Open-access Ruralização da Lutzomyia intermedia, um provável caso de pré-adaptação

The realization of Lutzomyia intermedia, a possible case of preadaptation

Resumos

A Lutzomyia intermedia há muito vem sendo encontrada em áreas de colonização antiga. Analisando dados de capturas deste flebotomíneo, com diferentes iscas e em diferentes locais, acredita-se que esta espécie está pré-adaptada a ambientes abertos e a se alimentar em mamíferos, entre eles o homem.

Leishmaniose tegumentar; Lutzomyia intermedia; Ecologia


Lutzomyia intermedia has for a long time been found in areas which have long time been settled. Data on sandflies caught with different baits at different places led to believe that this species is preadapted to open environments and to feeding on mamals, including man.

Leishmaniasis, micocutaneous; Lutzomyia intermedia; Ecology


NOTAS E INFORMAÇÕES

Ruralização da Lutzomyia intermedia, um provável caso de pré-adaptação

The realization of Lutzomyia intermedia, a possible case of preadaptation

Lais Clark Lima

Do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ – Caixa Postal 926 – 21.040 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil

RESUMO

A Lutzomyia intermedia há muito vem sendo encontrada em áreas de colonização antiga. Analisando dados de capturas deste flebotomíneo, com diferentes iscas e em diferentes locais, acredita-se que esta espécie está pré-adaptada a ambientes abertos e a se alimentar em mamíferos, entre eles o homem.

Unitermos: Leishmaniose tegumentar. Lutzomyia intermedia. Ecologia.

ABSTRACT

Lutzomyia intermedia has for a long time been found in areas which have long time been settled. Data on sandflies caught with different baits at different places led to believe that this species is preadapted to open environments and to feeding on mamals, including man.

Uniterms: Leishmaniasis, micocutaneous. Lutzomyia intermedia. Ecology.

A leishmaniose tegumentar americana, que vinha sendo considerada uma endemia essencialmente florestal (Pessoa e Barretto13, 1948), vem ocorrendo em áreas rurais de colonização antiga (Souza e col.14, 1981; Lima e col.11, 1981) e esporadicamente em áreas periurbanas (Aragão 1,1922). Este fato foi há muito registrado, porém não comentado por Barretto 4 (1943), que em uma tabela desse trabalho mostra que a Lutzomyia intermedia – responsável pela transmissão desta leishmaniose (Aragão1, 1922) – era muito mais abundante nas áreas de colonização antiga, do Estado de São Paulo, do que naquelas onde ainda predominavam as florestas. Forattini5,6 (1953, 1960) foi quem primeiro observou a tendência rural desta espécie de flebotomíneo, ao relatar a dominância da mesma em ambiente alterado pelo homem.

O encontro da L. intermedia, em domicílios (Forattini,5 1953; Araújo F.o 3, 1978; Lima e col.11, 1981), peridomicílios (Forattini5,6, 1953, 1960; Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), 1974*; Souza e col.14, 1981) e em campo aberto (Gomes e col.7,8,9,10, 1978, 1980, 1982, 1983) faz com que se medite sobre o comportamento da espécie.

Senão vejamos, Gomes e col.8 (1980) em capturas de flebotomíneos em galinheiros experimentais, realizadas no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, obtiveram alta densidade de L. intermedia na margem da mata, seguida do ambiente extraflorestal e densidade nula dentro da mata (Tabela) – fato também observado por Souza ** em Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Todavia, Gomes e col.10 (1983) tiveram êxito nas capturas de L. intermedia com isca humana dentro da mata, na mesma área do Vale do Ribeira. Além disso, Lima e col.12 (1982), ao efetuarem capturas de flebotomíneos, em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, obtiveram alto rendimento, da mencionada espécie, nos chiqueiros – fato há muito observado por Forattini5 (1953) – e pouco significante nos galinheiros. E ainda foi notável a quantidade de L. intermedia encontrada por Lima e col.11 (1981) e pela FIOCRUZ* em abrigos de muares em Campo Grande e Jacarepaguá, respectivamente, no Estado do Rio de Janeiro.

A Tabela mostra estes fatos, elucidando a preferência da L. intermedia por mamíferos – no caso, muar, porco e homem.

Assim sendo, estes dados justificam a afirmação de Gomes e col.8 (1980) quando sugerem que a L. intermedia "esteja adaptada ao efeito marginal". Ora, o comportamento deste flebotomíneo está de acordo com o exemplo de Vanzolini e Williams 15 (1981), ao reportarem que a probabilidade de lagartos de floresta se adaptarem à semi-aridez seria maior se a população estivesse pré-adaptada, ou seja, fosse tolerante às duas ecologias, preferindo as margens entre elas. E ainda está de acordo com a constatação de Aragão2 (1983), que a colonização de biótopos artificiais – incluindo moradia de boa qualidade – por triatomíneos está sempre associada à presença de animais por eles preferidos na natureza, indicando que o "fato de umas espécies ocorrerem em domicílios e outras em abrigos de aves é decorrência de pré-adaptação".

