Resumo
Os experimentos inspirados pelo multiculturalismo e as práticas culturais ao redor das medidas de ação afirmativa tiveram seu momento de glória no período 2002- 2016, dentro de uma nova configuração que criou oportunidades para um momento identitário centrado na valorização, na patrimonialização e no reconhecimento de formas culturais subalternas, oriundas de grandes setores da sociedade historicamente discriminados. Este ensaio avalia os termos-chave e algumas das dinâmicas desse processo, para logo identificar alguns novos pontos de inflexão que têm levado a uma crise dele, gerada tanto pelas próprias fraquezas internas ao processo quanto pelo perigoso ataque conservador ao ideário multiculturalista e ao direito à diversidade.
Palavras-chave: Multiculturalismo; Política identitária; Racismo; Reacionário
Abstract
The experiments inspired by multiculturalism and the cultural practices developed by enforcing affirmative action saw their heydays in the period 2002-2016, within a new configuration that created opportunities for an identity movement hinging upon the positive evaluation of heritage and recognition of the formerly subaltern culture of large sections of the population that had been historically discriminated against. The essay scrutinizes the key terms and a few dynamics in this process, and a set of turning points that led to a crisis of the process itself. The main argument is that such crisis originates from both the internal weakness of the identity movement and the dangerous conservative outright attack on the multicultural mind set and on the right to diversity.
Keywords: Multiculturalism; Identity politics; Racism; Reactionary
AS SORTES INTERMITENTES DA IDENTIDADE ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL
Tanto o multiculturalismo como a ação afirmativa são causa e efeito daquela que eu chamo de “onda identitária”, que nas últimas duas ou três décadas tem significado uma geral transformação e dinamização dos processos identitários neste país. A grande mudança sociopolítica pela qual estamos passando obriga-nos a uma profunda reflexão sobre identidades setoriais e desigualdades e, mais especificamente, a uma relativamente curta, mas impactante trajetória do multiculturalismo e das políticas reparatórias com relação à população historicamente discriminada no Brasil1. Quero aqui repensar sobre os últimos 30 anos, dos quais 15 foram com um governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT)2. Isso significa também rever o desenvolvimento da pesquisa sobre esse tema, sabendo que neste país a configuração identitária está hoje, de novo, em movimento.
É necessário começar apontando para o fato de que os termos “étnico” e “etnicidade” têm se tornado parte da cultura popular e das linguagens do Estado e da mídia, de fato, em época relativamente recente no Brasil. Como é sabido, tivemos um passado etnofóbico. Houve a negação de uma questão racial depois de 1888, embora a elite intelectual na República Velha estivesse preocupada com três dilemas que não se coadjuvavam com a noção de progresso: o fato de o Brasil estar quase todo localizado nos trópicos, de grande parte da população ser de origem africana e de haver um crescente número de mestiços. A Conferência de Berlim de 1883-1887 havia estabelecido que a civilização não fosse inerente aos trópicos, que os africanos precisavam de “ajuda” para se desenvolver e que os mestiços, quando não simplesmente ignorados, seriam “impróprios” do ponto de vista civilizatório por não caber na geografia racial da época, na qual cada, assim dita, grande raça (branca, amarela, vermelha e negra) era oriunda de um determinado continente. A partir do modernismo e com mais força no Estado Novo, o Estado promove a narrativa (ou mito) da democracia racial em um discurso que, substancialmente, é aproveitado também pela Ditadura Militar de 1964.
Depois da Segunda Guerra Mundial, em termos tanto das próprias políticas identitárias como dos estudos delas, tivemos várias fases. A primeira fase começa, aproximadamente, no início dos anos 1950 e vai até o processo de redemocratização. São os anos de substancialização, de fato, do mito da democracia racial pela maior parte da pesquisa de cunho antropológico que, a partir do grande Projeto Unesco/Columbia, no estado da Bahia nos anos 1950-1953 (Wagley, 1952; Chor Maio, 2000; Pereira; Sansone, 2007), defende que o Brasil seria um país de fortes clivagens de classe, mas fracas divisões e discriminações de cunho racial. Embora alguns sociólogos envolvidos no mesmo projeto (Roger Bastide, Florestan Fernandes e Luís Costa Pinto) enfatizas sem a importância do racismo na organização das hierarquias sociais, mesmo para eles o processo de emancipação do racismo não passava por algum tipo de recrudescimento das identidades étnico-raciais. De fato, para quase todos, com poucas exceções ‒ Clovis Moura (1959) e Abdias do Nascimento (1982)3 ‒, o Brasil e o resto da América Latina, até os anos de 1980, eram descritos como a região mais “etnofóbica” do mundo. Para o sociólogo norte-americano Talcott Parsons, a América Latina era o continente-resto do ponto de vista dos processos étnicos (Parsons, 1969), contrariando uma tendência mundial. Nesta parte do mundo teria menos força o sentimento de pertença de cunho étnico e nunca haveria políticas identitárias por causa da força do pensamento (ecumênico) católico que não as favoreceria, da longa tradição de mestiçagem e da popularidade - tanto entre os subalternos como, embora sob outro prisma, nas elites ‒ dos discursos centrados em torno do pertencimento de classe. Isso foi, de fato, o discurso corroborado pela maior parte da filantropia estado-unidense e europeia4 (Dzidzienyo; Casal, 1979; Davis, 1999).
Naqueles anos no Brasil, como na maioria dos outros contextos, ter aparência africana, ser discriminado e pobre não era, em si, suficiente para se tornar negro. Do mesmo jeito, ser de ascendência indígena não fazia do indivíduo, digamos assim, automaticamente, um indígena para todos os efeitos. Uma comunidade negra, um voto negro ou um movimento negro não eram - e ainda não são ‒ um fato natural, mascriaçõesdedeterminadascontingências; algoparecidovaleriaparaosindígenas. Por isso que no Brasil podia e ainda pode se ter negritude sem etnicidade (Sansone, 2003a), assim como em outros contextos, sobretudo nos Estados Unidos, onde também se podia vir a ter uma etnicidade negra sem negritude - sem africanismos, como já apontava Melville Herskovits, nos anos 1940. Para que novas identidades negras e indígenas surgissem de forma maciça em nosso contexto, precisavam de algo mais, uma “química étnica” que nem sempre estava disponível.
Com a redemocratização, sobretudo pela pressão do novo movimento negro (que inclui organizações políticas, blocos e grupos afro, Pastoral do Negro), começa uma nova onda de denúncias do racismo e de campanha de opinião em torno de temas como “negro é lindo” ou “não deixe passar seu voto em branco”. A partir, aproximadamente, de meados dos anos 1980 há mais uma mudança de caráter geral. Em um processo tanto rápido quanto surpreendente, a mesma América Latina tornou-se a parte do Ocidente, onde nas últimas décadas mais se experimentou com medidas redistributivas ou de ação afirmativa em prol dos grupos étnico e/ou racialmente discriminados, e onde muitos projetos interessantes têm surgido em termos de produção e revitalização de identidades étnicas de matriz tanto indígena quanto africana. Refiro-me tanto a mudanças de cunho legal, com a paulatina incorporação, a partir de 1990, em quase toda a redação do texto da constituição, do termo “multicultural” e até “multiétnico” (na constituição de, pelo menos, Colômbia, Nicarágua, México, Argentina e Equador), como ao aumento da produção cultural associada às identidades de cunho étnico-racial. Penso, entre os muitos exemplos disponíveis, nos novos estilo e moda “aimaristas” na Bolívia (Maclean, 2019) que se desenvolveram junto com a ascensão e a consolidação do presidente indígena e aimara, Evo Morales, até sua violenta deposição em 2019 (Pennain, 2018); ou no enorme crescimento de filmes humorísticos autoproduzidos, por comediantes de fala quéchua no Peru e circulados pelo YouTube5. Houve, de fato, uma rápida e complexa ressemantização de ícones e termos associados a identidades indígenas e negras, como roupas, formas de usar o cabelo, falas, gêneros musicais e até estilos de consumo. Rapidamente, esses ícones deixaram de ser um ônus ‒ estigmas historicamente associados a práticas de exclusão e racismo ‒ para se tornarem um bônus - fatores que podem contribuir positivamente para um mais abrangente processo de inclusão social e que podem estar associados com novos direitos coletivos. Refiro-me, por exemplo, ao direito à terra de parte de quilombolas, ribeirinhos e grupos indígenas recém-reconhecidos pelo Estado como tais ou à preservação de um determinado aspecto do patrimônio cultural associado à cultura popular e/ou afro até mesmo nos museus (Santos, 2004).
O governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) teve o mérito de reconhecer publicamente que o Brasil tem um problema de racismo. Organizou uma conferência em Brasília para anunciar isso à nação e, em 1995, instituiu o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra (Sales, 2014). Foi, porém, com Lula e no período que vai de 2002 a 2016 que se dão grandes mudanças (Lima, 2010), com a paulatina transformação daquilo que era historicamente um ônus - a África e a raça negra - em um bônus - a africanidade e ser negro. Trata-se, evidentemente, de um processo que não está livre de contradições. É preciso refletir sobre o que significa, para quem sempre foi discriminado e esquecido na organização da memória oficial de um país e de seus regimes, passar para a condição de fenômeno interessante, merecedor de apoio, resgate e até musealização. Caraterísticas como a negritude, que historicamente foram vivenciadas como ônus ou fator de estigma, começaram a ser apresentadas como possível bônus. Tratou-se, muitas vezes, de uma transição da invisibilidade para uma nova visibilidade, por vezes uma hipervisibilidade (Sansone, 2019)6.
Ora, as coisas podem mudar e, na atual contingência, o Brasil está prestes a passar para mais uma configuração. Depois da postura etnofóbica da Ditadura de 1964 e daquela etnofílica das eras FHC e, sobretudo, Lula/Dilma, o Brasil está indo rumo a uma terceira configuração, caraterizada por uma nova versão autoritária do discurso universalista, da pátria com Deus acima de tudo e de uma nova e mais violenta negação do direito à diversidade.
ETNICIDADE
Para continuar com meu raciocínio, precisamos estabelecer algum entendimento em torno de dois termos importantes: “etnicidade”, ou o seu sinônimo, a “identidade étnica” - termos cuja repentina popularidade nas Ciências Humanas a partir dos anos de 1950 se deve ao fato de ter sido impulsionada pela Unesco na sua famosa e impactante declaração sobre a não existência de raças (Unesco, 1950).
Para a Unesco, o termo “grupo étnico” seria a forma mais apropriada de definir aqueles grupos populacionais que até aqueles anos eram facilmente rotulados com o termo “raças(s)” (Sansone, 2014). A partir do final dos anos de 1960 é entendimento consensual nas Ciências Sociais que a etnicidade é uma das possíveis formas de identidade coletiva (Barth, 1969; Cohen, 1974; Carneiro da Cunha, 2009). Como todos os processos identitários, o nacionalismo e a etnicidade são sempre mais relacionais e “impuros” do que como eles se apresentam em seus discursos públicos. Isso se deve, inclusive, ao fato de que a identidade étnica sempre está combinada com outras formas de identidade coletiva, sobretudo aquelas inspiradas pela classe, gênero, idade ou geração. Em outras palavras, uma pessoa nunca é somente negra, branca ou índia, assim como ninguém é somente heterossexual ou gay. A mesma coisa vale para a consciência de classe, algo que tem muito a ver com o processo identitário. Penso na noção de Marx da classe em si e para si (Sansone, 2003). A classe não existe como fato “natural”, mas surge ou se produz como consciência de classe em determinados contextos e momentos - mas não em todos.
A etnicidade pode estar baseada em comportamento, língua, religião ou biótipo e em uma combinação de tudo isso. Ela se caracteriza e se distingue das outras formas de identidade coletiva porque quase sempre tem a ver com a ideia de uma origem e/ou uma história ou uma caminhada em comum, com noções como sangue, ancestrais e território. Por isso há nesse processo sempre um aproveitamento político da história, que é redescoberta seletivamente a depender das prioridades do presente. Aliás, a etnicidade ‒ e o uso da categoria “raça” ‒ é uma forma de se fazer política ou ela pode ser uma linguagem mobilizada para dar voz a anseios que, em outros contextos e momentos, seriam próprios da condição de classe ou que em outra configuração de poder seriam representados como expressão da cultura operária (Hall, 1982: 341). Como em todos os processos identitários, para que este se desenvolva não basta um olhar interno, mas precisa de um olhar externo - o que os outros pensam e dizem sobre você e sobre o seu grupo (Arruti, 2014).
Ademais, nos processos de identificação étnica sempre há uma dimensão social e outra simbólica. A dimensão social pode estar baseada numa comunidade territorialmente limitada ou, pelo contrário, até diaspórica; pode se manifestar no cotidiano, mas também prevalentemente no fim de semana ou nas noites (no domínio do lazer). Pelo resto, a etnicidade constitui-se no uso de símbolos diacríticos para constantemente redefinir o “nós” versus a categoria “eles” - algo que pode ser feito de forma intensa ou, por assim dizer, em part time, episodicamente.
Os teóricos da modernidade tardia, ou hipermodernidade, argumentam que hoje em dia as etnicidades tendem a ser mais e mais desterritorializadas, ecléticas e complexas: identidades sem comunidades (tradicionais), identidade em rede (Castells, 2000), identidades intermitentes. Essas neoidentidades tenderiam a ser menos absolutas, mais facilmente combináveis com os ritmos e as obrigações da vida urbana moderna. O sucesso de muitos dos novos grandes projetos étnicos (Agier, 2001), aliás, se deveria justamente ao fato de eles estarem centrados menos nas raízes (roots), nas genealogias, no estar fincado na história local e em um determinado território, nas idiossincrasias socioculturais de um determinado grupo populacional, e mais nas rotas (routes), nas redes, numa estética da diferença que seja inteligível para todos aqueles “de fora”. O resguardo, a memória ou até o secreto ou os preceitos que caracterizavam várias identidades de tipo mais comunitário, para as quais participar era constantemente se referir ao passado ou ao relembrar, tornam-se menos importantes. Há um novo investimento na estética e no espetacular nessas novas formas de etnicidade. Estas seriam formas de teatralizar as identidades cuja força e atrativo são oriundos mais de incursões nas políticas por direitos por meio de movimentos horizontais no espaço, como a busca de alianças com outras comunidades em diversas regiões, do que de alguma específica capacidade de mostrar uma profundidade vertical - com relação a um território específico, ao tempo e à história. O uso político da diferença étnico-racial na luta por direitos no Brasil nos últimos anos tem criado melhores condições para a construção de “neocomunidades”, novas formas de organização social em torno da diferença étnica cujo objetivo é a luta por (novos) direitos, mais do que para o fortalecimento e a coesão de antigas comunidades e expressão de grupos historicamente discriminados - embora, muitas vezes, essas formas neocomunitárias tenham invocado como parte de sua retórica identitária a celebração de antigas tradições ou genealogias (French, 2009; Lifschitz, 2011).
