Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar perfis sociais e padrões de carreira do corpo diplomático brasileiro, tendo como parâmetro de comparação e referência o artigo de Zairo B. Cheibub (1989). Em relação aos perfis, notam-se o aumento médio da idade de ingresso, mudança dos nascidos no Rio de Janeiro para São Paulo, sutil alteração em gênero e raça, crescente entrada de formados pela Universidade de São Paulo e a Universidade de Brasília, e a liderança relativa dos bacharéis em direito. Para os padrões na carreira se comparam os tempos de promoção médios à elite diplomática (segundos ministros e embaixadores) entre as categorias sociais e demais variáveis institucionais. Apenas as últimas se destacam e o tempo médio de promoção aumenta, em ambas as hierarquias, para aqueles que possuem mais de uma passagem por postos diplomáticos de classes B e C. Já os segundos ministros que foram nomeados para cargos de confiança (DAS) sugerem ter seus tempos de promoção à elite, em média, diminuídos. Ambas as parcelas do trabalho apontam que as manutenções do perfil e dos padrões de carreira superam as mudanças no MRE.
Palavras-chave: Ministério das Relações Exteriores; Itamaraty; carreira pública; burocratas; diplomatas
Resumen
El presente trabajo tiene como objetivo analizar perfiles y patrones de la carrera del cuerpo diplomático brasileño, teniendo como parámetro de comparación y referencia el artículo de Zairo B. Cheibub (1989). En relación a los perfiles, se observa un aumento promedio de la edad de ingreso, el cambio de origen de nacimiento desde Rio de Janeiro a São Paulo, un sutil incremento de mujeres y afrodescendientes, la crecente entrada de los formados por la Universidad de São Paulo y la Universidad de Brasília, y el liderazgo relativo de los bachilleratos en derecho. Para los patrones en la carrera, se comparan los tiempos de promoción promedios a la elite diplomática (segundos ministros y embajadores) entre las categorías sociales y demás variables institucionales. Solamente las últimas se destacan y el tempo promedio de promoción aumenta, en ambas las jerarquías, para aquellos que poseen más de un pasaje por puestos diplomáticos de clases B y C. Los segundos ministros que han sido nombrados en cargos de confianza (DAS) sugieren tener sus tiempos de promoción a la elite, en promedio, disminuidos. Las dos partes del trabajo apuntan para que las manutenciones superan los cambios en el MRE.
Palabras clave: Ministerio de las Relaciones Exteriores; Itamaraty; carrera pública; burocratas; diplomáticos
Abstract
This work seeks to analyze the social profiles and career patterns of the Brazilian diplomatic corps, using Zairo B. Cheibub (1989) as a parameter and reference. In terms of profiles, there has been an increase in the age at which people enter this career, an increase in the proportion of those born in São Paulo as compared to Rio de Janeiro, subtle alterations in terms of gender and race, an increase in graduates from the University of São Paulo and the University of Brasília, and a preponderance of those with undergraduate law degrees. Looking at career patterns, we compare the average time for promotions to the diplomatic elite (second ministers and ambassadors) in terms of social categories and other institutional variables. Only the latter stands out and the average promotion time has increased in both hierarchies for those who have spent more than on stint in Class B and C diplomatic posts. On the other hand, for second ministers who have been named to political positions the promotion time has diminished. Both social profiles and career patterns point more to continuity rather than change in terms of profiles and patterns in the Ministry of Foreign Affairs.
Keywords: Ministry of Foreign Affairs; Itamaraty; government career; bureaucrats; diplomats
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo desenhar perfis sociais e padrões de carreira no Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE ou Itamaraty doravante), vis-à-vis seu corpo diplomático. A abertura da “caixa-preta” dessa instituição será efetuada por meio da análise em nível individual, primeiramente descrevendo as características sociais de seus atores, para em seguida identificar padrões de progressão profissional por meio das diferenças sobre o tempo das promoções na elite ministerial, incluindo as categorias sociais e outras variáveis institucionais. Assim, o estudo pretende observar as continuidades e mudanças do corpo diplomático, comparando a composição ministerial de 1960 com a de 2010, de maneira descritiva e exploratória.
Os dados levantados e apresentados são originais, contudo o estudo não é singular em sua concepção, visto que dialoga, compara, expande variáveis e efetua testes, com dados contemporâneos, a partir do artigo de referência e pioneiro de Cheibub (1989). Ao aproveitar os resultados desse autor, faz-se possível acompanhar o comportamento descritivo do corpo burocrático, permitindo uma visão comparativa e panorâmica privilegiada para os perfis dos diplomatas e os padrões de promoção à elite. Dessa maneira, a presente pesquisa ocupa lacunas importantes da literatura sobre o Poder Executivo brasileiro, no sentido tanto de compreender as entranhas da burocracia (Loureiro, Olivieri e Martes, 2010:18), como de avançar na análise da estrutura burocrática, seu nível de profissionalização, seleção e modelos de administração (Figueiredo, 2010:192). Ambas as partes do trabalho sugerem que as manutenções superaram as mudanças na composição e no funcionamento institucional do corpo diplomático brasileiro.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Em artigo prévio do mesmo Cheibub (1985), se sugere que o desenvolvimento histórico institucional do MRE seguiu relativo path dependence teleológico em sua crescente construção burocrática. Para o autor, esse processo de evolução é marcado por três períodos, análogos aos tipos ideais weberianos: o primeiro, “patrimonial”, que vai desde 1822 até 1902, é pautado por uma gestão senhorial de pouca distinção entre o público e o privado pelos atores do ministério; o momento seguinte, de tipo “carismático”, centra-se na liderança do barão do Rio Branco que, por meio do capital político por ele angariado, constrói e unifica o éthos político da instituição; e, terminada sua gestão, de 1913 em diante desenvolve-se o período “burocrático-racional”, em que se inicia no ministério sua consolidação burocrática na direção de uma carreira mais meritocrática e profissional (Cheibub, 1985).
