Open-access PRÁTICAS RESPONSÁVEIS REFORÇAM O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL DOS EMPREGADOS? UM ESTUDO DAS EMPRESAS TÊXTEIS BRASILEIRAS

¿Las prácticas responsables mejoran el compromiso organizacional de los empleados? Un estudio de las empresas textiles brasileñas

RESUMO

Este artigo oferece uma avaliação dos efeitos da percepção dos empregados a respeito das práticas de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) sobre o Comprometimento Organizacional (CO) nas empresas têxteis de uma região relevante para a produção têxtil na América Latina (Estado do Ceará, Brasil). Trata-se de uma pesquisa quantitativa, que utiliza métodos de análise fatorial exploratória e confirmatória e modelos de equações estruturais para identificar os efeitos das práticas de RSC sobre o CO, realizada com 539 empregados de três empresas diferentes. Os resultados mostram que as práticas de RSC orientadas para os empregados, clientes, fornecedores e governo têm um impacto positivo no comprometimento afetivo/normativo, enquanto as práticas de RSC para a sociedade e o meio ambiente têm um impacto negativo. As práticas de RSC voltadas aos empregados também afetam seu comprometimento instrumental, mas práticas de RSC com outros focos não tiveram a mesma influência. Os resultados mostram ainda que as grandes empresas têxteis tendem a adotar mais práticas de RSC, influenciando mais significativamente o comprometimento de seus empregados.

Palavras-chave: responsabilidade social corporativa; comprometimento organizacional; comprometimento afetivo; comprometimento instrumental

RESUMEN

Este trabajo proporciona una evaluación de los efectos de la percepción de los empleados de las prácticas de responsabilidad social corporativa (RSC) sobre el compromiso organizacional (CO) en empresas textiles de una región relevante para la producción textil en América Latina (Estado de Ceará, Brasil). Se trata de una investigación cuantitativa, que emplea métodos de análisis factorial exploratorio y confirmatorio y modelos de ecuaciones estructurales para identificar los efectos de las prácticas de RSC sobre el CO, realizada con 539 empleados de tres empresas diferentes. Los resultados revelan que las prácticas de RSC orientadas a empleados, clientes, proveedores y gobierno afectan positivamente al compromiso afectivo/normativo, mientras que las prácticas de RSC hacia la sociedad y el medio ambiente lo afectan negativamente. Las prácticas de RSC dirigidas a los empleados también afectan el compromiso de continuidad de estos, pero otros tipos de prácticas de RSC no lo influencian. Los resultados aún revelan que las grandes empresas textiles tienden a adoptar más prácticas de RSC, influyendo más en el compromiso de sus empleados.

Palabras clave: responsabilidad social corporativa; compromiso organizacional; compromiso afectivo; compromiso de continuidad

ABSTRACT

This paper assesses the effects of employee perception of corporative social responsibility (CSR) practices on organizational commitment (OC) in textile companies located in the Brazilian state of Ceará - a relevant region for the textile industry in Latin America. The research used a survey to collect data from 539 employees working in three companies, adopting a quantitative approach based on structural equation modeling. The results show that CSR practices geared toward employees, clients, suppliers, and government positively impacted affective/normative commitment, whereas CSR practices geared toward society and the environment impacted commitment negatively. Also, CSR practices focused on employees affected their continuance commitment, while CSR practices focused on other stakeholders did not present the same impact. Finally, the findings show that large textile companies tend to adopt more CSR practices, which significantly influences employee commitment.

Keywords: corporate social responsibility; organizational commitment; affective commitment; continuance commitment.

INTRODUÇÃO

O investimento das empresas em práticas de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) pode ser uma solução para incrementar o comprometimento de seus empregados. O comprometimento organizacional (CO) representa um desejo que leva os empregados a executar ações relevantes para o cumprimento de uma meta, tendo sido definido por Meyer e Allen (1991) a partir de uma estrutura com três componentes como comprometimento afetivo, normativo e instrumental. A RSC refere-se ao comportamento empresarial com vistas a impactar os stakeholders positivamente, indo além dos interesses econômicos da empresa. É uma responsabilidade da empresa em relação a seus stakeholders (stakeholder social primário e secundário e stakeholder não-social primário e secundário) (Turker, 2009). As relações entre RSC e CO podem trazer ganhos para as organizações e a sociedade.

Alguns trabalhos investigaram a correlação entre RSC e CO (Asrar-ul-Haq, Kuchink, & Iqbal, 2017; Khaskheli et al., 2020), enquanto outros apontaram para o papel mediador do comprometimento entre as práticas de RSC e o desempenho no trabalho (Bizri, Wahbi, & Jardali, 2021), a intenção de rotatividade (Nejati, Brown, Shafaei e Seet, 2021) e a cidadania organizacional (Khaskheli et al., 2020). Finalmente, alguns autores investigaram o impacto da RSC no CO (Farid et al., 2019; Gupta, 2017; Kim, Milliman, & Lucas, 2021; Lu et al., 2020; Rodrigo, Aqueveque, & Duran, 2019).

Esses artigos analisam os construtos RSC e CO de forma ampla, porém alguns deles observaram relações entre as dimensões de cada um deles (Cruz, Cabral, Pessoa, & Santos, 2012; George, Aboobaker, & Edward, 2020; McNamara, Carapinha, Pitt‐Catsouphes, Valcour, & Lobel, 2017; Thang & Fassin, 2017). A maioria dos estudos sobre o impacto da RSC no engajamento dos funcionários analisa o ambiente norte-americano e europeu, e a literatura brasileira sobre essa relação ainda é escassa.

A questão apresentada aqui é até que ponto as práticas de responsabilidade social corporativa afetam o comprometimento organizacional dos empregados em empresas têxteis. O artigo busca identificar as relações entre todas as dimensões da RSC e CO, ampliando o conhecimento sobre os impactos das primeiras sobre as últimas. Ainda, procura analisar a percepção dos empregados considerando o contexto de um país em desenvolvimento, ou seja, o contexto de uma região que historicamente demonstra pouca atenção às práticas de RSC.

A próxima seção apresenta as principais questões relacionadas ao CO e à RSC. Em seguida, a metodologia da pesquisa quantitativa é apresentada, demonstrando-se o uso da modelagem de equações estruturais para a análise dos dados coletados junto a 539 funcionários de empresas têxteis do estado do Ceará. As seções subsequentes apresentam a análise e discussão dos resultados, demonstrando a importância da adoção de práticas de responsabilidade social para reforçar o comprometimento normativo e afetivo dos colaboradores. A última seção apresenta as conclusões do estudo.

RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA E COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

Para Meyer e Allen (1991), o Comprometimento Organizacional (CO) é um desejo que impulsiona os colaboradores de uma empresa a agir para que se alcance um objetivo. Esse comprometimento é caracterizado por “três fatores relacionados: (1) uma forte crença nos objetivos e valores da empresa e na sua aceitação; (2) disposição para empenhar consideráveis esforços em prol da empresa; e (3) um forte desejo de continuar fazendo parte da empresa (Mowday, Steers & Porter, 1979, p. 226, tradução nossa).

Meyer e Allen (1991) propuseram uma abordagem multidimensional para o CO composta por três dimensões: afetiva (desejo emocional de trabalhar na empresa), normativa (percepção do custo relacionado a mudança de emprego) e instrumental (obrigação moral de permanecer na empresa). Esses componentes são distintos e se desenvolvem com base em diferentes experiências e processos de trabalho. Cada componente está ligado a vários comportamentos e reações relacionados ao trabalho, e está também fortemente ligado à intenção do empregado em permanecer no emprego e ao comportamento relacionado à retenção na empresa (Allen, 2016).

Embora o desempenho seja importante, as empresas devem considerar as necessidades de seus stakeholders e agir de forma responsável. Turker (2009) argumenta que a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) se refere ao comportamento da empresa com o objetivo de impactar seus grupos de interesse de forma positiva, indo além dos interesses econômicos da organização. O autor se refere a RSC como uma responsabilidade da empresa em relação as suas partes interessadas (stakeholders sociais primários e secundários e stakeholders não-sociais primários e secundários) (Turker, 2009).

Os stakeholders sociais primários envolvem entidades humanas e são aqueles com impacto direto nos relacionamentos da organização, enquanto os sociais secundários têm impactos menos diretos, como no caso da sociedade civil, dos negócios em geral e de outros diferentes grupos de interesse. Segundo Turker (2009), os stakeholders sociais secundários podem às vezes ganhar grande influência nos negócios. Já os stakeholders não sociais dão conta dos casos em que não há relação humana. Dizem respeito ao meio ambiente, espécies não-humanas e as gerações futuras.

Para envolver colaboradores em práticas responsáveis, é importante que as organizações tenham uma gestão de recursos humanos (GRH) socialmente responsável. Existem evidências de que a GRH socialmente responsável afeta o CO (Iqbal & Deng, 2020; Shen & Zhu, 2011). Especificamente, a GRH centrada no funcionário tem uma relação positiva significativa com o comprometimento afetivo (Iqbal & Deng, 2020; Shen & Zhu, 2011) e com o comprometimento normativo. Entretanto, Shen e Zhu (2011) não encontraram a mesma relação entre a GRH e o comprometimento instrumental (Shen & Zhu, 2011).

Tanto as práticas de RH quanto as de RSC podem ter impacto no comprometimento do funcionário. Alguns estudos mostram que atividades de RSC influenciam significativamente a lealdade dos empregados, e, portanto, geram mais comprometimento deles com a empresa (Stojanovic, Milosevic, Arsic, Urosevic & Mihaljovic, 2020). As iniciativas de RSC têm um impacto positivo significativo no comprometimento organizacional e no engajamento (Lu et al., 2020). Há uma influência significativa das melhores práticas de RSC no desempenho, observando-se os efeitos mediadores do comprometimento afetivo e engajamento do colaborador com a empresa (Bizri et al., 2021). Assim, existe uma relação forte e positiva entre a percepção de RSC dos funcionários e o comprometimento afetivo, que é parcialmente mediado pelo seu capital psicológico (Papacharalampous & Papadimitriou, 2021).

As percepções dos funcionários sobre a RSC influenciam seu comprometimento afetivo por meio da justiça processual e da autoestima baseada na organização (Kim et al., 2021). Iniciativas de RSC têm impacto positivo e significativo no engajamento e no CO (Lu et al., 2020). Para Gupta (2017), a RSC é entendida como um antecedente do CO. Ainda, as percepções dos funcionários sobre a RSC predizem positivamente o comprometimento com o trabalho e o comportamento de cidadania organizacional (Farid et al., 2019).

Alguns estudos explorar com maior profundidade a relação entre os dois construtos, observando suas dimensões. Para George et al. (2020), há um efeito indireto significativo de todas as dimensões da RSC sobre o comprometimento afetivo dos funcionários, o que é mediado pela confiança e identificação organizacional. Especificamente, a RSC centrada nos clientes e a RSC com foco nos empregados tiveram um efeito indireto condicional significativo sobre esse comprometimento. No entanto, o efeito indireto condicional da RSC para os stakeholders sociais e não sociais sobre o comprometimento afetivo não foi estatisticamente significativo (George et al., 2020).

Em seus estudos sobre as diferenças entre as práticas de RSC para o ambiente interno e externo da organização, McNamara et al. (2017) mostraram que as percepções de RSC voltadas para o público interno estão positivamente associadas ao comprometimento afetivo, mas não ao engajamento dos funcionários. Por outro lado, as percepções de RSC voltadas para o ambiente externo foram mais fortemente associadas ao comprometimento afetivo em países anglo-saxões, mas menos fortemente em países confucionistas e latino-americanos (McNamara et al., 2017). Outro estudo observou que a RSC interna tem correlação positiva e significativa com o CO. Mais especificamente, as relações de trabalho, saúde e segurança, treinamento e educação, tiveram um efeito significativo no CO, enquanto o equilíbrio entre vida pessoal e profissional e o diálogo social, não tiveram associação significativa com o CO (Thang & Fassin, 2017).

Estudos brasileiros apresentaram resultados que também mostram essa relação entre as dimensões da RSC e CO. Penha, Rebouças, Abreu e Parente (2016) apresentaram três construtos para a percepção da RSC relacionados a satisfação no trabalho: satisfação com a liderança e com a natureza do trabalho, satisfação com o salário e satisfação com os colegas. No entanto, percebeu-se que a satisfação com a liderança e a natureza do trabalho foi o construto mais explicado pela percepção da RSC. As práticas internas de responsabilidade social, como o diálogo e a participação, têm maior influência no comprometimento, seguidas das práticas de trabalho decente e de respeito ao indivíduo. O comprometimento afetivo mostrou a relação mais consistente entre diálogo e participação (Cruz et al., 2012). Com base em estudos anteriores que identificaram relações entre RSC e CO, a primeira hipótese foi formulada:

  • H1: Há uma relação entre a percepção das práticas de RSC e o comprometimento organizacional.

O CO é influenciado pela percepção dos funcionários da importância da RSC. Sabokro, Masud e Kayedian (2021) observaram que a gestão verde de recursos humanos (GVRH) influencia o comportamento dos funcionários direta e indiretamente, por meio dos papéis mediadores da responsabilidade social corporativa e do clima psicológico nas indústrias iranianas. Em um estudo realizado em empresas brasileiras, Freitas, Caldeira-Oliveira, Teixeira, Stefaneli e Teixeira (2020) identificaram que as práticas de GVRH influenciam positivamente as práticas de RSC.

Os funcionários que acreditam fortemente em responsabilidade social se identificam com as empresas que enfatizam a mesma crença, e essa influência pode variar de acordo com o porte das empresas. Dias, Rodrigues, Craig e Neves (2019) argumentaram que a divulgação de práticas de RSC por parte de pequenas e médias empresas (PMEs) e grandes empresas não difere significativamente, enquanto o estudo de Abreu, Cunha e Rebouças (2013) mostra que o tamanho da companhia é uma variável que influencia a adoção de práticas de RSC.

Baumann-Pauly, Wickert, Spence e Scherer (2013) propõem que as pequenas empresas possuem várias características organizacionais favoráveis a implementação interna de práticas relacionadas à RSC nas principais funções do negócio. Porém, essas empresas encontram dificuldades de fazer comunicação externa e elaborar e disseminar relatórios sobre a RSC. Já as grandes empresas possuem várias características que facilitam a comunicação externa e o uso desses relatórios, mas ao mesmo tempo têm problemas para conduzir a implementação de práticas de RSC internamente. Preuss e Perschke (2010) explicam que as empresas de médio porte estão em um estágio de transição, em que possuem algumas características de RSC que lembram aquelas das pequenas empresas, mas esses importantes elementos acabam encobertos por outros que são típicos das grandes empresas. Assim, espera-se que empresas maiores adotem mais práticas de responsabilidade social do que as médias e pequenas, o que leva a formulação da segunda hipótese:

  • H2: O impacto da percepção das práticas de RSC no comprometimento organizacional é maior nas empresas de grande porte do que nas de médio porte.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi desenvolvida utilizando o modelo de equações estruturais (SEM). As variáveis relacionadas são as dimensões de como a responsabilidade social corporativa (RSC) é percebida e as dimensões do comprometimento organizacional (CO). Os dados foram coletados por meio de uma pesquisa realizada no setor têxtil cearense. A unidade amostral desta pesquisa foi constituída por 24 empresas filiadas ao Sindicato da Indústria de Fiação e Tecelagem em Geral no Estado do Ceará (Sinditêxtil - CE). Foi realizado no Sinditêxtil um workshop para gestores de recursos humanos das empresas com o objetivo de discutir RSC e CO e apresentar a proposta dessa pesquisa. Três empresas aceitaram participar, sendo: 1) uma grande empresa, com 2.688 funcionários e 321 respondentes; 2) uma empresa de médio porte, com 350 funcionários e 128 respondentes; e 3) uma empresa de médio porte, com 193 funcionários e 90 respondentes. No total, 539 funcionários participaram respondendo aos questionários.

