Open-access Mais recursos, melhores resultados? As relações entre custos escolares diretos e desempenho no Ensino Médio

¿Más recursos, mejores resultados? Las relaciones entre costos escolares directos y rendimiento en la educación secundaria

Resumo

Este artigo avalia as relações que os custos escolares diretos e a organização da oferta escolar têm com o desempenho de escolas públicas, aferido pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O estudo se baseia nos determinantes do desempenho escolar a partir do enfoque teórico do chamado “efeito-escola”. Trata-se de pesquisa quantitativa, com uso de regressões múltiplas e quantílicas, com modelo de dados em painel, de efeitos fixos. A amostra foi composta por escolas brasileiras, analisadas entre 2012 e 2015. Os resultados indicam que há grande oscilação nos custos escolares diretos entre unidades de uma mesma rede de ensino, sugerindo desigualdade na distribuição dos recursos financeiros; que os custos escolares diretos, no entanto, têm baixa capacidade de explicação dos resultados das escolas no Enem; que mais recursos não se traduzem necessariamente em melhores resultados em termos de desempenho escolar, sugerindo que a forma como são mobilizados (de maneira planejada e com propósito claro) é que pode constituir um diferencial na aprendizagem. Adicionalmente, o estudo propõe uma metodologia para apurar custos escolares diretos.

Palavras-chave: custos escolares diretos; desempenho escolar; eficiência do gasto público; Exame Nacional do Ensino Médio

Resumen

Este artículo evalúa las relaciones que los costos escolares directos y la organización de la oferta escolar tienen con el desempeño de escuelas públicas, determinado por el Examen Nacional de la Enseñanza Media (Enem). Se basa en los determinantes del desempeño escolar a partir del enfoque teórico del denominado “efecto-escuela”. Se trata de una investigación cuantitativa, con uso de regresiones múltiples y cuantílicas, con modelo de datos en panel, de efectos fijos. La muestra se compuso por escuelas brasileñas, analizadas entre 2012 y 2015. Los resultados encontrados indican que hay gran oscilación en los costos escolares directos entre unidades de una misma red de enseñanza, sugiriendo desigualdad en la distribución de los recursos financieros; que los costos escolares directos, sin embargo, tienen una baja capacidad de explicación de los resultados de las escuelas en el Enem; que más recursos no producen necesariamente mejores resultados de desempeño, sugiriendo que la forma como se movilizan (de manera planificada y con propósito claro) es lo que puede constituir una diferencia en el aprendizaje. De forma adicional, el estudio propone una metodología para determinar costos escolares directos.

Palabras clave: costos escolares directos; desempeño escolar; eficiencia del gasto público; Examen Nacional de la Enseñanza Media

Abstract

This article evaluates the relationships that direct school costs and the organization of school places have with the performance of public schools, measured by the National High School Examination (Enem). It is based on the determinants of school performance from the school effect approach. This is a quantitative research, using multiple and quantum regressions, with fixed-effects panel data model. The sample was composed of Brazilian schools, analyzed between 2012 and 2015. The results indicate that there is a great oscillation in direct school costs between units of the same educational system, suggesting inequality in the distribution of financial resources. The findings also suggest that direct school costs do not explain the school results in the Enem exam, and that more resources do not necessarily translate into better performance. Finally, the findings indicate that the way in which resources are mobilized (in a planned and purposeful manner) can be the differential for learning. In addition, the study proposes a methodology to calculate direct school costs.

Keywords: direct school costs; school performance; efficiency of public spending; National High School Exam.

1. INTRODUÇÃO

Os estudos sobre desenvolvimento econômico já evidenciam, há algumas décadas, uma relação positiva entre educação de qualidade e competitividade das nações, produtividade do trabalho, níveis salariais dos trabalhadores e distribuição de renda (Becker, 1962; Eicher & Garcia-Penalosa, 2001; Garen, 1984; Gylfason, 2001; Hanushek & Kimko, 2000; Hanushek & Woessmann, 2008; Heckman & Raut, 2016; Hendricks, 2002; Reis & Barros, 1991).

Contudo, Campos e Cruz (2009) e Cruz e Jacomini (2017) destacam que, apesar dessas evidências, uma maior preocupação com a garantia de (pelo menos) patamares mínimos de financiamento da educação pública no Brasil, somente é observada a partir da Constituição da República Federativa do Brasil (CF, 1988), em seu artigo 212 e, posteriormente, com a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) em 1998 - que, a partir de 2006, foi renomeado para Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (Fundeb).

Em 2016, entretanto, essa garantia brasileira inaugurada em 1988 pareceu ameaçada pela aprovação da Emenda Constitucional n. 95 (EC 95, 2016), que limitou os gastos específicos da União brasileira com educação por 20 anos. O tema foi cercado por debates e protestos em todo o país, especialmente em razão da preocupação da sociedade com os impactos dessa medida na qualidade da educação e, consequentemente, no retardo do desenvolvimento nacional (Couri & Bijos, 2016).

Os desafios que envolvem a melhoria da qualidade da educação brasileira parecem ser muito mais complexos do que a simples ampliação ou redução do volume de recursos financeiros. Como exemplo, nota-se que, apesar da ampliação de gastos observada desde 1988, o Brasil ainda aparece como 60º colocado entre 76 países no Ranking Mundial de Qualidade da Educação, elaborado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Organisation for Economic Co-Operation and Development [OECD], 2015).

