ARTIGOS
Construção de um instrumento para medida de satisfação no trabalho*
José Luiz HeskethI; Maria T. P. M. CostaII
IPh. D do Departamento de Psicologia, Centro de Psicologia Aplicada da Universidade de Brasília
IIM.SC. Universidade de Brasília
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é a construção de um instrumento para medida da motivação no trabalho. A inspiração teórica para este empreendimento baseou-se, principalmente, nos conceitos de motivação de Maslow (1954), tendo em vista a grande aceitação desta teoria, tanto por parte de psicólogos organizacionais, como de administradores preocupados com o fator humano da empresa. Além disso, cabe ainda assinalar a inexistência de instrumentos de medida de motivação validados para o uso no Brasil.
A teoria de Maslow tem influenciado o trabalho de diversos estudiosos do comportamento humano em organizações, tais como McGregor (1960), na formu lação de sua teoria x e y de estilos gerenciais; Argyris (1964), em seu trabalho sobre conflitos e a organização, no qual o conceito de auto-realização de Maslow teve um papel importante; e ainda Viteles (1964), Leavitt (1964), Schein (1965) e Haire (1964). Contudo, sua teoria não se trata de uma teoria do trabalho, apesar de sua preocupação em relação à motivação do homem em organizações (Maslow, 1943, 1963, 1973). Esta preocupação está voltada para as condições das organizações, os tipos de gerência e recompensas que poderão conduzir o homem a um crescimento em direção a sua auto-realização.
Os itens do instrumento, construído e validado através deste estudo, foram formulados com base na teoria de motivação de Maslow (1954), mais precisamente a partir de suas descrições dos diversos níveis 59 de necessidades. Apesar de não constituir objeto deste trabalho testar a teoria de motivação de Maslow, seria oportuno apresentar e explorar, inicialmente, algumas informações básicas acerca de suas formulações teóricas.
2. TEORIA DE MASLOW
As necessidades humanas, segundo Maslow, estão arranjadas numa hierarquia que ele denominou de hierarquia dos motivos humanos. Conforme o seu conceito de premência relativa, uma necessidade é substituída pela seguinte mais forte na hierarquia, na medida em que começa a ser satisfeita. Assim, por ordem decrescente de premência, as necessidades estão classificadas em: fisiológicas, segurança, afiliação, auto-estima e auto-realização. A necessidade fisiológica é, portanto, a mais forte, a mais básica e essencial, enquanto a necessidade de auto-realização é a mais fraca na hierarquia de premência.
Maslow pareceu jamais se preocupar com a testagem empírica de sua teoria de motivação e talvez por isso não tenha procurado definir operacionalmente as categorias de necessidades. Contudo ele apresenta definições feitas a partir da observação dos desejos emitidos por seus pacientes. Esses desejos constituem uma manifestação consciente das necessidades e são apenas um meio para determinado fim. Deseja-se uma coisa para conseguir-se outra, que é a satisfação de uma ou de, na maioria dos casos, duas ou mais necessidades. Um indivíduo pode estar motivado, simultaneamente, por várias necessidades. A motivação dominante vai depender de qual das necessidades mais baixas na hierarquia está suficientemente satisfeita.
Os estados de motivação, algumas vezes, são sentidos como causadores de desconforto para o organismo. O comportamento motivado, que corresponde à realização de objetivos e de respostas consumatórias, é uma maneira ou técnica para reduzir estes desconfortos, isto é, diminuir a necessidade, a tensão, o drive e a ansiedade, mantendo o organismo em um estado de equilíbrio homeostático. Homeostase refere-se, por exemplo, aos esforços automáticos do corpo para manter o fluxo sangüíneo constante e em estado normal, ou seja, às vezes há necessidade de reduzir a tensão arterial, enquanto outras vezes é preciso aumentá-la. Essas necessidades são de natureza instinctóide e têm, portanto, uma base hereditária. Porém, ao contrário do que é tradicionalmente mantido peta teoria dos instintos, elas constituem impulsos fracos que precisam de uma cultura permissiva que possibilite seu aparecimento, expressão e gratificação.