Essa última fase, portanto, constitui eixo central para a pesquisa publicada posteriormente na Revista de Administração Pública - que aqui se faz referência fundamental -, em que se analisa, como se diz no próprio título, “o processo de burocratização do Itamarati” (Cheibub, 1989). Para o autor, esse processo se balizaria com base na proposta teórica de Huntington (1968), caracterizando-se por fatores de adaptabilidade, complexidade, autonomia e coesão institucional (Cheibub, 1984:2, 1989:125).
Sem entrar nos méritos desse debate e com vistas à análise proposta, Cheibub (1989:99) explicita que “a tendência à democratização pode ser considerada um indicador da burocratização porque, em resposta a demandas sociais democráticas - no sentido social -, o Itamaraty passa a se guiar por critérios explícitos de seleção”. Para o autor a “aplicação de critérios claros e universais permite um recrutamento mais democrático e mais burocratizado da carreira diplomática” que resultaria em “maior ampliação da base de recrutamento” (Cheibub, 1989:98). E, no âmbito institucional mais amplo, ocorreriam a “aquisição gradativa de autonomia face influências exógenas e a transformação da carreira diplomática numa carreira mais meritória” (Cheibub, 1989:98).
Assim, a opção de Cheibub (1989) de efetuar a análise do perfil diplomático e observar o processo de burocratização do ministério foi categorizar os indivíduos a partir de seus respectivos anos de entrada no concurso (turmas), dividindo temporalmente esses agrupamentos conforme as fases críticas enfrentadas, seja pela carreira, seja pela própria vida institucional do MRE. A presente pesquisa manteve os marcos propostos por esse autor conjuntamente à pausa dos levantamentos desse estudo em 1982. Adicionalmente, propôs-se dois coortes: um em 1996 e outro em 2002. Listam-se brevemente as respectivas descrições e, em seguida, justifica-se teoricamente a escolha por essas divisões governamentais:
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1983-1996: Transição à democracia e consolidação do regime, e implantação de mudanças na carreira no governo FHC (1996);
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1997-2002: Visualização das alterações do período FHC, mudanças e fim de sua gestão (2002);
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2003-2010: Início do governo Lula (2003) e visualização das alterações promovidas até o ingresso de turmas até 2009, com atualização em 2010.
O primeiro coorte começa em 1983, portanto, podendo ser referência também às mudanças do regime político do país, visto que coincide com as “Diretas Já”, marco da transição cabal à democracia. Esse intervalo inicial interpassa o processo constituinte e a própria Constituição de 1988, o traumático governo Collor - que inclusive interveio na estrutura burocrática do ministério, mudanças essas que foram revertidas posteriormente (Arbilla, 2000) -, até o início do governo FHC. Assim nesse governo, e em específico no ano de 1996, ocorrem mudanças fundamentais na carreira, tais quais: (i) a necessidade de curso superior completo como exigência para prestar o concurso (Moura, 2007); (ii) a formalização do ingresso automático dos aprovados no concurso para os quadros do serviço exterior, alterando o status de “alunos do IRBr” para efetivamente terceiros-secretários que pertencem em definitivo ao corpo diplomático (Moura, 2007; Balbino, 2011); (iii) por conta do quesito anterior, o que antes consistia apenas em bolsa para os “estudantes do IRBr” transforma-se em salário compatibilizado ao cargo inicial; desse modo, o fator remuneração deixa de ser um empecilho (e estigma) para a entrada e permanência na carreira, apontando para a mudança de perfil social dos ingressantes (Moura, 2007; Balbino, 2011); (iv) exclusão da prova de língua francesa nesse ano - atualmente o francês tem caráter classificatório (Amado, 2013:33) -, critério de seleção tido como “elitizante” (Amado, 2013:33; Cheibub, 1989); e, por fim, (v) aproveita-se esse coorte como referência, ainda que relativamente grosseira, ao início do governo FHC.
A outra divisão dá-se no fim do mandato de FHC em 2002, também por alterações qualitativamente significativas, entre as quais citam-se: (i) implementação do programa de ação afirmativa (PAA) para candidatos afrodescendentes sob a forma de bolsa prêmio;1 (ii) o IRBr adquire status de mestrado profissional reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC);2 e (iii) nesse ano, finda-se o governo FHC e, em 2003, inicia-se o governo Lula. Adicionalmente ao próximo intervalo, em que se percorre de 2003 até a entrada da última turma alcançada no banco em 2009 (com atualização em 2010), temos também: o redesenho do concurso - removendo critérios percebidos como muito subjetivos pelos candidatos -, disponibilização de material de estudo no site da Funag/MRE (Faria, Lopes e Casarões, 2013:6), um incremento histórico na abertura de vagas entre 2006 e 2010 (com mais de 100 vagas por ano), além de aumento da remuneração para o cargo inicial.
Para a seção seguinte da descrição do perfil social dos diplomatas, teremos como objeto a elite diplomática, entendida como segundos e primeiros-ministros (embaixadores). Para avançarmos na compreensão das diferenças sobre o tempo de promoção na carreira, é importante reiterar que a literatura considera o Ministério das Relações Exteriores a burocracia civil mais insulada de demandas particularistas ou partidárias (Geddes, 1994; Schneider, 1993) e, portanto, se constitui no ministério civil mais fechado do Poder Executivo federal (Loureiro e Abrucio, 1999). Contemporaneamente, o MRE continua com alto controle e monopolização de seus cargos de confiança - direcionados em sua grande maioria para os indivíduos pertencentes à própria carreira (Lopez, 2015) -, imputando-o alta capacidade, além de possuir poucos principals partidários, o que lhe garante alta autonomia (Bersch, Praça e Taylor, 2017). De outro lado, o estudo considera que tanto as burocracias não são blocos unitários isolados, dado que estão em constante interação com o ambiente político, como os atores que a compõem participam de diferentes dinâmicas políticas interativas e estratégicas para angariar legitimidade, visto não possuírem mandatos eletivos (Huber, 2007). Nesse sentido, além dessas múltiplas pressões, os burocratas possuem preferências sobre seus objetivos e interesses profissionais e políticos, que vão da busca por promoções e disputa por postos e cargos ao longo de suas carreiras, até demandas mais amplas, coletivas e institucionais (Dunleavy, 1991) - elementos esses que põem em xeque a suposta neutralidade burocrática (Dargent, 2014).
3. MATERIAL E MÉTODO
O banco de dados construído pelos autores tem como fonte o Anuário do Pessoal do Ministério das Relações Exteriores Diplomatas 2010, em que constam 1.466 currículos de diplomatas ativos e 18 diplomatas aposentados (não incluídos na análise), de indivíduos que ingressaram na carreira desde 1961 até 2009 (informações atualizadas com base em 2010).
A pesquisa de Cheibub (1989) possui como fontes os Anuários do Pessoal do MRE Diplomatas de 1960 e 1977, além de fichas de inscrições do Instituto Rio Branco para o período 1978-1982. É digno de nota que os dados do intervalo 1961-1982 foram desconsiderados pelo presente trabalho com o intento de atualizá-los; assim, os dados desse período não estão incluídos nos gráficos. Mantiveram-se, entretanto, as hipóteses e previsões de tendências apontadas pelo autor para vias de comparação. Desse modo, fez-se o uso propriamente descritivo dos dados de Cheibub (1989) com base no Anuário de 1960 e, no presente estudo, constrói-se a continuidade a partir de então. Nesse sentido, a primeira parte do trabalho deve ser encarada como a visualização de dois momentos temporal e politicamente distintos. Essas considerações são fundamentais, pois mesmo que um dos gráficos tenha sido construído de maneira contínua desde os achados de Cheibub (1989) - mediante os coortes das alterações administrativas e governamentais -, ele deve ser lido comparativamente em dois tempos, ou seja, com base e atualização em 1960 (com entradas desde 1913) e 2010 (com ingressos desde 1961).
Para o banco contemporâneo, pode-se visualizar a seguir as aprovações para o CACD desde 1946, e os aprovados em 2010 - as entradas anuais e que constam no banco constituem a linha “Anuário 2010”, que pauta o corpo diplomático a ser explorado. Reitera-se que o estudo recai única e especificamente sobre a população diplomática ativa nesse ano; dessa maneira não se logrou acesso para os demais indivíduos que não passaram no concurso.
Para a segunda parcela do trabalho, não há prejuízo para a comparação entre as elites diplomáticas de outrora e recentemente, pois o amplo gap dos respectivos anos de entrada termina por oferecer duas elites historicamente distintas. Para tanto, se comparam as médias de promoção para ambos os ranques da alta elite a partir das categorias de perfil social, além de outras variáveis político-burocráticas, por meio da análise de variância (Anova) - que parte da razão das médias dos quadrados e objetiva testar o efeito do previsor a partir de duas estimativas da variância, para cada grupo. Após a Anova, efetuamos regressões do método de mínimos quadrados ordinários (MQO) para reportar os resultados.
4. DISCUSSÃO E RESULTADOS
4.1 Inscrições e idade de ingresso
Há um incremento na quantidade de inscritos para o concurso de admissão à carreira diplomática (CACD) ao longo do período considerado pelo estudo. Ocorreram mudanças significativas nesse intervalo, das quais se atenta aqui em particular para: (i) o fim dos exames orais de inglês e francês em 1975 (Cheibub, 1989:101) e a ampliação dos Centros Regionais de Inscrição para os exames vestibulares (assim então chamados), que em 1978 atingiram 10 cidades (Castro e Castro, 2009:610) - o concurso atinge o âmbito nacional de fato apenas em 2011;4 (ii) a extinção da prova de francês e a compatibilização de salário dos ingressantes com o cargo inicial em 1996 (Moura, 2007); e, (iii) o aumento significativo do salário e das vagas a partir de 2006. Essas ações assinaladas no gráfico (nas linhas verticais de 1975, 1996 e 2006) sugerem ter colaborado para a manutenção e/ou crescimento de inscritos ao concurso, a elevação da competitividade dos postulantes e, logo, a ampliação para o tempo necessário de preparação ao exame.
Cabe reiterar que, mesmo com a proibição de limite etário para concursos públicos na Constituição de 1988, o Itamaraty continuou limitando, em 32 anos, o teto para a idade de seus postulantes, prática que continuou nos editais até 1996, se estendendo para 36 anos, para posteriormente ser abolida (Moura, 2007:61; Balbino, 2011:58). Constata-se, de maneira geral, uma média de idade crescente do ingresso de indivíduos até por volta dos 27 anos, que também acompanha a mediana da idade dos ingressantes, com extensão dos segmentos e casos desviantes, para cima, após 1996.
4.2 Perfis sociais
4.2.1 Origem geográfica: nascimento
Retrospectivamente, os concursos do Dasp - portanto, anteriores a 1946 - eram realizados apenas no Rio de Janeiro (RJ), prática que foi mantida também pelo IRBr até 1959 (Cheibub, 1989:100). Nesse período, os candidatos à carreira ou eram do então Distrito Federal (sediado no Rio de Janeiro) e adjacências, ou eram “filhos de pai rico”, que podiam custear as despesas de viagem de seus dependentes para prestar o concurso em outra cidade do país (Cheibub, 1989:100).
A já citada descentralização da etapa inicial do exame a partir de 1959 (Cheibub, 1989:100), além da ampliação dos locais de prova para algumas capitais no pós-1978, e paulatinamente ao longo da década de 2000, como se observa no próximo gráfico, não se traduz em maior diversificação na proporção das origens entre os aprovados. Em relação aos achados da pesquisa de referência, constata-se para a origem geográfica de nascimento: “crescente participação de São Paulo e da Região Sul, ao mesmo tempo em que declina a proporção de diplomatas do Rio de Janeiro” (Cheibub, 1989:101).
Assim, nota-se a seguir que a tendência à diminuição do vasto domínio do recrutamento de diplomatas de origem carioca efetiva-se, perdendo a liderança para São Paulo no período 2003-2010. Adicionalmente, ocorrera também um esforço do Itamaraty em atrair universitários paulistas, política iniciada em meados da década de 1970 (Cheibub, 1989:101), e que parece ter surtido efeito de progressivo incremento, somado, como veremos adiante, às variáveis educacionais. Comparativamente ao corpo diplomático de 1960, observa-se que, em termos regionais, há uma evidente manutenção da concentração da origem dos ingressantes para a região Sudeste.