O questionário foi desenvolvido com base em Turker (2009) para a percepção das práticas de RSC e Meyer e Allen (1997) para CO, e é composto por três partes. A primeira coleta informações gerais sobre os respondentes, a segunda investiga como eles percebem a RSC de suas respectivas empresas e a terceira envolve questões sobre o comprometimento do indivíduo com a empresa.

A escala desenvolvida por Turker (2009) é composta por 7 itens para o fator de responsabilidade perante os stakeholders sociais e não sociais (sociedade, meio ambiente, gerações futuras e organizações não governamentais); 5 itens para o fator de responsabilidade para com os funcionários; 3 itens para o fator de responsabilidade para com o cliente; e 2 para o fator de responsabilidade perante o governo.

O CO foi medido por meio da escala de Meyer e Allen (1997), onde o comprometimento afetivo tem 6 itens, o comprometimento instrumental tem 7 e o comprometimento normativo, 6. Além das variáveis de percepção da RSC e CO, foram incluídas as variáveis de controle: gênero, idade, escolaridade, estado civil, filhos, vínculo empregatício, tempo de empresa e cargo na empresa.

Algumas mudanças foram feitas para tornar a escala mais adequada para os funcionários das empresas pesquisadas. A variável “fornecedor” foi incluída, acrescentando dois itens para avaliar como as práticas das empresas eram percebidas. Um item sobre saúde e segurança no trabalho foi incluído para avaliar seu impacto na percepção dos funcionários sobre a RSC, e outro item sobre degradação ambiental, por se considerar importante avaliar o esforço que as empresas realizam junto aos stakeholders não sociais. Dois outros itens da escala original, que contemplavam as gerações futuras, foram retirados por serem considerados impróprios para o plano de manejo das indústrias têxteis no estado do Ceará. Também foram retirados dois relacionados ao fornecedor e seis itens das práticas de RSC com a sociedade e o meio ambiente.

Os respondentes atuavam em diferentes setores das empresas e a amostra foi selecionada por conveniência. As variáveis de como a RSC e o CO foram percebidas utilizaram uma escala Likert de 5 pontos, de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. Os questionários foram aplicados presencialmente nas fábricas das empresas.

A análise dos dados ocorreu em cinco etapas. A primeira consistiu na análise descritiva e inferencial dos dados, o Teste t de Student foi realizado para avaliar se houve diferença significativa entre as médias das empresas participantes. A segunda etapa consistiu na Análise Fatorial Exploratória. Embora este estudo utilize escalas previamente validadas e confiáveis, julgou-se necessário avaliar cada uma dessas escalas de forma exploratória. Nessa etapa, a análise de confiabilidade foi realizada por meio do Alpha de Cronbach. Na terceira etapa da análise dos dados, foi realizada a Análise Fatorial Confirmatória para validar os construtos e seus fatores e testar a hipótese de aderência do conjunto de itens aos fatores. A amostra foi dividida em duas subamostras para utilização de parte dos respondentes na análise exploratória e parte na análise confirmatória.

A quarta etapa foi a construção de um modelo de equações estruturais (SEM), que avaliou o impacto das dimensões de percepção das práticas de RSC nas dimensões de comprometimento organizacional. Na quinta etapa foi realizada a análise multigrupo, que comparou diferenças significativas entre a grande empresa, na qual esperava-se que houvesse maior percepção das práticas de RSC, e nas médias empresas, onde esperava-se que os a percepção fosse menor. Para a análise e construção dos resultados foram utilizados o Statistical Package for the Social Sciences - SPSS® 19 e Analysis of Moments Structures - AMOS 20.

RESULTADOS

A maioria dos respondentes é do sexo masculino (77,9%), quase metade deles tem entre 25 e 40 anos (42,1%), 62,9% possui o ensino médio completo, mais da metade é casada (52,3%) e tem filhos (51,9%), sendo que 88% dos respondentes trabalha em nível operacional. A amostra foi dividida entre os que estavam na empresa há menos de cinco anos (55,5%) e os que estavam há mais de cinco anos (41,9%), com predomínio de respondentes que contavam mais de dez anos de empresa (29,1%). Os detalhes são exibidos na Tabela 1.

Tabela 1
Perfil dos respondentes

Os respondentes foram solicitados a compartilhar sua percepção sobre as práticas de Responsabilidade Social Corporativa (RSC) na empresa. O estudo não se preocupou em saber sobre as práticas em si, mas de como os empregados as percebem. Para os respondentes, o foco da RSC estava nos fornecedores, governo e clientes, e as empresas tinham um bom relacionamento com os stakeholders. As práticas de saúde e trabalho (segurança/proteção) também apresentaram uma média de adoção notavelmente alta. No entanto, outras práticas voltadas para os funcionários receberam nota mais baixa, o que mostra uma exigência maior em relação a elas. Ainda, entre as notas mais baixas estavam as práticas com foco em organizações não governamentais.