A L. intermedia tem, portanto, uma pré-adaptação a dois elementos essenciais na existência de uma espécie: o alimento e o ambiente no qual precisa circular para exercer suas funções vitais.

AGRADECIMENTO

Ao Dr. Mario B. Aragão, pela sugestão do tema.

Recebido para publicação em 18/07/1985

Reapresentado em 25/11/1985

Aprovado para publicação em 27/11/1985

Referências bibliográficas

  • 1. ARAGÃO, M.B. Transmissão da leishmaniose no Brasil pelo Phlebotomus intermedius. Brasil-med., Rio de Janeiro, 36: 129-30, 1922.
  • 2. ARAGÃO, M.B. Domiciliação de triatomíneos ou pré-adaptação à antropofilia e à ornitofilia? Rev. Saúde públ., São Paulo, 17:51-5, 1983.
  • 3. ARAÚJO F.°, N.A. Epidemiologia de leishmaniose tegumentar americana na Ilha Grande, Rio de Janeiro. Esutdos sobre a infecção humana, reservatórios e transmissores. Rio de Janeiro, 1978. [Dissertação de Mestrado UFRJ]
  • 4. BARRETTO, M.P. Observações sobre a biologia, em condições naturais, dos flebótomos do Estado de São Paulo (Diptera, Psychodidae). São Paulo, 1943. [Tese Livre Doncêcia Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP]
  • 5. FORATTINI, O. P. Notas sobre criadouros naturais de flebótomos em dependências peridomiciliares, no Estado de São Paulo, Arq. Fac. Hig. Saúde públ., S. Paulo, 7:157-65, 1953.
  • 6. FORATTINI, O.P. Novas observações sobre a biologia de flebótomos em condições naturais (Diptera, Psychodidae). Arq. Hig. Saúde públ., S. Paulo, 25:209-15, 1960.
  • 7. GOMES, A.C. et al. Flebotomíneos encontrados em galinheiros experimentais nos Estados de São Paulo e Minas Gerais (Brasil) e algumas observações ecológicas. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 12:403-7, 1978.
  • 8. GOMES, A.C. et al. Aspectos ecológicos da leishmaniose tegumentar americana, 1. Estudo experimental da freqüência de flebotomíneo e ecótopos artificiais com referência especial a Psychodopygus intermedius. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 14:540-56, 1980.
  • 9. GOMES, A.C. et al. Aspectos ecológicos da leishmaniose tegumentar americana.2. Ecótopo artificial como abrigo de Psychodopygus intermedius e observações sobre alimentação e reprodução sob influência de fatores físicos naturais. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 16:149-59, 1982.
  • 10. GOMES, A.C. et al. Aspectos ecológicos da leishmaniose tegumentar americana. 3. Observações naturais sobre o ritmo diário de Psychodopygus intermedius em ambiente florestal e extra-florestal. Rev. Saúde públ. S. Paulo, 17:23-30, 1983.
  • 11. LIMA, L.C.R. et al. Flebotomíneos em áreas de ocorrência de leishmaniose tegumentar no bairro de Campo Grande, Rio de Janeiro, Brasil. Rev. bras. Malar., 33:64-74, 1981.
  • 12. LIMA, L.C.R. et al. Aspectos epidemiológicos da leishmaniose tegumentar em área submetida a profilaxia no Rio de Janeiro. In: Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia, Porto Alegre, 1982. Resumos. Porto Alegre, 1982. p. 160.
  • 13. PESSÔA, S.B. & BARRETTO, M.P. Leishmaniose tegumentar americana. Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1948.
  • 14 SOUZA, M.A. et al. Leishmaniose visceral no Rio de Janeiro. 1 Flebotomíneos da área de procedência de caso humano autóctone. Mem. Int. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 76:161-8, 1981.
  • 15. VANZOLINI, P.E. & WILLIAMS, E.E. The vanishing refuge: a mechanism for ecogeographic speciation. Pap avuls. Zool., S. Paulo, 34:251-5, 1981.
  • *
    Documento interno.
    **
    Comunicação pessoal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Fev 1986

    Histórico

    • Aceito
      27 Nov 1985
    • Revisado
      25 Nov 1985
    • Recebido
      18 Jul 1985
    location_on
    Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Avenida Dr. Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo SP Brazil, Tel./Fax: +55 11 3061-7985 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revsp@usp.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro