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Transversalidade de gênero em políticas públicas no Rio Grande do Norte (2003-2021)

Transversalidad de género en las políticas públicas de Rio Grande do Norte (2003-2021)

Resumo

O artigo investiga as condições institucionais para a transversalidade de gênero em políticas para mulheres e população LGBTQIA+ no Estado do Rio Grande do Norte (RN), em suas desarticulações com o Governo Federal, no período de 2003 a 2021. Para isso, realizamos um process tracing das condições institucionais (instâncias e mecanismos) no Rio Grande do Norte, com base em documentos e entrevistas, considerando três níveis de articulação da transversalidade de gênero (intersetorial; participativa e federativa). Os resultados indicam que a estruturação de condições institucionais combinou avanços e descontinuidades, cuja trajetória teve na orientação ideológica dos governos fator decisivo. Não identificamos um sistema federativo de transversalidade de gênero, caracterizado por dinâmicas colaborativas e dialógicas entre entes federativos. Quando existente, a articulação federativa aproximou-se de um padrão top-down, por meio, principalmente, da indução. Esses achados apontam potencialidades e limites das condições institucionais para a transversalidade de gênero de forma perene.

Palavras-chave:
transversalidade de gênero; política pública; condições institucionais; process tracing; Rio Grande do Norte

Resumen

El artículo investiga las condiciones institucionales para la transversalidad de género en las políticas para las mujeres y LGBTQIA+ en el Estado de Rio Grande do Norte (RN), en su (des)articulación con el Gobierno Federal, de 2003 a 2021. Para ello, realizamos un process tracing de las condiciones institucionales de las políticas (instancias y mecanismos) en RN, a partir de documentos y entrevistas, considerando tres niveles de articulación (intersectorial, participativo y federativo). Los resultados sugieren que la estructuración de las condiciones institucionales estuvo marcada por una combinación de avances y discontinuidades, cuya trayectoria tuvo un factor determinante en la orientación ideológica de los gobiernos. No identificamos un sistema federal de transversalidad de género, con dinámicas colaborativas y dialógicas entre las entidades federativas. Cuando existió, la articulación federativa se acercó a un patrón top down, principalmente a través de la inducción. Estos hallazgos apuntan potencialidades y límites de las condiciones institucionales para la perennidad de la transversalidad de género.

Palabras clave:
transversalidad de género; política pública; condiciones institucionales; process tracing; Rio Grande do Norte

Abstract

The article investigates the institutional conditions for gender mainstreaming in policies for women and the LGBTQIA+ population in the Brazilian State of Rio Grande do Norte (RN), regarding their (dis)connection with the Federal Government, from 2003 to 2021. Based on documents and interviews, we carried out process-tracing of the institutional conditions of these policies (entities and mechanisms) in RN, considering three coordination levels (intersectoral, participatory, and federative). The results indicate that the structuring of institutional conditions was marked by a combination of advances and discontinuities of which the ideological orientation of governments was the decisive factor. We did not identify a federative system of gender mainstreaming characterized by collaborative and dialogic dynamics between federative entities. When present, federative coordination favoured a top-down approach, mainly through induction. These findings point to the potential and limits of institutional conditions for gender mainstreaming in a sustainable fashion.

Keywords:
gender mainstreaming; public policy; institutional conditions; process tracing; Rio Grande do Norte

1. INTRODUÇÃO

As reivindicações feministas e da comunidade LGBTQIA+ por políticas públicas e direitos enfrentam resistência de grupos conservadores e ainda resvalam em tradições patriarcais sedimentadas nas instituições, incluindo organizações estatais (Bandeira, 2005Bandeira, L. M. (2005). Fortalecimento da SPM: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília, DF: Cepal, SPM.; Marcondes, 2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.). Governos de esquerda/progressistas tendem a ser mais receptivos a essas pautas, ainda que de forma limitada, ambígua e contraditória (Trevisan, 2018Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.). Foi o que ocorreu na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT) em nível federal (2003-2016), na qual as políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ adotaram a transversalidade de gênero como estratégia (Bandeira, 2005Bandeira, L. M. (2005). Fortalecimento da SPM: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília, DF: Cepal, SPM.; Walby, 2005Walby, S. (2005). Gender mainstreaming: productive tensions in theory and practice. Social Politics: International Studies in Gender, State & Society, 12(3), 321-343. Recuperado de https://doi.org/10.1093/sp/jxi018
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).

Entendemos, com base em Marcondes (2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.) e Marcondes e Farah (2020)Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2012). Plano Plurianual (2012-2015). Natal, RN: Autor., a transversalidade de gênero em políticas públicas como um processo de incorporação de novas perspectivas para reorientar ações públicas pela agenda política dos movimentos que lutam pela igualdade de gênero. Segundo as autoras, esse processo pressupõe a estruturação de condições institucionais (instâncias e mecanismos) para a gestão de políticas e sua democratização, que correspondem, respectivamente, à articulação intersetorial e participativa da transversalidade. Em um estado federativo como o brasileiro, é necessário considerar, ainda, uma terceira articulação - a federativa -, que abrange a dinâmica de transversalidade entre entes nacionais e subnacionais.

Em face dessa abordagem teórica, nosso objetivo é analisar as condições institucionais para a transversalidade de gênero em políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+1 1 Há múltiplas utilizações da sigla, cuja construção é dinâmica (vide Facchini, 2020). No texto, damos preferência à LGBTQIA+ e, em alguns casos, optamos por manter a nomenclatura utilizada nos dados consultados. no Rio Grande do Norte (RN) (2003-2021), considerando as três articulações da transversalidade de gênero (intersetorial, participativa e federativa). Para isso, com a análise documental e entrevistas, reconstruímos, por meio do process tracing (Collier, 2011Collier, D. (2011). Understanding Process Tracing. Political Science & Politics, 44(4), 823-830. Recuperado dehttps://doi.org/10.1017/S1049096511001429
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; Mahoney, 2012Mahoney, J. (2012). The logic of process tracing tests in the social sciences. Sociological Methods & Research, 41(4), 570-597. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0049124112437709
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), a trajetória de condições institucionais no RN ante a trajetória nacional.

O artigo divide-se em seis partes, incluindo a introdução. A segunda e a terceira seções abarcam, respectivamente, o referencial teórico e a metodologia. A quarta parte apresenta a análise de condições institucionais em nível federal, enquanto, na quinta, enfocamos o Rio Grande do Norte (RN). Na última seção, discutimos os resultados e assinalamos contribuições e limitações da pesquisa que realizamos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

No Brasil, a transversalidade de gênero foi adotada, principalmente, como estratégia para a estruturação de políticas para mulheres, em sintonia com a IV Conferência Mundial da Mulher (Beijing, 1995) (Bandeira, 2005Bandeira, L. M. (2005). Fortalecimento da SPM: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília, DF: Cepal, SPM.; Walby, 2005Walby, S. (2005). Gender mainstreaming: productive tensions in theory and practice. Social Politics: International Studies in Gender, State & Society, 12(3), 321-343. Recuperado de https://doi.org/10.1093/sp/jxi018
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). Trata-se de um reflexo dos primórdios das teorias e práticas sobre gênero protagonizadas pelos movimentos feministas, que enfocavam a situação da mulher, com o intuito de politizar e desnaturalizar a opressão feminina (Piscitelli, 2002Piscitelli, A. (2002). Re-criando a (categoria) mulher? In L. Algranti (Org.), A prática feminista e o conceito de gênero. Textos didáticos (vol. 48, pp. 7-42). Campinas, SP: IFCH/Unicamp.; Scott, 1995Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife, PE: SOS Corpo.). Contudo, a dinamicidade das teorias e práticas de gênero reposicionaram seus significados, com a contribuição decisiva dos movimentos LGBTQIA+, especialmente de pessoas transexuais (Aguião, 2017; Butler, 2003Butler, J. P.(2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira.). As novas teorias e práticas de gênero denunciaram o binarismo e os anseios universalizantes de abordagens anteriores, preconizando a compreensão da relação de gênero em sua totalidade contraditória, que abrange os nós da matriz sexo/gênero/desejo (Aguião, 2017; Butler, 2003Butler, J. P.(2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira.; Piscitelli, 2002Piscitelli, A. (2002). Re-criando a (categoria) mulher? In L. Algranti (Org.), A prática feminista e o conceito de gênero. Textos didáticos (vol. 48, pp. 7-42). Campinas, SP: IFCH/Unicamp.). Com essa ampliação dos significados de gênero, a própria noção de transversalidade de gênero amplia-se, de modo que pode ser mobilizada pelas políticas para a comunidade LGBTQIA+.