A análise fatorial exploratória sugeriu alterações nessas escalas de medida. Os fatores de percepção das práticas de RSC foram agrupados em três: percepção das práticas de RSC com foco nos clientes, governo e fornecedores; percepção com foco na sociedade e no meio ambiente e percepção com foco nos colaboradores. O Comprometimento Organizacional (CO) foi agrupado em duas categorias: comprometimento afetivo/normativo e instrumental. Esse agrupamento foi confirmado pela análise fatorial exploratória e confirmatória. Sobre o comprometimento organizacional, os maiores valores foram atribuídos às variáveis referentes ao comprometimento normativo e afetivo (CN4, CA5, CA3, CA6 e CN6). Tais variáveis levam em consideração o relacionamento que o funcionário mantém com a empresa, envolvendo sentimentos de lealdade e pertencimento. As notas médias mais baixas foram atribuídas principalmente às variáveis de comprometimento instrumental (CI4, CI5, CI2 e CI7) e a uma variável de comprometimento normativo (CN3).

As variáveis de comprometimento organizacional foram agrupadas de forma satisfatória. A análise foi completada com 13 itens, sendo que seis foram eliminados (CI2, CN3, CI7, CN1_Inv, CN2, CN5) um a um, de acordo com o critério de baixa comunalidade e/ou por apresentarem valores fatoriais de cargas elevadas. Todas as variáveis de comprometimento afetivo (AC1, AC2, AC3, AC4, AC5 e AC6) são agrupadas com duas variáveis de comprometimento normativo (CN4 e CN6) e uma variável de comprometimento instrumental (CC1). Enquanto quatro variáveis de comprometimento instrumental (CI3, CI4, CI5 e CI6) são combinadas em outro fator.

O modelo estruturado foi especificado e identificado. Os coeficientes foram estimados pelo método de máxima verossimilhança. A avaliação dos ajustes feitos no modelo foi executada por meio da verificação das medidas. Usando Modelagem de Equações Estruturais (MEE) de primeira ordem, foi analisado o impacto de cada dimensão de percepção das práticas de RSC em cada dimensão do CO, para investigar quais práticas podem ser percebidas pelos colaboradores como grandes influenciadoras de seu comprometimento, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1
Modelo de equações Estruturais de RSC e CO

A medida de significância de cada parâmetro foi o teste de razão crítica (critical ratio - CR), obtido pela divisão da estimativa não padronizada do parâmetro pelo seu erro padrão. Os resultados sugerem que variáveis latentes relacionadas à percepção sobre a RSC com foco em funcionários, governo, clientes e fornecedores influenciam positivamente o comprometimento afetivo/normativo. Por outro lado, práticas de RSC voltadas para a sociedade e o meio ambiente tendem a impactar negativamente esse comprometimento.

A percepção das práticas de RSC relacionadas aos funcionários impacta de maneira significativa e positiva o comprometimento instrumental. No entanto, a percepção das práticas de RSC para clientes, governo e fornecedores, e para a sociedade e o meio ambiente não têm impacto significativo no comprometimento instrumental. Sobre o impacto neste comprometimento, nosso modelo apresentou valores de CR menores que 1,96 e p-valores não significativos.

Os índices comparativos de ajuste demonstram boa qualidade. As medidas apresentaram ajustes satisfatórios (X2 / gl = 2,701, CFI = 0,924, PCFI = 0,837, RMSEA = 0,056), de acordo com os valores de referência em Marôco (2010). A medida de análise da significância de cada parâmetro especificado foi o CR. As cargas fatoriais padronizadas (coeficientes de regressão), o valor da CR, os erros padrão e os p-valores são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Variáveis, relações, construtos, carga fatorial e confiabilidade

Com o objetivo de aprofundar a análise do impacto da percepção das práticas de RSC no comprometimento organizacional, avaliou-se se o modelo estrutural se comporta de forma diferente entre a grande empresa, que apresentou maior percepção média das práticas de RSC, e as médias empresas, que apresentaram as menores médias, observadas a partir de uma análise multigrupo.

A análise multigrupo ocorreu em dois estágios. Primeiramente, foi analisado o modelo estrutural em cada grupo, onde os parâmetros são livres e as estatísticas X2 são aditivas, e foi selecionado um modelo equivalente. No segundo estágio, restringimos os parâmetros do modelo selecionado para testar a hipótese de invariância. A Figura 2 apresenta resultados sobre empresas de médio porte. Nossos resultados mostraram que todas as variáveis latentes das práticas de RSC percebidas impactam de forma positiva e significativa o comprometimento afetivo. A percepção das práticas voltadas para a sociedade e o meio ambiente impactam positiva e significativamente o comprometimento instrumental, enquanto as demais variáveis latentes de percepção das práticas de RSC não têm influência sobre tal comprometimento.

Figura 2
Modelo de Equações Estruturais de RSC e CO - grupo das médias empresas

A Figura 3 apresenta o modelo para a grande empresa. Nossos resultados mostraram que a percepção das práticas de RSC relacionadas aos funcionários impacta positiva e significativamente os dois tipos de comprometimento, enquanto a percepção das práticas de RSC relacionadas aos clientes, governo e fornecedores influencia positivamente e significativamente o comprometimento instrumental e nenhuma outra relação entre as variáveis latentes e variáveis de medição são significativas.