Em síntese, os processos de etnicização são sempre tanto algo relacional - precisam de um grupo adversário para que se manifestem - quanto fenômenos em constante mudança e movimento. Por isso, obviamente, a etnicidade não se desenvolve em um vazio, mas em um contexto determinado pela história e por circunstâncias contemporâneas - um conjunto que eu, parafraseando Norbert Elias, chamo de “configuração étnica”, ou seja, um campo de (im)possibilidades que se desenvolve um seu próprio habitus étnico-racial. Esta seria uma determinada conjuntura que define tanto os limites como as oportunidades para os processos identitários. Nem todos os momentos ou épocas são igualmente férteis para o surgimento de novos processos identitários de cunho étnico, racial ou nacionalista. Ademais, embora sejam constitutivos dos próprios processos de etnicização que sempre se apresentam como únicos, eternos e detentores de um futuro longo e glorioso, nem todos os projetos étnicos ou nacionalistas têm longa vida, muito pelo contrário. Segue esse raciocínio de que a etnicidade não é, pois, algo natural ou perene, mas algo que se manifesta sob determinadas condições, quando os atores, como diriam os teóricos da Teoria da Escolha Racional (Banton, 1983) ou do “transacionismo” (Barth, 1969), acham que mobilizar a carta étnica valha a pena.
MULTICULTURALISMO
É preciso agora situar historicamente o multiculturalismo, mesmo que de forma resumida. Reparemos que o multiculturalismo pode ser compreendido como um conjunto de discursos e/ou práticas que surgiu, em primeiro lugar, em sociedades e culturas com outros mitos de origem, diferentes do Brasil, que enfatiza a miscigenação e o mito da democracia racial e as implicações disso. Como descrito alhures (Sansone, 1998; 2003; 2007a), esse fenômeno surgiu durante a década de 1980 enquanto ideal em países europeus (sobretudo, nos países escandinavos e na Holanda), mas também no Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que muitas vezes se identificavam com a noção de sociedade plural e que estavam tentando lidar com a diferença étnica, racial e cultural a partir de um conjunto de ações públicas. Trata-se de países que, além de possuir minorias internas ou oriundas das ex-colônias, receberam uma forte imigração, sobretudo a partir do segundo pós-guerra, onde se verifica uma relação orgânica entre discurso, lei e práticas multiculturais. Na base desse multiculturalismo se encontram três fontes clássicas: pacto social (o compromisso do Estado e de parte das elites de cuidar dos excluídos e pobres); passado colonial (quer dizer, a forma pela qual se procederam nas colônias a organização e, às vezes, até a militarização do confronto em face da diversidade cultural); e tradição (que diz respeito às formas de se lidar com as diferenças étnicas e regionais internas desses países europeus). Alguns desses países se afirmam como Estado-Nação a partir de sua postura liberal frente ao regionalismo, por meio da celebração pública de um compromisso com as diferenças culturais regionalizadas, redistribuindo recursos e poder político para minorias e “colônias” internas. Refiro-me aos catalães, bascos, bretões, galeses, sardos, corsos etc. É evidente que nem todo país da Europa é atingido da mesma forma por esses três fenômenos. Um determinado país pode dar provas de generosidade e tolerância com relação ao pacto social, mas não ao regionalismo e vice-versa.
Embora medidas multiculturais também tenham sido tomadas no emprego público e no mundo da publicidade, é na escola que se centra o processo. A essência dessas medidas é a reconfiguração dos currículos escolares, a contratação de docentes especializados na resolução dos conflitos etnoculturais dos alunos e na relação entre pais e escola, o aconselhamento psicopedagógico de docentes, alunos e pais e, mais em geral, atividades na direção daquilo que pode se chamar de “educação para a tolerância interétnica” (e, por vezes, com relação a grupos discriminados como os homossexuais, os obesos e os deficientes). O que é comum a esses países é a centralidade do ensino público primário e secundário no desenvolvimento de práticas, métodos e culturas do multiculturalismo. Chegou-se ao multiculturalismo nas universidades depois ou junto a um processo que começava nas escolas e nas articulações locais e nacionais do Estado social. Trata-se, pois, de um processo interligado com a história do Estado social e de suas formas de controlar e, de alguma forma, amenizar o impacto das desigualdades sociais. Um processo por alguns descrito até como um movimento político-cultural, que teve seu auge entre os anos de 1980 e 2000 para, em seguida, ter se tornado um dos grandes inimigos da nova direita conservadora na Europa, assim como nos Estados Unidos e na Austrália. Esses (novos) conservadores acusam os multiculturalismos de não favorecer a integração cultural dos imigrantes na sociedade e de incentivar a desunião e até o ódio racial, sobretudo quando as medidas multiculturais estavam associadas às formas de redistribuição de recursos escassos (habitação, empregos, funções gratificadas no emprego público etc.). Para os pensadores dessa direita, o Estado deveria ser bem mais reticente nesse âmbito, abandonando a ação afirmativa e deixando a mão invisível do merca- do reinar, podendo, no máximo, limitar-se à promoção da diversidade, por exemplo, nos cargos de comando das grandes empresas ou das universidades. A pregação em prol da diversity (diversidade), insistindo em melhorar e tornar mais tolerante a cultura interna a uma empresa ou universidade, mas sem questionamento do racismo estrutural e sistêmico e sem uma ligação direta com medidas de ação afirmativa, caracteriza, pelo menos nos Estados Unidos, a guinada conservadora com relação à postura do Estado frente às minorias étnico-raciais, que se deu a partir do governo Bush, mas se consolidou e radicalizou no governo Trump7.
Em suma, antirracismo, ação afirmativa, multiculturalismo e gestão da diversidade têm sido fenômenos diferentes embora interligados que, no tocante aos vários âmbitos da sociedade, têm tido graus de radicalidade e de impacto nas desigualdades extremas e duráveis bem diversificados. Em geral, governos de inspiração social-democrata, mais interessados no uso do Estado como mediador das tensões sociais, têm investido muito mais tanto na ação afirmativa, como medida reparatória, como na abordagem multicultural no gerenciamento da relação com suas minorias étnico-raciais. Não deve, pois, surpreender que a relativa crise da social-democracia e do laborismo na Europa - e também na Austrália - esteja relacionada a certa crise do multiculturalismo. Na última década, os países que já foram campeões de multiculturalismo, como a Holanda, introduziram até exames de “integração cultural” como exigência não somente para a obtenção da cidadania, mas até mesmo para a renovação do visto de estadia para os trabalhadores imigrados8.
Aquilo que tivemos no Brasil, mas também e com mais força em outros países da América Latina, a partir dos anos de 1990, tem sido um desenvolvimento de práticas multiculturais e de ação afirmativa de cunho diferente, porque geralmente desprendidas do projeto de Estado social e concentradas no meio universitário, muito mais do que na escola. Embora tivesse tido um conjunto de experimentos-piloto nas escolas das principais capitais promovidos, sobretudo, por ativistas do movimento negro, foi como efeito da aprovação, em 2003, da Lei nº 10.369 que houve nas escolas e nas universidades um grande e até então inédito aumento de interesse pela história da África e dos descendentes de africanos nas Américas - e, pouco depois, devido a mais uma lei, pela realidade das populações indígenas. Deu-se, ademais, uma relação de sinergia entre práticas multiculturais e medidas de ação afirmativa. Nas escolas houve, entre 2003 e 2016, dois programas que criaram condições para atividades multiculturais, aquelas promovidas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), que criou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica Diversidade e Inclusão e promoveu a campanha “Gênero e Diversidade na Escola”, e o programa ProExt, ambos do Ministério da Educação (Fernandes, 2011)9. As cotas e outras medidas de reparação histórica, junto a um grande esforço para aumentar o número de vagas das universidades, tornaram estas muito mais inclusivas do ponto de vista de classe e étnico-racial.
