Open-access Condições higiênico-sanitárias do leite pasteurizado tipo "B" vendido na cidade de São Paulo, SP (Brasil), no período de fevereiro a agosto de 1982

Sanitary condition of "type B" pasteurized milk sold in S. Paulo city, SP (Brazil) in the period from February to August, 1982

Resumos

Procedeu-se ao levantamento das condições higiênico-sanitárias de amostras de leite pasteurizado tipo "B", na cidade de São Paulo, SP (Brasil), nos meses de fevereiro a agosto de 1982. Trinta e cinco por cento das amostras analisadas apresentaram contagens excedentes a 10(4) psicrófilos/ml; 65%, excedentes a 4,0 x 10(4) mesófilos/ml; e, 63% superiores a 2 coliformes/ml. As presenças de Escherichia coli e de Staphylococcus aureus foram confirmadas em 17,5% das amostras analisadas, respectivamente.

Leite, contaminação; Alimentos, microbiologia


Samples of type "B" pasteurized milk collected from different commercial establishments in S. Paulo, city, SP (Brazil) were subjected to microbiological inspection. Thirty-five percent of samples showed psychiotrophs exceeding 10(4)/ml; sixty-five percent showed mesophilic counts exceedinf 4 x 10(4)/ml and sixty-three showed more than two coliforms/ml. Escherichia coli and Staphylococcus aureus were found to occur in 17.5% of the material collected, respectively.

Milk contamination; Food microbiology


ARTIGO ORIGINAL

Condições higiênico-sanitárias do leite pasteurizado tipo "B" vendido na cidade de São Paulo, SP (Brasil), no período de fevereiro a agosto de 1982

Sanitary condition of "type B" pasteurized milk sold in S. Paulo city, SP (Brazil) in the period from February to August, 1982

Renato Baruffaldi; Thereza Christina Vessoni Penna; Irene Alexeevna Machoshvili; Lúcia Eiko Abe

Do Departamento de Bioquímico-Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo - Caixa Postal 30.786 - 01000 - São Paulo, SP - Brasil

RESUMO

Procedeu-se ao levantamento das condições higiênico-sanitárias de amostras de leite pasteurizado tipo "B", na cidade de São Paulo, SP (Brasil), nos meses de fevereiro a agosto de 1982. Trinta e cinco por cento das amostras analisadas apresentaram contagens excedentes a 104 psicrófilos/ml; 65%, excedentes a 4,0 x 104 mesófilos/ml; e, 63% superiores a 2 coliformes/ml. As presenças de Escherichia coli e de Staphylococcus aureus foram confirmadas em 17,5% das amostras analisadas, respectivamente.

Unitermos: Leite, contaminação. Alimentos, microbiologia.

ABSTRACT

Samples of type "B" pasteurized milk collected from different commercial establishments in S. Paulo, city, SP (Brazil) were subjected to microbiological inspection. Thirty-five percent of samples showed psychiotrophs exceeding 104/ml; sixty-five percent showed mesophilic counts exceedinf 4 x 104/ml and sixty-three showed more than two coliforms/ml. Escherichia coli and Staphylococcus aureus were found to occur in 17.5% of the material collected, respectively.

Uniterms: Milk contamination. Food microbiology.

INTRODUÇÃO

O leite, secreção das glândulas mamárias de mamíferos, possui valor nutritivo inigualável. É consumido, universalmente, por quaisquer faixas etárias, sob a forma fluída ou de seus derivados. Constitui-se alimento de importância para crianças e convalescentes e participante de pelo menos uma refeição diária do indivíduo clinicamente sadio.

Na pecuária, a vaca assume papel de destaque na produção leiteira, gozando de universalidade indiscutível; e, em menor escala, a cabra, a ovelha e o búfalo fêmea13. Do ponto de vista comercial, o leite é um produto íntegro, oriundo da ordenha completa do úbere de uma ou mais vacas, desprovido de colostro. A cidade de São Paulo é abastecida com leite proveniente de várias regiões, podendo-se considerar um litro de leite, de qualquer estabelecimento comercial, amostra significativa da mistura de leites que apresentem os mais variados problemas higiênico-sanitários.

O leite destinado ao consumo nunca é isento, totalmente, de microrganismos, havendo limites tolerados do número máximo permitido de bactérias não patogênicas, por mililitro do produto9,10.

Com o crescimento da demanda do produto tornou-se imperativo o tratamento do leite que garantisse melhor qualidade higiênica, sem alterar profundamente as propriedades físico-químicas.