Um indivíduo, com certo nível de necessidade, tem todo o seu organismo orientado para a busca de meios para satisfazer tal necessidade, de sorte que toda a sua percepção, memória e inteligência estão voltadas para os gratificadores adequados. Na medida em que esta necessidade começar a ser satisfeita, a mais próxima na hierarquia, em posição superior, começará a surgir e a dominar o organismo, enquanto a outra passará a existir apenas num estado potencial, podendo, entretanto, ressurgir se houver modificações no ambiente que determinem o seu reaparecimento no indivíduo.
O ciclo dinâmico - privação, dominação, gratificação, ativação - continua, de modo que todas as necessidades básicas (fisiológicas, segurança, afiliação e estima) sejam satisfeitas e ocorra o surgimento da necessidade mais alta na hierarquia de Maslow: a necessidade de auto-realização. A privação das necessidades superiores (estima a auto-realização) não produz uma reação de emergência ou de desespero, como pode acontecer com a privação das necessidades mais inferiores da hierarquia. Muitas vezes, essas necessidades podem surgir não apenas a partir da gratificação das necessidades inferiores, mas também como conseqüência da renúncia e supressão, voluntária ou forçada, dessas necessidades.
3. INDICADORES DOS NÍVEIS DE NECESSIDADES
Maslow (1973) aponta várias maneiras subjetivas para medir o nível de necessidade, porém dá mais ênfase às queixas apresentadas pelos indivíduos, visto que elas são indicadoras de seus desejos. Segundo ele, os seres humanos irão sempre reclamar, independente do nível de suas necessidades, pois os indivíduos sempre estarão desejando alguma coisa mais da qual não dispõem. Quanto mais alto o nível de necessidade, mais elevados serão estes desejos e, conseqüentemente, mais fortes as reclamações e frustrações dos indivíduos. Essas reclamações podem, também, ser um indicador da saúde das organização, pois, se elas foram muito baixas, estarão, provavelmente, refletindo um tipo inadequado de gerência e um nível de vida baixo dentro da organização.
Quanto mais elevado o nível de reclamações e frustrações, mais elevado é o nível de vida de um indivíduo e, possivelmente, mais desenvolvida a organização em que ele trabalha (Maslow, 1973). Assim sendo, melhorando-se as condições dentro de uma organização, é de se esperar uma elevação no nível das reclamações, e não o término delas. Isto não significa que os sujeitos irão reclamar mais, mas, sim, que irão se preocupar e mostrar-se frustrados com problemas de natureza hierarquicamente superior.
São mencionadas, a seguir, algumas reclamações possíveis em cada categoria de necessidade, além de outras características correspondentes a cada nível da hierarquia de necessidades, numa tentativa de operacionalizar os conceitos que representam cada nível dessa hierarquia (Maslow, 1954, 1973; Goodman, 1968; Graham e Balloun, 1973; Porter, 1961; Lollar, 1974).
Nível fisiológico: reclamações referentes a perigo de vida, fadiga, fome, sede, más condições de moradia, falta de ar devida a problemas de ventilação ou ao tipo de trabalho, falta de conforto pessoal, manifestação do desejo de um lugar de trabalho seco e aquecido, uma posição mais confortável para o corpo durante o trabalho, boas condições de saúde, melhor pagamento. Neste nível, as necessidades são, em sua maioria, multideterminadas, isto é, elas servem de canal para a satisfação de outras necessidades.
Nível de segurança: queixas relativas à segurança e estabilidade no trabalho, ao medo de ser despedido arbitrariamente, a não poder planejar o orçamento familiar devido à falta de garantia quanto à permanência no trabalho, à arbitrariedade do supervisor com respeito a possíveis indignidades a que o indivíduo tenha que se submeter para se manter no trabalho, à própria segurança física com relação a possíveis acidentes no trabalho, a uma assistência médica mais eficiente e atuante.