Nos últimos os anos, a ação afirmativa alcançou as seleções para os programas de pós-graduação, representando uma nova fronteira avançada na luta contra as desigualdades. Com o aumento expressivo do percentual de alunos negros e indígenas, estavam dadas melhores bases para uma reforma do ensino na direção do multiculturalismo, introduzindo novos conteúdos, saberes e práticas. Infelizmente, nos últimos anos não houve tempo, energia e apoio de parte do Ministério da Educação (MEC) suficiente para que essa sinergia desabrochasse da melhor forma.
QUATRO “REVOLUÇÕES”
Compõe a “onda identitária”, da qual já tenho falado antes, a revivescência étnica que, por sua vez, forma parte de um processo mais amplo que abarca pelo menos mais quatro “revoluções”. Estas são próprias de uma sociedade em rápida transição para novas formas de modernidade, na qual as identidades são paulatinamente mais escolhidas, como parte de um novo processo de reconhecimento do que, digamos, herdadas, porque derivadas da vivência de relações estatutárias dentro de comunidades relativamente coesas (Melucci, 1996; Honneth, 2003). Trata-se da revolução demográfica, que tem reduzido rapidamente o número de jovens e aberto oportunidades para o surgimento de um consumo juvenil, também de cultura, estilos e tecnologias. Esse tipo de oportunidade somente se dá em sociedades onde menos jovens recebem mais atenção dos pais e dos adultos em geral ‒ a juventude como categoria e tipo sociológico é algo mais recente do que muitos pensam.
Deu-se também uma revolução educacional pela qual mais jovens estão na escola, embora esta provavelmente seja menos importante hoje do que no passado, com o foco na formação da personalidade dos alunos, tendo a escola que competir com grupos de pares e mídia social. Dentro deste aumento da escolaridade, no Brasil, como nas décadas anteriores já tinha acontecido na população negra dos Estados Unidos e em todo o Caribe (Davis 1981; Mac Donald & MacDonald 1978), foi aumentando a diferença de gênero. Nas camadas baixas já é evidente que as mulheres estão mais bem formadas do que os homens. Contudo, também aumentou a diferença entre mulheres de diversas idades: o analfabetismo está concentrado entre mulheres idosas, enquanto entre jovens, sobretudo nas classes mais pobres, as mulheres têm melhor rendimento escolar. A terceira revolução consiste no fato de que há, ou houve, um avanço na qualidade de vida e no padrão de consumo das camadas mais baixas. Isso é, por si só, um grande fator de mudança identitária de gênero, de geração, de cunho étnico-racial e, sobretudo, de classe: muda o horizonte do possível e do desejável. É um fenômeno que assusta as elites: as massas querem sempre mais! E sabemos que o Brasil tem um gigantesco déficit social, sendo um dos países mais desiguais do mundo e, certamente, o mais desigual da região. Mudaram, efetivamente, as visões a respeito do trabalho - associadas a uma revolução de expectativas e a globalização do desejo em termos de possível consumo - mais do que das oportunidades. Quinze anos atrás publiquei um texto em uma coletânea organizada por Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (Sansone, 2004) cujo argumento central era que a frase “não se fazem mais empregadas como antigamente”, que se ouve em muitos contextos, no fundo revelasse algo real no Brasil. O texto prosseguia indicando que, com relação à percepção do trabalho, havia uma grande e crescente diferença geracional. Frente a uma geração que lutava por ter uma carteira de trabalho, há uma nova geração que “faz faxinas”, mas não se considera empregada doméstica; que faz um biscate na espera de um emprego que permita sonhar com a cidadania, o consumo e a modernidade. A onda identitária não deixou intocadas as percepções acerca do trabalho e da posição de classe, inclusive porque uma profunda mudança está se dando no próprio mundo do trabalho, aflito por um ulterior processo de precarização, dentro de um contexto caraterizado por uma histórica precariedade de grande parte das fora de trabalho, por muitos hoje chamada de “uberização”, sintetizada na ideia de (micro) empreendedorismo.
Há mais outra revolução no campo das tecnologias das comunicações. Passou-se do telefone comunitário para o orelhão, do plano para o telefone fixo, o celular e o smartphone (com aplicativos que logo adquirem um nome “nativo” como “zap”, ou que se popularizam com forca exponencial, como o YouTube, o Facebook e o Instagram). Hoje o mundo não se divide mais entre quem tem e quem não tem telefone, mas, sempre mais, entre quem tem smartphone com ou sem crédito. O que hoje divide o mundo não é mais o acesso à tecnologia comunicacional, quanto a capacidade de saber surfar nas ondas dessa nova globalização dos estilos e expectativas de vida. Esse processo diz muito sobre a mudança social na maior parte do Terceiro Mundo (Sansone, 2017) e por isso, também no Brasil, onde as relações sociais se tornam mais individualizadas, mas a comunicação e a mobilidade sempre mais importantes - independente da qualidade da comunicação em si (de fato a maior parte, por exemplo, do “zapear” ou de nossa atividade no Facebook é com pessoas que moram próximas e que pensam parecido). Precisamos refletir profundamente sobre as Tecnologias da Informação, sem demonizá-las: se o aplicativo WhatsApp foi determinante na votação em favor do Brexit e nas eleições de Trump, Modi, Duterte, Duque e Bolsonaro, o Facebook foi determinante, também, na campanha de Obama e já foi considerado por muitos progressistas como instrumento de uma nova convivialidade global. Embora não concorde que os social media sejam, em si, vilões da democracia, é evidente que as interferências em importantes campanhas eleitorais de empresas, como a famosa Cambridge Analytica, com robôs que disparam em massa fake news e a forte presença da alt-right na internet, obrigam-nos a uma postura mais crítica com relação ao campo da comunicação de massa e a forma de se fazer política e ganhar as eleições na era das redes sociais.
É curioso que, nesse contexto, outra inversão de valor se deu com o termo “globalização”. Para os assim ditos sovranistas, hoje o termo “globalização” virou um termo da “cultura marxista”, embora, quando ele começou ser usado nas Ciências Sociais, por volta de 1990, de imediato suscitou as mais ásperas críticas de movimentos sociais de esquerda - pensamos nos movimentos no global e no logo (Klein, 1999) -, que o identificavam como o ponto mais alto do projeto de ampliação e universalização do capital. Por último, mas sem a pretensão de ter esgotado a lista das possíveis “revoluções”, não posso deixar de me referir à autêntica revolução do patrimônio imaterial, o processo de valorização das culturas populares e das identidades étnicas por meio da patrimonialização da cultura intangível encampada por várias agências estatais. Para o fortalecimento desse processo contribuiu bastante a atitude favorável, há pouco mais de dez anos, do Supremo Tribunal Federal para com reivindicações territoriais de índios e comunidades quilombolas ou com a aprovação unânime dessa corte com relação à constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior. Isso indicava claramente que um novo horizonte para a emancipação e para a formação da identidade estava à vista. Aqui, por motivo de brevidade, tenho salientado as mudanças mais relevantes, mas é evidente que, com relação ao passado, há tanto rupturas quanto continuidades.