O beneficiamento do leite, através da pasteurização, requer o emprego correto do par tempo-temperatura de aquecimento mínimo necessário, para lesar a flora microbiana patogênica. O processo de pasteurização do leite objetiva a higienização do mesmo.

A região da Grande São Paulo contribui com 28% do total de leite pasteurizado produzido no país12. O consumo anual do leite tipo "B" no Brasil, em 1980, foi de 332.300.000 litros6; em 1981 foi de 354.723.000 litros7; e, em 1982 foi de 343.530.000 litros8. O consumo de leite fluído de todos os tipos no Brasil, em 1980, foi de 2.625.766.000 litros6 ;em 1981 foi de 2.989.247.000 litros7; e, em 1982, foi de 3.339.045.000 litros8. Portanto, o consumo de leite tipo "B", no país, correspondeu à taxa de 12% do volume total de leite pasteurizado produzido no ano de 1982.

O presente trabalho pretende estudar as condições higiênico-sanitárias do leite pasteurizado tipo "B" consumido na cidade de São Paulo, no período de fevereiro a agosto de 1982.

A enumeração de microrganismos patógenos nos alimentos geralmente envolve métodos custosos, de difícil execução, mormente se o número destes não for apreciável2,3,5. Os microrganismos indicadores são mais facilmente isolados e identificados. Sua presença no leite indica exposição do mesmo às condições que favorecem a introdução de patógenos genuínos nos alimentos.

O objetivo em pauta visa a pesquisa dos microrganismos psicrófilos, mesófilos, termófilos, coliformes, Escherichia coli e Staphylococcus aureus.

MATERIAL E MÉTODOS

Material

Após sorteio dos estabelecimentos comerciais, localizados na Zona Sul da cidade de São Paulo, foram adquiridas as amostras de seis marcas de leite pasteurizado tipo "B", coletadas ao acaso, no período de fevereiro a agosto de 1982. As embalagens plásticas foram transportadas ao laboratório, em recipientes de isopor contendo gelo, num período inferior a 2 horas.

Metodologia

Chegando ao laboratório, cada amostra recebia um número de código. Em seguida, era homogeneizada, por inversão da embalagem plástica, por 25 vezes consecutivas, e submetida aos exames microbiológicos.

Alíquotas de 10 ml da amostra de leite eram transferidas para 90 ml de diluente estéril obtendo-se, assim, diluição 1:10. A partir desta, e pelo mesmo procedimento, eram preparadas outras seis diluições.

As determinações dos números de microrganismos psicrófílos, mesófilos e termófilos foram realizadas segundo recomendações da American Public Health Association (APHA)2, pelo método de semeadura em profundidade, e expressas em contagem de bactérias aeróbias facultativas psicrófilas, contagem padrão em placas e contagem de bactérias aeróbias facultativas termófilas. Alíquotas de um ml da amostra eram depositadas em triplicata, para cada diluição preparada, no fundo de placas de Petri esterilizadas, sendo a seguir vertidos, em cada uma, 15 ml de ágar peptona-caseina-glicose-extrato de carne, fundido e resfriado a 45°C, seguidos de homogeneização. Após a solidificação do ágar, as três séries de placas eram incubadas, a 7°C por 10 dias, 32°C por 24 h e 55°C por 48 h, visando o crescimento de psicrófilos, mesófilos e termófilos, respectivamente. As colônias desenvolvidas eram contadas, em intervalo máximo de 4 h após o término do período de incubação, utilizando-se contador Messgerät. Para as placas paralelas de mesma diluição, com colônias contadas entre 20 e 300, calculava-se a média aritmética dos resultados registrados, expressa em termos de números de unidades formadoras de colônias para a diluição considerada.

As estimativas quantitativas de bactérias coliformes totais, fecais e Escherichia coli eram determinadas pela técnica do Número Mais Provável (NMP), recomendada pela APHA2,3 e International Comission on Microbiological Specifications for Foods (ICMSF)5. Inoculava-se alíquotas de 1 ml de diluições em tubo de fermentação contendo caldo verde-brilhante-lactose-bile, incubado à temperatura de 32°C, durante 24 e 48 h. Do tubo que apresentava formação de gás, no tubo de Duhran invertido, transferia-se material à superfície de ágar EMB (Teague), incubado à temperatura de 35°C durante 24 h; e, simultaneamente, para tubo de fermentação contendo caldo E. C., incubado à temperatura de 44,5°C, durante 24 e 48 h, em banho-maria termostaticamente controlado (FANEM, Mod. 112). Do tubo, que apresentava formação de gás no tubo de Duhran invertido, transferia-se material à superfície de ágar EMB (Teague), incubado a 35°C por 24 h. Colônias características foram isoladas e repicadas em ágar TSI inclinado, incubado a 35°C durante 24 h. Em seguida essas colônias foram submetidas às provas bioquímicas da ICMSF5 para a identificação de Escherichia coli.