Nível de afiliação ou amor: reclamações pela falta de amigos no trabalho, pela falta de namorada (o) ou esposa (o), pela falta de relações afetivas com outras pessoas, de modo geral, por não pertencer a um grupo, dentro ou fora da organização, por não ter oportunidade de prestar ajuda aos colegas, por não receber ajuda dos companheiros de trabalho.
Nível de estima: neste nível, as queixas se referem, em sua maioria, à perda de dignidade, à ameaça ao prestígio, à auto-estima e à estima vinda dos outros; os desejos estão orientados para a realização de alguma coisa, para ter competência, para ter status, reconhecimento, atenção, importância, apreciação e a necessidade de confiar e de ser alguém no mundo.
Nível de auto-realização (metamotivação): as reclamações podem ser relativas à ineficiência ou imperfeição do mundo para com as pessoas de um modo geral, à falta de verdade, à injustiça e à desonestidade. Neste nível de necessidade, os desejos estão voltados para a perfeição, para ser aquilo que o indivíduo tem potencial para ser.
4. INSTRUMENTOS DE MEDIDA DE SATISFAÇÃO
Entre os instrumentos de medida de necessidade de satisfação, construídos com base na teoria de motivação de Maslow, destacam-se os de Porter (1961), Schneider (1968), Huizinga (1970), Beer (1966) e Blai (1964). Desses, apenas o de Porter (1961) e o de Blai (1964) não se destinaram; especificamente, a testar a teoria de Maslow. O primeiro é específico para a função gerencial, e o segundo visa auxiliar o processo de aconselhamento vocacional.
De todos esses instrumentos, apenas o de Porter (1961) e o de Huizinga (1970) foram submetidos à análise fatorial. O método de análise fatorial utilizado foi o de componentes principais. O questionário de Huizinga é composto de 24 itens, distribuídos entre as cinco categorias de Maslow, e é orientado para a motivação no trabalho e satisfação em geral, ao invés de ser específico para a função atual exercida pelo indivíduo.
O Questionário de Necessidade de Satisfação (QNS), de Porter (1961), tem sido, talvez, o instrumento mais utilizado, conforme os seguintes trabalhos parecem indicar: Porter e Mitchell (1967); Haire e outros (1966); Ivancevich (1969); Rhinehart e outros (1969); El Salmi e Cummings (1968); Mitchell (1970); Payne (1970); Roberts e outros (1971); Slocum e outros (1971); Clark e McCabe (1972); Lawler e Suttle (1972); Ghiselli e Wyatt (1972); Herman e Hulin (1973); Wahba e Clemence (1973); Waters e Roach (1973); Graham e Renwick (1972). Portanto, parece oportuno apresentar e discutir algumas informações a respeito de seu conteúdo, bem como acerca das críticas que lhe são feitas.
O QNS contém de 13 a 15 itens, referentes a 5 níveis de necessidades (segurança, social, estima, autonomia e auto-realização), e foi elaborado com a finalidade de estudar a motivação de gerentes. Supondo que os indivíduos situados neste nível da hierarquia organizacional não mais estão no nível fisiológico de necessidade, Porter não se preocupou em elaborar itens relativos a esta categoria. Para cada item, existem três perguntas que devem ser respondidas numa escala de sete pontos: 1. Quanto existe agora? 2. Quanto deveria existir? 3. Qual a importância disto para mim? Essas perguntas, por sua vez, produzem quatro tipos de escores: a) de quanto existe agora; b) de quanto deveria existir; c) de importância; d) de deficiência, calculados pela diferença entre (1) e (2).
Segundo Wahba e Bridwell (1976), o QNS apresentas as seguintes falhas: a) contém poucos itens que são, em sua maioria, relacionados com as categorias superiores (estima e auto-realização); b) as correlações entre os itens de uma mesma categoria são baixas e todos os itens do questionário se correlacionam uns com os outros; c) existem sérias limitações com respeito ao escore de deficiência (Wall e Payne, 1973); d) existe pouca evidência de que os itens do QNS constituem uma operacionalização válida das categorias de Maslow (Lawler e Suttle, 1972); e) apresenta problemas metodológicos devido a possíveis vieses de resposta, uma vez que os sujeitos respondem, quase simultaneamente, quanto à satisfação de uma dada necessidade e a sua importância, podendo assim dar o mesmo valor para ambas as indagações.