Compreender fatores que podem influenciar esse baixo nível de desempenho escolar no contexto brasileiro, em particular o papel que as políticas públicas, materializadas em dispêndios financeiros por si só, podem desempenhar ou não como indutoras de aceleração de melhoria, parece particularmente importante. Essa relevância se apresenta tanto do ponto de vista acadêmico quanto para auxiliar gestores da área - dada a influência positiva que a oferta de uma educação de qualidade tem sobre avanços em indicadores sociais e econômicos de um país (Becker, 1962; Eicher & Garcia-Penalosa, 2001; Garen, 1984; Gylfason, 2001; Hanushek & Kimko, 2000; Reis & Barros, 1991, entre outros). Assim, o objetivo desta pesquisa foi:

  • Analisar as relações que os custos escolares diretos e a organização da oferta escolar têm com o desempenho de escolas públicas, aferida pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Ou, em outras palavras, propõe-se investigar se:

  • Custos escolares diretos são capazes de explicar (e em que magnitude) o desempenho escolar no Ensino Médio?

Como referencial teórico geral para as análises, adotou-se o “efeito-escola” (Fuller & Clarke, 1994; Lee, 2000; Soares, 2003, 2007; Soares & Collares; 2006) e, de modo particular, na perspectiva desse enfoque e aplicado à realidade brasileira, o modelo proposto em Soares (2007) - para este autor, os fatores que explicam o desempenho escolar ou a qualidade da aprendizagem podem ser decompostos em: características dos alunos e suas famílias; características escolares; e a sociedade. Entre as características escolares, os custos escolares diretos e alguns aspectos da organização escolar foram destacados como objeto de análise da pesquisa, utilizando as características dos alunos e de suas famílias, como variáveis de controle. A influência da sociedade foi captada por meio de dados em painel.

No Brasil, as relações que os custos escolares diretos estabelecem com o desempenho escolar se apresentam como oportunidades a ser amplamente exploradas (Amâncio-Vieira, Borinelli, Negreiros, & Dalmas, 2015), dado que são mais comuns as pesquisas que envolvem gastos escolares (que correspondem aos custos escolares diretos e indiretos) e desempenho escolar (Delgado & Machado, 2007; Menezes-Filho, 2007; Menezes-Filho & Pazello, 2007; Monteiro, 2015; Zoghbi, Matos, Rocha, & Arvate, 2009).

As contribuições acadêmicas deste artigo estão, assim, relacionadas: observação de grande oscilação nos custos escolares diretos entre unidades de uma mesma rede de ensino, sugerindo grande desigualdade na distribuição dos recursos financeiros; que, no entanto, mais recursos financeiros dispendidos em uma unidade escolar não necessariamente significam melhores resultados no desempenho escolar, medido pelo Enem; quais variáveis de custos escolares diretos provavelmente são menos passíveis de vieses de análise, por considerarem as especificidades de cada unidade escolar em seu cálculo do que gastos escolares médios; a apresentação de um método de mensuração de custos escolares diretos em escolas públicas de Ensino Médio; evidências de que o efeito das variáveis analisadas está relacionado com o desempenho médio dos alunos da unidade escolar. Do ponto de vista gerencial, considerando que os custos escolares diretos são elementos passíveis de intervenção por parte de gestores públicos, a pesquisa apresenta indicativos relacionados com a possibilidade de uso de recursos públicos de forma mais eficiente, a partir de políticas voltadas à mobilização de recursos de forma planejada e com objetivos claros, que contemple, sobretudo, maior equidade entre escolas.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Fatores determinantes do desempenho escolar

Os trabalhos pioneiros sobre os fatores explicativos do desempenho escolar de alunos da educação básica foram realizados na década de 1960 nos Estados Unidos da América (EUA) (Relatório Coleman) e na Inglaterra (Relatório Plowden), com financiamento governamental. A Guerra Fria e o aprofundamento das discussões sobre democracia em países do Ocidente motivaram, em grande medida, a busca pela ampliação da qualidade da educação e sua equidade (Brooke & Soares, 2008).

A inquietação da academia com os resultados dessas pesquisas, que pareciam indicar que as escolas “não faziam diferença”, levou a novos estudos a partir da década de 1970, com uso de outras metodologias e inclusão de mais variáveis que pudessem explicar o desempenho escolar dos alunos (Rutter, 1982, 1983; Shea, 1976). Ao passar a considerar os “processos escolares”, ou seja, a influência de características sociais e culturais das escolas nos resultados, novos trabalhos passaram a deixar transparecer que, embora os efeitos do nível socioeconômico dos alunos não pudessem ser desprezados, não se podia admitir que eles fizessem pouca ou nenhuma diferença no desempenho escolar dos alunos.

