Resumos
Foram constituídos quatro grupos de roedores silvestres para a contagem de células sangüíneas periféricas, da seguinte forma: Grupo I - formado de animais normais, nascidos em biotério, com 30 dias de vida; Grupo II - formado de animais que foram capturados no campo e considerados não infectados com S. mansoni, após ovohelmintoscopia das fezes, realizada durante 30 dias de observação; Grupo III - animáis capturados no campo, nautralmente infectados com o esquistossomo, e o Grupo IV - de animais nascidos em biotério, com 30 dias de vida, e infectados com 150 cercárias de S. mansoni, oriundas da Região da Baixada Maranhense. Semanalmente, a partir da data da infecção, estes animais foram sangrados e tiveram suas células sangüíneas periféricas contadas global e especificamente. Os resultados mostraram que o número de hemácias e leucócitos por mm³ não variou nos animais normais, tanto de campo como de biotério. No grupo de animais experimentalmente infectados, foi observado decréscimo do número de hemácias à proporção que a infecção evoluia. Comportamento oposto foi verificado com os leucócitos. Elevados níveis de eosinófilos só foram observados nos animais com infecção natural. Estes resultados foram discutidos com dados da literatura e considerados importantes para complementar as informações sobre este hospedeiro natural do trematódeo, oferecido como modelo experimental do verme, e para sua própria história natural.
Holochilus brasiliensis nanus; Infecção experimental; Schistosoma mansoni; Células sangüíneas, contagem; Roedores silvestres
Holochilus brasiliensis nanus is a rodent, native to the State of Maranhão, Brazil, which is frequently found when captured to be infected and diseased wich Schistosoma mansoni. It is therefore a useful animal model for experimental studies on schistosomiasis. Studies on the peripheral blood counts in four groups of these rodents are reported. The blood counts of uninfected wild (Group 1) and uninfected laboratory-reared rodents (Group 2) were not found to differ. The laboratory-reared-infected rodents were repeatedly examined over 8 weeks; a progressive rise in the white cell count, and a fall in the red cell count, was noted. Eosinophilia was observed only in the naturally infected wild rodents (Groups 3). These data increased the knowledge regarding the blood counts of these animals when infected with Schistosoma mansoni, information that is important in such a useful natural animal model for schistosomiasis mansoni.
Holochilus brasiliensis nanus; Experimental infection; Schistosoma mansoni; Blood cell count; Wild rodents
ARTIGO ORIGINAL
Variações nos níveis das células sangüíneas periféricas encontradas em Holochilus brasiliensis nanus Thomas, 1897, infectados com Schistosoma mansoni Sambon, 1907, próprio da Pré-Amazônia1 1 Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Proc. 40.3815-82) 2 As capturas foram feitas com o auxílio de funcionários da SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública)
Variations in peripheral blood cell levels examined in Schistosoma mansoni infected Holochilus brasiliensis nanus Thomas, 1897, from lower Amazonia, Brazil
Othon de Carvalho BastosI; Sônia M. F. SilvaII; Grace Mary J. Pires LealI; João M. Bacelar NetoI
IDo Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Imunologia. Departamento de Patologia Campus Universitário do Bacanga Universidade Federal do Maranhão 65.000 São Luís, MA Brasil
IIBolsista do CNPq
RESUMO
Foram constituídos quatro grupos de roedores silvestres para a contagem de células sangüíneas periféricas, da seguinte forma: Grupo I formado de animais normais, nascidos em biotério, com 30 dias de vida; Grupo II formado de animais que foram capturados no campo e considerados não infectados com S. mansoni, após ovohelmintoscopia das fezes, realizada durante 30 dias de observação; Grupo III animáis capturados no campo, nautralmente infectados com o esquistossomo, e o Grupo IV de animais nascidos em biotério, com 30 dias de vida, e infectados com 150 cercárias de S. mansoni, oriundas da Região da Baixada Maranhense. Semanalmente, a partir da data da infecção, estes animais foram sangrados e tiveram suas células sangüíneas periféricas contadas global e especificamente. Os resultados mostraram que o número de hemácias e leucócitos por mm3 não variou nos animais normais, tanto de campo como de biotério. No grupo de animais experimentalmente infectados, foi observado decréscimo do número de hemácias à proporção que a infecção evoluia. Comportamento oposto foi verificado com os leucócitos. Elevados níveis de eosinófilos só foram observados nos animais com infecção natural. Estes resultados foram discutidos com dados da literatura e considerados importantes para complementar as informações sobre este hospedeiro natural do trematódeo, oferecido como modelo experimental do verme, e para sua própria história natural.