O que se pretende aqui, neste estudo, não é testar a teoria de Maslow, confirmando ou não a existência dos cinco níveis de necessidade, conforme ele propôs. A finalidade deste trabalho é verificar que tipos de necessidades existem entre empregados brasileiros, utilizando, para isso, um instrumento adequado de medida. Portanto, essas necessidades podem estar grupadas em categorias diferentes daquelas descritas por Maslow (1954). De fato, nenhum dos instrumentos construídos com base na teoria de Maslow conseguiu, através de vários métodos de validação utilizados, extrair, exata e unicamente, os cinco níveis de necessidades propostos por ele.
5. METODOLOGIA
Procedimento: na formulação dos itens do presente instrumento de medida de necessidade de satisfação, procurou-se observar todos os aspectos que, segundo Maslow (1954), caracterizam cada nível de necessidade. Como não tinha havido uma preocupação de Maslow com relação à testagem empírica de sua teoria, suas categorias de necessidade de satisfação não foram definidas operacionalmente. O que existe são descrições dos tipos de queixas e desejos expressos por indivíduos situados em um ou outro nível de necessidade, conforme já discutido anteriormente.
Procurou-se, também, aproveitar o conteúdo de itens de outros instrumentos já existentes, tais como os de Porter (1961), Alderfer (1969) e Blai (1964), que tinham a finalidade de medir os níveis de necessidade de satisfação de acordo com a teoria de Maslow. Esses itens foram aproveitados na medida em que se referiam a um desejo relativo a uma determinada categoria da hierarquia de necessidades. O conteúdo dos itens elaborados está expresso na forma de desejos e queixas, tendo em vista que os níveis de necessidade foram descritos por Maslow (1954) em forma de desejos e que, segundo ele, o nível de necessidade de um indivíduo pode ser revelado a partir de suas queixas e reclamações mais freqüentes (Maslow, 1970).
Havia, porém, a necessidade de saber se o conteúdo dos itens que cobriam esses desejos, queixas e reclamações estava realmente expressando aquilo que deveria expressar, isto é, um aspecto de necessidade compreendido em uma determinada categoria da hierarquia de necessidades. Desta forma, os 90 itens, originalmente construídos, foram submetidos a um processo de avaliação semântica, feito através de entrevistas individuais com 18 empregados brasileiros, independentemente do nível organizacional em que se encontravam situados.
Nessas entrevistas, após ler cada item, os indivíduos eram solicitados a dizer qual o conteúdo que, no seu entender, era expressado pelo item. Se as respostas dos entrevistados não correspondessem ao que o item pretendia expressar, era-lhes então pedido que reformulassem o item, de forma a expressar o conteúdo desejado. Seriam eliminados os itens que não obtivessem um consenso entre os entrevistados, quanto à melhor forma de expressâ-lo. Através desse procedimento, foram eliminados 2 itens e modificados 12. Assim, 15,5% do questionário original foi alterado, permanecendo um instrumento de 88 itens que deveriam cobrir os 5 níveis de necessidades de Maslow.
O instrumento elaborado continha instruções para os sujeitos responderem como se sentiam em relação ao seu trabalho atual. Cada item deveria ser respondido através de escalas, que variavam de 1 a 7 e que representavam o grau de acordo ou desacordo do indivíduo com relação à afirmativa contida no item. Assim, se o sujeito concordava muitíssimo, ele deveria marcar o valor igual a 7. Se, ao contrário, ele discordava muitíssimo do desejo, queixa ou reclamação expressa no item, então ele deveria assinalar o valor 1. Desta forma, a resposta dos sujeitos era medida através de suas escolhas, que variavam de 1 a 7, e que melhor caracterizavam seus sentimentos em relação à sua situação de trabalho.
Amostra: a amostra utilizada na validação do questionário incluiu 243 indivíduos, empregados em 16 organizações públicas e privadas, localizadas em Brasília. (D.F.). Esses sujeitos exerciam diversas funções e estavam situados em vários níveis hierárquicos nas organizações. A tabela 1 apresenta as principais características da amostra. Conforme se pode notar, a idade média dos sujeitos foi de cerca de 27 anos e 3 meses, e a maioria dos indivíduos estudados possuía escolaridade média e superior (cerca de 80%). Além disso, a maior parte dos sujeitos era proveniente de organizações privadas, com mais de 500 funcionários e mais de três níveis hierárquicos. Houve, ainda, uma acentuada predominância do sexo masculino entre os elementos da amostra.
6. RESULTADOS
Os resultados produzidos pelos questionários foram submetidos à análise fatorial, a fim de se determinar as dimensões básicas relacionadas com o conceito de necessidade de satisfação. O método utilizado nessa análise fatorial foi o dos componentes principais, com solução centroide e rotação ortogonal (Fruchter, 1954). Isto significa dizer que foram obtidos fatores a partir de todas as intercorrelações possíveis dos itens, com carga fatorial maximizada em cada fator. Além de servir para o estudo do conteúdo semântico do conceito de necessidade de satisfação, os resultados da análise fatorial serviram, inicialmente, para a rotação ortogonal dos itens do instrumento.
Os critérios seguidos para a seleção dos itens foram os recomendados por Pasquali e outros (1977): a) pureza fatorial; b) carga fatorial importante em apenas um fator; c) carga fatorial em um fator importante; d) carga fatorial relevante de, pelo menos, três itens no fator; e) interpretação psicológica convincente. Obedecendo a estes critérios e seguindo os procedimentos anteriormente explicados, foram eliminados 38 itens, dos 88 iniciais, e 13 dos 22 fatores resultantes da análise fatorial. Dessa forma, o instrumento final ficou composto de 50 itens que representavam 9 fatores.
Na interpretação psicológica dos fatores, levou-se em conta a média fatorial, além da carga fatorial. Uma média fatorial muito baixa indica que o fator de necessidade, correspondente a ela, não é importante para os indivíduos, isto é, não existe uma grande preocupação com relação a esta necessidade em sua situação de trabalho. Um média fatorial é baixa quando seu valor é significativamente inferior ao ponto médio da escala, que é igual a 4. Além disso, foi também levada em consideração a carga fatorial dos itens, pois aquele com maior carga fatorial deve expressar melhor a categoria de necessidade correspondente ao conteúdo do fator, uma vez que mantêm uma correlação alta com o fator.
A tabela 2, vista a seguir, inclui os resultados relativos ao fator 1, que explica 7,22% da variância total do conceito de necessidade de satisfação. O conteúdo semântico desse fator revela a necessidade que os indivíduos têm de fazer parte de um grupo de trabalho cooperativo e que se caracteriza por um bom relacionamento interpessoal. As queixas e reclamações estão voltadas para a falta de calor humano e amizade, bem como de cooperação. Esse fator parece estar ligado à necessidade de afiliação, a que Maslow se refere em sua teoria de motivação. Os empregados parecem achar que este tipo de queixa não é cabível, com respeito à sua situação de trabalho atual, uma vez que a média fatorial deste fator (Mf = 2,43) está bastante abaixo do ponto neutro da escala (p < 0,01).
Na tabela 3 estão incluídos os resultados referentes ao fator 2, que contribui com a explicação de 6,07% da variância total dos níveis de necessidade. A análise semântica dos itens desse fator revela um conteúdo relacionado com necessidades de valorização e prestígio no ambiente de trabalho. As reclamações referem-se à falta de participação, admiração, prestígio e valorização, por parte da organização em que os indivíduos trabalham. Há um desejo de que o trabalho seja recompensado, através de elogios e/ou outras formas de recompensas não-monetárias, tais como ser prestigiado, acatado e ter participação nas decisões da empresa. O fator parece estar ligado à necessidade de estima, a que se refere Maslow. Os empregados parecem achar que essas reclamações são aplicáveis à sua situação atual de trabalho, conforme indica a média fatorial de 4,27, significativamente acima do ponto neutro (p < 0,01).