Assim, as publicações a partir da década de 1980 compõem-se de trabalhos, em grande medida, com enfoque no chamado “efeito-escola”, que tem como expoentes Fuller e Clarke (1994), Lee (2000), Soares (2003, 2007) e Soares e Collares (2006). Sob esse ponto de vista, uma unidade escolar é dita eficaz se, considerado o desempenho escolar inicial de determinado aluno, ela é capaz de proporcionar-lhe conhecimento necessário para que seu resultado ao final de cada etapa escolar esteja acima do esperado para um aluno em condições socioeconômicas semelhantes. A noção de “efeito-escola” permite a comparação do desempenho de alunos de situação socioeconômica similar, matriculados em diferentes escolas (Soares, 2003, 2007).

2.2 Fatores determinantes do desempenho escolar no Brasil

Os trabalhos desenvolvidos por Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Menezes-Filho (2007), Soares (2007) e Riani e Rios-Neto (2008) parecem apropriados para sintetizar as discussões realizadas até aqui sobre os fatores explicativos do desempenho escolar, sobretudo ao se deterem no contexto específico brasileiro, foco central desta pesquisa, e ao fazerem uso do “efeito-escola” nas análises.

Na pesquisa de Albernaz, Ferreira e Franco (2002), a forma geral da função de produção educacional seria dada pela equação:

y = F c , m , p , s , (1)

Onde Y denotaria o desempenho escolar do aluno, que pode depender de: suas características pessoais (c) de idade, cor/raça, gênero; características de sua família (m), renda e nível de escolaridade dos pais; características dos seus colegas de escola (g); características dos seus docentes (p) escolaridade, experiência e salário; e outras características de organização da oferta escolar (s) - número de alunos por sala de aula, proporção de alunos repetentes, renda média dos alunos da escola, proporção de salas de aula arejadas e silenciosas e volume de recursos financeiros gerenciados diretamente pelas escolas. Todas as informações foram extraídas dos questionários contextuais aplicados junto com a avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) nas escolas.

A aplicação empírica dessa função, realizada com amostra do Saeb 1999, envolveu informações de desempenho escolar em Ciências, Geografia, História, Português e Matemática de 89.671 alunos da 8ª série do Ensino Fundamental, pertencentes a 2.588 escolas. Entre os vários achados da pesquisa de Albernaz, Ferreira e Franco (2002), pode-se destacar que a variância do desempenho entre as escolas se deveu principalmente a diferenças no nível socioeconômico médio dos alunos, caracterizando um significativo efeito de seleção da clientela (80,4% da variância observada). Além disso, uma vez controlado esse efeito, a pesquisa aponta que diferenças nos insumos escolares - representada pelo nível de escolaridade dos professores, a existência de salas de aulas arejadas e silenciosas e quantidade de recursos financeiros gerenciadas diretamente pelas escolas - ainda responderam por uma parcela significativa da diferença de desempenho entre as escolas.

Já o trabalho de Menezes-Filho (2007), fazendo uso de dados do Saeb 2003 para examinar o desempenho escolar dos alunos brasileiros da 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, em Matemática, ressaltou, entre suas conclusões, que: 1) há uma heterogeneidade grande de notas entre escolas de uma mesma rede de ensino, mesmo considerando as características dos alunos e suas famílias, o que demonstra a importância da gestão das escolas nos resultados; 2) as variáveis que mais explicam o desempenho escolar estão relacionadas com as características dos alunos e suas famílias; 3) variáveis escolares, como escolaridade, idade e salário dos professores, têm efeitos muito reduzidos sobre o desempenho escolar dos alunos; 4) o tamanho da turma não afetou o desempenho escolar do aluno em nenhuma das séries analisadas.

O modelo conceitual de Soares (2007), por sua vez, acrescenta o ambiente externo, ou sociedade, na análise sobre os fatores explicativos do desempenho escolar brasileiro (Figura 1). No modelo de Soares (2007), os fatores mais próximos do desempenho escolar do aluno são suas características pessoais e atitudes em relação à escola. Além destas, segundo o autor, outras três estruturas influenciam a proficiência (ou desempenho escolar): a escola; a família; e a sociedade.

O teste empírico do modelo de Soares (2007) envolveu amostra do Saeb de 2001, composta por 50.300 alunos, 4.922 professores e 4.065 escolas de Ensino Fundamental, e os resultados indicaram que o conjunto dos fatores medidos era capaz de explicar 12,3% da variância total nos dados, proporção semelhante à encontrada por Albernaz, Ferreira e Franco (2002), que foi de 19,6%. Entre as características escolares analisadas e que apresentaram correlações estatisticamente positivas, no nível de 5%, com o desempenho escolar estavam: salário dos professores; segurança; limpeza; e formação do diretor da escola.

Figura 1
Fatores explicativos do desempenho escolar no Brasil

De modo semelhante, Riani e Rios-Neto (2008), com utilização de dados do Censo Escolar e do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ambos do ano de 2000, com o intuito de investigar os determinantes do desempenho escolar no Ensino Fundamental e no Ensino Médio no Brasil, inferiram que: 1) a qualidade dos recursos humanos e a infraestrutura escolar aumentavam a probabilidade média do aluno frequentar a escola na idade correta; 2) havia um efeito “substituição” entre escolaridade da mãe do aluno e a qualidade dos recursos humanos e infraestrutura escolar, ou seja, uma estrutura adequada escolar seria capaz de “neutralizar” os possíveis efeitos negativos de uma baixa escolaridade da mãe do aluno.