Unitermos:Holochilus brasiliensis nanus. Infecção experimental. Schistosoma mansoni. Células sangüíneas, contagem. Roedores silvestres.
ABSTRACT
Holochilus brasiliensis nanus is a rodent, native to the State of Maranhão, Brazil, which is frequently found when captured to be infected and diseased wich Schistosoma mansoni. It is therefore a useful animal model for experimental studies on schistosomiasis. Studies on the peripheral blood counts in four groups of these rodents are reported. The blood counts of uninfected wild (Group 1) and uninfected laboratory-reared rodents (Group 2) were not found to differ. The laboratory-reared-infected rodents were repeatedly examined over 8 weeks; a progressive rise in the white cell count, and a fall in the red cell count, was noted. Eosinophilia was observed only in the naturally infected wild rodents (Groups 3). These data increased the knowledge regarding the blood counts of these animals when infected with Schistosoma mansoni, information that is important in such a useful natural animal model for schistosomiasis mansoni.
Uniterms:Holochilus brasiliensis nanus. Experimental infection. Schistosoma mansoni. Blood cell count. Wild rodents.
INTRODUÇÃO
A participação de eosinófilos no processo de defesa dos hospedeiros frente a infecção esquistossomótica tem sido relatada clínica12 e experimentalmente6,10. Os vários estágios de desenvolvimento do Schistosoma mansoni estão relacionados com a eosinofilia sangüínea periférica2,10; eosinofilia tissular8,14 e eosinofilopoiese 15,18 Existem evidências, também, da participação destas células acidófilas no mecanismo imunológico de resistência à reinfecção pelo trematódeo em hospedeiros experimentais7,16, que não o roedor silvestre. Estes animais, por sua vez, são hospedeiros definitivos do verme e transmitem a esquistossomose de maneira idêntica ao homem.
No Brasil, foram encontrados roedores naturalmente infectados, classificados em várias espécies1,3,4,11,13; inclusive no Maranhão, onde foi possível isolar a linhagem silvestre de S. mansoni e comparar seu comportamento parasitológico com a linhagem humana, isolada de doentes autóctones da Região da Baixada Maranhense 5, a exemplo de que foi feito em São Paulo 4. O roedor silvestre utilizado neste estudo foi o Holochilus brasiliensis nanus, capturado na Região da Baixada Maranhense, pertencente à Pré-Amazônia.
No presente trabalho, procuramos conhecer os níveis das células sangüíneas destes roedores, quer normais, quer infectados com o trematódeo, com vistas a constatar aspectos de suas reatividades imunológicas, sobretudo no que diz respeito aos eosinófilos.
MATERIAL E MÉTODOS
Captura de Roedores Silvestres
Roedores silvestres foram capturados na cidade de São Bento, localizada às margens do grande lago natural da Região da Baixada Maranhense, utilizando malhas de pescar e ratoeiras2 1 Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Proc. 40.3815-82) 2 As capturas foram feitas com o auxílio de funcionários da SUCAM (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública) . Somente os classificados como Holochilus brasiliensis nanus Thomas, 1897, foram utilizados no presente trabalho.
Constituição dos Grupos de Estudo
Foram constituídos quatro grupos de animais para a contagem de células sangüíneas periféricas, conforme descrito a seguir:
A sangria dos animais de todos os grupos foi feita pelo plexo oftálmico e sempre no mesmo horário (às 12:00h).
Contagem de Células Sangüíneas
As células sangüíneas dos roedores foram quantificadas global e especificamente, utilizando o método Panótipo pappenheim.