Figura 3
Modelo de equações Estruturais de RSC e CO - grupo da grande empresa

As medidas de ajuste foram satisfatórias (X2 / gl = 1,917, CFI = 0,908, PCFI = 0,822, RMSEA = 0,041), porém, é necessário avaliar se os pesos fatoriais e as correlações são invariantes entre os dois grupos. A Tabela 3 mostra a série de modelos hierárquicos com parâmetros livres e fixos. O modelo 1 é o modelo livre, sem definir nenhum parâmetro, o modelo 2 tem pesos fatoriais fixos, o modelo 3 tem pesos fatoriais e covariâncias fixas e o modelo 4 tem pesos fatoriais, covariâncias e erros fixos.

Tabela 3
Estatística da diferença de X2 para os modelos livres e fixos

O teste de diferença de X2 permite avaliar a hipótese de invariância dos momentos entre os grupos neste estudo. Todos os p-valores foram menores que 0,05, indicando a rejeição dessa hipótese e mostrando que os modelos são variados e diferentes. É necessário também avaliar a significância estatística da diferença entre os dois modelos, feita por meio do teste qui-quadrado, conforme descrito por Marôco (2010). Este teste assume que há igualdade das trajetórias entre as variáveis latentes nos grupos comparados. Com valores de | Z | > 1,96, observamos que essas trajetórias são diferentes. A Tabela 4 apresenta o teste de variância entre os modelos.

Tabela 4
Teste de invariância do modelo

Observa-se que os coeficientes se referem somente ao comprometimento afetivo/normativo relacionado as práticas de RSC voltadas aos empregados e ao comprometimento instrumental relacionado as práticas de RSC orientadas ao cliente, governo e fornecedores. As trajetórias diferem significativamente entre os dois grupos. Todas as demais trajetórias não diferem entre as médias e a grande empresa.

Esses resultados demonstram que o impacto da RSC centrado no funcionário em seu comprometimento afetivo/normativo é significativamente maior na grande empresa. Enquanto isso, o impacto da RSC nos clientes, governo e fornecedores no comprometimento instrumental dos funcionários é negativo para a grande empresa e não é estatisticamente significativo para as empresas de médio porte.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento e validação de um modelo de equação estrutural (MEE) possibilitou examinar relações importantes. Nosso modelo conceitual indica que o comprometimento organizacional (CO) é influenciado pela percepção do funcionário sobre as práticas de responsabilidade social corporativa (RSC) adotadas pelas empresas têxteis no Brasil. O estudo utilizou as escalas de Turker (2009) e Meyer e Allen (1997). No entanto, essas escalas foram modificadas para se adequarem ao contexto do setor têxtil cearense. Os fatores de percepção das práticas de RSC foram agrupados em três: as orientadas aos empregados; as voltadas aos clientes, governo e fornecedores; e aquelas com foco na sociedade e no meio ambiente.

Nossa divisão resultante da análise fatorial está de acordo com as propostas de McNamara et al. (2017) que classificam as atividades de RSC como “focadas internamente” e “focadas externamente”. O primeiro grupo é voltado para públicos internos pelos quais a organização se responsabiliza - colaboradores e gestores. Para MacNamara et al. (2017, p. 415, tradução nossa), “os funcionários tendem a considerar o tratamento que recebem (ou seja, o tratamento dado ao grupo do qual fazem parte) como diferente do tratamento dado a outros grupos de stakeholders”. Eles podem ficar altamente motivados, assim como os demais stakeholders, ao ver que seus recursos estão sendo usados de forma eficiente. O envolvimento dos funcionários na organização pode ser potencializado com uma maior participação nas decisões e na melhoria da comunicação interna. Assim, os colaboradores pesquisados demonstraram entender seu papel como particularmente importante quando separados dos outros stakeholders.

Os stakeholders externos são os clientes, fornecedores, governo, mídia, concorrentes e outras que afetam, e são afetadas, pela organização sem estar na vanguarda de suas operações. Com base na percepção dos participantes da pesquisa, essas partes interessadas foram divididas em dois grupos: 1) clientes, fornecedores e governo; e 2) sociedade e meio ambiente. O primeiro grupo tem um relacionamento mais próximo com a empresa; enquanto a sociedade e o meio ambiente, têm menos proximidade. O meio ambiente é marcado como mais do que uma parte interessada específica. Laine (2010) defende que todo o conjunto de stakeholders está inserida no meio ambiente. Por extensão, podemos dizer que ocorre o mesmo com a sociedade, i.e., todos os stakeholders fazem parte. Portanto, faz sentido que sociedade e meio ambiente formem o segundo grupo de stakeholders externos.

O CO foi agrupado em duas dimensões: comprometimento afetivo/normativo e instrumental. Esses grupos foram confirmados por análise fatorial confirmatória e mostraram-se válidos e significativos. Do instrumento original, seis itens foram eliminados, e as variáveis foram agrupadas em dois fatores: afetivo/normativo e comprometimento instrumental. O primeiro fator foi denominado por ser formado, em sua maioria, por itens da dimensão do comprometimento afetivo e dois itens do normativo. O comprometimento instrumental incluído na escala “Seria muito difícil para mim sair desta empresa agora, mesmo que quisesse”, ao transmitir uma ideia de lealdade pela não saída da organização, acabou por aderir a este fator.

