeculoplasty versus eye drops for first-line treatment of ocular hypertension and glaucoma (LiGHT): a multicentre randomised controlled trial. Lancet. 2019;393(10180):1505-16. doi: 10.1016/S0140-6736(18)32213-X. Erratum in: Lancet. 2019;394(10192):e1.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32...
) O tratamento clínico, além dos efeitos colaterais, gera alto custo para os pacientes e o sistema de saúde. Assim, cada vez mais, a indicação de terapias não farmacológicas, como a SLT ou até mesmo as cirurgias filtrantes, vem sendo realizada de forma mais precoce.(66 Guedes VM, Guedes RA. Les chirurgies filtrantes du glaucome comme la première indication de traitement chez la population pauvre du Brésil. 2000. Anais […] Paris, 2000.,77 Anand A, Negi S, Khokhar S, Kumar H, Gupta SK, Murthy GV, et al. Role of early trabeculectomy in primary open-angle glaucoma in the developing world. Eye (Lond). 2007;21(1):40-5.)

O implante de dispositivo trabecular (iStent inject®), já aprovado para uso nos centros de referência do glaucoma, visa melhorar a segurança e a previsibilidade do tratamento. É possível realizá-lo de maneira custo-efetiva, como alternativa de segunda linha de tratamento, após a falha do primeiro medicamento.(88 Guedes, RAP, Souza CP, Dias LLS, Murta L, Gravina DM, Chaoubah A. A Brazilian cost-utility analysis of trabecular micro-bypass with iStent inject® for the treatment of open-angle glaucoma. Rev Bras Oftalmol 2022;81:e0049.)

Os custos relacionados ao tratamento do GPAA impactam na economia da sociedade e da saúde pública, e seu estudo auxilia a formulação de políticas de saúde e, consequentemente, proporciona melhoria para a economia pública e da sociedade.(99 Real JP, Lafuente MC, Palma SD, Tártara LI. Direct costs of glaucoma: Relationship between cost and severity of the disease. Chronic Illn. 2020;16(4):266-274.)

Assim, os estudos econômicos em saúde são uma opção para realizar as tomadas de decisões perante novas estratégias de tratamentos e diagnósticos, que apresentam custos cada vez mais crescentes na área da saúde, devido à escassez de recursos.(1010 Freitas S. Avaliação econômica do tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto: Um estudo de custo-utilidade sob a perspectiva da sociedade [disertação]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019.) Dentre os estudos de avaliação econômica existentes, o estudo de custo-efetividade possui grande relevância, por avaliar no mesmo período de tempo os custos e a efetividade da intervenção em saúde. A efetividade, quando medida em qualidade de vida (ano de vida ajustado pela qualidade, QALY, do inglês quality-adjusted life-year), o estudo passa a se chamar custo-utilidade.(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas - diretriz de avaliação econômica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [cited 20 Nov. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_diretriz_avaliacao_economica.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
)

O objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto econômico de se iniciar o tratamento do GPAA com estratégias não farmacológicas no âmbito dos centros de referência para o tratamento do glaucoma no Sistema Único de Saúde (SUS).

MÉTODOS

A população deste estudo foi oriunda de uma coorte hipotética de pacientes aos 60 anos de idade, portadores de GPAA inicial, em tratamento nos centros de referência do glaucoma no SUS. Define-se o glaucoma como a associação de defeito campimétrico no campo visual com uma neuropatia óptica glaucomatosa, em que o estágio inicial possui índice MD (mean deviation) da perimetria de Humphrey >-6dB, o estágio moderado apresenta MD entre −6dB e −12dB, e, por fim, o estágio avançado com MD <-12dB.(1212 Hodapp E, Parrish RK, Anderson DR. Clinical decisions in glaucoma. St. Louis: Mosby; 1993.)

O ambiente da pesquisa é o sistema de saúde público brasileiro, no qual o tratamento habitual do glaucoma inicial é prioritariamente realizado de forma farmacológica.

Tem-se a perspectiva dos custos por meio do SUS como financiador (pagador), de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde. Esses custos são aqueles pagos aos prestadores de serviços e aos centros de referência para tratar o glaucoma no SUS e incluem os custos diretos médicos (consultas, exames e cirurgias). Os custos diretos não médicos e os indiretos não foram incluídos.