A tabela 4 apresenta os resultados da análise fatorial, relativos ao fator 3. Este fator explica 5,15% da variância total do conceito de necessidade de satisfação. A interpretação psicológica do conteúdo dos itens desse fator reflete a necessidade do indivíduo, cujas reclamações são relacionadas com salários insuficientes e que têm preocupações, conseqüentemente, com o seu sustento material. O nível salarial é considerado tão baixo que não possibilita ao sujeito a aquisição dos gratificadores adequados à satisfação de suas necessidades básicas de alimentação, vestuário e descanso. Este fator parece estar ligado às necessidades fisiológicas do homem, conforme as formulações de Maslow. Os empregados estudados não parecem achar que este fator é indicativo de sua situação de trabalho (Mf = 3,53, p < 0,001).
Na tabela 5, vista a seguir, são mostrados os resultados referentes ao fator 4, que é responsável por 3,12% da variância total do conceito de necessidade de satisfação. A análise semântica dos itens desse fator revela o desejo do indivíduo de ocupar um cargo seguro, do qual não seja dispensado arbitrariamente. A principal preocupação do empregado está voltada para a possibilidade de perder a sua posição no trabalho ou, até mesmo, o próprio emprego. O fator parece referir-se à necessidade de segurança no trabalho, o que representaria parte das necessidades de segurança de Maslow: Os empregados, aqui estudados, consideram esta situação muito pouco indicativa de sua situação atual de trabalho (Mf = 2,85, p < 0,01).
A tabela 6 apresenta os resultados da análise fatorial e os níveis de atribuição dos itens à situação de trabalho, referentes ao fator 5. Este fator explica 3,42% da variância total dos níveis de necessidade. O conteúdo semântico desse fator revela a necessidade dos indivíduos de um ambiente físico adequado no trabalho. Esses itens referem-se a reclamações por um ambiente físico onde o ar seja puro e não haja problemas de barulho ou calor excessivo, isto é, um ambiente de bem-estar. O fator parece exprimir a necessidade de um ambiente físico adequado no trabalho. Os empregados pesquisados acharam que essas reclamações não são aplicáveis à sua atual situação de trabalho (Mf = 2,87, p < 0,01). Este fator parece representar aspectos da categoria maslowiana de necessidades fisiológicas.
Na tabela 7, são mostrados os resultados relativos ao fator 6, que explica 4,36% da variância total dos níveis de necessidade. A interpretação psicológica de seus itens reflete a necessidade do indivíduo de manter um relacionamento aberto com seu chefe e de receber apoio e interesse de sua parte. Indica ainda o desejo de discutir, com o superior, assuntos ligados ao trabalho. O conteúdo semântico desse fator indica, também, o desejo do indivíduo de melhorar a sua comunicação com seu chefe. O fator parece representar a necessidade de comunicação ascendente, ou seja, a necessidade do subordinado de se fazer ouvir por seu superior e dele receber apoio. Os indivíduos estudados não parecem achar que essas reclamações são aplicáveis a sua situação atual no trabalho (Mf = 2,95, p < 0,01). Esse fator representa parte das necessidades de estima da teoria de Maslow.
A tabela 8 apresenta os resultados referentes ao fator 7. Esse fator explica 4,27% da variância total do conceito dé necessidade de satisfação. O conteúdo semântico desse fator parece representar o empregado que deseja criar, realizar tarefas menos rotineiras e mais relevantes, que lhe permitam fazer uso integral de suas habilidades e capacidade intelectual e, conseqüentemente, se autodesenvolver. Esse fator parece estar associado à necessidade de crescimento no trabalho. Os sujeitos examinados parecem achar que seu trabalho atual não é nem estimulante nem rotineiro, apesar de haver uma pequena tendência para considerá-lo mais estimulante que não (Mf = 4,17, p < 0,05). O fator parece representar uma parte do nível de auto-realização na hierarquia de Maslow.