Alguns autores já expuseram a forte relação entre comprometimento afetivo e normativo. Embora conceitualmente distintos, os dois são altamente correlacionados e se relacionam da mesma forma com outras variáveis. A forte ligação entre eles sugere que interpretações que promovam a mentalidade de desejo e obrigação podem ocorrer simultaneamente. É desejável ir além da interpretação de que o comprometimento afetivo é mais importante do que os outros e que se deve considerar também o comprometimento normativo e, principalmente, uma combinação entre eles (Meyer & Parfyonova, 2010). Klein e Park (2016) também apontam para uma sobreposição entre comprometimento afetivo e normativo, enquanto sustentam que o comprometimento instrumental consiste em duas outras dimensões (alto investimento versus poucas alternativas). Ainda, os autores citam Gellatly et al. (2006) (In Klein & Park, 2016, p.22) para afirmar que o comprometimento normativo pode ser observado como um ‘imperativo moral’ ou ‘obrigação por dívida’.

O modelo de equações estruturais (MEE) buscou analisar o impacto de cada dimensão de percepção das práticas de RSC sob cada dimensão do CO, para investigar quais práticas podem ser percebidas pelos colaboradores como grandes influenciadoras de seu comprometimento. Ele demonstrou que a percepção sobre as práticas de RSC voltadas aos empregados e as práticas com foco nos clientes, governo e fornecedores impactam de forma positiva e significativa o comprometimento afetivo/normativo, enquanto a percepção das práticas de RSC voltadas para a sociedade e o meio ambiente afetam negativa e significativamente esse mesmo comprometimento.

O impacto dos dois primeiros fatores de práticas de RSC percebidas sobre o comprometimento afetivo corrobora outros estudos. George et al. (2020) descobriram que a RSC para os clientes e para os funcionários tem um efeito indireto condicional significativo sobre o comprometimento afetivo, mas o efeito indireto condicional para os stakeholders sociais e não sociais sobre o comprometimento afetivo não foi estatisticamente significativo. Bizri et al. (2021) confirmaram a influência significativa das melhores práticas de RSC no desempenho no trabalho, mediada pelo comprometimento afetivo, por meio do envolvimento dos funcionários em atividades para a comunidade, para o local de trabalho ou para o bem-estar dos demais funcionários. Thang e Fassin (2017) apresentaram que a RSC interna como relações de trabalho, saúde e segurança, e treinamento e educação tem um efeito significativo no CO. Por fim, Cruz et al. (2012) concluíram que as práticas sociais internas, como a promoção do diálogo e a participação dos funcionários, elevam os níveis de comprometimento afetivo deles com a organização.

Os resultados desta pesquisa mostraram que a percepção das práticas de RSC voltadas para a sociedade e o meio ambiente impacta de forma negativa e significativa o comprometimento afetivo/normativo. Esses resultados convergem com os encontrados por McNamara et al. (2017) de que as percepções de RSC com foco externo foram menos fortemente associadas ao comprometimento afetivo em países confucionistas e latino-americanos do que em países anglo-saxões. Essa influência negativa pode ser baseada nos ambientes institucionais brasileiros. O setor têxtil, principalmente o cearense, não apresenta uma cultura forte de adoção de práticas de RSC. Os resultados deste estudo indicam que, apesar de poucas ações, os colaboradores percebem o trabalho social das empresas na comunidade do entorno e o trato com o descarte de resíduos sólidos. Outra explicação reside possivelmente nos conflitos de comprometimento (Klein, Solinger & Duflot, 2020). Os funcionários percebem que a reputação que a empresa pode conquistar no mercado exige custos que poderiam ser usados com eles. Eles podem sentir-se em segundo plano em relação às preocupações da empresa com o público externo, como a sociedade e o meio ambiente.

Por outro lado, o comprometimento instrumental foi positivamente e significativamente impactado pela percepção das práticas de RSC direcionadas aos funcionários, mas não é significativamente impactado pela percepção das práticas de RSC direcionadas a clientes, governo e fornecedores ou pela RSC para a sociedade e o meio ambiente. Alguns funcionários estão alheios às práticas de RSC voltadas clientes, governo e fornecedores, acreditando que a empresa cumpre a legislação e o código de defesa do consumidor apenas porque está no mercado há muitos anos. Eles relataram que se a empresa não se responsabilizasse por esses grupos, ela não teria atingido esse tamanho nem existiria por tanto tempo. No entanto, eles veem as práticas de RSC direcionadas aos stakeholders externos como investimentos que podem ser revertidos nas políticas de gestão de pessoas. Dessa forma, os resultados não foram significativos, pois, na percepção dos empregados do setor têxtil do Ceará, os investimentos em práticas socioambientais acabem prejudicando os investimentos na área de gestão de pessoas, o que ameaça a relação empresa-empregado. De maneira geral, esses resultados corroboram os relatados por Rodrigues, Bastos e Moscon (2019) que o comprometimento instrumental apresenta relações negativas com os comportamentos de cidadania.

Para aprofundar a análise do impacto da percepção das práticas de RSC no comprometimento organizacional, avaliou-se se o modelo estrutural se comporta de forma diferente entre os dois grupos de empresas - a grande empresa e as médias. Essa análise mostrou que, independentemente do porte, todas as dimensões da RSC impactaram positivamente no comprometimento afetivo/normativo, apresentando-se ainda mais forte entre as grandes empresas.