Avaliando a posteriori o movimento que iniciou com a ação afirmativa, com o intuito de uma intervenção multicultural nas escolas e universidades, vejo um conjunto de entraves. Houve uma efervescência em termos de novas experiências multiculturais nos currículos, embora tenha tido relativamente poucas campanhas antirracistas e pouca educação para a tolerância. O Estado, mais do que promover projetos antirracistas e de educação para a tolerância, achou mais fácil educar para a identidade, produzindo nos anos passados um novo vocabulário interessante em si: diversidade, territórios de cultura e identidade, saberes práticos, mestres do saber tradicional, patrimônio intangível, pontos de memória etc.10 Pode se argumentar, com boas razões, que isso era o que podia ser feito e que era importante tornar as até então restritas universidades brasileiras mais inclusivas, que a população não branca é aqui a maioria e por isso era preciso tomar rapidamente alguma medida compensatória. Não há como discordar disso, mas saliento que parte dos problemas que temos enfrentado e que enfrentaremos, por exemplo, com relação a relativamente difícil popularização do ensino associado à Lei nº 10.639 é justamente oriunda do caráter parcial de nosso multiculturalismo, da falta de conexão com medidas redistributivas, de sua pouca inserção no bojo do curriculum escolar e de sua ênfase excessiva na necessidade de fortalecer processos identitários de tipo étnico - algo que tende a fracassar quando faz parte de políticas públicas pensadas de forma centralizada em lugar de surgir por baixo, a partir de demandas locais. Tratar-se-ia daquele fenômeno que Martins Fernandes (2011) tem chamado de “Estado Indutor”: um Estado que promove não apenas desenvolvimento econômico, mas também determinados grupos sociais. Martins Fernandes, em sua tese de doutorado (2011), usa como exemplo a forma como o governo Lula “induziu” a criação de um grupo político de “juventude LGBT”, que era inexistente no movimento e foi criado para responder às políticas e editais do governo. Em termos de análise, podem ser considerados três ordens de problemas11: a) o movimento na direção da ação afirmativa e do multiculturalismo não pode servir como forma de evitar a questão mais ampla das desigualdades extremas e duráveis que parecem caracterizar a modernidade de alguns países, dentre os quais o Brasil. Como já indicou Nancy Fraser (2002), em sua réplica às teses de Axel Honneth (2003), no fundo não pode haver reconhecimento (elemento determinante em identificar os beneficiários das medidas de ação afirmativa) sem redistribuição dos recursos e sem luta para a melhora do bem comum, assim como não podemos falar de diversidade étnico-cultural desligada da questão das desigualdades étnico-raciais e sociais; b) a dimensão retórico-ideológica da ação afirmativa, pois preocupa-me a dimensão teatral que teve o debate em torno da ação afirmativa, sobretudo durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, quando as cotas são uma realidade, embora ameaçada, vale talvez a pena pensar que um projeto de efetiva incorporação da Lei Federal nº 10.639 ao meio acadêmico o maior projeto multicultural por enquanto ‒ funcionará muito melhor se for pensado mais como um projeto antirracista de educação para a tolerância do que como projeto étnico, centrado no fortalecimento de identidades setoriais por meio da culturalização (engessada) da diversidade; c) o tipo de conteúdo a ser dado à eventual transformação dos currículos no sentido multicultural - o que se entende, por exemplo, por cultura afro-brasileira ou cultura indígena? Em se tratando de ícones carregados de valores e emoções como África, africanos, “raças”, negritude, racismo, ser índio e pensamento indígena - acho determinante enfatizar a pluralidade, mais do que insistir em falar de cultura e identidade no singular.
A reconstrução dos currículos deveria se dar no sentido de mostrar a variedade de formas culturais e processos identitários, fazendo com que, exatamente nessa variedade, seja visto um fator de força e criatividade. De acordo com as interpretações mais atuais nas Ciências Humanas, “cultura” e “identidade”, mais do que como entidades ou produtos concretos, devem ser vistas e analisadas como projetos e processos. Por isso, não vale a pena insistir em definir o que seria, por exemplo, a cultura afro-brasileira por meio de infindas listas de itens e traços que nunca conseguem incorporar a imensa variedade de orientações da grande população afro-brasileira12. Em lugar de tornar estático algo que está sempre em movimento, parece-me mais interessante desenvolver métodos que ilustrem como diferentes atores têm produzido cultura, resistência e identidade em contextos diversos. O verdadeiro desafio é aplicar essas noções mais modernas daquilo que é cultura e identidade em todos os níveis do ensino, fugindo da práxis que tem deixado a sofisticação intelectual para a universidade, e feito da escola primária e secundária um ambiente onde cultura e identidade, quando abordadas, são tratadas de forma demasiada tradicional e rígida - contribuindo para uma perda de interesse por essas temáticas entre muitos alunos que, com um método de ensino mais dinâmico, poderiam muito bem estar interessados.
De fato, ensinar, por exemplo, histórias e culturas africanas pode ser algo muito divertido e estimulante, mas pode também ser algo bastante “chato”, como dizem os alunos, se feito sem a devida sofisticação13. Além dessa multiplicidade, vale a pena insistir também numa maior atenção na individualidade e nos indivíduos. Considero inoportuno sempre e somente falar de afro-brasileiros ou indígenas enquanto populações, porque isso sugere que negro e índio somente funcionam como entidades coletivas e jamais também como indivíduos, com toda singularidade que caracteriza o ser humano. É preciso uma linguagem no ensino do tema de história e culturas africanas e de história e culturas afro-brasileiras que deem conta tanto de demandas e experiências coletivas como de trajetórias e desejos individuais, que sejam de personagens exemplares (por exemplo, figuras ilustres como Milton Santos ou Manuel Querino) ou de negros e índios, por assim dizer, comuns e até agora “sem nome”. Isso tem levado a uma autêntica contradição. No fundo, o vocabulário do multiculturalismo está centrado na noção de maioria versus minoria, assim como de comunidade e identidade étnica, porque ele se origina em sociedades onde essas práticas estão pensadas como forma de lidar e incorporar à sociedade civil aquelas que foram definidas como minorias étnicas, das quais se pressupõe que se organizem e se comportem como uma comunidade, se não residencial pelo menos em termos de comportamento.
No contexto brasileiro, onde a população negro-mestiça representa, em muitas regiões, a maioria ou, pelo menos, um grande percentual, fica difícil aproveitar o termo “comunidade” ou “minoria”. No campo dos estudos étnicos, o termo “identidade” tem sido historicamente utilizado mais para se referir à (busca de uma) identidade nacional do que para se referir a grupos específicos. Talvez seja preciso pensar numa terminologia centrada em torno da noção de exclusão-inclusão: é preciso pensar o Brasil de uma forma culturalmente, além de socialmente, mais inclusiva. Mais uma vez, talvez o viés mais forte devesse ser aquele de uma educação na e para a tolerância, mais do que uma ênfase numa diversidade cultural de parte da população deste país. Ao enfatizar a diversidade cultural, é preciso tomar cuidado sobre como definir noções como “cultura afro-brasileira” ou “cultura indígena”. Existem diferenças regionais fortes, assim como entre urbano e rural e entre classes sociais diferentes. Não obstante isso, a iconografia da negritude, presente nos documen- tos, manuais e publicações associados à proposta da Fundação Cultural Palmares do extinto Ministério da Cultura, nos anos de 2002 a 2015, reflete principalmente a realidade de duas cidades, Salvador e Rio de Janeiro e, quase de forma exclusiva, das classes sociais baixas14.
Pela necessidade de garantir uma pluralidade de expressões e não forçar, mais uma vez, as pessoas a se identificarem com construções daquilo que é ser negro ou índio ‒ que são externas à realidade dessas pessoas ‒, estou convencido da necessidade de pensar o processo identitário o menos possível como um assunto de Estado. Em princípio, sou a favor da concessão de (novos) direitos e também de direitos culturais para todos aqueles grupos e indivíduos que tiveram uma história de discriminação étnico-racial e se organizam para reclamar tais direitos, mas gostaria de que sejam estes mesmos grupos e indivíduos que digam quais direitos culturais exigir e de que forma. Minha impressão é a de que, na maioria dos casos, eles clamarão por igualdade, mais do que enfatizarão o fato de serem (culturalmente) diferentes. Nesse sentido, o Estado deve ficar atento a essas demandas, mas não se antecipar.