4.2.2 Gênero
Em um fundamental estudo sobre a questão de gênero no ministério, Balbino (2011:56) levanta fatos centrais para disparidades de cunho histórico no Itamaraty: (i) em 1918, a primeira colocada para o concurso foi uma mulher; (ii) de 1919 a 1938, 18 mulheres ingressaram na carreira; e, (iii) de 1938 a 1954, ficou vedada a entrada de mulheres - nesse período, destaca Amado (2013:46), que “foi Maria Sandra Carneiro de Mello (depois Macedo Soares) quem questionou a proibição: inscreveu-se sub judice no concurso, foi aprovada e cursou o IRBr; em janeiro de 1954, presenciou a revogação da proibição”. Adiante, no gráfico, identifica-se algum avanço, todavia insuficiente: as mulheres saem do patamar de 10% do corpo diplomático, das turmas ingressantes na década de 1960, para constituírem-se em praticamente um quarto das ingressantes na década de 2000.
A literatura que tem se debruçado mais sistematicamente sobre as diferenças de gênero no ministério sugere a existência de possíveis vieses, que poderiam funcionar como fator que repele a entrada, ou que prejudica o desenvolvimento das mulheres na carreira (Balbino, 2011; Delamonica, 2014; Farias e Carmo, 2016; Cockles e Steiner, 2017). E, indicam os autores, que esses aspectos estariam relacionados com: (i) o próprio processo seletivo, (ii) as características de identidade, ou tradicional ou socialmente imputadas à profissão - como tipicamente masculina, de longas jornadas, de necessidade sistemática de deslocamentos e remoções, de difícil conjugação com demandas familiares etc. -, portanto, direta ou indiretamente conectados aos elementos pertencentes à cultura diplomática, além de (iii) gargalos ou modus operandi institucional das promoções - que abririam possibilidades para a discricionariedade da seleção ao topo.
Em relação a esse último aspecto, o boxplot seguinte para a elite diplomática parece inicialmente apontar para uma promoção mais tardia das mulheres no primeiro coorte, e de modo um pouco mais equalizado no segundo coorte, quando visualizamos as medianas. Reiteramos, contudo, que na próxima parcela do presente estudo, em que testamos a diferença sobre os tempos de promoção, os modelos sugerem não haver diferenças, quando comparados à categoria de homens e mulheres, e seus respectivos tempos médios de ascensão ao topo da carreira, em ambas as hierarquias de segundos-ministros e embaixadores, ceteris paribus.
4.2.3 Raça
A implantação do programa de ação afirmativa (PAA) ocorreu em 2002,6 e desde 2003 prevê-se uma bolsa num valor total de R$ 25.000,00 com possibilidade de renovação para indivíduos declaradamente afrodescendentes - exigindo-se atestado de autodeclaração e foto 3×4 no formulário de inscrição. A partir desse mesmo ano, implantaram-se provas objetivas e discursivas (redação) e, em 2004, especificam-se as ponderações do seguinte modo: a prova objetiva possui peso um; a entrevista, peso dois, e a redação, peso três, ficando mantidas dessa forma até 2008 - em 2011, com a prova discursiva abolida, altera-se o peso da prova objetiva para dois e a entrevista adquire peso um.
Quanto ao conteúdo das provas, observa-se: em 2003, para a prova objetiva e discursiva foram cobradas língua portuguesa e inglesa, respectivamente. No ano de 2005, passam a ser adicionalmente cobrados os conteúdos de história do Brasil e geografia (junto à língua portuguesa para a prova objetiva, e redação de português e inglês na fase seguinte). Em 2008, é retirada a cobrança de geografia e incluídas em seu lugar “noções de política internacional”. Por fim, em 2011, a possibilidade de segunda renovação da bolsa passa a ficar condicionada ao desempenho adquirido no CACD. Adicionalmente nesse mesmo ano, foi implantado o sistema de cotas valendo, entretanto, apenas para a primeira fase do concurso. Abriram-se, nesse ano, 30 vagas para os candidatos autodeclarados afrodescendentes.
Entre 2002 e 2012, foram 319 beneficiados das 530 bolsas de estudos disponibilizadas e, entre os bolsistas, foram aprovados ao CACD 19 indivíduos. Para o percentual de aprovados sobre o número de beneficiários (e não sobre o total de bolsas oferecidas), temos:
No banco construído pelo presente estudo, foi possível localizar 14 beneficiários do PAA que ingressaram na carreira entre as turmas de 2003 e 2009. Como no Anuário 2010 constam as fotos 3×4 dos diplomatas, foi possível também classificar os indivíduos no banco por raça. A seguir, visualiza-se que a entrada desse pequeno grupo via PAA incrementou-se pouquíssimo, todavia o suficiente para uma marca de inclusão racial no ministério para além das casas decimais.
É fato que a bolsa surtiu algum efeito sobre a predominância ainda sobrepujante de brancos no corpo diplomático nacional. O feito desses 14 bolsistas serem aprovados é digno de reconhecimento; entretanto, essa constatação deve-se ao particular destaque do grupo em relação ao quadro geral de candidatos, pois conforme nota à imprensa do próprio Itamaraty:7
O percentual de aprovação de ex-bolsistas no concurso de admissão à carreira diplomática é várias vezes superior ao percentual de aprovados no conjunto dos candidatos. Dos 319 bolsistas (beneficiados entre 2002 e 2012), 19 foram aprovados no concurso de admissão. Isso corresponde a 6% do total. Um nível elevado de aproveitamento se considerarmos que [no geral] o percentual de aprovados tem oscilado entre menos de 0,5% e cerca de 1,6% do total geral.
Qual seria então o perfil dos 14 beneficiários do PAA que lograram sucesso no CACD? A média de idade de ingresso desse grupo é de 32 anos, temos 10 homens e 4 mulheres, com origem do Sudeste (6), Nordeste (5), Centro-Oeste (1), Norte (1) e Sul (1), sendo 10 nascidos em capitais e quatro no interior. Entre as formações superiores universitárias, temos 12 graduações em universidades públicas e duas em particulares - três deles possuem duas graduações -, e sete possuem atividades de pós-graduação. Oito ingressaram na carreira diplomática com experiência profissional prévia em suas áreas de formação superior.
4.2.4 Formação educacional: graduação
Para o ingresso no Instituto Rio Branco até 1967, exigia-se apenas o colegial (hoje, o ensino médio completo); posteriormente, se avança para o primeiro ano de qualquer curso superior. Em 1968, a exigência sobe para o segundo ano e, em 1975, o IRBr assume caráter de curso superior, ou seja, complementar-se-iam os estudos para ingressantes com superior incompleto, adquirindo-se o diploma de ensino superior a partir da conclusão do curso no Instituto. No ano de 1985, faz-se pré-requisito para pleitear a carreira o terceiro ano de qualquer curso superior e, por fim, em 1996, exige-se curso superior completo em qualquer área do conhecimento (Cheibub, 1989; Moura, 2007).
O gráfico seguinte ilustra, à esquerda, a natureza da universidade de formação, e, à direita, temos a gama individual de cursos que possuíram destaque acima da média em pelo menos um coorte. Primeiramente e em relação à natureza da formação universitária, nota-se que: (i) a exigência de 1996 extingue aqueles com ensino superior incompleto (“Incom.”) do quadro diplomático, ainda que os ingressantes com formação superior completa tenham crescido sucessivamente desde a década de 1940 (Cheibub, 1989); (ii) há um viés no processo de seleção à carreira, no sentido de recrutar indivíduos oriundos de universidade pública - a proliferação de universidades privadas nos anos 1990 não impacta o percentual de formação dos recrutados; (iii) a diminuição daqueles que se formaram em universidades no exterior (“Ext.”) - somados à diminuição dos nascidos no exterior (“Ext.” no gráfico 4) - sugere dirimir o viés de línguas no processo de seleção, dado que o concurso confere peso ao conhecimento de língua estrangeira, imputando vantagem àqueles que tenham tido parte ou toda educação no exterior (Cheibub, 1989:113).
Quanto aos cursos superiores completos, Cheibub (1989:106) relatava que “o domínio do ‘bacharelismo’ é uma verdade indiscutível [...] Porém, mais importante que esta verificação, é a constatação de que, a permanecerem as mesmas tendências, este domínio terminará a médio prazo”. Essa previsão, digna de nota, deve ser relativizada, pois conforme observamos para as graduações dos diplomatas, à direita no gráfico 7: (i) o curso de direito outrora em queda (Cheibub, 1989:107) mantém a liderança relativa; (ii) economia (“Econ.”), com força política de destaque na elite do ministério nas décadas de 1950 e 1960 (Cheibub 1989:108), perde espaço, ocupado nos anos 2000 por dois cursos que ganham particular destaque: (iii) comunicação social (“Com.”) e relações internacionais (“R.I.”) - esse último apresenta ascensão considerável dada sua recente criação e disseminação nacionalmente (Miyamoto, 2003); e, (iv) engenharia (“Eng.”) que se constitui no único curso superior, com percentual acima da média, fora da área de conhecimento das ciências humanas.
Para as universidades de graduação, verifica-se em Cheibub (1989:108) que as universidades cariocas de elite, tais quais UFRJ, Uerj e a PUC-Rio, estavam com “a participação percentual reduzida ao longo do tempo”, ao passo que a USP apresentava crescimento. O gráfico 8mostra que a alteração da origem de nascimento dos diplomatas também foi analogamente refletida no eixo local de formação superior, ou seja, as universidades cariocas de elite perdem contemporaneamente seu protagonismo (adicionamos também a UFF e a Universidade Candido Mendes “C.M.”), em detrimento das universidades paulistas - ainda que a origem regional de formação superior permaneça concentrada no Sudeste. Possíveis razões para tal inversão, além do citado esforço do Itamaraty em atrair universitários paulistas na década de 1970 (Cheibub, 1989:101), podem repousar no nascimento, crescimento e fortalecimento da USP. Paralelamente, constata-se a importância da UnB, sendo que esta e a USP representam por volta de 35% dos ingressos da geração diplomática da década de 2000. Outro aspecto que merece menção seria o estabelecimento dos cursinhos preparatórios tradicionais ao concurso abertos na capital paulista e no distrito federal, anteriormente fixados somente no Rio de Janeiro. Em outras palavras e de modo geral, se existe uma seleção em prol de indivíduos com formação em universidades públicas, observa-se que esse filtro é altamente concentrado entre essas poucas universidades de elite do país.
Natureza da universidade de graduação (à esquerda) e principais graduações completas (à direita), 1961-2010 (%)
Constata-se de modo geral a persistência do desequilíbrio das condições econômicas e sociais no país, especialmente educacionais, e que se conectam às regiões brasileiras (Cheibub, 1989:101). Soma-se que a demora para a expansão nacional dos locais de prova e os exigentes critérios de seleção do concurso parecem não impactar efetivamente as concentrações mais substantivas nas origens de nascimento e na formação superior. Como resultado, observa-se uma intensa concentração regional no recrutamento e na formação educacional do corpo diplomático, histórica e contemporaneamente.
4.3 Padrões na carreira
4.3.1 Progressão profissional
Como se relatou, desde 1996, uma vez aprovado no concurso, ingressa-se como terceiro-secretário e frequenta-se o IRBr por dois anos. A primeira promoção, de terceiro para segundo-secretário, dá-se apenas por antiguidade, e na seguinte, de segundo para primeiro-secretário, entra também o critério de merecimento, que passa a predominar para as demais promoções. O critério de antiguidade ocorre apenas via quadro especial, no qual, tendo atingido um teto de permanência no cargo ou idade, a depender da classe que ocupa, integra-se o quadro, permitindo ao indivíduo pleitear promoções por meio dessa opção. Faz-se também necessário cumprir períodos no exterior (contabilizados de maneira distinta a depender da localidade do posto), além de concluir cursos avançados no IRBr.8
As promoções ocorrem semestralmente por meio de um complexo sistema que combina antiguidade e méritos, tanto avaliando se o diplomata atingiu os critérios de elegibilidade como por meio de votações verticais (de classes superiores para as inferiores) e horizontais (entre os pares), efetuadas por meio de uma “Câmara de Avaliações” e de uma “Comissão de Promoções”, ambas compostas por atores da elite ministerial (Balbino, 2011:63-64).
Esses adendos quanto a progressão, promoções e alocação hierárquica do corpo burocrático são fundamentais para a compreensão dos dilemas e desafios contemporâneos do ministério. Em 2014, um jovem grupo diplomático formado em sua maioria por terceiros-secretários asseverou preocupação quanto às perspectivas de progressão na carreira,9 e no mesmo sentido o sindicato da categoria reforçou a reivindicação acerca do “fluxo de toda a pirâmide hierárquica”.10 No estudo de Cheibub (1989:122), constatou-se que a diminuição dos valores do desvio-padrão para os tempos de promoção era indicativo de que a “carreira diplomática tende a ser cada vez mais previsível em termos de padrões de ascensão funcional e, portanto, crescentemente uniforme e burocratizada”. Efetuados os cálculos com os dados recentes, permanece a tendência de ligeiro decréscimo, comparativamente e ao longo do tempo, tanto para as três primeiras promoções hierárquicas da carreira como para os dois mais altos escalões da elite burocrática.
4.3.2 Diferenças sobre o tempo de promoção à elite diplomática
Essa última seção busca analisar diferenças para o tempo médio de promoção da elite do MRE, segundos-ministros e embaixadores, comparando tanto essas altas hierarquias como as elites de outrora e contemporânea. Dessa maneira, utilizou-se a análise de variância (Anova) que se constitui como modelo apropriado para fins exploratórios (Gelman, 2005) e atende o propósito de responder a seguinte pergunta de pesquisa: existiriam diferenças no tempo de promoção, em média, entre as categorias sociais e as variáveis institucionais dos diplomatas que ascenderam à elite?
A variável dependente se caracteriza pelo tempo de promoção, em anos, desde terceiro-secretário até alcançar a elite do ministério, que consideramos as posições de segundos-ministros (n = 235) e embaixadores (n = 186). Já as variáveis independentes seguem o perfil social tradicional da diplomacia brasileira apresentada na parcela anterior do artigo, ou seja: ter nascido no Rio de Janeiro (RJ), ser do sexo masculino, possuir graduação em direito e possuir formação superior em universidade pública. A variável raça não foi incluída no modelo, pois a composição da elite diplomática é quase em sua totalidade branca. Ademais, adiciona-se: possuir o prêmio Lafayette (primeiros lugares no concurso/CACD), possuir o prêmio Rio Branco (primeiros lugares no curso de formação do IRBr), possuir alguma atividade de pós-graduação (efetuada previamente à promoção e sendo aqui consideradas: especializações lato sensu, MBA, mestrado, doutorado, pós-doutorado, ou docência em nível superior), e possuir ao menos uma publicação de livro ou artigo (seja técnico, acadêmico ou artístico-filosófico). Essas categorias funcionam como proxies socioeducacionais, que poderiam influenciar ou funcionar como tradeoff para subida funcional.
Para as variáveis político-burocráticas se construíram dummies, para o recebimento previamente à promoção de pelo menos uma medalha, ordem, condecoração ou honraria (advindos de outros países ou de instituições nacionais), e/ou ter sido nomeado para algum cargo de confiança (“DAS”) - que compõe postos administrativos ou políticos de destaque no ministério (dados fornecidos por Lopez, 2015). As demais variáveis institucionais compõem a passagem de ao menos uma vez - ou seja, uma dummy, sim ou não, para a passagem -, previamente à promoção à elite, pelas seguintes instituições: presidência da república (“PR”); por outra instituição nacional - seja do Poder Executivo, Legislativo e/ou Judiciário de quaisquer níveis da federação, exclusive a PR; pela Organização das Nações Unidas (ONU); e/ou por outro organismo internacional - formal ou informal em vista ao direito internacional, exclusive a ONU. Por fim, os postos diplomáticos no exterior foram divididos de acordo com a classificação do próprio MRE, em portaria compatível com a atualização das informações do Anuário de 2010, que separara os consulados, embaixadas e demais postos específicos em quatro classes: “A”, “B”, “C” e “D”.11 Os postos diplomáticos possuem três níveis, sendo nenhuma, uma passagem, ou mais de uma passagem, visto que é o âmbito institucional que mais concentra passagens ao longo da trajetória diplomática da elite - com exceção dos postos classe D que mantivemos como dummy, pela inexistência de mais de uma passagem para segundos-ministros e baixíssima frequência de mais de uma passagem para embaixadores.
Podem-se considerar essas categorias como “tratamentos” político-burocráticos à carreira, ou seja, funcionam como proxy institucional para o aumento ou diminuição do tempo médio de promoção. Reitera-se que o objetivo dessa seção, assim como do artigo de maneira geral, é exploratório e comparativo com o estudo de Cheibub (1989:115), e consideramos que “a relação entre os fatores de composição social, educacional e político-burocráticos, e o tempo de promoção, podem auxiliar a entender as diferenças entre as evoluções, como indicadores dos padrões na carreira”. Entende-se que algumas das variáveis institucionais de interesse, como nomeações para cargos comissionados DAS, passagens pela presidência da república, pela ONU, e/ou postos diplomáticos classe A, ao longo da subida hierárquica do diplomata, poderiam atuar no sentido de diminuir o tempo médio de promoção. A seguir apresentamos breves justificativas que embasam as escolhas da segmentação das variáveis institucionais de interesse supracitadas.