Os estudos de Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Menezes-Filho (2007), Soares (2007) e de Riani e Rios-Neto (2008) guardam semelhanças entre si ao se dedicarem a entender os determinantes do desempenho escolar de alunos do Ensino Fundamental brasileiro a partir do “efeito-escola” e ao reconhecerem a importância das características dos alunos, suas famílias e aspectos escolares nesse contexto. Todavia, não fazem menção a esses mesmos determinantes no Ensino Médio - que também é um dos níveis da educação básica, segundo a Lei n. 9.394 (1996) (a chamada Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB). Da mesma forma, também não dão destaque, de modo abrangente, ao papel dos dispêndios financeiros como variáveis explicativas.

2.3 Uso de variáveis de gastos médios e custos escolares diretos como explicativas do desempenho escolar brasileiro

Como destacam Soares e Alves (2013), as pesquisas acadêmicas sob a ótica dos dispêndios financeiros são bastante controversas, o que pode ter origem no contexto de aplicação (países desenvolvidos × países em desenvolvimento) ou, ainda, se considerarmos os tipos de bases de dados disponíveis para as pesquisas.

Para Amâncio-Vieira et al. (2015), os trabalhos que analisam as relações entre dispêndios financeiros e desempenho escolar podem fazer uso de dois tipos de base de dados:

  1. Gastos escolares médios: que consistem na soma de todo o dispêndio financeiro com a rede de ensino (inclusive unidades administrativas), em determinado período de tempo, dividido pelo total de escolas, uma vez que a unidade de análise é a média de gasto;

  2. Custos escolares diretos (ou custos reais): soma de todo o dispêndio financeiro que incide diretamente sobre o funcionamento de cada escola, à exceção de investimentos, envolvendo pagamento de pessoal, materiais pedagógicos, manutenção e limpeza, vigilância, água, luz, telefone, transporte e alimentação escolar - sendo único e real para cada escola analisada.

Em princípio, entretanto, parece oportuno destacar que há dificuldade na realização de estudos envolvendo custos escolares diretos e desempenho escolar no Brasil, como salienta Amâncio-Vieira et al. (2015). O agrupamento dos dados orçamentários seria o principal motivo. Segundo esses autores, mesmo previsto na Lei n. 4.320 (1964), no Decreto-Lei n. 200 (1967) e na Lei Complementar n. 101 (2000), a adoção da contabilidade de custos, que possibilitaria que se conhecesse o real valor alocado em cada escola, ainda não é uma realidade no Brasil.

Assim, a maioria dos estudos brasileiros faz uso de bases de dados de gastos médios, como os trabalhos de Delgado e Machado (2007), Menezes-Filho e Pazello (2007), Menezes-Filho e Amaral (2009), Zoghbi et al. (2009) e Monteiro (2015), que correlacionam gastos médios escolares e desempenho escolar. Contudo, esses trabalhos não identificaram correlações estatisticamente significativas entre esses elementos.

Já estudos que lidam com custos escolares diretos são raros. Um exemplo é a pesquisa de Amâncio-Vieira et al. (2015), que explora as relações entre custos escolares diretos e desempenho escolar no Ensino Fundamental, sendo encontradas correlações. O trabalho envolveu 67 escolas do Ensino Fundamental do Paraná e identificou que o desempenho escolar médio dos alunos na Prova Brasil/Saeb de Português e Matemática se correlacionou: 1) positivamente com a experiência do professor; 2) negativamente com o custo social da escola (representado pelo somatório dos custos com alimentação e transporte escolar) e com os custos administrativos (representados pelos custos com a equipe administrativa da unidade).

A controvérsia acadêmica sobre as relações entre gastos médios escolares e desempenho escolar (como em Delgado & Machado, 2007; Menezes-Filho & Amaral, 2009; Menezes-Filho & Pazello, 2007; Monteiro, 2015; Zoghbi et al., 2009) e custos escolares diretos e desempenho escolar (como em Amâncio-Vieira et al., 2015), especialmente no contexto brasileiro, instiga a que se busque avançar a partir da realização de novos estudos, que contribuam para uma visão mais consistente e objetiva acerca do assunto, em especial em relação ao Ensino Médio, para o qual há carência de estudos específicos (Amâncio-Vieira et al., 2015).

Segundo o Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado a cada dois anos pelo Ministério da Educação (MEC), a partir de informações de fluxo e desempenho escolar de alunos de escolas públicas, o Brasil atingiu, em 2015, 3,7 pontos no Ensino Médio, em uma escala que varia de 0 a 10, e mantém-se estagnado desde 2011. Compreender como elementos influenciam essa dinâmica poderia auxiliar gestores brasileiros a ser mais assertivos em suas escolhas. Por outro lado, do ponto de vista acadêmico, isso possibilita expandir a compreensão sobre determinantes do desempenho escolar, em um campo passível de intervenção direta por parte das políticas públicas (os custos escolares diretos), ao passo que outros determinantes do desempenho escolar - como as características natas dos alunos e suas famílias - não são.

3. METODOLOGIA

Trata-se de pesquisa quantitativa, com a adoção do modelo conceitual proposto por Soares (2007) a partir do enfoque do “efeito-escola”, sendo desenvolvido um método para apurar os custos escolares diretos. Como técnicas de pesquisa, foram adotadas as regressões múltiplas e quantílicas. Além disso, foi utilizado o método Stepwise para a seleção das variáveis estatisticamente mais significativas.