DO ESTADO INDUTOR AO ESTADO REPRESSOR
Após ter esquematicamente avaliado os processos e mudanças que levaram para aquela que tenho definido de onda identitária, parece-me importante tecer algumas considerações acerca da atual, nova e tensa configuração que está se delineando em torno da questão étnico-racial no Brasil. Precisamos aprender a lidar com essa nova complexidade.
Uma solução proposta sobretudo a partir do feminismo negro ou não branco tem sido a abordagem interseccional. Este, que pode ser considerado o principal paradigma feminista das últimas décadas, tem se afirmado sobretudo a partir da Conferência Mundial da Mulher de Pequim, em 1995. O termo aponta para as múltiplas discriminações que um sujeito tende a sofrer (de gênero, classe raça/cor, idade etc.), que podem acumular e criar um conjunto de impossibilidades ou bloqueios (Segato, 2012), mas também podem resultar em formas de resistência coproduzidas por duas ou mais condições identitárias (Bachetta, 2009). Várias autoras postulam que enfatizar a interseccionalidade põe a questão das alianças como projeto e método para transcender as barreiras erguidas pela opressão e transformar em cooperação, na resistência daquilo que senão poderia ser um potencial jogo de suma zero. Este seria o jogo que resultaria da competição entre projetos identitários inspirados pelo egoísmo étnico ou de classe, uma forma de cada grupo por si. Contra essas identidades corporativas seria possível e desejável criar coalizões de consciência, expressão do ativismo intelectual (Hill Collins, 2013: 242). Entretanto, críticas radicais, como a de Houria Bouteldja (2016) ou Sirma Bilge (2015), apontam para um crescente uso “branco” da interseccionalidade, usado por feministas brancas, de fato, como instrumento para questionar a centralidade da clivagem racial na sociedade, inclusive entre mulheres.
Embora seja incontestável que a discriminação é sempre multifacetada e que ela determina - negativamente ‒ o curso da vida, e que o funcionamento da discriminação precisa ser analisado, tenho alguns reparos ao discurso intersecional: a) tende a ser a-histórico porque não enfoca a relação entre processos identitários e o desenvolvimento dos sistemas de oportunidades e da configuração e do hábitos etno-raciais; b) tende a ser cumulativo e a pressupor sempre um contexto, no qual a discriminação estaria em constante crescimento - não haveria negociações e ajustes como resultado da pressão política do grupo discriminado, sendo este condenado ao status de eterno perdedor; c) não dá conta da evidência de que o processo identitário, para além de ser uma reação à discriminação, também pode ser um projeto criativo, por meio da incorporação e do uso simultâneo ou intermitente de várias vestes e imagens identitárias; d) embora acho útil e necessário pensar nos interfaces entre os vários ingredientes do projeto identitário de um indivíduo (classe versus raça/cor etc.), o que me incomoda é enunciar a complexidade do processo identitário, sem efetivamente desdobrar como cor/raça, classe, geração e gênero e sexualidade, mas também estilos e modelos de consumo se inter-relacionam. Como mencionado antes, não há como entender o que move o processo identitário sem uma pers- pectiva empiricamente fundada qualitativa e quantitativamente, diacrônica e não somente sincrônica, e que saliente as oportunidades e limites proporcionados pela atual configuração étnico-racial.
Ademais, não sei se podemos generalizar e dizer que hoje o Brasil é um país mais étnico do que há três décadas. Sem sombra de dúvida, há mais pessoas que se autodefinem como negros, mas também, como aponta uma análise dos últimos três censos, há um aumento do registro da miscigenação até, finalmente, na classe média assim, naquela que parece ser uma contradição, há, ao mesmo tempo, mais pardos e mais negros15. Não obstante essa importante mudança na autodeclaração da cor/raça, até recentemente não se percebia um aumento de algum tipo de polarização de cunho étnico-racial ‒ em 2014, todos os três principais candidatos ao cargo de presi- dente eram a favor da ação afirmativa. Ora, a partir da fase preparatória das eleições de 2018 isso mudou radicalmente. Se no passado recente houve um novo protagonis- mo dos negros e índios, com grandes e objetivos avanços, hoje há um contexto político que represa essas massas que clamam direitos indígenas e quilombolas, as cotas e ações afirmativas são questionadas, o investimento em educação é contido, e há novas tensões e violências no meio rural e urbano. Essas novas barreiras criam um contexto diferente, que não é, em si, de volta ao passado: essa sociedade nas últimas décadas vivenciou fortes movimentos e fermentos identitários, o despertar de medidas de ação afirmativa, a promoção e, inclusive, a patrimonialização da cultura popular e o alargamento de direitos associados à condição de indígenas e quilombola. Esses movimentos e projetos coletivos tiveram, ademais, um forte impacto nas trajetórias individuais de muitas pessoas negras e indígenas, sobretudo nas jovens gerações, que nesses anos mudaram suas perspectivas sobre vários âmbitos da vida, padrão e estilo de consumo, formas de se vestir ou usar o cabelo e passar o tempo livre.
Reprimir essa onda identitária depois de uma longa temporada de abertura, represando o protagonismo coletivo no confinamento individual, com a socialização virtual como quase único e parcial alívio, pode levar a uma grande frustração e a novas tensões sociais. Qual é o futuro próximo do multiculturalismo à brasileira, da Lei nº 10.369/2003 ‒ que possibilitou o fortalecimento dos estudos africanos e maior abertura cultural no curriculum - e da ação afirmativa que com a disponibilização de cotas e bolsas para alunos carentes significou mais inclusão e melhor permanência na universidade até na pós-graduação? Uma coisa foi promover as cotas no crescimento generalizado das vagas na universidade, outra é promover, por exemplo, as cotas na pós-graduação com bem menos bolsas do que antes. A desconstrução da ação afirmativa e do processo de inclusão nas universidades de parte do governo nos proporcionou novos desafios. Será que vamos rumo a um odioso jogo de soma zero, de competição entre minoria e maioria ou até entre minorias, como acontece frequentemente nos Estados Unidos? Vamos rumo a um movimento de mors tua, vita mea - minha força e identidade crescem se as suas enfraquecem?
Que resposta podemos e devemos dar? Em primeiro lugar, sugiro analisar cuidadosamente o que se construiu e desenvolveu durante o momento identitário desde seu início na era FHC até a sua consolidação nos anos 2003-2016. Temos que nos esforçar, mais ainda, para tornar a aplicação da Lei nº 10.639 interessante, útil e divertida - para que se encaixe na linguagem e nas prioridades das jovens gerações mais que insistir que estas se identifiquem com a proposta e a filosofia da lei como tendia a acontecer no governo do PT, também pelos erros dos ativistas que as desenvolviam de forma muito centralizada e a partir de Brasília. Precisamos aprender a explicar e mostrar por que estudar e conhecer a África é importante, afinal esse tipo de interesse sempre foi o resultado da economia política e nunca um fato natural. Por isso, precisamos de um olhar etnográfico e antropológico dos fenômenos rela- cionados com esse processo que chamaria de “Nova Insatisfação”. É nesse sentido que vai a pesquisa de Rosana Pinheiro Machado (2018; 2019) que, livre de um inútil tom de condenação, é movida pelo desejo de entender o que está por trás desses (novos) comportamentos ou posturas conservadoras e do relativo apoio a elas até em setores populares16. Essas formas de fazer política e exercer o poder se apresentam como absolutamente novas e antipolíticas e propõem reformas radicais de cunho tanto socioeconômico quanto educacional-cultural-religioso. Elas, em vários países e continentes, opõem-se, frontalmente, tanto aos precedentes projetos de redução das desigualdades extremas e duráveis quanto, sobretudo, aos projetos de “emancipação por mosaico” e de welfare identitário. Esse é um sistema de bem-estar no qual a condição de “minoria étnica” é, de alguma forma, premiada e os direitos e os recursos dependem, em certa medida, da capacidade de performance, estetização e preservação da diversidade de cunho étnico-cultural.