A enumeração, o isolamento e a identificação de Staphylococcus aureus foram realizadas segundo recomendações da APHA3. Era utilizado ágar seletivo para estafilococos, segundo Baird Parker, previamente vertido e solidificado em placas de Petri. À superfície deste meio, alíquotas de 0,1 ml de cada diluição preparada eram transferidas e espalhadas com o auxílio de bastão de vidro em forma de "L". Os meios semeados eram incubados à temperatura de 35°C por 24 e 48 h. As colônias típicas eram contadas entre 20 e 200, com o auxílio de contador Messgerät; em seguida eram semeadas à superfície inclinada de ágar nutriente e em infusão de coração e cérebro, incubados à temperatura de 35°C durante 24 h. Procediam-se, então, às reações de identificação através da pesquisa de catalase e da prova da coagulase. Os resultados eram expressos em números de unidades formadoras de colônias de S. aureus por mililitro de leite analisado.

Todos os meios de cultura procederam do laboratório DIFCO.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os teores microbianos obtidos nas amostras de leite pasteurizado tipo "B" são mostrados na Tabela.

Os microrganismos psicrófilos são capazes de se multiplicarem à temperatura de 7° C ou de armazenamento do leite pasteurizado14; de produzirem enzimas proteolíticas termoestáveis; e, em número elevado, alterarem a composição físico-química do produto. O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA)9 determina que a contagem de psicrófilos no leite beneficiado tipo "B" não deve exceder 10% do número de mesófilos presentes. Trinta e três por cento dos litros de leite analisados de diferentes marcas apresentavam-se fora do padrão. As enumerações de psicrófilos nas amostras identificadas como 13, 22 e 35 apresentaram-se superiores a 3,0 x 105 por mililitro de produto. Segundo Adams e col.1, há evidências de que populações a nível de 1,0 x 104 microrganismos psicrófilos por mililitro, encontradas em 35% das amostras analisadas, podem vir a produzir cerca de 10 ou mais unidades de proteases termoestáveis, responsáveis por aroma, sabor indesejáveis e coagulação do produto, encurtando a vida útil do mesmo.

A contagem padrão em placas, realizada à temperatura de 32°C, no leite, favorece o crescimento de bactérias patogênicas, termodúricas, deteriorantes e outras. O DIPOA9 e a Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos (CNNPA)10 regulamentam que a contagem padrão em placas máxima por mililitro de leite não deva exceder o limite tolerado de 4,0 x 104. Constatou-se que 65% das amostras analisadas apresentaram resultados superiores. Normalmente, os produtos que apresentam de 106 a 108 microrganismos por mililitro são sensíveis a sinais de deterioração15, indicando, por vezes, leite em natureza excessivamente contaminado, ausência de condições sanitárias e de temperaturas adequadas de beneficiamento e/ou armazenamento. Nas amostras 13, 22, 35 e 38 foram obtidas contagens a 106 por mililitro de amostra, portanto suspeitas.

Panetta11 não considera os microrganismos termófilos como indicadores da presença de insalubridade do leite pasteurizado, ao comparar as contagens normalmente encontradas àquelas de outros grupos de germes, psicrófilos ou mesófilos. Basappa e col.4, porém, consideram-nos de relevante importância, nos leites esterilizados, porque os microrganismos esporoformadores termófilos são responsáveis por degradação proteolítica do produto. O DIPOA9 determina que a contagem de bactérias aeróbias facultativas termófilas, no leite beneficiado tipo "B", não deve exceder 10% da contagem padrão em placas. Do total de amostras analisadas, um percentual de 2,5 apresentaram enumeração para termófilos excedentes.

O grupo de microrganismos coliformes totais é considerado indicadores das condições higiênicas da produção e beneficiamento do leite pasteurizado, apresentando fácil quantificação laboratorial. Os coliformes crescem bem em grande número de alimentos, ao intervalo de temperatura de -2°C até +50°C; porém, ao intervalo de 5 a 7°C o desenvolvimento é lento2,3,5,15. O DIPOA9 e a CNNPA10 regimentam limite de tolerância máximo de 2 coliformes por mililitro de leite pasteurizado tipo "B". Sessenta e três por cento das amostras analisadas apresentaram contagens excedentes. A média de coliformes encontrada por Panetta11, para leite pasteurizado tipo "B" na cidade de São Paulo, foi de 1,7889 x 104/ml, enquanto que, no presente trabalho, apenas 10% atingiu ou superou tal valor.