As alternativas que foram estudadas e comparadas nesse estudo são descritas a seguir. A estratégia de referência, ou estratégia 1, seguirá o Protocolo Cínico de Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de glaucoma do SUS, no qual se inicia o tratamento com maleato de timolol 0,5% (primeira linha); caso haja falência em atingir a pressão intraocular (PIO)-alvo, um segundo medicamento é adicionado à estratégia, o cloridrato de dorzolamida 2% (segunda linha); se, mesmo assim, a falência persistir, uma terceira classe é associada, a prostaglandina (terceira linha). Se, após a associação das três linhas de medicamentos, a PIO ainda não alcançar seu alvo, o próximo passo é intervenção cirúrgica com trabeculectomia (TREC).(1313 Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas Glaucoma. Relatório de recomendação. Brasília, [s.n.], 2018 [citado 2022 Mar 22]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/protocolos-clinicos-e-diretrizes-terapeuticas-pcdt/arquivos/2018/glaucoma-pcdt.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
)

As estratégias 2 e 3 possuem o mesmo início de tratamento, com laser (SLT) em ambos os olhos no primeiro ano. Caso seja necessário, é permitido repetir o laser mais uma vez. Ao se iniciar dessa maneira, busca-se melhorar a qualidade de vida do paciente, reduzindo o número de medicamentos para glaucoma, seus custos e efeitos colaterais. O que difere as duas estratégias é a opção terapêutica após a SLT: a estratégia 2 propõe uma tentativa cirúrgica com dispositivo iStent inject® e, se houver falha dessas três etapas, seguem-se os passos da estratégia 1; já de acordo com a estratégia 3, logo após o segundo laser SLT, iniciam-se as recomendações da estratégia 1.

O horizonte de tempo da avaliação é a expectativa de vida média para a população brasileira, de acordo com a tábua de vida do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os custos das intervenções foram extraídos do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos (SIGTAP) do SUS(1414 Brasil. Ministério da Saúde. Tabela SIGTAP. 2022 [cited 20 Nov. 2022]. Disponível em: http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma
http://www.conass.org.br/notastecnicas/N...
) e obtidos de acordo com os parâmetros dos Centros de Referência de Glaucoma do SUS(1515 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Oftalmologia - Tratamento do Glaucoma. 2011. Disponível em: http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma. Acesso em: 1 mar. 2022.
http://www.conass.org.br/notastecnicas/N...
).

Em relação à efetividade das intervenções, sua medição foi realizada por meio do QALY, em que a preferência do paciente por diferentes estados de saúde é a base para medir a qualidade de vida. Seguiram-se os valores de utilidade para um grupo específico de pacientes brasileiros com GPAA sugeridos por Paletta Guedes et al.(1616 Paletta Guedes RA, Paletta Guedes VM, Freitas SM, Chaoubah A. Utility values for glaucoma in Brazil and their correlation with visual function. Clin Ophthalmol. 2014;8:529-35.) Os valores monetários neste estudo estão expressos em Reais (R$) e dizem respeito ao ano de 2022.

O modelo desenvolvido para a análise de custo-utilidade foi o de Markov, o qual apresenta os estágios: (1) glaucoma inicial, (2) glaucoma moderado, (3) glaucoma avançado, (4) cegueira e (5) morte. O primeiro estágio é o de entrada no modelo (toda a coorte hipotética entra com 60 anos de idade) e o quinto é o terminal. De acordo com as probabilidades de transição, a cada ano que passa, os pacientes da coorte hipotética podem continuar no mesmo estágio ou progredir para o estágio seguinte. Como o caminho a ser percorrido pelos pacientes que evoluíram não pode ser retornado a estágios anteriores, tampouco pular estágios, os pacientes devem seguir o seguinte caminho: de glaucoma inicial para o moderado, de glaucoma moderado para avançado, e de glaucoma avançado para cegueira. Os pacientes em qualquer estágio de 1 a 4 podem evoluir para o estágio 5 (morte) sem passar pelos outros estágios, de acordo com a probabilidade anual de morte para a população brasileira.(1717 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tábuas de vida. Brasília (DF): IBGE; 2022. [citado 2022 Mar 22] Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2013/default.shtm.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
) O modelo de Markov foi o escolhido para esta pesquisa, com base nas características da patologia em estudo, por ser uma doença crônica e com custos recorrentes e crescentes.