A metodologia seguida foi a de contar 3 vezes cada diluição sangüínea, quer seja para hemácias, quer seja para leucocitos, em placas de Newbauer. A constatação específica dos leucócitos procedeu-se corando os esfregaços sangüíneos com o corante "wright-may-grunwald-giemsa", obedecendo rotina utilizada em laboratório hematológico.
RESULTADOS
O resultado da quantificação das células sangüíneas dos roedores silvestres, pertencentes aos diferentes grupos, estão apresentados nas Tabelas 1 a 4.
Comparando as médias das contagens celulares dos elementos do Grupo I (animais de biotério) com os do Grupo II (animais normais de campo), constatou-se que não ocorreu diferenças significativas entre as contagens globais e específicas.
Os dados pertencentes aos animais do Grupo III (esquistossomóticos de campo) indicam que o número de células acidófilas (eosinófilos) está elevado, em relação aos indivíduos normais. A média de 13 eosinófilos por mm3 (Tabela 3), encontrada neste grupo de animais, foi, também, superior a todos os valores médios destas células estudadas em animais experimentalmente infectados.
Analisando os dados pertinentes ao Grupo IV (Tabela 4), verifica-se que, quanto às contagens globais, ocorreu elevação do número de leucócitos durante a evolução da infecção, enquanto que, com o número de hemácias, ocorreu o inverso. Quanto à contagem específica, os linfócitos foram as células que se apresentaram em maior número, seguidas dos neutrófilos. Não ocorreu diferença significativa entre os valores resultantes das contagens específicas destas células, durante a evolução do processo infeccioso. Os eosinófilos, monócitos e basófilos (célula que apareceu somente neste grupo) comportaram-se de maneira idêntica aos linfócitos e neutrófilos, isto é, cada uma delas não apresentou diferença significativa entre os dados obtidos nas diferentes semanas de infecção.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
A imunopatologia da esquistossomose descreve a presença de eosinofilia em doentes e em animais de experiência 20. Sabe-se que estas células estão presentes nas reações granulomatosas hepática17 e pulmonares14. Foi demonstrada sua participação frente ao esquistossomo, seus ovos e antígenos solúveis20, tendo anticorpos e complemento como substâncias mediadoras19.
Em nossos dados, verificamos a presença de eosinofilia somente nos animais naturalmente infectados (Grupo III). O número de eosinófilos encontrado em animais do Grupo IV (experimentalmente infectados) não diferiu dos encontrados nos animais normais, quer de área, quer de biotério.
Estes comportamentos podem ser discutidos como:
A normalidade no número de células, exposto no quadro dos animais infectados experimentalmente, pode ser pensada como tendo sido pouco o tempo de observação, haja vista os resultados similares encontrados em camundongos esquistossomóticos, onde a eosinofilia foi constatada somente a partir da oitava semana de infecção 17.
A presença elevada destas células acidófilas em roedores com infecção natural pode ser devida a fatores ligados ao tempo de infecção e/ou infecções mistas; considerando que são freqüentemente encontrados outros parasitas, além do esquistossomo, como, por exemplo, a Hymenolepis sp; Strongylóides sp; Ascari ratis; Litomosoides carinii.
Sabendo que os níveis sangüíneos de eosinófilos sofrem variações dioturnas9, tomamos o cuidado de coletar as amostras sempre no mesmo horário.
Acreditamos que a leucocitose e a hematopenia ocorridas no Grupo IV, durante a evolução da parasitose, deva ser conseqüência natural da debilitação orgânica dos roedores, pelo comprometimento dos principais órgãos afetados pelo parasita.
Os quadros representativos das contagens das células sangüíneas periféricas de Holochilus, natural e experimentalmente infectados com S. mansoni, assim como os dados destes animais normais da Região da Baixada Maranhense, e dos nascidos em biotério, servem para complementar as informações deste hospedeiro natural do trematódeo, oferecido como modelo experimental do verme e para sua própria história natural.
Recebido para publicação em 20/02/1985
Reapresentado em 24/06/1985
Aprovado para publicação em 02/07/1985
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Set 2005 -
Data do Fascículo
Out 1985
Histórico
-
Recebido
20 Fev 1985 -
Revisado
24 Jun 1985 -
Aceito
02 Jul 1985