O habitat natural da bactéria coliforme fecal de Escherichia coli é o trato entérico do homem e de outros animais de sangue quente. A presença da bactéria indica poluição fecal direta ou indireta, mas recente, como também a possível presença de patógenos entéricos como de salmonelas, de shigelas, de vibrios, de entamoebas, de vírus entéricos e de outros, que ocorrem nas áreas de produção e beneficiamento do leite. O DIPOA9 não estabelece limites para o grupo de bactérias coliformes fecais porque tem finalidade de assegurar a qualidade do produto. A CNNPA10 estabelece que deverá haver ausência desse grupo de microrganismos em um ml de leite pasteurizado tipo "B". As cepas de E. coli enteropatogênicas -invasivas, toxigênicas e causadoras da gastroenterite infantil (GEI) são todas responsáveis por diarréia em crianças e adultos. Por medida de segurança, a presença de Escherichia coli torna o produto risco em potencial à saúde pública; sob este ponto de vista, rejeitar-se-iam 17,5% das amostras analisadas.

As cepas de Staphylococcus aureus, produtoras em potencial de enterotoxinas, quando presentes no leite beneficiado, mostram possível contaminação pós-processamento oriunda do contacto humano pela pele, boca ou nariz com o alimento processado15. Na ausência de resfriamento apropriado do leite contaminado ou beneficiado, esses organismos crescem e produzem enterotoxinas potentes, principalmente, na faixa de temperatura entre 27 e 49°C. As enzimas termoestáveis são de detecção morosa e custosa em relação ao isolamento e identificação de S. aureus no leite pasteurizado. É difícil acompanhar os gradientes de temperatura do leite em natureza até o beneficiamento e do produto pasteurizado, durante o transporte e presença no comércio. Por estas razões a presença da bactéria S. aureus se constitui risco em potencial à saúde pública. Propõe-se que deva haver ausência desse grupo de microrganismos em um ml do leite pasteurizado tipo "B". De quarenta amostras analisadas, sete apresentaram positivas para a presença de S. aureus. De acordo com o critério proposto, essas amostras seriam rejeitadas para o consumo.

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos dos teores microbiológicos de psicrófilos, mesófilos e coliformes apresentaram enorme variação, independentemente das marcas pesquisadas, mostrando que a qualidade higiênico-sanitária do leite pasteurizado tipo "B" carece de melhores cuidados.

O sucesso para a obtenção de produtos pasteurizados, de qualidades nutritivas e higiênico-sanitárias ideais e constantes, está associado a programas de educação sanitária que deveriam ser difundidos em cada fase: obtenção, acondicionamento, pasteurização, transporte e distribuição do leite pasteurizado tipo "B".

As qualidades bacteriológicas dos leites recém-ordenhados são próprias de cada região. A mistura dos leites de várias procedências pode vir a comprometer a qualidade do lote final, pela introdução de teores microbianos diversos.

Ao produtor do leite cabe a responsabilidade pela qualidade do leite em natureza. A usina de beneficiamento deve tomar as medidas de precaução necessárias para manter essa qualidade do leite conseguida na área de produção, durante a utilização do produto.

O armazenamento e expedição do leite pasteurizado empacotado deve ser à temperatura máxima de 5°C e comercializado em temperatura não superior a 10°C6. Os estabelecimentos comerciais necessitam ser esclarecidos e conscientizados da importância da refrigeração do produto para a manutenção das características físico-químicas e microbiológicas do leite pasteurizado.

Sessenta e cinco por cento das amostras analisadas, comercializadas na Zona Sul do município de São Paulo, apresentaram contagem padrão em placas superior a 4,0 x 104/ml, significando leite em natureza excessivamente contaminado, subpasteurização, contaminação pós-processo ou exposição do produto beneficiado à temperatura superior a 10°C.

A presença de E. coli e de S. aureus, em 17,5% das amostras analisadas, sugere cepas possivelmente resistentes à pasteurização; ou, uma das razões apontadas para a presença de mesófilos. A presença de S. aureus em leite beneficiado deve indicar risco em potencial à saúde, visto produzirem enterotoxinas resistentes ao tratamento de pasteurização.

Recebido para publicação em 09/06/1983

Reapresentado em 23/08/1984

Aprovado para publicação em 21/09/1984

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Out 1984

Histórico

  • Aceito
    21 Set 1984
  • Recebido
    09 Jun 1983
  • Revisado
    23 Ago 1984
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