Os dados tiveram origem secundária e foram provenientes da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo (Sedu/ES) e do Censo Escolar, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para o período de 2012 a 2015.

A amostra foi composta pelas 32 escolas estaduais de Ensino Médio do Espírito Santo, que representam 100% das unidades que mantiveram a exclusividade desse tipo de oferta entre 2012 e 2015. A escolha desse estado brasileiro ocorreu em virtude de dois fatores: 1) facilidade de acesso às planilhas de controle de custos escolares diretos, que, como já explicitado na seção 2.3, não são de amplo acesso no Brasil; 2) em razão de a participação no Enem ser condição obrigatória para obtenção do certificado de conclusão do Ensino Médio na rede estadual desde 2009, como estabelecido na Portaria Sedu n. 71-R, de 26/06/2009, razão que explica a média de participação de 81% dos alunos da 3ª série no exame, entre os anos analisados.

A escolha das avaliações do Enem como referência para medir o desempenho escolar se justifica pela inexistência, até o ano de 2015, de qualquer outro exame ou avaliação nacional, em larga escala, que permitisse medir e comparar resultados de aprendizagem ou desempenho escolar entre escolas de Ensino Médio.

O banco de dados foi organizado por escola/ano, em quatro grupos de informações - “Desempenho escolar no Enem”; “Custos escolares diretos”; Organização da oferta escolar; e “Características dos alunos”, como detalhado nos apêndices A e B -, com base em Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Soares (2007) e Amâncio-Vieira et al. (2015).

A função de produção educacional foi utilizada, a exemplo de Albernaz, Ferreira e Franco (2002), e considerou o modelo conceitual proposto por Soares (2007) a partir do enfoque do “efeito-escola”, no qual a proficiência é explicada por características: 1) dos estudantes; 2) das famílias dos estudantes; 3) da escola; e 4) da sociedade - como expresso na equação 2.

D E S E M P E N H O _ E S C O L A R _ N O _ E N E M i t = α i + k β k C u s t o s _ D i r e t o s k i t k + k δ k O r g a n _ O f e r t a i t k + k β k C a r a c t _ E s t u d k i t k + ε i t (2)

Onde:

DESEMPENHO ESCOLAR NO ENEMit é a variável dependente, representada pelo desempenho médio dos alunos da escola, matriculados na 3ª série do Ensino Médio, nas avaliações de “Linguagens e Códigos” e “Matemática” do Enem; i é a unidade fixa, e cada variável dependente é testada para o efeito fixo como sendo a própria “escola”; t é o componente temporal, em anos, de 2012 a 2015; k α i é o componente fixo ligado à unidade i; Custos_Diretos k it (representado por todos os custos necessários para funcionamento de cada escola - salários de professores em regência de classe, salários de pessoal lotado em área administrativa da escola, salários de diretor, afastamentos do trabalho, vigilância patrimonial, alimentação escolar, transporte escolar, Programa Estadual Dinheiro Direto na Escola (Pedde), água e energia -, assim como pelo custo escolar direto total (representado pelo somatório de todas as variáveis de custo necessárias ao funcionamento da escola); Organ_Oferta k it (que corresponde ao número médio de alunos por sala de aula da escola) e ∑k β k Caract_Estud k it (proporção de alunos com até 18 anos, gênero, cor/raça e escolaridade da mãe ou responsável pelo aluno) representam os conjuntos de variáveis explicativas, descritas detalhadamente nos apêndices A e B; e ε it são os choques aleatórios normais e independentes ao longo do tempo.

O método Stepwise foi utilizado para seleção das variáveis mais significativas, estatisticamente, para explicar o “desempenho escolar no Enem”. Ao final, assim, permaneceram no modelo apenas as variáveis explicativas com nível de significância estatística de 1% e 5%. Adicionalmente, fez-se uso de regressões quantílicas, com erros padrão robustos e agrupados, estimados de modo a observar a existência de diferenças significativas de resultados entre os quantis 10, 25, 50, 75 e 90 da amostra.

4. RESULTADOS

4.1 Fatores explicativos do desempenho escolar em linguagens e códigos no Enem

O modelo apresentou R2 igual a 0,3934, o que indica que o conjunto dos fatores medidos é capaz de explicar 39,34% da variância total nos dados. Esse resultado é bem superior aos apresentados por Soares (2007), de 12,3%, e Albernaz, Ferreira e Franco (2002), de 19,6% (Tabela 1). Os resultados mostram uma correlação positiva entre desempenho em Linguagens e Códigos no Enem e custos com limpeza e conservação, semelhante ao achado de Soares (2007), que identificou contribuição positiva da limpeza da escola no desempenho médio dos alunos no Saeb 2001. Tal observação leva a crer que dispêndios dessa natureza podem estar impactando o clima escolar e a sensação de bem-estar dos alunos, produzindo com externalidade positiva um melhor desempenho escolar, embora de efeito bastante limitado, considerando o coeficiente apurado.