Na tabela 9 estão incluídos os resultados referentes ao fator 8, que explica 3,41% da variância total do conceito de necessidade de satisfação. A análise semântica dos itens desse fator revela o desejo do indivíduo de conhecer o valor e a utilidade de seu trabalho, de que este seja um instrumento para seu auto-aperfeiçoamento, bem como para o aumento de suas relações de amizade com colegas e superiores. Revela, ainda, o desejo do indivíduo de ver que está contribuindo com algo de útil para a comunidade. Este fator parece estar representando a necessidade de integração com o trabalho. Os sujeitos estudados parecem achar que essas queixas são aplicáveis à sua situação de trabalho atual (Mf = 4,60, p < 0,01). Novamente, este fator também parece cobrir parte das necessidades de auto-realização da hierarquia de Maslow.
A tabela 10 apresenta os resultados relativos ao fato 9. Este fator contribui com a explicação de 2,97% da variância total do conceito de necessidade de satisfação. O conteúdo semântico desse fator reflete a necessidade do empregado de dispor mais de si mesmo. As reclamações aqui referem-se ao fato de o trabalho absorver o indivíduo em excesso, de modo que seus próprios interesses têm que ser deixados de lado, a favor dos interesses da organização onde trabalha: Os indivíduos começam a se sentir como máquinas da empresa. O fator parece representar a necessidade de menor sobrecarga de trabalho, de não ser absorvido totalmente pelo trabalho. Os empregados desta amostra parecem não achar que sua situação atual de trabalho apresenta essa sobrecarga (Mf = 3,07, p < 0,01). O fator parece representar parte das necessidades fisiológicas de Maslow.
Finalmente, a tabela 11 apresenta um quadro . sumário dos resultados referentes aos fatores de necessidades de satisfação no trabalho, com dados sobre o caráter, a variância explicada, a interpretação psicológica, a quantidade de itens e a atribuição, relativos a cada fator.
6. DISCUSSÃO
Os critérios seguidos na construção e formulação dos itens do Questionário de Necessidade de Satisfação (QNS) parecem assegurar que ele englobe todos os aspectos referentes a cada nível da hierarquia de necessidades de Maslow (1954). Tais critérios referemse à observação dos desejos, queixas e reclamações que, segundo Maslow, são expressos pelas pessoas situadas em cada nível de necessidade. Apesar de baseado unicamente em seu trabalho clínico com pacientes neuróticos, Maslow propõe que as necessidades são universais e que são expressas na forma de desejos.
Um indivíduo deseja e reclama, principalmente, por aquilo que venha a satisfazer suas necessidades mais urgentes. Assim, os tipos de desejos expressos pelos indivíduos situam-se em um ou outro nível de necessidade. Como não houve, por parte de Maslow, uma preocupação em deixar claro todos os possíveis desejos que podem ser manifestados por um indivíduo qualquer, em um determinado nível de necessidade, é difícil dizer que o instrumento aqui estudado esteja cobrindo todos os pormenores a respeito das várias necessidades. Contudo, os itens do instrumento foram elaborados com base nos desejos mais evidenciados por Maslow, em cada categoria da hierarquia das necessidades, que foram apresentados e discutidos anteriormente.
Além disso, instrumentos de medida de necessidade de satisfação, já existentes, também forneceram alguns subsídios para a construção dos itens do presente instrumento. Na escala de Alderfer (1969), por exemplo, os itens foram elaborados de maneira a descrever a situação real do indivíduo no trabalho. Assim, alguns desses itens, como os seguintes, foram aproveitados no QNS: a) é fácil falar com meu chefe sobre o meu trabalho; b) meu chefe espera que as pessoas façam as coisas como ele quer; c) posso contar com meus companheiros, quando preciso de ajuda no trabalho; d) tenho oportunidade, em meu trabalho, de ajudar muito os meus companheiros. Também foram aproveitados itens dos instrumentos desenvolvidos por Porter (1961) e Blai (1964), tais como: oportunidade de ajudar pessoas, oportunidade de fazer amizades, etc.