Como conceito, a transversalidade pode ser entendida como um processo de incorporação de perspectivas de igualdade de gênero às ações públicas, para reorientá-las pelas agendas dos movimentos feministas e da comunidade LGBTQIA+ (Bandeira, 2005Bandeira, L. M. (2005). Fortalecimento da SPM: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília, DF: Cepal, SPM.; Marcondes & Farah, 2020; Walby, 2005Walby, S. (2005). Gender mainstreaming: productive tensions in theory and practice. Social Politics: International Studies in Gender, State & Society, 12(3), 321-343. Recuperado de https://doi.org/10.1093/sp/jxi018
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). O processo de transversalidade é permeado pela dinâmica de negociação e conflitos entre sujeitos (governamentais e não governamentais), que ocorre em determinados contextos políticos e que requer condições institucionais para a sua gestão e democratização. Segundo Marcondes (2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.), essas condições institucionais abarcam instâncias (p. ex., organismos de políticas para mulheres [OPMs] e conselhos) e mecanismos (p. ex., planos).

É possível recorrer à metáfora gramsciana de guerra de posição para compreender que condições institucionais se estruturam como parte de uma disputa de hegemonia, por meio da qual as posições conquistadas são, simultaneamente, postos de defesa e de ataque. Consequentemente, a criação de condições institucionais é necessária, porém, não é suficiente para a efetivação do compromisso com a igualdade de gênero (Farah, 2004Farah, M. F. S. (2004). Gênero e políticas públicas. Revista Estudos Feministas, 12(1), 47-71. Recuperado dehttps://doi.org/10.1590/S0104-026X2004000100004
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). Um OPM pode não influenciar políticas públicas, por exemplo.

A estruturação de condições institucionais envolve diferentes níveis, segundo Marcondes (2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.) e Marcondes e Farah (2020). É o caso da integração entre setores governamentais e, ainda, da relação Estado-sociedade, que denominamos, neste trabalho, articulações intersetorial e participativa, respectivamente. países como o Brasil, é necessário considerar também uma terceira articulação: a federativa. A arquitetura federativa é estruturada, em cada política social, para viabilizar a autonomia dos entes federados e a coordenação governamental (Costa & Palotti, 2011Costa, B. L. D., & Palotti, P. L. M. (2011). Relações intergovernamentais e descentralização: uma análise da implementação do SUAS em Minas Gerais. Revista de Sociologia e Política, 19(39), 211-235. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000200015
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). As diferentes capacidades institucionais de gestão dos entes subnacionais constituem elementos importantes para viabilizar processos de políticas públicas, bem como para inovar e retroalimentar o fluxo decisório de políticas. Estas podem assumir novas configurações, em função das interações entre sujeitos envolvidos e das condições objetivas de recursos (p. ex., humanos, financeiros, materiais).

Com relação à transversalidade, a articulação federativa pode envolver o que denominamos, com base em Marcondes, Diniz, e Farah (2018Marcondes, M. M., Diniz, A. P. R., & Farah, M. F. S. (2018). Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil. Revista do Serviço Público, 69(2), 36-62. Recuperado dehttps://doi.org/10.21874/rsp.v69i2.2297
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), transversalidade federativa vertical. Ela abarca o fomento do Governo Federal à criação de organismos de políticas em níveis subnacionais, elaboração de planos e criação de instâncias e mecanismos de participação social. Seu caráter verticalizado decorre dos mecanismos de indução dos entes subnacionais pelo governo federal (Arretche, 2004Arretche, M. (2004). Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo em Perspectiva, 18(2), 17-26. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-88392004000200003
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; Costa & Palotti, 2011Costa, B. L. D., & Palotti, P. L. M. (2011). Relações intergovernamentais e descentralização: uma análise da implementação do SUAS em Minas Gerais. Revista de Sociologia e Política, 19(39), 211-235. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0104-44782011000200015
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), em uma perspectiva top-down de coordenação federativa. Outros arranjos de transversalidade federativa são também possíveis, como aqueles em que predominam colaboração e cooperação entre entes federativos, de forma dialógica, que denominamos sistema federativo de transversalidade.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa, de natureza qualitativa, explora e descreve o fenômeno (Sampieri, Collado, & Lucio, 2006Sampieri, R. H., Collado, C. F., & Lucio, P. B. (2006). Metodologia de pesquisa(3a ed.). São Paulo, SP: McGraw-Hill.), visando adensar a noção de transversalidade de gênero por meio do contexto subnacional e da análise de políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+.

Embora gênero possa referir-se a ambas, as trajetórias de institucionalização das duas políticas são diferentes, sendo a política para mulheres mais antiga, consolidada e estudada. A análise combinada de ambas contribui para a compreensão sobre teorias e práticas de transversalidade de gênero.

Inovações em transversalidade em políticas estaduais são pouco exploradas, especialmente quanto às mediações entre os níveis nacional e subnacional. O avanço na análise das realidades estaduais permite não apenas adensar o que já sabemos sobre a articulação intersetorial e participativa, mas também ilumina o aspecto que é o mais marginal em práticas e teorias sobre transversalidade: a articulação federativa. Além disso, mudanças conjunturais na política nacional e subnacional desafiam a institucionalização de políticas, especialmente aquelas cujas trajetórias são mais recentes, como as políticas para as mulheres e o movimento LGBTQIA+. Foi o que ocorreu no Brasil após o golpe de 2016, que destituiu Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República, com posterior eleição de Jair Bolsonaro.

Diante desses aspectos, escolhemos analisar o caso do RN, em sua articulação com o Governo Federal, no período de 2003-2021, em função do mosaico de realidades políticas encontradas, ao longo do tempo, que tornam o caso aderente ao objetivo do artigo. O recorte longitudinal permitiu agregar elementos conjunturais que viabilizam a apreciação de efeitos de sístoles e diástoles que as mudanças em nível nacional produzem em nível subnacional, considerando preferências e contextos político-institucionais com vieses distintos nos dois níveis, conforme pode-se constatar no Quadro 1.

QUADRO 1
RECORTE TEMPORAL DA ANÁLISE E MAPA POLÍTICO: SÍNTESE

Recorremos ao process tracing (rastreamento de processos) em virtude dos desafios inerentes à investigação de condições institucionais. Trata-se de método para a análise das trajetórias dentro de um caso (within-case), com descrições de sequências, continuidades e rupturas, que possibilitam descrever ou explicar fenômenos (Collier, 2011Collier, D. (2011). Understanding Process Tracing. Political Science & Politics, 44(4), 823-830. Recuperado dehttps://doi.org/10.1017/S1049096511001429
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; Mahoney, 2012Mahoney, J. (2012). The logic of process tracing tests in the social sciences. Sociological Methods & Research, 41(4), 570-597. Recuperado dehttps://doi.org/10.1177/0049124112437709
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). Nossa abordagem analisa a trajetória pelas alternâncias e mudanças institucionais, mediadas por distintos vieses político-ideológicos nos Governos Federal e potiguar.

A fonte de dados foi constituída, principalmente, de documentos e dados oficiais (atos normativos e planos, como os três Planos Plurianuais do RN [PPA]; Estadic/IBGE). Também foram utilizadas entrevistas para triangulação de dados e aprofundamento de análises. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas entre os anos 2020 e 2021, com base em um roteiro de perguntas orientadoras. As entrevistas foram gravadas, com permissão prévia, transcritas e relatadas e a utilização para a pesquisa foi autorizada, tendo sido negociados os termos de identificação, uma vez que se optou por manter o anonimato. O perfil das pessoas entrevistadas é descrito a seguir.

QUADRO 2
PERFIL DAS PESSOAS ENTREVISTADAS

A análise das condições institucionais para a transversalidade de gênero enfocou as articulações federativa, intersetorial e participativa no RN, em face do contexto nacional. Para isso, na coleta e análise de dados (Quadro 3), consideramos as três articulações e, ainda, indicadores e parâmetros do Observatório de Igualdade de Gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal, 2021 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. (2021). Observatório da Igualdade de Gênero. Santiago, Chile: Autor.), do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, 2015Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. (2015). Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR). Brasília, DF: Autor.) e de Marcondes (2019Marcondes, M. M. (2019). Transversalidade de gênero em políticas de cuidado: uma análise comparada das políticas de cuidado infantil no Brasil, Argentina e Uruguai durante o giro à esquerda (Tese de Doutorado). Fundação Getulio Vargas, São Paulo, SP.) como referências.

QUADRO 3
COLETA E ANÁLISE DE DADOS

4. CONTEXTUALIZAÇÃO: TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO EM NÍVEL NACIONAL

4.1. Antecedentes

O Conselho Nacional de Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985, foi um marco nas condições institucionais para a transversalidade nas políticas para as mulheres (Carvalho, 2018Carvalho, L. P. (2018). A SPM e as políticas para as mulheres no Brasil: saltos e sobressaltos na institucionalização das demandas das agendas feministas. In M. Matos, & S. E. Alvarez (Eds.), Quem são as mulheres das políticas para mulheres no Brasil? (vol. 1, pp. 87-138). Porto Alegre, RS: Zouk.). O CNDM impulsionou reivindicações femininas na elaboração da Constituição Federal de 1988, mas foi desestruturado nos primeiros anos da década de 1990 e só voltou a ter relevância durante a Conferência de Beijing, em 1995 (Fernandes, 2004Fernandes, M. R. (2004). A história oficial omite, eu conto: mulheres em luta no RN. Natal, RN: EDUFRN.; Pimenta, 2010Pimenta, F. F. (2010). Políticas feministas e os feminismos na política: o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1985-2005) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.). No final do governo FHC, em 2002, foi criada a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher (Sedim) no Ministério da Justiça, ainda que parcialmente efetivada (Pimenta, 2010Pimenta, F. F. (2010). Políticas feministas e os feminismos na política: o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1985-2005) (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Brasília, DF.).

A população LGBTQIA+, por sua vez, entrou na agenda pública brasileira na década de 1980, com a epidemia HIV/Aids, ainda que, desde a redemocratização, houvesse demandas da comunidade por ações de despatologização da então nomeada homossexualidade e, ainda, de combate à discriminação (Facchini, 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.; Irineu, 2014Irineu, B. A. (2014). 10 anos do programa Brasil sem Homofobia: notas críticas. Temporalis, 14(28), 193-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
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; Mello, Avelar, & Maroja, 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005). Progressivamente, a atenção às necessidades dessa comunidade foi articulada com as políticas de direitos humanos, especialmente pelo Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que, segundo Facchini (2020), adotou pela primeira vez o uso do termo “homossexual” em documentos governamentais federais para além da HIV/Aids. Com efeito, em suas duas primeiras edições, há menções à proteção e ao enfrentamento da violência contra homossexuais (Ministério da Justiça, 1996) e previsão de ações para garantir os direitos de GLBTT (Ministério da Justiça, 2002).

Não houve, contudo, a criação de instâncias de participação social relacionadas com a comunidade LGBTQIA+. Ainda que, em 2001, tenha sido instituído o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos (SDH) do Ministério da Justiça (Decreto nº 3.952, de 4 de outubro de 2001Decreto nº 3.952, de 4 de outubro de 2001. (2001). Dispõe sobre o Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD. Brasília, DF. Recuperado dehttps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/D3952.htm
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), cujo escopo era a discriminação em geral. Os assentos da sociedade civil foram destinados, sobretudo, à comunidade negra, não havendo menção à população LGBTQIA+ (Pompeu & Motter, 2020Pompeu, J. C. B., & Motter, J. (2020). Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Agenda Política e Atividades Executadas. In D. P. Avelino, I. F. Fonseca, & J. C. B. Pompeu (Eds.), Conselhos Nacionais de Direitos Humanos: uma análise da agenda política(pp. 135-156). Brasília, DF: IPEA.).

Em síntese, as reivindicações das mulheres e da comunidade LGBTQIA+ já integravam o debate político brasileiro antes dos governos federais petistas e registravam-se iniciativas de políticas voltadas a elas. Todavia, as condições institucionais que as amparavam mostravam-se frágeis, especialmente na política para a população LGBTQIA+, e a trajetória das duas políticas não se conectava.

4.2. Governos Petistas (2003-2015)

No governo Lula (PT), em 2003, foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), com estatuto ministerial vinculada à Presidência, tornando-se, posteriormente, ministério. Seu objetivo era a coordenação, a articulação e o monitoramento de políticas para as mulheres. O CNDM foi vinculado a ela para garantir participação dos movimentos sociais, com a maioria dos assentos destinados à sociedade civil, embora a presidência fosse da SPM (Carvalho, 2018Carvalho, L. P. (2018). A SPM e as políticas para as mulheres no Brasil: saltos e sobressaltos na institucionalização das demandas das agendas feministas. In M. Matos, & S. E. Alvarez (Eds.), Quem são as mulheres das políticas para mulheres no Brasil? (vol. 1, pp. 87-138). Porto Alegre, RS: Zouk.).

Para a estruturação da gestão da transversalidade, os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (PNPMs) tornaram-se centrais (Bandeira, 2005Bandeira, L. M. (2005). Fortalecimento da SPM: avançar na transversalidade da perspectiva de Gênero nas Políticas Públicas. Brasília, DF: Cepal, SPM.). Foram três planos (I PNPM [2004Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2004). I Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor.]; II PNPM [2008Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor.]; PNPM 2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor. -2015 [2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor.]) que sustentaram ações, objetivos e metas relacionadas com múltiplas dimensões de desigualdades, como violência; desigualdade econômica e no mundo do trabalho; na educação; na saúde e nos direitos sexuais e reprodutivos. É importante destacar que a política, o plano e a SPM eram voltadas para as mulheres, e não para a relação de gênero como um todo, posição que era assumida como uma tática dos movimentos feministas e de mulheres (Godinho, 2004Godinho, T. (2004). Construir a igualdade combatendo a discriminação. In T. Godinho, & M. L. Silveira(Orgs.), Políticas públicas e igualdade de gênero (pp. 55-64). São Paulo, SP: Coordenadoria Especial da Mulher.).