Em primeiro lugar, ressalta-se que as nomeações para cargos comissionados DAS constituem as posições administrativas e políticas mais importantes abaixo do ministro e vice-ministro (D’Araújo, 2014), e, portanto, é ferramenta fundamental para as dinâmicas políticas internas que operam na Secretaria de Estado (Sere).12 Em segundo, destaca-se que o papel de protagonismo do MRE depende da omissão, autorização ou delegação da presidência da república para suas atividades em política externa (Lima, 2000); desse modo, fazem-se de crucial importância o patrocínio e a relação com o centro do sistema político nacional. Em terceiro, reforça-se que a Organização das Nações Unidas (ONU) como principal instituição política internacional (Amorim Neto, 2011:129) se constitui como um lócus de interesse sistemático, histórico e presente para a política externa multilateral brasileira (Amorim Neto, 2011:129; Lima e Hirst, 2009). Igualmente para os postos diplomáticos no exterior, as unidades da classe A possuem alta centralidade no sistema internacional quando comparada às demais classes, ainda que as permanências em postos da classe C sejam multiplicadas pelo dobro e da classe D, pelo triplo, para fins de promoção. A despeito desse incentivo institucional, a elite corrente parece não valorizar postos periféricos,13 possivelmente optando pelas repartições pertencentes à classe A por possuírem maior staff, orçamento, status político, além de localização privilegiada - estão sediados em: Barcelona, Berlim, Berna, Boston, Bruxelas, Buenos Aires, Chicago, Genebra, Haia, Lisboa, Londres, Los Angeles, Madri, Miami, Milão, Nova York, Paris, Roma, São Francisco, Vaticano, Viena e, por último, porém não menos importante, Washington.
Em relação às variáveis de composição social no estudo de Cheibub (1989:117), o achado foi de que “diplomatas que fizeram mestrado encontraram recompensa em termos de tempo de promoção (dois anos, em média) para ministro de 2a classe”. Ademais, relatou-se também correlação positiva entre as primeiras colocações no curso do IRBr, categorizada pelo autor como “classificação no CPCD” - assim o então chamado “Curso de Preparação para a Carreira Diplomática” -, e a promoção a primeiro-ministro (embaixador). Para as variáveis político-burocráticas, os resultados de Cheibub (1989:120) revelaram “ter uma relação significativa com o tempo de promoção aos dois últimos cargos na carreira, o serviço em outras agências públicas tende a influenciar positivamente a carreira dos diplomatas”, visto que “de acordo com o jogo político-burocrático, o MRE é suscetível a demandas de outras organizações públicas” (Cheibub, 1989:120). Entretanto, o autor registra “que não existe qualquer local privilegiado em termos de influência positiva sobre a carreira” (Cheibub, 1989:121).
Em relação aos dados contemporâneos, observe na tabela 4que os resultados apontam para duas direções. De um lado, destacam-se com significância as passagens por postos diplomáticos das classes B e C. Entre essas classes, quando comparados os que transitaram mais de uma vez com aqueles que nunca transitaram por postos dessas categorias, os segundos-ministros que estiveram pela classe B aumentaram em média dois anos, enquanto aqueles que se moveram pela classe C adicionaram quase três anos, no tempo médio de subida, ao segundo degrau mais alto da carreira - mantidas as demais variáveis controladas. De outro, e no sentido da hipótese sugerida pela presente pesquisa, os nomeados para os cargos de confiança no ministério tiveram diminuição, de mais ou menos um ano e meio, em média, quando comparados com os segundos-ministros que não receberam nenhuma indicação para cargos DAS - ceteris paribus.
Para o mais alto ranque da hierarquia diplomática, relatamos que os resultados significativos para os embaixadores convergem com duas das variáveis verificadas nos segundos-ministros: as passagens por postos diplomáticos B e C. Nesse quesito, a diferença nos tempos de ambas as altas hierarquias se aprofunda. Os embaixadores que passaram mais de uma vez por postos da classe B tiveram agregados, ao tempo médio de promoção, quatro anos a mais, ao passo que aqueles que circularam pela classe C acrescentaram três anos e meio, em média, quando comparados àqueles que jamais percorreram postos dessas classes, na trajetória de ascensão ao topo da elite diplomática - mantidas as demais variáveis controladas.
Em contraposição ao estudo de Cheibub (1989), as categorias sociais e educacionais não apresentaram diferenças significativas sobre o tempo de promoção para a elite diplomática contemporânea. No mesmo sentido de contraste com o estudo anterior e em relação às variáveis político-burocráticas, não foram as burocracias públicas que impactaram no tempo de promoção como outrora, e sim a própria dinâmica política e institucional interna do MRE - composta pela Secretaria de Estado (Sere) e suas repartições e unidades específicas no exterior.14 Nesse aspecto, a diminuição do tempo de ascensão para segundos-ministros parece se relacionar com a Sere por meio das nomeações para cargos de confiança DAS. Em direção aos aumentos nos tempos de promoção e para ambas as altas hierarquias, a associação apontou para aqueles com passagens por postos diplomáticos das classes B e/ou C. No gráfico 9 sintetizamos os resultados discutidos nesta seção.
Valores preditos para as variáveis significativas de segundos-ministros e embaixadores (95% I.C.)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do ponto de vista dos perfis sociais, observa-se que a composição contemporânea da burocracia não apresentou incremento na representatividade regional brasileira. Assim, tanto a origem de nascimento como a formação universitária dos diplomatas ativos em 2010 mantiveram a concentração histórica no Sudeste, mais especificamente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em paralelo a essa permanência, o eixo Rio-São Paulo se inverteu na liderança, ou seja, o Rio de Janeiro, protagonista histórico das origens de nascimento e educação superior de diplomatas, perde ambas as frentes para São Paulo na década de 2000. De outro lado, os nascidos no interior - entendido como os nascidos fora de capitais - passaram a atingir um quarto das entradas, ao passo que os que nasceram no exterior estão paulatinamente sumindo do quadro ministerial.
Quanto às formações superiores, diminuíram-se as entradas provenientes das universidades cariocas de elite, que abrem espaço para a liderança de destaque da USP conjuntamente com a UnB. Ao contrário da previsão de Cheibub (1989), o “bacharelismo” mantém liderança relativa, ao passo que há um recente e crescente aumento dos formados em comunicação social e relações internacionais. Verificou-se, também, uma alteração muito discreta nos campos de raça e gênero.
Os padrões de carreira apontaram que a diminuição do tempo médio de promoção dos segundos-ministros sugere se relacionar, política e burocraticamente, com as indicações para cargos de confiança (DAS). Já os aumentos médios do tempo de promoção para ambos os altos escalões se associaram a passagens por consulados, embaixadas e postos específicos das classes B e C. Detalhamos que aqueles que circularam por essas categorias, em mais de uma vez, demoraram significativamente mais para se promoverem, em média, quando comparados aos que nunca transitaram por essas classes.