É preciso e urgente indagar como os novos governos populistas afetam a estrutura das desigualdades, os processos identitários dos grupos subalternos e a construção mais ampla das identidades coletivas. Quais são os vencedores e os perdedores nesses processos? Precisaremos pormenorizar a análise identificando tanto os traços globais como as singularidades por contexto ou país (Índia, Filipinas, Colômbia, Brasil etc.), por meios e tecnologias tradicionais ou novas (social media, flash mobs, cultos religiosos etc.) e por âmbito da sociedade (religião, política, produção cultural e de discursos sobre, por exemplo, a violência dirigida aos estrangeiros e à população LGBT). Para isso, é preciso criar redes de colaboração com os mais destacados pesquisadores que enfrentem aquilo que pode ser denominando de “nova era dos extremos” em países como Índia, Colômbia, Estados Unidos, África do Sul, Itália, Filipinas e Brasil17. Infelizmente, em termos de possíveis intercâmbios interna- cionais, o contexto também mudou e para pior. Em termos de política internacional, o Brasil passou do multipolarismo e de certa ênfase nas relações Sul-Sul para um estranho e singular alinhamento com Trump18.
A questão é como tudo isso afeta o panorama das identidades e de sua construção no Brasil e o que acontecerá com o rápido declínio da, assim dita, “onda identitária”, ou seja, o período de revivescência das identidades setoriais baseadas no gênero, na etnicidade e na geração durante o qual o termo “diversidade” deixou de ser um ônus associado às desigualdades para se tornar um termo associado com medidas igualitárias e redistributivas. Essa onda começou se delinear em torno de 2002, para se fortalecer no mais excitante estágio do primeiro governo Lula, mas entrou em crise a partir da consolidação do governo Temer. Como em todos os processos radicais, houve uma contrarreação conservadora e o país passou rapidamente de uma postura de busca de novos conteúdos até na representação da nação (penso na mudança que significa passarmos do lema “Brasil, um país de todos” para o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) e de uma ênfase na positividade das (novas) identida- des dos grupos subalternos para sua negação. O coágulo mais extremo dessa atitude reacionária se encontra na postura anti-identitária aglutinada pelo superconservador candidato à presidência ‒ e logo presidente Bolsonaro ‒ e no clima de ódio com relação aos direitos das minorias alimentado por fake news circuladas por numerosos sítios web que comentaram o mais importante assassinato político da última década no Brasil, aquele de Marielle Franco. Se uma parte importante da população se reconhece na personalidade de Marielle e chega até a reverenciá-la, muitos outros a rechaçam exatamente porque a consideram demasiadamente centrada na identidade.
Essa nova tensão entre (novos) processos identitários de cunho progressista e conservador não concerne somente ao Brasil, mas interessa a outros países da América Latina, como mostram a mobilização contra a exteriorização da cultura e da identidade indígena dentro do processo que levou à violenta remoção do presidente Morales do poder na Bolívia, em 2019, ou à derrota do referendum em prol do processo de paz na Colômbia, em 2017. Nesse país se deu uma forte oposição ao processo de paz e ao projeto de anistia proposta pelo governo Santos, especialmente nos interiores e entre os neopentecostais. O discurso da oposição ao processo de paz era um conglomerado de palavras de ordem contra qualquer tipo de minoria, como homossexuais, feministas e índios (Restrepo, 2019).
O real aumento da intolerância religiosa contra qualquer forma de religiosidade de origem afro-americana e indígena, em uma região que até então tinha sido considerada como relativamente tolerante em termos de liberdade religiosa, preocupa. Ele pode ser compreendido, pelo menos em parte, como uma reação ao processo de inclusão de parte das narrativas do Estado dessa vivência religiosa das minorias que tem ocorrido nas últimas duas décadas como componente de uma nova e crescente postura multicultural desenvolvida por governos, em geral, progressistas.
Com efeito, é preciso debater a relação entre, por um lado, as políticas da identidade e as (novas) demandas de cidadania e, por outro lado, o Estado e a política partidária do sistema democrático. A América Latina está vivenciando uma rejeição radical e populista do próprio Estado, assim como de seus códigos, linguagem e regras19. Essa rejeição acaba por influenciar negativamente e desempoderar as políti- cas multiculturais, que são identificadas por muitos, até mesmo nas camadas sociais baixas, mais como parte integrante da máquina do Estado - o establishment - do que como expressão da vontade de grupos subalternos que têm sido historicamente discriminados, ou como forma de remediar antigas injustiças.
No Brasil, assim como nos Estados Unidos de Trump e em outros países das Américas, precisamos aprender a lidar tanto com a evidência de que os novos formatos do populismo conservador são essencialmente contrários a praticamente qualquer experimento multicultural quanto com o fato de que uma associação demasiadamente próxima entre políticas progressistas e a promoção de novas identidades setoriais - mesmo quando elas foram pensadas como medidas em favor de grupos da população que têm sido historicamente discriminados - não é alheia a contradições. Não é, pois, um acaso que um dos livros de Ciências Sociais mais ven- didos nos Estados Unidos pós-Trump recebeu um subtítulo que faz muito sentido: After Identity Politics (Depois das políticas identitárias), do autor Mark Lilla (2017).
Em suma, acredito que hoje não há como pensar em políticas culturais mais inclusivas e democráticas de parte do Estado sem uma análise criteriosa das oportunidades e falhas do novo multiculturalismo latino-americano. Confesso que, após alguns anos de certo entusiasmo com relação ao poder emancipador, tanto da ação afirmativa como do multiculturalismo no contexto brasileiro, estou hoje mais pessimista. Tornei-me, de novo, um etno-cético (Sansone, 2007), embora certamente reconheça que o Brasil ainda apresente não somente um déficit social, mas também um déficit identitário (as novas identidades em questão são expressão de grupos subalternos que clamam por direitos justíssimos e reconhecimento devido e legítimo), não estou (mais) convencido no poder intrinsicamente emancipatório e antirracista das políticas identitárias de cunho étnico-racial. O problema, a meu ver, não é, em si, a radicalidade dos projetos identitários em questão, mas sua gênese. Mais do que a estetização por parte desses projetos - as formas exteriores e o estilo retórico como esses projetos se manifestam ‒, interessa por que e por meio de quem eles se criam. Disso depende seu caráter emancipador. Precisamos problematizar o caminho das políticas da identidade e de seu processo de reificação de palavras e categorias, assim como foi experimentado no Brasil, e focar nossos esforços em pensarmos o que poderia ser uma educação e uma prática antirracista, contra a intolerância. Se é necessário evidenciar as novas demandas de cidadania embutidas nessas identidades coletivas, igualmente é preciso aprender a lidar com o novo conjunto de contradições que elas apresentam para nossa modernidade latino-americana.
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SANSONE, Livio, 2003. “Multiculturalismo, Estado e modernidade: as nuanças em alguns países europeus e o debate no Brasil”. Dados, vol. 46, no. 3, p.535-556. https://doi.org/10.1590/S0011-52582003000300005
» https://doi.org/10.1590/S0011-52582003000300005 - SANSONE, Livio, 2003a. Negritude sem etnicidade Salvador/Rio de Janeiro: Pallas/Edufba.
- SANSONE, Livio, 2004. “Jovens e oportunidades: as mudanças na década de 1990 - variações por cor e classe”, em Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva orgs. Origens e Destinos. Desigualdades sociais ao longo da vida Rio de Janeiro: Topbooks, 245-280.
- SANSONE, Livio, 2007. “Antiracism in Brazil”. NACLA Report.