A gestão da transversalidade prevista no PNPM foi atribuída à SPM, em parceria com o Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano, composto por órgãos governamentais, entes subnacionais, organismos internacionais e representantes do CNDM (Secretaria de Políticas para as Mulheres [SNPM], 2004Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2004). I Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor., 2008Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor., 2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor.). O PNPM e o comitê constituíram arranjos intersetoriais, com a participação social, conectando gestão da transversalidade e democratização. As edições dos PNPMs derivaram de resoluções das Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (CNPM) (SNPM, 2004Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2004). I Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor., 2008Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor., 2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor.)). A 4a CNPM, contudo, ocorreu concomitantemente ao golpe de 2016, o que inviabilizou a influência dos resultados nas políticas públicas.

A federalização da transversalidade ganhou densidade com o II PNPM. Na avaliação do I PNPM, destacou-se como um avanço “a criação de organismos governamentais estaduais e municipais para coordenação e gerenciamento das políticas para as mulheres” (SNPM, 200Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor.8, p. 23) e, como desafio, “a não existência de organismos de políticas para as mulheres em inúmeros governos estaduais e na maioria dos governos municipais” (SNPM, 2008Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2008). II Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres. Brasília, DF: Autor., p. 23). O II PNPM previu a criação e o fortalecimento de OPMs de planos em estados e municípios e do Fórum Nacional de OPMs, coordenado pela SPM, para difundir boas práticas e articular ações conjuntas. O fortalecimento do fórum tornou-se uma prioridade do PNPM 2013-2015 (SNPM, 2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor.).

Para estimular a federalização da transversalidade, a SPM passou a apoiar a criação de OPMs e a elaboração de planos, por meio de assistência técnica e material informativo. Assim, assumiu a dimensão federativa como uma das três bases da transversalidade, juntamente com a gestão da transversalidade, a participação e o controle social (SNPM, 2013Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres 2013-2015 Brasília, DF: Autor.). Na 4ª CNPM, em 2016, discutiu-se a estruturação de um Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres, a exemplo do Sinapir e do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na política para a população LGBQTIA+, registraram-se avanços durante o primeiro governo Lula (Trevisan, 2018Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.), com a criação, em parceria com lideranças de movimentos, do Programa Brasil sem Homofobia (2004), na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) (Aguião, 2017; Facchini 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.). Intersetorial, abrangeu ações para o combate à discriminação e a promoção da cidadania da população LGBTQIA+, provido de orçamento e de equipe executiva (Irineu, 2014Irineu, B. A. (2014). 10 anos do programa Brasil sem Homofobia: notas críticas. Temporalis, 14(28), 193-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
https://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v...
; Mello et al., 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005). Em 2005, o CNCD foi reformulado e passou a prever a representação do segmento de GLBT (Decreto nº 5.397 de 22 de março de 2005Decreto nº 5.397 de 22 de março de 2005. (2005). Dispõe sobre a composição, competência e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação - CNCD. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5397.htm
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; Pompeu & Motter, 2020Pompeu, J. C. B., & Motter, J. (2020). Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Agenda Política e Atividades Executadas. In D. P. Avelino, I. F. Fonseca, & J. C. B. Pompeu (Eds.), Conselhos Nacionais de Direitos Humanos: uma análise da agenda política(pp. 135-156). Brasília, DF: IPEA.).

A partir de 2008, a institucionalização de políticas LGBTQIA+ ganhou impulso, com a realização da I Conferência Nacional GLBTT (Aguião, 2017; Facchini 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.). Outro resultado foi a edição, em 2009, de um Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (Aguião, 2017; Mello et al., 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005; Trevisan, 2018Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.). Ele contou, na implantação, com a criação da Coordenação Geral de Promoção dos Direitos Humanos LGBT, na SDH/PR, que resultou na ampliação de orçamento e equipe (Irineu, 2014Irineu, B. A. (2014). 10 anos do programa Brasil sem Homofobia: notas críticas. Temporalis, 14(28), 193-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
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) e, ainda, na criação de um Grupo de Trabalho Interministerial, apoiado por Comitê Técnico (Secretaria Especial dos Direitos Humanos [SEDH], 2009aSecretaria Especial dos Direitos Humanos. (2009a, maio). Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília, DF: Autor.). Em 2009, foi editado o PNDH-3 (SEDH, 2009bSecretaria Especial dos Direitos Humanos. (2009b). Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília, DF: Autor.), que previu, entre outras iniciativas, ações com atenção a travestis e transexuais (Mello et al., 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005).

Em 2010, o CNCD foi reestruturado e vinculou-se à política de combate à discriminação e promoção e defesa de direitos LGBT (Decreto Estadual nº 7.388, de 2010; Pompeu & Motter, 2020Pompeu, J. C. B., & Motter, J. (2020). Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Agenda Política e Atividades Executadas. In D. P. Avelino, I. F. Fonseca, & J. C. B. Pompeu (Eds.), Conselhos Nacionais de Direitos Humanos: uma análise da agenda política(pp. 135-156). Brasília, DF: IPEA.). O CNCD/LGBT, com participação paritária de governo e sociedade civil, deu voz ao movimento, contribuindo para avanços nas políticas para tal população (Aguião, 2017; Mello et al., 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005). O CNCD foi fundamental na liderança da realização das segunda e terceira conferências (Pompeu & Motter, 2020Pompeu, J. C. B., & Motter, J. (2020). Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Agenda Política e Atividades Executadas. In D. P. Avelino, I. F. Fonseca, & J. C. B. Pompeu (Eds.), Conselhos Nacionais de Direitos Humanos: uma análise da agenda política(pp. 135-156). Brasília, DF: IPEA.), que ocorreram em 2011 e 2016, respectivamente (Aguião, 2017; Facchini 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.; Irineu, 2014Irineu, B. A. (2014). 10 anos do programa Brasil sem Homofobia: notas críticas. Temporalis, 14(28), 193-220. Recuperado dehttps://doi.org/10.22422/2238-1856.2014v14n28p193-220
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).

O Plano Nacional, por sua vez, identificou a necessidade de criar uma rede institucional que envolvesse os três níveis federativos para a implementação de políticas (SEDH, 2009aSecretaria Especial dos Direitos Humanos. (2009a, maio). Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília, DF: Autor.). Por isso, estabeleceu a cooperação federativa para a promoção de cidadania e a defesa dos direitos humanos para “articular e estimular a criação de estruturas de coordenação da política para LGBT, no âmbito estadual, municipal e distrital” (SEDH, 2009aSecretaria Especial dos Direitos Humanos. (2009a, maio). Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT. Brasília, DF: Autor., p. 37). Além disso, houve esforço para a criação de um Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra LGBT, que visava, entre outros objetivos, incentivar e apoiar a instalação de conselhos e coordenadorias LGBT em diferentes níveis federativos, além de promover a interlocução entre os três poderes (Portaria nº 766, de 3 de julho de 2013Portaria nº 766, de 3 de julho de 2013. (2013). Institui o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência Contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT e dá outras providências. Brasília, DF.). Assim, a articulação federativa esteve em pauta na estruturação da política, ainda que não tenha sido plenamente efetivada.

Ainda durante os governos Dilma, ocorreram avanços na política LGBTQIA+, principalmente por decisões judiciais - como no caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo e de adoção de crianças (Facchini, 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.; Trevisan, 2018Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.) -, sob resistência de setores conservadores. Como observam Facchini (2020)Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp. e Trevisan (2018)Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva., as pautas feministas e LGBTQIA+ tiveram avanços dúbios e resultados fragmentados, tendo sido recorrentemente usadas como moeda de troca em negociações dos governos petistas com lideranças neopentecostais e outras forças políticas conservadoras. Foi o que ocorreu em 2011, durante o governo Dilma, quando o programa Escola sem Homofobia foi acusado de promover o “kit gay”, o que levou a presidenta a cancelar a distribuição de material didático contra a homofobia (Trevisan, 2018Trevisan, J. S. (2018). Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil da colônia à atualidade (4a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Objetiva.).

A Figura 1 sintetiza a descrição da trajetória das duas políticas em nível nacional.

FIGURA 1
POLÍTICAS DE GÊNERO: PRINCIPAIS MARCOS (GOVERNO FEDERAL - 2003/2016)

A trajetória das políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ não se integrou e ainda apresentou diferentes níveis de institucionalização, sendo a política para as mulheres mais proeminente ao longo do percurso analisado, uma vez que tinha uma história anterior de estruturação. A política para a população LGBTQIA+ enfrentou um desafio adicional: ainda que, como observa Facchini (2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.), o ambiente político internacional estivesse mais aberto à pauta desde a década de 1990, não havia, como na política para as mulheres, tratados nem convenções internacionais orientadores sobre o tema, como destacou o entrevistado E.6. Ademais, o Brasil sem Homofobia e o Plano Nacional para População LGBTQIA+ tiveram poucos resultados práticos, diferentemente de iniciativas como a da Lei Maria da Penha.

4.3. Atualidade (2016-)

As condições institucionais para as políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ já sofrera alterações durante o segundo mandato de Dilma. Em 2015, a SPM foi extinta como órgão autônomo, passando a integrar o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos (Marcondes et al., 2018Marcondes, M. M., Diniz, A. P. R., & Farah, M. F. S. (2018). Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil. Revista do Serviço Público, 69(2), 36-62. Recuperado dehttps://doi.org/10.21874/rsp.v69i2.2297
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). Depois do golpe e do início do governo Temer, advieram sucessivas mudanças no desenho organizacional da SPM e, em 2017, a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres foi recriada na Secretaria de Governo da Presidência da República (Marcondes et al., 2018Marcondes, M. M., Diniz, A. P. R., & Farah, M. F. S. (2018). Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil. Revista do Serviço Público, 69(2), 36-62. Recuperado dehttps://doi.org/10.21874/rsp.v69i2.2297
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). Nessa conjuntura, o CNDM sofreu renúncia coletiva de representação da sociedade civil (SOS Corpo, 2016SOS Corpo. (2016, junho). Carta de renúncia de conselheiras no CNDM. Recuperado de https://soscorpo.org/?p=4319
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).

Ainda que o governo Temer não tenha assumido o compromisso da igualdade de gênero como uma agenda política relevante, houve iniciativas nesse sentido. Foi o caso do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra LGBT, estabelecido em 2018, com o propósito de articular e integrar ações para o enfrentamento da violência que acomete essa população, por meio de colaboração federativa (Pomeu & Motter, 2020Pompeu, J. C. B., & Motter, J. (2020). Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais: Agenda Política e Atividades Executadas. In D. P. Avelino, I. F. Fonseca, & J. C. B. Pompeu (Eds.), Conselhos Nacionais de Direitos Humanos: uma análise da agenda política(pp. 135-156). Brasília, DF: IPEA.).

O governo Bolsonaro, por sua vez, posicionou-se contrariamente às reivindicações dos movimentos feministas e LGBTQIA+ (Facchini, 2020Facchini, R. (2020). De homossexuais a LGBTQIAP+: sujeitos políticos, saberes, mudanças e enquadramentos. In R. Fachinni, & I. L. França (Eds.), Direitos em disputa: LGBTI+, poder e diferença no Brasil contemporâneo (pp. 31-70). Campinas, SP: Editora Unicamp.). As condições institucionais para a transversalidade, entretanto, não foram integralmente desfeitas, ainda que tenham sido esvaziadas e modificadas. Foi instituído o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, orientado pelo conceito de família tradicional. O CNDM, instituído por lei, não foi extinto, mas passou a ser presidido pela Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, de caráter conservador.

A “desinstitucionalização” adveio, assim, pelo esvaziamento. Os conselhos CNCD/LGBT integraram o rol de extinções nos primeiros dias do governo Bolsonaro (Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019. (2019). Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9759.htm
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). Sua recriação, posterior, não trazia referência à comunidade LGBTQIA+ (Decreto nº 9.883, de 27 de junho de 2019Butler, J. P.(2003). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira.). Foi, ainda, reduzida sua composição que, da parte do governo, é integrada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e, da parte da sociedade civil, conta com apenas três membros da sociedade civil. A sua composição, desde 2010, contava com 15 participantes de cada segmento (governamental e da sociedade civil). Finalmente, as conferências de políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+, que foram fundamentais para legitimar e estruturar as respectivas políticas, não foram realizadas desde então.

O ocorrido com o CNCD evidenciou a fragilidade institucional da política LGBTQIA+. É ilustrativo que seu Plano Nacional não tenha sido instituído por decreto (Mello et al., 2012Mello, L, Avelar, R. B., & Maroja, D. (2012). Por onde andam as políticas públicas para a população LGBT no Brasil. Sociedade e Estado, 27(2), 289-312. Recuperado de https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000200005), como fora o PNPM, e que o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência LGBT tenha sido editado por uma portaria.

5. TRANSVERSALIDADE DE GÊNERO NO RN (2011-2021)

5.1. Wilma de Faria (2003-2010)

A gestão da governadora “psdbista” representou avanços nas políticas para as mulheres, ainda que a relação da governadora com os movimentos feministas tenha sido historicamente marcada por tensões (Fernandes, 2004Fernandes, M. R. (2004). A história oficial omite, eu conto: mulheres em luta no RN. Natal, RN: EDUFRN.). Em 2007, instalou-se a Coordenação Estadual de Políticas para as Mulheres (Cepam), na Secretaria de Estado do Trabalho, Justiça e Cidadania (Sejuc), para coordenar políticas para as mulheres (Lei complementar nº 340, de 31 de janeiro de 2007Lei complementar nº 340, de 31 de janeiro de 2007. (2007). Altera a Lei Complementar Estadual nº 163, de 5 de fevereiro de 1999, dispondo sobre Órgãos e Entes do Poder Executivo do Estado, e dá outras providências. Natal, RN.), com convocação da II Conferência Estadual (Decreto nº 21.054, de 06 de março de 2009). Em 2009, foi elaborado o Plano Estadual de Políticas para as Mulheres (2009-2013).

A maioria dos eixos da II PNPM foi reproduzida na II Conferência estadual e no plano estadual, como a valorização da transversalidade em interface com outras desigualdades (racismo e lesbofobia e questões geracionais) (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2009Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2012). Plano Plurianual (2012-2015). Natal, RN: Autor.), indicando um espelhamento da experiência federal na estadual. O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM), composto, em sua maioria, por membros da sociedade civil (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012), participou da elaboração do Plano Estadual e tornou-se responsável por seu monitoramento, juntamente com a comissão de elaboração, como pontuou a entrevistada E.1, o que também remete à experiência nacional. Entretanto, a difusão do plano foi restrita (o documento não se encontra disponível na internet).

As políticas LGBTQIA+ no RN limitaram-se a ações episódicas que não dependeram diretamente do Executivo estadual. Foi o caso da previsão de penalidades para práticas violentas e discriminatórias contra homossexuais, bissexuais ou pessoas transgêneras (Lei nº 9.036, 29 de novembro de 2007).