Em suma, o objetivo do trabalho em mostrar as manutenções e mudanças do corpo diplomático da década de 1960 para 2010 evidenciou que o primeiro aspecto tem se sobreposto ao segundo. Isto é, não apenas o modus operandi em política externa é lento e gradual como também o próprio funcionamento interno da burocracia parece mover-se paulatinamente em direção a transformações. Burocracias weberianas, com recrutamento meritocrático e escalada profissional extensa, são caracterizadas pela rejeição de seus atores em modificar normas internas, o que produz incremento da competência e coerência corporativas (Evans e Rauch, 1999), de um lado. Por outro, as tendências de perfil e do curso de promoção de carreiras contemporâneas mostram a resiliência do padrão elitista e institucionalmente inercial do MRE, quando comparadas ao que fora verificado outrora por Cheibub.
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1
Para mais, disponível em: <http://www.institutoriobranco.itamaraty.gov.br/programa-de-acao-afirmativa>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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2
Conforme avaliação trienal 2001-2003 da Capes, o IRBr é incorporado como mestrado profissional (na área de Ciência Política) e atinge pela comissão avaliadora nota quatro nesse relatório; para mais, disponível em: <http://www.capes.gov.br/images/stories/download/avaliacao/2003_039_Doc_Area.pdf >. Acesso em: 6 abr. 2018.
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3
Informação concedida pelo MRE via Lei de Acesso a Informação (LAI), no de protocolo 09200000244201414.
-
4
Conforme os editais do CACD, é somente em 2011 que o concurso efetivamente se estende para todo o território nacional chegando às cidades de Aracaju, Boa Vista, João Pessoa, Macapá, Maceió, Palmas, Porto Velho, Rio Branco e Teresina. Para ver esse e os anteriores, disponível em: <www.cespe.unb.br/concursos/_antigos/default.asp>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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5
Informação concedida pelo MRE via Lei de Acesso a Informação (LAI), no de protocolo 09200000244201414.
-
6
Analisaram-se os editais de bolsa do IRBr de 2002 até 2013. Disponíveis em: <www.cespe.unb.br/concursos/_antigos/default.asp>. Acesso em: 6 abr. 2018.
-
7
Conforme reportagem do Portal Terra, de 25/10/2013, Seção Educação, “Itamaraty programa de bolsas para candidatos a diplomata é positivo”, disponível em: <http://noticias.terra.com.br/educacao/itamaraty-programa-de-bolsas-para-candidatos-a-diplomata-e-positivo,b6a0406129be1410VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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8
O quadro de regras de promoções está disponível no Sindicato dos Servidores do Itamaraty em: <www.sinditamaraty.org.br/anexos/-01_QUADRO%20COMPARATIVO%20REGRAS%20DE%20PROMOCAO%20NO%20SERVICO%20EXTERIOR%20BRASILEIRO%20-%20FINAL.doc>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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9
Conforme matéria do jornal Folha de S.Paulo, de 28/9/2014, caderno Mundo, “Diplomatas criticam ‘anomalia’ no Itamaraty”. disponível em: <www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/09/1523783-diplomatas-criticam-anomalia-no-itamaraty.shtml>. Posteriormente, parte daqueles que assinaram o documento criticou o conteúdo dessa mesma reportagem, no painel do leitor, de 2/10/2014, “Diplomatas do Itamaraty contestam reportagem sobre carreiras no órgão”. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/paineldoleitor/2014/10/1525760-diplomatas-do-itamaraty-contestam-reportagem-sobre-carreira-no-orgao.shtml>. Acesso em: 6 abr. 2018.
-
10
Disponível em: <www.sinditamaraty.org.br/anexos/462-760707-oficio-n--152.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2018.
-
11
Para a consulta dos postos diplomáticos pertencentes às demais classes, conforme a Portaria no 534, de 31 de agosto de 2010, disponível em: <www.asof.org.br/arquivos_site/c438b8f77d455975e82614f3cd786c68.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2018. Os postos diplomáticos que constam com passagens no Anuário de 2010 e não mais existem foram classificados como “NA” e retirados da análise, mas seguem presentes no banco para consulta.
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12
Para o Quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério das Relações Exteriores, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7557.htm>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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13
Relata a embaixadora em Acra que: “De um modo geral, ainda na atual geração, os funcionários mais destacados da estrutura do Itamaraty nunca passaram por esses postos [C e D], sobretudo na África. A mensagem é de que a África, ou postos menores e de sacrifício, não podem estar no currículo daqueles que esperam fazer uma bela carreira na Chancelaria”. Ver reportagem de agosto de 2012 da Folha de S.Paulo, intitulada “Novos postos viram ‘mico’ no Itamaraty”. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/61438-novos-postos-viram-mico-no-itamaraty.shtml>. Acesso em: 6 abr. 2018.
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14
Para mais sobre a estrutura institucional do MRE, disponível em: <htpp://www.itamaraty.gov.br/images/RISE.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2018.
-
15
Este trabalho é um desdobramento da dissertação de Rodolfo de Camargo Lima, e agradecemos as críticas e sugestões, nesse processo, de Janina Onuki, Fernando Luiz Abrúcio e Pedro Feliú Ribeiro. Versões prévias deste artigo foram apresentadas no VIII Congresso da Alacip (PUC-Peru), que contou com o apoio da Capes-Proex e do DCP-USP, e agradecemos as observações de José Carlos M. Beliero Jr. e Bernardo S. Muratt; no 39o Encontro da Anpocs (GT 13), que contou com o apoio do Caeni USP, e agradecemos os comentários de Renato M. Perissinotto; e no VII Seminário Discente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da USP, em que agradecemos as sugestões de Ricardo Ceneviva. Agradecemos igualmente aos pareceristas anônimos da RAP. Para assistência na revisão do banco de dados, um muito obrigado ao importante apoio de Akira P. Medeiros e Alexandre J. Lopes. Agradecemos também a Felix Lopez por nos ceder os dados referentes aos DAS. Para o banco de dados Diplomatas 2010 e as rotinas, acessar: <www.rodolfolima.net>.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Sep-Oct 2018
Histórico
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Recebido
01 Fev 1217 -
Aceito
06 Abr 2018