De acordo com o estudo EMGT (Early Manifest Glaucoma Trial), cada 1mmHg de redução da pressão equivale a 9,53% de redução da taxa de progressão do campo visual.(1818 Heijl A, Leske MC, Bengtsson B, Hyman L, Bengtsson B, Hussein M; Early Manifest Glaucoma Trial Group. Reduction of intraocular pressure and glaucoma progression: results from the Early Manifest Glaucoma Trial. Arch Ophthalmol. 2002;120(10):1268-79.) As probabilidades de transição da redução da progressão do campo visual foram baseadas na capacidade de redução pressórica de cada estratégia, e isso foi obtido de evidências da literatura.(1919 Li T, Lindsley K, Rouse B, Hong H, Shi Q, Friedman DS, et al. Comparative Effectiveness of First-Line Medications for Primary Open-Angle Glaucoma: A Systematic Review and Network Meta-analysis. Ophthalmology. 2016;123(1):129-40.

20 Wong MO, Lee JW, Choy BN, Chan JC, Lai JS. Systematic review and meta-analysis on the efficacy of selective laser trabeculoplasty in open-angle glaucoma. Surv Ophthalmol. 2015;60(1):36-50.

21 Jang HJ, Yu B, Hodge W, Malvankar-Mehta MS. Repeat selective laser trabeculoplasty for glaucoma patients: a systematic review and meta-analysis. J Curr Glaucoma Pract. 2021;15(3):117-24.
-2222 Healey PR, Clement CI, Kerr NM, Tilden D, Aghajanian L. Standalone iStent trabecular micro-bypass glaucoma surgery: a systematic review and meta-analysis. J Glaucoma. 2021;30(7):606-20.)

Utilizou-se no estudo a razão de custo-utilidade incremental (RCUI) como medida de desfecho, na qual se evidencia o custo incremental por benefício atingido (R$/QALY). Os custos e a efetividade tiveram desconto de 5%, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde.(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas - diretriz de avaliação econômica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [cited 20 Nov. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_diretriz_avaliacao_economica.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
)

Para as variáveis com maior impacto no resultado, o diagrama de Tornado foi utilizado para testar a robustez do modelo, por meio da análise de sensibilidade univariada.

O programa Microsoft Excel 2010 foi utilizado para a coleta de dados, e o software TreeAge Pro 2011 Health Care (Tree Age Software, Williamstown, Massachusetts, Estados Unidos) para a análise de custo-utilidade.

RESULTADOS

As tabelas 1, 2 e 3 mostram os parâmetros utilizados na construção do modelo de Markov. Os custos associados a cada recurso médico utilizado no modelo de referência estão apresentados na tabela 1. Já os custos de cada estágio evolutivo do glaucoma, de acordo com as estratégias, estão disponibilizados na tabela 2. A tabela 3 mostra os valores de utilidade para cada estado de saúde.

Tabela 1
Recursos utilizados e custos associados utilizados no modelo
Tabela 2
Custo de cada estágio evolutivo do glaucoma, de acordo com as estratégicas usadas
Tabela 3
Valores utilidades para cada estágio do modelo

As probabilidades de transição entre os estados de saúde foram extraídas da literatura.

A figura 1 mostra a curva de progressão de cada estratégia estudada, sendo possível observar que a estratégia 1 possui progressão do campo visual mais rápida quando comparada às outras estratégias.

Figura 1
Curva de progressão do campo visual em cada estratégia.

Os resultados dos custos, os ganhos em qualidade de vida e a razão de custo-utilidade para cada estratégia de tratamento do GPAA são apresentados na tabela 4.

Tabela 4
Custos totais, utilidades (ano de vida ajustado pela qualidade) e análise de custo-utilidade.

A análise de sensibilidade é demonstrada no diagrama de tornado (Figura 2), evidenciando variáveis mais influentes no resultado.

Figura 2
Análise de sensibilidade pelo diagrama de Tornado.

Como a variável que mais influenciou o resultado é a idade de entrada no modelo, foi realizada uma análise de sensibilidade específica para idade (Tabela 5), mostrando o impacto que a idade de entrada tem no resultado de custo efetividade.

Tabela 5
Análise univariada da razão de custo-utilidade incremental das diferentes estratégias, de acordo com a idade de entrada no modelo

DISCUSSÃO

De acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde, os estudos de custo-efetividade e custo-utilidade direcionam as tomadas de decisões por parte dos gestores, médicos e pacientes. Os estudos de custo-utilidade são importantes, pois avaliam tanto os custos como a qualidade de vida relacionados a uma determinada doença.(2525 Guedes RA, Guedes VM, Chaoubah A. Cost-effectiveness in glaucoma. Concepts, results and current perspective. Rev Bras Oftal. 2016;75(4):336-41.)