5.2. Rosalba Ciarlini (2011-2014)

O governo de Rosalba Ciarlini (DEM) iniciou-se com o primeiro governo de Dilma, quando as condições institucionais de transversalidade das políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+, em nível federal, já haviam avançado. O Estadic (IBGE, 2012) revela que, na gestão Rosalba, não houve alterações nas estruturas formais da transversalidade das políticas para as mulheres e na democratização. Todavia, a entrevistada E.1 - membro do conselho na gestão anterior - informa que:

Nós tínhamos material para estruturar toda a coordenadoria, computadores, mesas, carro e tudo. Na época, o Governo Federal disponibilizava o material, bastava fazer o projeto e mandar. E a gente fez o projeto. Quando estávamos para receber […] Aí, pronto […] Wilma perdeu o governo e veio outra pessoa que era oposição e não deu continuidade nenhuma. Eu acredito que não deu continuidade a nenhuma política. Ficou aquela coisa, a coordenadoria fazendo uma coisa aqui, uma coisa pontual.

O Plano Estadual de Políticas para as Mulheres não orientou a elaboração do PPA (2012-2015), ainda que ele seja mencionado como referência na justificativa do Programa Cidadania Feminina, no PPA, que assumia a necessidade de criar ações para eliminar discriminações e desigualdades em decorrência da existência do plano (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2012Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2012). Plano Plurianual (2012-2015). Natal, RN: Autor.).

O programa, contudo, limitou-se a iniciativas voltadas às mulheres, com foco em violência, vulnerabilidade e discriminação (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2012), destoando da complexidade do plano estadual.

No PPA (2012-2015), as ações centraram-se em produção e difusão de conhecimento, com escopo ainda mais estrito do que o próprio plano estadual. O plano contou com R$ 900 mil de orçamento, dos quais R$ 500 mil eram de origem federal. O plano estadual, que vigorou até 2013, não foi atualizado. Efeitos similares foram sentidos na participação social:

No governo Rosalba, de fato, não se estabeleceram canais de diálogo com o movimento social, não tinha abertura para diálogo, para construção, proposição. É um momento também que a gente identifica uma mudança. Porque a gente tinha em cada gestão o orçamento público como uma referência para saber o que estava acontecendo com o recurso […] E, no governo Rosalba, ela não dava transparência para isso, então a gente tinha muita dificuldade, porque em cada gestão muda o formato […] (E.3).

Inclusive porque, complementa outra entrevistada (E.5), o movimento feminista colocou-se em oposição ao governo:

Então, no governo de Rosalba, eu confesso pra vocês que eu nem lembrava que existia essa coordenadoria […] Porque nós nem estabelecemos relação com esse governo, nós do movimento tínhamos muita certeza de que éramos oposição nesse governo, diferente, por exemplo, como é no governo da professora Fátima. A gente não é oposição, a gente disputa o governo, a gente critica, dialoga […].

Quanto à política LGBTQIA+, não identificamos avanços. No PPA, o tema foi trazido de forma marginal: um dos programas previa a conscientização de pessoas e a garantia do direito à cidadania, inclusive dos homossexuais (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2012). Dentre as ações, entretanto, nenhuma é especificamente voltada à comunidade LGBTQIA+.

Em síntese, constatamos que, no período, as políticas para as mulheres sofreram inflexões. Com Wilma de Faria, a gestão da transversalidade foi caracterizada pela existência de uma coordenação dependente de uma secretaria, que detinha instrumentos particulares (plano) e cuja estrutura de equipe e orçamentária, ainda que frágil, existia. Houve uma tendência de institucionalização que, no período seguinte, não se concretizou. A Cepam, dependente da Seduc, tinha debilidades em estrutura e orçamento (restrito a ações pontuais como campanhas e formações), que dependia de repasses federais. Foi igualmente frágil a democratização da gestão. Durante o governo Wilma, existiu um embrião de ecossistema participativo, em que conferências e conselhos articulavam-se à gestão da transversalidade, a exemplo da experiência do plano. Posteriormente, contudo, as instâncias se mantiveram, mas houve uma desarticulação entre elas e a gestão.

No período, as conferências estaduais e o conselho não exerceram influência no PPA. Assim, não ocorreram efeitos de indução federal na esfera estadual, à exceção de uma frágil iniciativa, por meio de recursos federais (p. ex., PPA). Quanto à população LGBTQIA+, não evidenciamos ponto a destacar; as condições político-institucionais, inexistentes, assim permaneceram.

5.3. Robinson Faria (2015-2018)

O governo de Robinson Faria esteve, inicialmente, em sintonia com o segundo governo da petista Dilma Rousseff, o que teve efeitos sobre as políticas para as mulheres. Ainda em 2015, foi criada a Secretaria Extraordinária de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM/RN), que substituiu a então coordenação, e foi dirigida pelo PT. O CEDM foi reformulado e instituído por lei, passando à denominação Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres (Cedim) e mantendo a maioria dos assentos para a sociedade civil (Lei complementar nº 602, de 07 de agosto de 2017).

Nas políticas LGBTQIA+, a principal alteração ocorreu em 2017. A Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (Codem) da Sejuc, que existia desde 1999, com competência para políticas de promoção dos direitos humanos e enfrentamento à discriminação e intolerância, assumiu expressamente a missão de atuar na defesa de direitos e coordenar políticas para pessoas em situação de rua, LGBTQIA+, imigrantes e pessoas idosas. A Codem vinculou sua atuação ao Comitê Estadual de Combate à LGBTfobia e ao Comitê Estadual de Acompanhamento da Política de Promoção e Defesa dos Direitos de LGBT, além de assumir a responsabilidade pela conferência e elaboração do Plano Estadual de Políticas para a População LGBT (Decreto nº 27.622, de 18 de dezembro de 2017Decreto nº 27.622, de 18 de dezembro de 2017. (2017). Dispõe sobre as competências da Coordenadoria de Direitos Humanos e Defesa das Minorias (CODEM) da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (SEJUC) e dá outras providências. Natal, RN.).

O Comitê Estadual de Combate à LGBTfobia foi formalizado em 2017, em decorrência da adesão do Estado ao Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência LGBTfóbica (Decreto nº 26.598, de 26 de janeiro de 2017). Contudo, segundo a entrevistada E.2, “ele nunca funcionou, não houve reunião […] foi só criado para cumprir uma deliberação nacional”. Além disso, ainda que tenha sido cogitada a criação de um Conselho Estadual LGBT durante seu governo, esse propósito não vingou.

As abordagens de ambas as políticas foram diversas no PPA (2016-2019), que previram agendas transversais, o que abrangeu políticas para as mulheres, mas não para a comunidade LGBTQI+ (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2016Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2016). Plano Plurianual (2016-2019). Natal, RN: Autor.). Um programa temático específico (Promoção e Autonomia das Mulheres) foi estruturado em seis objetivos, com ênfase no enfrentamento à violência e à desigualdade no mundo do trabalho, tendo recebido cerca de R$ 5 milhões em recursos (R$ 2,3 milhões de origem federal) (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2016Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2016). Plano Plurianual (2016-2019). Natal, RN: Autor.). Havia a previsão de “recortes” de desigualdade das mulheres, conforme denominados à época, por meio da “interface com as desigualdades de classe, raça/etnia, geração, orientação sexual, entre outras” (p. 641), incluindo as mulheres LBT. A execução foi designada à Sejuc, e não à SPM/RN, que, contudo, apareceu entre as ações e os objetivos do programa, inclusive para fortalecer e consolidar a sua institucionalidade (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2016Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2016). Plano Plurianual (2016-2019). Natal, RN: Autor.).

Na política LGBTQIA+, não foi previsto programa temático, mas, sim, ações e objetivos voltados a ela, especialmente em políticas para as mulheres, direitos humanos e saúde. Algumas iniciativas de fortalecimento das condições institucionais foram previstas como meta na elaboração do Plano Estadual (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2016), que, no final, não foi cumprida. Com o movimento do golpe da presidenta Dilma, o governador aproximou-se do grupo favorável ao seu afastamento, o que resultou no rompimento com a esquerda potiguar.