Existe uma diferença significativa entre a grande empresa e as demais. A primeira mostra um melhor nível de comunicação dos gestores com os colaboradores, informando amplamente sobre os processos de recrutamento interno, a preocupação com a saúde e segurança, além de promover a aprendizagem profissional para jovens das comunidades locais que podem ser futuros colaboradores da organização. Essas ações e programas aumentaram a relação de afetividade das pessoas para com a empresa, além da percepção de que existe uma obrigação dos empregados para com ela. Ainda, os índices de comprometimento afetivo são maiores em comparação com as demais organizações que não apresentam o mesmo leque de ações para o público interno.

Os funcionários da grande empresa são incentivados a participar de atividades voluntárias, ainda que esporadicamente. Essa empresa também possui um projeto de formação e inclusão profissional para jovens da comunidade em que está inserida. Os colaboradores demonstram conhecimento e admiração por este projeto que culmina com a contratação de muitos jovens de baixa renda pela própria empresa. Enquanto isso, uma das empresas de médio porte tem apenas um projeto para oferecer educação a crianças de baixa renda.

A percepção das práticas voltadas para clientes, governo e fornecedores impactou positiva e significativamente o comprometimento instrumental na grande empresa, mas não foi significativo nas médias empresas. Os colaboradores da grande empresa afirmaram claramente que a organização se preocupa em cuidar bem dos seus clientes, paga seus impostos, cumpre a lei e garante as relações comerciais com os seus fornecedores para obtenção de bons rendimentos e qualidade dos insumos. No entanto, essa evidência não foi tão forte entre as médias empresas, onde os funcionários relataram que acreditam que as empresas desempenham um papel importante nas relações com clientes, governo e fornecedores.

O teste de variância dos modelos mostrou que as trajetórias de RSC voltadas a sociedade e ao meio ambiente impactam somente no comprometimento afetivo/normativo. A RSC para clientes, governo e fornecedores afetou de forma diferente o comprometimento instrumental para ambos os grupos. Na grande empresa, existem programas de reaproveitamento e reciclagem de resíduos, campanha de economia de água e o “Projeto Pescar”, um projeto de formação socio profissionalizante para jovens de baixa renda. Essas práticas são amplamente disseminadas na organização e impactam a maneira como os colaboradores se sentem em relação à empresa, aumentando seus níveis de comprometimento afetivo e normativo. Enquanto isso, existe a percepção de que a empresa tem responsabilidade para com os clientes.

A diferença entre esses dois grupos pode ser explicada com base no tamanho e nos níveis de adoção de práticas de RSC. Segundo Abreu, Silva-Filho, Oliveira e Holanda-Júnior (2008), à medida que o porte da empresa aumenta, o perfil da conduta socioambiental tende a um maior nível de responsabilidade. A empresa onde os colaboradores apresentam maior percepção das práticas de RSC é também a maior entre as três do estudo e conta com uma política de responsabilidade social, bem como uma comunicação desta política, conduzindo assim a um aumento da influência de tal percepção sobre o CO.

O setor têxtil demonstra que pode aumentar o nível de comprometimento de seus colaboradores por meio de práticas de RSC, embora tais práticas sejam mais comuns entre as grandes empresas do setor. Este estudo mostra que as empresas podem construir valor por meio de ações para os diversos stakeholders, impactando positivamente seus colaboradores e alcançando um melhor desempenho.

CONCLUSÃO

A pesquisa avaliou a influência da forma como a implementação das práticas de responsabilidade social corporativa (RSC) foi percebida sobre o comprometimento organizacional (CO) em empresas têxteis localizadas no estado do Ceará. Foi realizada pesquisa quantitativa, utilizando análise fatorial exploratória e confirmatória e modelagem de equações estruturais. Os resultados confirmaram que a forma como os funcionários percebem as práticas de RSC influenciou o seu nível de CO, que pode ser organizado em duas dimensões: afetiva/normativa e instrumental. As variáveis sobre como as práticas de RSC são percebidas são geralmente divididas em quatro categorias, mas, para este estudo, foram divididas em três: as práticas voltadas aos empregados; as voltadas aos clientes, governo e fornecedores; e aquelas com foco na sociedade e no meio ambiente.

O estudo tem limitações. Em primeiro lugar, reconhecemos o pequeno número de empresas em nossa pesquisa. Trabalhos futuros avaliando a relação entre como os funcionários percebem as práticas de RSC e seus níveis de CO em outros setores podem oferecer elementos a serem comparados com o setor têxtil. Em segundo lugar, o estudo não conseguiu captar mudanças nas estratégias de RSC. Trabalhos longitudinais também podem contribuir para essa discussão avaliando como a relação entre esses construtos se comporta ao longo do tempo. Trabalhos futuros também podem avaliar os múltiplos focos de comprometimento dos funcionários, o que pode demonstrar os conflitos entre eles. Isso poderia explicar por que certas práticas de RSC aumentam o comprometimento mais do que outras.

Apesar do pequeno número de empresas, o número de funcionários de cada empresa é considerável, o que bastou para construir um modelo. Ao sugerir uma reorganização das dimensões das práticas de RSC e das dimensões da CO, este trabalho contribui teoricamente com pesquisas em países em desenvolvimento, como o Brasil, demonstrando que esse construto se comporta de forma diferente do que se espera em países desenvolvidos. A contribuição prática é demonstrar às empresas que o investimento em práticas de RSC pode obter um maior nível de comprometimento e agregar valor por meio de ações para os diversos stakeholders.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2021
  • Aceito
    20 Set 2021
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