Guedes et al. analisaram a relação de custo-utilidade do tratamento clínico e do tratamento a laser em pacientes com GPAA inicial na perspectiva do SUS e concluíram que, ao se iniciar o tratamento com laser, a razão custo-utilidade incremental apresenta-se mais baixa quando comparada ao se iniciar o tratamento com colírio.(2626 Guedes RA, Guedes VM, Gomes CE, et al. “Cost-utility of primary open-angle glaucoma in Brazil”, Revista Brasileira de Oftalmologia, v. 75, n. 1, p. 7–12, 2016. DOI: 10.5935/0034-7280.20160002.
https://doi.org/10.5935/0034-7280.201600...
)

O estudo LiGHT, realizado por 6 anos por Gazzard et al., observou que iniciar o tratamento do GPAA com terapia a laser é mais econômico do que iniciar com colírios, além de apresentar taxas estatisticamente mais baixas de progressão da doença. Com esses resultados, as diretrizes internacionais sobre glaucoma tem sido atualizadas e agora listam a SLT como tratamento inicial de primeira linha para GPAA.(2727 Gazzard G, Konstantakopoulou E, Garway-Heath D, Nathwani N, Barton K; LiGHT Trial Study Group. “LiGHT trial: 6-year results of primary selective laser trabeculoplasty versus eye drops for the treatment of glaucoma and ocular hypertension”, Ophthalmology. 2022.)

Guedes et al. avaliaram a relação custo-utilidade do iStent inject® para o tratamento do GPAA inicial sob a perspectiva do SUS e concluíram que esse procedimento melhora a qualidade de vida do paciente com um custo adicional, que garante o benefício proporcionado a eles. Seus resultados foram considerados custo-efetivos ao se comparar uma sequência de tratamento inicial com colírio.(88 Guedes, RAP, Souza CP, Dias LLS, Murta L, Gravina DM, Chaoubah A. A Brazilian cost-utility analysis of trabecular micro-bypass with iStent inject® for the treatment of open-angle glaucoma. Rev Bras Oftalmol 2022;81:e0049.)

As evidências na literatura são abundantes mostrando que a SLT, quando realizada logo quando o paciente recebe o diagnóstico de GPAA, é custo-efetiva. No entanto, não existem trabalhos avaliando a realização de cirurgia de implante micro-bypass trabecular iStent inject® após a falha do laser. Assim, este estudo preenche uma lacuna e apresenta um parâmetro de custo-utilidade dessa estratégia terapêutica.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma estratégia é considerada custo-efetiva quando ela é, ao mesmo tempo, mais barata e mais efetiva que seu comparador (dominante) ou quando seu custo por QALY ganho é inferior ao valor de três vezes o Produto Interno Bruto per capita da região.(2828 Centre NC, Care A. “Glaucoma: diagnosis and management of chronic open angle glaucoma and ocular hypertension (NICE clinical guideline 85)”, Health (San Francisco), n. April, 2009.) No Brasil, para considerar uma estratégia custo-efetiva o limite é de R$105.485,00/benefício.(2929 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que é PIB. Brasíia, DF: IBGE; 2022 [citado 2022 Dez. 20]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php.
https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php...
)

O presente estudo observou que estratégias não farmacológicas de tratamento para o GPAA são dominantes em relação ao tratamento clínico, ou seja, elas são, ao mesmo tempo, mais baratas e mais efetivas que a estratégia habitual com sequência de colírios no SUS.

Observa-se que a incorporação do iStent inject® prolonga o tratamento não farmacológico após o laser, gerando o maior ganho de qualidade de vida entre as três estratégias estudadas. Porém, por utilizar um dispositivo médico, ela apresenta maior custo. Na análise de custo-utilidade, apesar do custo maior, ela se torna viável do ponto de vista econômico, estando dentro do limiar de custo-efetividade da OMS.

Dentre as estratégias de tratamento, a idade teve impacto significativo na relação de custo-efetividade, principalmente para a estratégia 2. Quanto mais jovem o diagnóstico do paciente (idade de entrada no modelo), melhor a relação de custo-efetividade, pois maior a expectativa de vida do paciente e mais tempo esse paciente fica sem necessidade de colírios, poupando custo futuros ao sistema de saúde. Quanto maior a idade de entrada no modelo, pior a relação de custo-efetividade da estratégia 2. Se a idade de entrada no modelo mudasse de 60 para 40 anos, a RCUI dessa estratégia cairia de R$14.174,50 para R$10.926,49.