Nos anos seguintes, o governo migrou gradativamente para o campo da direita, como reportam as entrevistadas E.2, E.3 e E.4. Assim, as políticas em análise perderam espaço. A implementação do PPA, por exemplo, foi descontinuada pela conjuntura nacional. Registra a entrevistada E.4: “Eu lembro que nas mulheres ainda acontecia um seminário. Mas você não tinha uma política mais no formato que tínhamos antes.”

Identificamos, nesse período, uma trajetória errática. No início, houve a retomada do processo de estruturação das condições institucionais para a política para as mulheres, com efeitos da transversalidade vertical. Já nas políticas LGBTQIA+, os avanços foram tímidos (ou inexistentes), sem agenda específica, e a Codem deteve limitada competência para atuar na pauta. Além disso, vários outros propósitos não prosperaram, a exemplo da criação de um conselho e da elaboração de algum plano. A conjuntura política desarticulou tal curso de ação para ambas as políticas. Restaram, todavia, reflexos da transversalidade federativa, como a criação do Comitê Estadual de Combate à LGBTfobia, exclusivamente no aspecto formal.

5.4. Fátima Bezerra (2019-)

Na mesma eleição em que Jair Bolsonaro chegou ao Governo Federal, o que representou um giro para a extrema direita, Fátima Bezerra (PT) foi eleita governadora do RN. Tratava-se, portanto, de uma gestão de oposição ao Governo Federal, mais alinhada com o legado dos governos petistas anteriores (Lula e Dilma).

Em seus primeiros meses de governo, Fátima realizou uma reforma administrativa, criando a Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH) (Lei complementar nº 649, de 10 de maio de 2019). A SEMJIDH é uma espécie de guarda-chuva das transversalidades, tendo um escopo de atuação amplo (mulheres, pessoas com orientação sexual e identidade de gênero diversas, populações negras e indígenas, crianças e adolescentes, juventude etc.). Trata-se de um arranjo semelhante àquele adotado no segundo governo Dilma: união de todas as pastas transversais em um único órgão.

Na SEMJIDH, foi criada a Subsecretaria de Políticas para as Mulheres. Nela, houve a retomada de reuniões cotidianas do conselho, como observa a entrevistada E.1. Não identificamos, contudo, propostas de elaboração de um plano ou de estruturação de um comitê de articulação e monitoramento, o que não garantia o desenvolvimento efetivo das condições institucionais para realizar a transversalidade desejada, como pontuou a entrevistada E.5. Segundo ela, poderia ter ocorrido “um pouco do que aconteceu no Governo Federal; como não tinha equipe para criar um comitê em cada secretaria, um comitê de mulheres, esse comitê teria uma perninha na secretaria de mulheres”. Assim, as “perninhas” seriam a forma de permitir a articulação intersetorial, aplicando no RN a experiência bem-sucedida do Governo Federal.

Com efeito, segundo a entrevistada E.5, “comparando com o que foi nos últimos governos de Rosalba e de Robinson, a gente teve até um avanço, principalmente no tema da violência”. No entanto, ainda segundo ela, “tem um equívoco que é a política para as mulheres continuar na marginalidade”.

Na SEMJIDH, também foi criada a Coordenadoria da Diversidade Sexual e de Gênero (Codis), vinculada à Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. A Codis foi um marco na institucionalização dessas políticas, pois, como observa a entrevistada E.2:

[…] A gente não tinha nenhuma pasta na administração pública que cuidasse da política pública LGBT. O que nós tínhamos era uma coordenadoria de direitos humanos e minorias e essa coordenadoria acompanhava algumas questões LGBT. Mas a gente não tinha de fato mesmo essa coordenadoria, nenhum acompanhamento central ou produção de política pública LGBT […] então, a coordenadoria foi criada para dar resposta a esse processo, essa vacância que existia, essa inexistência dentro do estado […].

Tendo sido criada em 2019 e tido a maior parte da sua existência marcada pela pandemia, o processo de organização de equipe, orçamento e infraestrutura é recente e tornou-se mais lento, como a entrevistada E.2 relata: “Em 2020, a gente tinha um planejamento, começamos a trabalhar nele, mas foi atravessado pela pandemia.”

A despeito das dificuldades, ocorreram inovações importantes. A nomenclatura da Codis já expressa uma atualização do debate em torno das categorias gênero/LGBTQIA+, em relação ao processo de institucionalização da política federal. Isso porque, como a entrevistada E.2 assinala: “[…] na época, teve esse debate da coordenadoria LGBT, mas, quando cheguei, fiz esse debate da diversidade sexual de gênero por compreender que o debate é muito mais amplo, que as letrinhas sempre vão crescendo, as expressões da identidade estão sempre em disputa.”

A estruturação das condições institucionais também envolveu a dimensão da democratização. Em 2021, foi criado o Conselho Estadual de Políticas Públicas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no Estado (Lei nº 10.850, de 20 de janeiro de 2021Lei nº 10.850, de 20 de janeiro de 2021. (2021). Dispõe sobre a criação do Conselho Estadual de Políticas Públicas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no Estado do Rio Grande do Norte e dá outras providências. Natal, RN.). Os assentos foram reservados por expressões de gênero e sexualidades (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais e intersexuais), com 50% de reserva de vagas para pessoas negras, indígenas, quilombolas e ciganas, além de contemplar a distribuição territorial (Decreto n° 30.384, de 26 de fevereiro de 2021Decreto n° 30.384, de 26 de fevereiro de 2021. (2021). Convoca e regulamenta a eleição dos representantes não governamentais para integrarem o Conselho Estadual de Políticas Públicas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais no Estado do Rio Grande do Norte. Natal, RN.).

Como nos governos anteriores, há uma assimetria entre as condições institucionais das duas políticas, com maior institucionalidade da política para as mulheres. No entanto, ocorreram avanços na política LGBTQI+ e, ainda, maior aproximação entre elas, em um marco de políticas transversais, o que se evidencia na análise de ambas no PPA. Nele, é reproduzida a estratégia de organização de “agendas transversais”, como no PPA estadual anterior. Elas “agrupam políticas que atendem a públicos específicos executadas por cada órgão” (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2020Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2020). Plano Plurianual (2020-2023). Natal, RN: Autor., p. 407). Como na edição anterior, estão incluídas as mulheres, mas, diferentemente dele, também abrange a população LGBTQIA+.

Diversidade é uma ideia articuladora de Programas no PPA (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2020Governo do Estado do Rio Grande do Norte. (2020). Plano Plurianual (2020-2023). Natal, RN: Autor.). Em torno da agenda Igualdade na Diversidade são previstos programas como Igualdade na Diversidade: Mulheres e “Igualdade na Diversidade: População LGBT”. O primeiro tem ênfase, principalmente, nas ações voltadas à violência e ao trabalho, com destaque para as mulheres rurais, ainda que haja outros “recortes”. O segundo enfoca políticas públicas para a comunidade LGBT, incluindo instrumentos de participação social para a população. Como explica a entrevistada E.2, à implementação do previsto no PPA se soma uma estratégia de focar menos na elaboração de um plano e mais na estruturação de uma política, por meio do desenvolvimento do arcabouço normativo-legal da política LGBTQIA+ (“[…] Então, antes do plano, a gente pensou em criar uma política estadual. Essa política seria o resultado desses três anos de gestão”).