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SANSONE, Livio, 2007a. “Que multi- culturalismo para o Brasil”, Ciência e Cultura 59, 2: 24-29. http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n2/a13v59n2.pdf
» http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v59n2/a13v59n2.pdf - SANSONE, Livio, 2014. “Raça”, em SANSONE, Livio Sansone e ALVES FURTADO, Claudio Alves (orgs.). Dicionário crítico das ciências sociais dos países de fala oflcial portuguesa,. Salvador: Edufba : 393-412.
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- WAGLEY, Charles, 1952. Race and Class in Rural Brazil Paris: Unesco.
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O cerne deste ensaio foi apresentado em um seminário organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PPGCS/PUC- Minas), em novembro de 2018. Quero agradecer aos pareceristas anônimos pelas sugestões, assim como a Felipe Bruno Martins Fernandes e a Sueli de Souza Borges, pela cuidadosa revisão do texto e dos conceitos nele utilizados.
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Uma confissão: essa janela de tempo corresponde também à minha experiência no Brasil, onde vivo e trabalho desde 1990. Ora, se sempre foi importante se questionar para quem e por que investigamos um tema, isso é ainda mais importante quando o tema é identidade étnica e suas relações com a posição socioeconômica, com a classe, ademais, em um país com fortes tensões de cunho étnico e racial como o nosso. Também vale a pena salientar que o fato de eu ser branco e nascido e crescido na Itália, embora engajado há muito tempo com o antirracismo no Brasil, me coloca em um determinado lugar do debate sobre o antirracismo e o tipo de multiculturalismo que queremos para este país. Um debate do qual, implícita ou explicitamente, todos nós participamos e no âmbito do qual, para parafrasear Geertz, somos realmente todos “nativos” - todos nós participamos dele tanto com o cérebro quanto com o estômago.
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Para textos mais propriamente acadêmicos, mas de grande impacto no ativismo negro, ver a obra do sociólogo Octavio Ianni e, mais adiante, o paradigmático livro de Carlos Hasenbalg (1974).
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Por um bom exemplo interessa acompanhar os relatórios da organização Minority Rights Group, com base na Grã-Bretanha. Inicialmente impressos, nos últimos anos esses relatórios estão disponíveis no https://minorityrights. org/country/brazil/. Acesso em: 11 maio 2020.
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Veja-se, por exemplo, cômicos em quéchua durante o Concurso de Foncodes (Andahuaylas, Apurímac). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PzHf_mmkDiI. Acesso em: 13 maio 2020.
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A popularização do termo “étnico” foi rápida e poderosa. A título de exemplo, contarei um episódio pessoal. Em 1992, logo depois de minha chegada como pesquisador visitante na Universidade Federal da Bahia (UFBA), durante uma entrevista sobre a Guerra Civil na antiga Jugoslávia, ao vivo na TVE, o jornalista me perguntou, candidamente, o que era a etnicidade e qual era o remédio contra ela, me brindando com 30 segundos para responder. Menos de uma década depois, me deparei no banheiro da minha própria casa com o fato de que o termo “étnico” já havia migrado para o mundo dos cremes de beleza e dos xampus. Essa mudança se devia, em boa parte, ao nosso incipiente experimento com o multiculturalismo.
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Já existe um campo de pesquisa nos Estados Unidos chamado frequentemente de “trumpologia”, com inúmeras publicações científicas e jornalísticas, inclusive a respeito da ação afirmativa e da diversidade. Um dos tantos interessantes sítios está disponível em: https://www.emeraldgrouppublishing.com/archived/realworldresearch/world_events/inclusion-and-diversity-in-the-age-of-trump. htm. Acesso em: 11 maio 2020. Nessa mesma data existiam mais de 50.000 entradas na voz Trump no catálogo da Amazon.
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Para quem, como eu, morou 13 anos na Holanda e lá fez mestrado e doutorado nos anos 1980-1992 é particularmente chocante a mudança em termos de palavras-chave das políticas públicas com relação ao fluxo de imigrantes, de “integração com manutenção da própria cultura e identidade”, no meado dos anos 1980, para os testes para medir o “processo de assimilação” (inburgeringsprocess) dos últimos dez anos.
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Acessando em 13 de maio de 2020, reparei que a página da Secadi no sítio do MEC tinha sido desativada e que a página do ProExt deixou de ser atualizada a partir de 2016.
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Em 2018, a Secretaria de Planejamento do Estado da Bahia dividiu o território da Bahia em 27 Territórios de Identidade. Disponível em: http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=17. Acesso em: 11 maio 2020.
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Para um detalhamento de minha posição a respeito, ver Sansone (2007).
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Como tendiam fazer alguns manuais produzidos pela Fundação Palmares, na década de 2000.
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Como pude aferir em minhas pesquisas nas escolas públicas nos munícipios de Salvador e São Francisco do Conde/BA.
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Basta consultar os números da Revista Palmares, publicada entre 2010 e 2015 e acessíveis no sítio http://www.palmares.gov.br/?page_id=6320. Ora, a partir do governo Temer e com mais força no governo Bolsonaro, a Fundação Palmares deixou de ter o papel propositivo que tinha até se tornar um simulacro do que já foi.
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Nota sobre os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica: aumento do percentual de pardos que, nas pesquisas mais qualitativas, anda junto com o aumento das pessoas que se autodefinem com o termo “negro”.
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Ando pensando, nestes tempos, como poderia ser interessante repropor no Brasil, e quiçá em outros países atormentados pelas mesmas convulsões autoritárias, um tipo de pesquisa quantitativa e qualitativamente inspirada na famosa Escala F (F de fascismo), o teste psicológico elaborado por Theodor Adorno e seus colaboradores em 1947, nos Estados Unidos, para medir o quantum de personalidade autoritária que pode ser identificado em vários grupos de indivíduos ou tipos ideais. Pesquisa nessa direção, embora sem a mesma sofisticação, realizada recentemente na Universidade de São Paulo, no âmbito da capital paulista (veja-se Folha de S. Paulo, de 23 de outubro de 2019), indica a complexidade desse relativamente novo contexto: a população é relativamente progressista em termos sociais, inclusive com relação às cotas na universidade para negros e carentes, mas conservadora em termos identitários, com maior aprovação para o endurecimento das penas como forma de combater o crime e grandes índices de rejeição ao aborto e à concessão de mais direitos e visibilidade à população LGBT ‒ rejeição mais forte na camadas mais populares, onde se concentra a população negro-mestiça.
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Uma exitosa tentativa nessa direção tem sido a 20ª edição do curso avançado Fábrica de Ideias, realizado em agosto de 2019, em Salvador, cujo tema foi “A nova era dos extremos”. Nosso curso intensivo e avançado almeja uma discussão em chave progressista e por meio de um diálogo Sul-Sul, assim como Sul-Norte, sobre o surgimento e o crescimento de novas e particularmente exageradas formas de populismo. Disponível em: http://www.fabricadeideias.info.
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Indago como essa guinada conservadora pode afetar projetos ousados, mas ainda em fase de consolidação, como o Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar de Estudos Étnicos e Africanos (Posafro) da UFBA, cuja área temática, os estudos étnico-raciais, e regional, África, deixaram de ser prioridade já no governo Temer para se tornar foco de agressão verbal no governo dos pastores com armas?
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Vale a pena salientar que parece ser caraterístico desse novo populismo de direita na América Latina um duplo movimento pelo qual, dentro da retórica eleitoral, se endeusam as eleições, mas se demoniza a política partidária.
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Financiamento
A pesquisa é apoiada por uma bolsa PQ do CNPq, nível 1B.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Jul 2021 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
24 Out 2019 -
Aceito
04 Ago 2020