Ao se realizar este estudo com base em um modelo hipotético de Markov, procurou-se se basear nas melhores evidências existentes. No entanto, para a construção do modelo, houve a necessidade de adotar pressupostos, que podem ser fontes de erros. Porém, por meio da análise de sensibilidade nos parâmetros do modelo, tentou-se reduzir esses erros.

Por fim, deve-se ter cuidado ao se generalizarem os resultados deste estudo para pacientes com outros tipos de glaucoma e aqueles que fazem tratamento em ambiente de saúde suplementar ou fora dos centros de referência para tratamento de glaucoma do SUS.

CONCLUSÃO

As estratégias não farmacológicas para tratamento primário do glaucoma de ângulo aberto na fase inicial se mostraram custo-efetivas sob a perspectiva do SUS em um horizonte da expectativa de vida da população.

Ao se iniciar o tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto inicial com trabeculoplastia seletiva à laser, há um ganho de qualidade de vida e uma redução nos custos futuros em relação ao tratamento habitual com colírios.

O uso do dispositivo trabecular após a falha do laser gera ganho ainda maior de qualidade de vida, e seu custo, apesar de maior, pode ser considerado custo-efetivo sob a perspectiva do SUS.

  • Instituição de realização do trabalho: Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil.
  • Fonte de auxílio à pesquisa: trabalho não financiado.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014;311(18):1901-11
  • 2
    Kang JM, Tanna AP. Glaucoma. Med Clin North Am. 2021;105(3):493-510.
  • 3
    Tham YC, Li X, Wong TY, Quigley HA, Aung T, Cheng CY. Global prevalence of glaucoma and projections of glaucoma burden through 2040: a systematic review and meta-analysis. Ophthalmology. 2014;121(11):2081-90.
  • 4
    Gedde SJ, Vinod K, Wright MM, Muir KW, Lind JT, Chen PP, Li T, Mansberger SL; American Academy of Ophthalmology Preferred Practice Pattern Glaucoma Panel. Primary Open-Angle Glaucoma Preferred Practice Pattern®. Ophthalmology. 2021;128(1):P71-150.
  • 5
    Gazzard G, Konstantakopoulou E, Garway-Heath D, Garg A, Vickerstaff V, Hunter R, Ambler G, Bunce C, Wormald R, Nathwani N, Barton K, Rubin G, Buszewicz M; LiGHT Trial Study Group. Selective laser trabeculoplasty versus eye drops for first-line treatment of ocular hypertension and glaucoma (LiGHT): a multicentre randomised controlled trial. Lancet. 2019;393(10180):1505-16. doi: 10.1016/S0140-6736(18)32213-X. Erratum in: Lancet. 2019;394(10192):e1.
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32213-X
  • 6
    Guedes VM, Guedes RA. Les chirurgies filtrantes du glaucome comme la première indication de traitement chez la population pauvre du Brésil. 2000. Anais […] Paris, 2000.
  • 7
    Anand A, Negi S, Khokhar S, Kumar H, Gupta SK, Murthy GV, et al. Role of early trabeculectomy in primary open-angle glaucoma in the developing world. Eye (Lond). 2007;21(1):40-5.
  • 8
    Guedes, RAP, Souza CP, Dias LLS, Murta L, Gravina DM, Chaoubah A. A Brazilian cost-utility analysis of trabecular micro-bypass with iStent inject® for the treatment of open-angle glaucoma. Rev Bras Oftalmol 2022;81:e0049.
  • 9
    Real JP, Lafuente MC, Palma SD, Tártara LI. Direct costs of glaucoma: Relationship between cost and severity of the disease. Chronic Illn. 2020;16(4):266-274.
  • 10
    Freitas S. Avaliação econômica do tratamento do glaucoma primário de ângulo aberto: Um estudo de custo-utilidade sob a perspectiva da sociedade [disertação]. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora; 2019.
  • 11
    Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes metodológicas - diretriz de avaliação econômica. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2014 [cited 20 Nov. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_diretriz_avaliacao_economica.pdf
    » https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_metodologicas_diretriz_avaliacao_economica.pdf
  • 12