Outra preocupação, com respeito à construção dos itens, foi de que eles fossem aplicados à situação de trabalho. Portanto, os desejos, reclamações e queixas deviam expressar uma necessidade do indivíduo, relacionada com o tipo de trabalho que desenvolve, às tarefas que executa, e ao tipo de organização na qual está empregado. De fato, o trabalho é um dos principais determinantes do nível de necessidade dominante em cada indivíduo, pois, além de possibilitar o acesso a gratificadores importantes, é no trabalho que toda a população ativa passa a maior parte das horas em que está acordada. Se um indivíduo está num nível de necessidade que depende de alimento para sua satisfação, ele, automaticamente, irá procurar meios de conseguir o gratificador adequado para satifazer esta necessidade. O dinheiro que recebe por seu trabalho é essencialmente um desses meios.
A validação semântica dos itens assegurou que eles realmente expressassem os desejos, reclamações e queixas que representassem adequadamente as várias categorias de necessidades. Através das entrevistas realizadas, foi possível verificar se os indivíduos, de fato, compreendiam aquilo que os itens pretendiam comunicar. Quando surgiam dúvidas, os entrevistadores sugeriam modificações semânticas, a fim de tornar os itens mais adequados, mais compreensíveis e claros, e essas correções só eram efetivadas se os entrevistados concordassem e apresentassem consenso em suas opiniões.
Outros instrumentos, como o de Porter (1961), o de Beer (1966) e o de Huizinga (1970), que foram construídos com a mesma finalidade deste, mas validados em outros contextos culturais fora do Brasil, apresentam alguns fatores diferentes dos encontrados no QNS, apesar de também serem específicos para a situação de trabalho. Contudo, três das categorias existentes no instrumento de Porter foram também obtidas pelo presente questionário. Trata-se das necessidades de segurança, social e estima.
Como a escala de Porter foi desenvolvida para uso com gerentes, não foi incluída a categoria de necessidades fisiológicas, mas essa categoria aparece nos instrumentos de Beer e de Huizinga. Além disso, o fator necessidade fisiológica, obtido no QNS, é semelhante ao que Alderfer (1969) denominou de salário. Ademais, a dimensão comunicação ascendente deste instrumento é equivalente à categoria necessidade de respeito dos superiores, do instrumento de Alderfer, assim como a necessidade de crescimento do QNS é idêntica ao fator de mesmo nome, identificado por Alderfer.
A fidedignidade do QNS foi calculada através do índice de precisão, obtido pelo método split-half, por fator. O coeficiente de correlação entre as duas metades do instrumento foi 0,84. Porém, para que fosse levada em conta a totalidade dos itens desse instrumento, foi efetuada a correção desse coeficiente, através da fórmula de Spearman-Brown. Assim, obteve-se um indice de precisão corrigido igual a 0,92, valor esse que pode ser considerado bastante satisfatório.
7. CONCLUSÃO
Seis das nove categorias de necessidades apontadas pelo QNS, nesse estudo, estão também representadas em outros instrumentos de medida de necessidade de satisfação (Porter, 1961; Beer, 1966; Huizinga, 1970; Alderfer, 1969). Os outros três fatores - ambiente físico adequado, integração com o trabalho e sobrecarga de trabalho - não são encontrados nesses outros estudos, talvez devido à falta de interesse desses pesquisadores em examinar os níveis mais inferiores de necessidades.
Este estudo, apesar de ter sido realizado sem a intenção de testar a teoria de Maslow, traz, sem dúvida, suporte empírico para as suas formulações teóricas. A congruência existente entre os nove fatores aqui encontrados e as cinco dimensões de Maslow é evidente, ou seja, as categorias de Maslow referentes às necessidades: 1) fisiológicas; 2) de segurança; 3) de afiliação; 4) de estima; 5) de auto-realização, correspondem aos seguintes fatores do QNS, respectivamente: 1) necessidades fisiológicas, ambiente físico e sobrecarga de trabalho; 2) segurança; 3) afiliação; 4) estima e comunicação ascendente; 5) crescimento e integração com o trabalho.
Schneider, B. (Apud. Alderfer, 1969).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Set 1980