Por outro lado, chama a atenção que as variáveis relacionadas com os custos com salários de professor, salários administrativos, salários de diretor, afastamentos do trabalho, vigilância patrimonial, alimentação escolar, transporte escolar, Pedde, água e energia e custo anual total por aluno mostraram comportamento convergente em termos do Enem Linguagens e Códigos. Ou seja, não se mostraram significativas para explicar o desempenho das escolas. Esses resultados contrastam com os achados de Amâncio-Vieira et al. (2015), que identificaram relações negativas entre desempenho escolar em escolas de Ensino Fundamental, custo social da escola e custos administrativos. O que pode estar contido nesses resultados, contudo, independentemente de correlações negativas ou ausência de correlações expressivas, é que a disponibilidade ampla de insumos não constitui necessariamente uma escola de qualidade.

Tabela 1
Regressões estimadas, com modelo de dados em painel, de efeitos fixos, das variáveis explicativas do desempenho escolar em Linguagens e Códigos

Em relação aos custos com salários de professor ou custo com salário-hora de professor contratado, o achado da inexistência de correlação é semelhante ao encontrado por Menezes-Filho e Pazello (2007), que argumentam como explicação que fatores considerados para pagamento de salários de professores da educação básica no Brasil são associados basicamente, conforme legislação, a tempo de serviço e formação de longa duração sem relação direta com o desempenho escolar.

A existência de escola com diretor se mostrou estatisticamente significativa para explicar o desempenho escolar médio no exame. Dessa forma, ter diretor na escola acresceu, em média, 11,29 pontos no Enem. Considerando que o desempenho médio dos alunos das escolas da amostra foi de 473,18 pontos, isso equivaleu a aproximadamente mais 2,39% do total de pontos da avaliação. Esse resultado parece reforçar a importância da gestão escolar no desempenho e no papel central que pode exercer sobre a mobilização de recursos para que sejam utilizados de modo eficiente e adequado, como bem destacam os estudos sobre o tema desde 1970 (Riani e Rios-Neto, 2008; Rutter, 1982, 1983; Shea, 1976).

Ainda em relação às variáveis que compuseram esse grupo, notou-se que não foram significativas para explicar o desempenho as variáveis matrícula total, matrícula por turno, alunos por turma e proporção de professores efetivos.

As variáveis mãe nunca estudou ou não completou a 4ª série, alunos negros e alunos do gênero feminino - todas do grupo características dos alunos e utilizadas como variáveis de controle no modelo - mostraram-se estatisticamente significativas para explicar o desempenho escolar em Linguagens e Códigos no Enem.

Em relação à variável mãe nunca estudou ou não completou a 4ª série, ela apareceu afetando negativamente o desempenho no Enem. Ou seja, a cada 1% de mães de alunos nessa condição na escola, isso representa, em média, um efeito negativo de 0,546 pontos no Enem. No limite, se 100% das mães de alunos tiverem essa característica, o impacto negativo, médio, nos exames seria da ordem de 54,63 pontos no Enem.

O autopoder explicativo das características familiares sobre o desempenho escolar (no caso, a escolaridade da mãe) já havia sido observado em Shea (1976); Rutter (1982, 1983); Lee (2000); Albernaz, Ferreira e Franco (2002); Menezes-Filho (2007); Soares (2007); Riani e Rios-Neto (2008). Adicionalmente, cabe referência à pesquisa desenvolvida por Hart e Risley (2003), que, ao acompanhar a rotina de 42 famílias pelo período de dois anos e meio, chegou à conclusão que crianças de baixa renda ouvem, em média, 30 milhões a menos de palavras que crianças de famílias de renda alta, o que tem influência direta sobre o desenvolvimento da linguagem.

Na mesma direção, a proporção de alunos negros mostrou ter efeito negativo sobre o desempenho escolar em Linguagens e Códigos. Ou seja, a cada 1% de alunos negros, isso representa, em média, um desempenho de 0,656 ponto inferior no exame - ou, se 100% forem negros, de menos 65,60 pontos. Esses resultados parecem sinalizar a importância de políticas educacionais que busquem a equidade, isto é, que garantam que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades e, de fato, aprendam independentemente das condições socioeconômicas e da raça.

Já a proporção de alunos do gênero feminino tem efeito positivo nos resultados observados no exame. Assim, cada 1% de alunos do gênero feminino contribui positivamente com 0,49 ponto aproximadamente - ou mais 48,83 pontos, em média, se todos os alunos forem do gênero feminino. Tal observação sugere que questões relacionadas com gênero também podem ter relação com o aprendizado e carecem de atenção na formulação de políticas na área.

4.2 Fatores explicativos do desempenho escolar em matemática no Enem

O modelo apresentou R2 de 0,3704, sendo ligeiramente inferior ao observado para “Linguagens e Códigos” (Tabela 2). No entanto, o grupo de custos escolares diretos apresentou um quantitativo maior de variáveis significativas para explicar o desempenho escolar em Matemática. Tal fato parece indicar que fatores internos ao ambiente escolar podem ter efeitos mais significativos sobre o desempenho por se tratar de área em que o conhecimento não esteja tão relacionado com o ambiente familiar como a de Linguagens e Códigos, como Hart e Risley (2003) observaram em sua pesquisa.