    Hodapp E, Parrish RK, Anderson DR. Clinical decisions in glaucoma. St. Louis: Mosby; 1993.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas Glaucoma. Relatório de recomendação. Brasília, [s.n.], 2018 [citado 2022 Mar 22]. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/protocolos-clinicos-e-diretrizes-terapeuticas-pcdt/arquivos/2018/glaucoma-pcdt.pdf
    » https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/protocolos-clinicos-e-diretrizes-terapeuticas-pcdt/arquivos/2018/glaucoma-pcdt.pdf
  • 14
    Brasil. Ministério da Saúde. Tabela SIGTAP. 2022 [cited 20 Nov. 2022]. Disponível em: http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma
    » http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma
  • 15
    Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Oftalmologia - Tratamento do Glaucoma. 2011. Disponível em: http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma Acesso em: 1 mar. 2022.
    » http://www.conass.org.br/notastecnicas/NT/2064_2011tratamentoglaucoma
  • 16
    Paletta Guedes RA, Paletta Guedes VM, Freitas SM, Chaoubah A. Utility values for glaucoma in Brazil and their correlation with visual function. Clin Ophthalmol. 2014;8:529-35.
  • 17
    Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Tábuas de vida. Brasília (DF): IBGE; 2022. [citado 2022 Mar 22] Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2013/default.shtm
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2013/default.shtm
  • 18
    Heijl A, Leske MC, Bengtsson B, Hyman L, Bengtsson B, Hussein M; Early Manifest Glaucoma Trial Group. Reduction of intraocular pressure and glaucoma progression: results from the Early Manifest Glaucoma Trial. Arch Ophthalmol. 2002;120(10):1268-79.
  • 19
    Li T, Lindsley K, Rouse B, Hong H, Shi Q, Friedman DS, et al. Comparative Effectiveness of First-Line Medications for Primary Open-Angle Glaucoma: A Systematic Review and Network Meta-analysis. Ophthalmology. 2016;123(1):129-40.
  • 20
    Wong MO, Lee JW, Choy BN, Chan JC, Lai JS. Systematic review and meta-analysis on the efficacy of selective laser trabeculoplasty in open-angle glaucoma. Surv Ophthalmol. 2015;60(1):36-50.
  • 21
    Jang HJ, Yu B, Hodge W, Malvankar-Mehta MS. Repeat selective laser trabeculoplasty for glaucoma patients: a systematic review and meta-analysis. J Curr Glaucoma Pract. 2021;15(3):117-24.
  • 22
    Healey PR, Clement CI, Kerr NM, Tilden D, Aghajanian L. Standalone iStent trabecular micro-bypass glaucoma surgery: a systematic review and meta-analysis. J Glaucoma. 2021;30(7):606-20.
  • 23
    Brown MM, Brown GC, Sharma S, Kistler J, Brown H. Utility values associated with blindness in an adult population. Br J Ophthalmol. 2001;85(3):327-31.
  • 24
    van Gestel A, Webers CA, Severens JL, Beckers HJ, Jansonius NM, Hendrikse F, et al. The long-term outcomes of four alternative treatment strategies for primary open-angle glaucoma. Acta Ophthalmol. 2012;90(1):20-31.
  • 25
    Guedes RA, Guedes VM, Chaoubah A. Cost-effectiveness in glaucoma. Concepts, results and current perspective. Rev Bras Oftal. 2016;75(4):336-41.
  • 26
    Guedes RA, Guedes VM, Gomes CE, et al. “Cost-utility of primary open-angle glaucoma in Brazil”, Revista Brasileira de Oftalmologia, v. 75, n. 1, p. 7–12, 2016. DOI: 10.5935/0034-7280.20160002.
    » https://doi.org/10.5935/0034-7280.20160002
  • 27
    Gazzard G, Konstantakopoulou E, Garway-Heath D, Nathwani N, Barton K; LiGHT Trial Study Group. “LiGHT trial: 6-year results of primary selective laser trabeculoplasty versus eye drops for the treatment of glaucoma and ocular hypertension”, Ophthalmology. 2022.
  • 28
    Centre NC, Care A. “Glaucoma: diagnosis and management of chronic open angle glaucoma and ocular hypertension (NICE clinical guideline 85)”, Health (San Francisco), n. April, 2009.
  • 29
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que é PIB. Brasíia, DF: IBGE; 2022 [citado 2022 Dez. 20]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php
    » https://www.ibge.gov.br/explica/pib.php

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Aceito
    23 Dez 2022
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br