Há, portanto, nesse terceiro governo, indicações de fortalecimento das condições institucionais da transversalidade em andamento, embora, para as mulheres, haja uma subsecretaria mais estruturada e, para a população LGBTQIA+, uma coordenação em estruturação (que considera equipe e infraestrutura). Por outro lado, na política para as mulheres, não há evidências de estruturação de novas instâncias e mecanismos para fortalecer as condições institucionais, o que constatamos na política LGBQTIA+.

No que diz respeito à dimensão federativa da transversalidade, identificamos uma situação peculiar. Não há estímulos do Governo Federal para processos de transversalidade de gênero, mas “destransversalização” de gênero. Assim, a experiência estadual conecta-se, de forma anacrônica, à experiência federal dos governos petistas anteriores, refletindo e atualizando estímulos que foram impulsionados em momento pretérito e que ressonam no presente. Isso resulta não de indução federativa, mas da orientação político-ideológica dos governos Lula/Dilma e Fátima (todos do PT), que são mais identificados com o campo progressista/de esquerda.

6. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A transversalidade de gênero consiste em um processo de disputa da hegemonia da ação pública. Por isso é importante que sejam desenvolvidas condições institucionais para que esse processo seja viabilizado, embora a existência delas não garanta a efetiva incorporação de perspectivas de igualdade de gênero em políticas públicas. Além disso, descontinuidades e contradições podem ocorrer durante sua trajetória, o que compromete a sua sustentabilidade institucional. Para discutirmos os principais resultados evidenciados no percurso das duas políticas analisadas no RN, introduzimos a Figura 2, a seguir, para refletir, de forma analítica e crítica, sobre os dados nela sintetizados.

FIGURA 2
POLÍTICAS DE GÊNERO: PRINCIPAIS MARCOS (RN - 2007/2021)

Na análise da trajetória das políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+ no RN (2011-2021), em face do percurso do federal, constatamos que, durante a gestão Wilma, havia maior alinhamento entre governos federal e estadual, em relação às políticas para as mulheres, inclusive com evidências de indução e mimetismo de experiências nacionais (p. ex., plano estadual que reproduzia o nacional). Evidenciamos, portanto, neste episódio, traços do que denominamos transversalidade vertical. O mesmo não ocorreu com relação à política LGBTQIA+, que não reproduziu os avanços do nível federal.

Durante o governo de Rosalba, de oposição ao PT, houve um desalinhamento político, com descontinuidade do processo de transversalidade. Todavia, mantiveram-se traços da transversalidade vertical na política para as mulheres (p. ex., PPA e a realização de conferências estaduais), enquanto a política LGBTQIA+ permaneceu pouco estruturada no RN.

O governo Robinson iniciou alinhado com o Governo Federal petista, mas, durante o golpe, rompeu com ele. Assim, inicialmente, houve uma retomada da transversalidade vertical, principalmente em relação às mulheres. Mas, em seguida, foram fragilizadas as condições institucionais das estruturas recém-criadas/em criação. Finalmente, o governo Fátima representou um desalinhamento político radical com o atual Governo Federal (Bolsonaro), mas um alinhamento pleno com os governos anteriores (Lula/Dilma), retomando seus legados e construindo uma transversalidade vertical anacrônica com eles, inclusive mimetizando parte de suas experiências, ainda que com inovações, principalmente na política LGBTQIA+.

Com base nesses resultados podemos refletir sobre o processo de transversalidade de gênero no RN e os efeitos do Governo Federal sobre ele, destacando as contribuições do artigo.

A estruturação de condições institucionais para as duas políticas analisadas foi marcada por uma combinação de avanços e descontinuidades cuja trajetória teve na orientação ideológica dos governos um fator decisivo. A indução federativa mostrou-se secundária e seus efeitos ocorreram quando havia afinidade política entre governos (nacional e estadual) e, ainda, quando eles se identificavam com o campo progressista/de esquerda. Isso sugere a baixa sustentabilidade do processo de transversalidade, fortemente impactado por mudanças políticas, o que indica seu baixo grau de institucionalização (com maior fragilidade das políticas LGBTQIA+). Esse fenômeno também permite ancorar reflexões sobre as potencialidades e os limites das condições institucionais para a transversalidade de gênero para efetivar políticas de igualdade de gênero de forma perene. Essa reflexão é uma primeira contribuição empírica deste artigo.

É possível, ainda, destacar uma contribuição teórica em relação à articulação federativa da transversalidade. Como mencionamos, é essa a articulação menos visível na literatura sobre transversalidade de gênero. Mesmo nas hipóteses que evidenciamos, com mais avanços na articulação federativa, o que ocorreu, principalmente, nas políticas para as mulheres, esses esforços aproximaram-se de um padrão top-down, que envolveu indução do nível federal em relação ao subnacional, incluindo mimetizações de instâncias e mecanismos nacionais. Foi o que denominamos, com base em Marcondes et al. (2018Marcondes, M. M., Diniz, A. P. R., & Farah, M. F. S. (2018). Transversalidade de gênero: uma análise sobre os significados mobilizados na estruturação da política para mulheres no Brasil. Revista do Serviço Público, 69(2), 36-62. Recuperado dehttps://doi.org/10.21874/rsp.v69i2.2297
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), transversalidade vertical.

Outras articulações federativas poderiam ocorrer, entretanto. Seria o caso da efetiva constituição de um sistema federativo de transversalidade de gênero, caracterizado por um formato colaborativo entre níveis federativos, de caráter dialógico. Os dados indicam traços de sua presença em alguns pontos da trajetória. A 4ª CNPM apontava para um modelo de sistema federativo da política para as mulheres, e o Plano Nacional para LGBTQIA+ e o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra LGBT sinalizavam no mesmo sentido. Ainda que isso tenha contribuído para “criar uma rede federativa LGBT que, na época, não existia”, segundo E.6, as propostas não se efetivaram plenamente.

Ademais, observamos que a trajetória das políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+ mostrou-se bastante desarticulada, em níveis nacional e subnacional, embora tendências comuns tenham sido identificadas no processo de integração entre elas. Um modelo de transversalidade de gênero federativa, em bases sistêmicas, poderia ser um caminho para aumentar a articulação intersetorial e participativa das políticas para as mulheres com aquelas voltadas para a comunidade LGBTQIA+. Essa reflexão sintetiza uma possível contribuição prática para as políticas de igualdade de gênero que busquem articular políticas para as mulheres e a população LGBTQIA+.

É necessário pontuar algumas limitações deste artigo. Ainda que a análise da realidade potiguar contribua com insights, os resultados não são generalizáveis e a ampliação do “n” seria recomendável para futuras pesquisas, incluindo experiências municipais. Além disso, seria possível inverter a ordem do process tracing para conhecer casos subnacionais que influenciaram experiências federais. A abordagem da transversalidade de gênero, com base nas três articulações analisadas, representa um ganho, pelo esforço de integração dessas dimensões, mas também produz simplificações na análise de cada uma delas, que possuem notáveis complexidades.

Seria possível, ainda, incluir a interseccionalidade como categoria analítica, além de aprofundar análises sobre a desintegração de políticas para as mulheres e a comunidade LGBTQIA+.

Aprofundar análises sobre tensões e disputas políticas e discursivas no contorno dos significados da transversalidade de gênero em contextos subnacionais, em sua relação com sujeitos que interagem com os processos de política de igualdade de gênero, é tarefa fundamental para pesquisas futuras.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao financiamento concedido por meio de bolsa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além disso, este artigo foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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  • 1
    Há múltiplas utilizações da sigla, cuja construção é dinâmica (vide Facchini, 2020). No texto, damos preferência à LGBTQIA+ e, em alguns casos, optamos por manter a nomenclatura utilizada nos dados consultados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2022
  • Aceito
    16 Maio 2022
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