Tabela 2
Regressões estimadas, com modelo de dados em painel, de efeitos fixos, das variáveis explicativas do desempenho escolar em Matemática

Os custos com salários de professor e salários de diretor aparecem associados positivamente ao desempenho em Matemática, com coeficientes de 0,0299 e 0,0432. Esse comportamento é semelhante ao registrado quanto aos custos com transporte, Pedde, água e energia. Assim, o retorno médio esperado em termos de desempenho escolar em Matemática para cada R$ 100,00 dispendidos com cada um desses itens de custos seria de: mais 2,99 pontos para custos com salários de professor, mais 4,32 pontos para custos com salário de diretor, 5,05 pontos para custos com transporte, 6,28 pontos para custos com Pedde e 5,77 para custos com água e energia. Diante dessas evidências, os resultados em Matemática parecem ser mais sensíveis a itens de custos escolares diretos que as avaliações de Linguagens e Códigos do Enem, o que não havia sido destacado nos estudos realizados até o momento envolvendo avaliações do Ensino Fundamental.

Entre as variáveis relacionadas com organização da oferta escolar, apenas a matrícula por turno - noturno apareceu correlacionada negativamente com o Enem Matemática, evidenciando que escolas com maior proporção de matrículas nesse turno tendem a afetar negativamente o desempenho escolar, sugerindo que pode haver uma associação entre menor carga horária durante o ano letivo, em comparação com o turno diurno, bem como por se tratar, em grande medida, de alunos trabalhadores, com produtividade que pode estar sendo afetada pelo cansaço físico e/ou mental.

Entre as características dos alunos apenas a variável alunos do gênero feminino se mostrou consistente para explicar o desempenho de Matemática. Assim, enquanto ser do gênero feminino pode agregar, no limite, até 49,84 pontos na avaliação de Linguagens e Códigos da escola no Enem, quando se considera a avaliação de Matemática, o efeito é inverso. Dessa maneira, os resultados encontrados sugerem que, quanto maior o número de alunos do gênero feminino, menor o desempenho escolar, podendo representar até 62,24 pontos a menos, ou seja, se 100% dos alunos fossem mulheres. Tal evidência indica a necessidade de políticas públicas específicas voltadas a esse público, de modo a promover maior equidade educacional, assim como foi observado em relação ao desempenho do gênero feminino no exame de Linguagens e Códigos.

4.3 Fatores explicativos do desempenho escolar por quantil

De modo geral, conforme as tabelas 3 e 4, nota-se que para os grupos de variáveis custos escolares diretos e organização da oferta escolar houve comportamento semelhante em termos dos quantis 10, 25 e 50 da amostra. Ou seja, escassas foram as variáveis relacionadas com esses grupos que se mostraram significativas para explicar o desempenho.

Tabela 3
Regressões estimadas, por regressões quantílicas, das variáveis explicativas do desempenho escolar em Linguagens e Códigos

Tal observação sugere que os dispêndios financeiros realizados nessas unidades, bem como a organização da oferta escolar, não foram capazes de produzir qualquer efeito estaticamente considerável sobre o desempenho em análise. Uma vez que se trata das escolas com as situações menos favoráveis, cabe reflexão específica sobre como as políticas públicas podem, de fato, contribuir com a produção de melhores resultados nesses contextos, uma vez que a simples mobilização de recursos não é capaz sozinha de transformar a realidade.

Para o teste específico de Linguagens e Códigos, observou-se que os custos com limpeza e conservação tenderam a afetar positivamente o desempenho das escolas que concentravam 90% dos melhores resultados nos exames entre 2012 e 2015. O mesmo comportamento foi notado em relação à variável escola com diretor. Para essas escolas, parece que os recursos conseguem ser mobilizados de forma mais adequada, produzindo os resultados almejados.

Das variáveis de controle - características de alunos, o fato da mãe nunca ter estudado ou não completado a 4ª série do Ensino Fundamental impactou todos os quantis analisados de forma negativa, com variação dos coeficientes entre 105,0485 e 120,0869. Quanto à proporção de alunos negros, observou-se impacto negativo somente para o desempenho médio das escolas no quantil 90. De qualquer modo, deve-se destacar que, para esse grupo, a cada 10% de alunos que declararam ter essa característica, ela representou 6,15899 pontos a menos de média na avaliação. Quanto ao gênero do aluno, a proporção de meninas matriculadas na escola apareceu afetando positivamente os quantis 10 e 50, com coeficientes de 91,4620 e 76,5536.

Tabela 4
Regressões estimadas, por regressões quantílicas, das variáveis explicativas do desempenho escolar em Matemática

Quanto à avaliação de Matemática no Enem, a análise do grupo custos escolares diretos, por quantil revelou que os custos com salários de professor e custos com salários de diretor afetaram apenas os resultados das escolas que concentravam 75% e 90% das melhores médias na avaliação.

Já para as variáveis do grupo organização da oferta escolar, apenas a matrícula por turno - noturno se mostrou expressiva para explicar o desempenho médio das escolas dos quantis 25, 50, 75 e 90. Assim, a cada 10% de alunos matriculados no turno noturno na escola, isso representa, em média, 3,05881 pontos a menos na média da escola na avaliação de Matemática no Enem (para o quantil 90) até 3,84768 (para o quantil 25).

Do grupo características dos alunos, apenas a escolaridade da mãe - mãe nunca estudou ou não completou a 4ª série - apresentou distinção entre os quantis analisados, se concentrando nos quantis igual ou acima de 50.

5. CONCLUSÃO

O objetivo desta pesquisa foi analisar quais são as relações que os custos escolares diretos têm com o desempenho de escolas públicas no Enem. O uso de dados desagregados por escola possibilitou observar que há uma grande oscilação de custos escolares diretos entre escolas públicas estaduais de Ensino Médio - variando de R$ 1.631,55 a R$ 18.464,65 (embora se mantenha próximo, de um ano para o outro, em relação à mesma escola observada), tendo média de R$ 4.977,17 e desvio padrão de R$ 2.819,00, o que traz o alerta de que o uso dos gastos médios escolares em pesquisas na área pode gerar vieses de análise.

Na média, observou-se que existem correlações estatisticamente significativas entre o desempenho no Enem e variáveis de custos escolares diretos e de organização da oferta escolar. Tal fato diverge de pesquisas anteriores que usaram base de dados com gastos médios escolares e não encontram correlações com o desempenho escolar. Todavia, notou-se que a magnitude dos coeficientes apresentou baixo poder de explicação do desempenho escolar no Enem.

O uso de custos escolares diretos nas análises apresenta indícios de que não necessariamente alocação de mais recursos financeiros em unidades de ensino, geridas pelo estado, configura melhores desempenhos escolares no Enem. Ou seja, os resultados sugerem não bastar que a escola tenha recursos, ela precisa mobilizá-los de maneira planejada, adequada e com propósito claro.

Em relação às variáveis do grupo organização da oferta escolar, a escola ter diretor se mostrou significativo, na média, para explicar o desempenho médio da unidade em Linguagens e Códigos no Enem, o que corrobora a argumentação apresentada anteriormente, ao passo que a proporção de matrículas no turno noturno tem efeito negativo sobre os resultados de Matemática, o que pode estar associado a menor duração das aulas ou, ainda, a menor produtividade dos estudos no período noturno, com frequência constituído por alunos trabalhadores. De outra forma, a quantidade de alunos por turma, um dos itens de maior impacto financeiro sobre os custos escolares diretos, não foi expressiva para explicar o desempenho médio da escola tanto em Linguagens e Códigos quanto em Matemática, no Enem, mais uma vez parecendo reforçar a tese de que não se trata da quantidade, mas sim da forma como os recursos são mobilizados para que se alcancem os resultados almejados.

As variáveis de características dos alunos foram mais uma vez confirmadas, por meio de pesquisa científica, como relevantes para explicar o desempenho escolar e justificam seu uso como variáveis de controle. As variáveis de cor/raça, gênero e escolaridade da mãe se mostraram importantes para explicar o desempenho, em maior ou menor grau, nos modelos gerados.

O detalhamento das análises, por quantis da amostra, revelou comportamento convergente em termos das escolas que concentram os menores resultados médios no Enem. Ou seja, os resultados indicam que as variáveis relacionadas com os custos escolares diretos e organização da oferta escolar não foram significativas para explicar o desempenho nessas unidades. Tal fato sugere a necessidade de particular atenção por parte dos gestores públicos, visando à compreensão da dinâmica específica que leva a esse tipo de comportamento observado, em especial, quanto ao clima escolar nessas unidades.

Assim, os resultados apontam que “mais recursos” nem sempre levam a “melhores resultados”. A questão da melhoria de resultados de desempenho parece estar associada à qualidade da gestão dos recursos e não à sua quantidade. Esses elementos evidenciam ser importantes e sugerem que sejam considerados tanto por pesquisas na área quanto por gestores públicos na tomada de decisões, com o intuito de avançar em termos de qualidade dos serviços prestados.

Por fim, de modo complementar às evidências apresentadas e como forma de contribuição no campo teórico e prático, este estudo apresenta uma metodologia para que se calculem os custos escolares diretos em escolas públicas estaduais de Ensino Médio que pode ser replicada em outros espaços geográficos, sendo esta uma indicação para futuros estudos. Outras possibilidades de abordagem incluem, ainda, a admissão de outros exames, que compõem o Enem, como variáveis dependentes, bem como de fatores relacionados com a equidade no desempenho escolar. Além disso, o escopo de custos pode ser expandido para outros dispêndios financeiros, como investimentos realizados na unidade ao longo de determinado período de análise. Por fim, comparações entre o impacto de custos diretos e/ou de investimentos em escolas de turno parcial e de turno integral também se mostram algo que merece atenção, especialmente em um contexto no qual o Brasil tem com uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) a expansão da oferta de educação em tempo integral até 2024.

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  • Bruno Funchal agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

APÊNDICES

Apêndice A
Variáveis Desempenho escolar no Enem e Custos escolares direto

Fonte: Elaborado pelos autores. Nota: O Pedde repassa recursos financeiros anualmente ao Conselho de Escola de cada unidade estadual para que sejam utilizados na aquisição de bens de consumo e/ou capital, necessários ao desenvolvimento de seus projetos pedagógicos.

Apêndice B
Variáveis Organização da oferta escolar e Características dos alunos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    29 Maio 2017
  • Aceito
    09 Jan 2018
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