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Ocorrência de astrovírus humanos na cidade de São Paulo, Brasil

Occurrence of human astrovirus in S. Paulo City, Brazil

Resumos

Foram detectados astrovírus humanos durante estudo longitudinal de 13 meses sobre a incidência de vírus diarréicos em 146 crianças menores de 2 anos de idade, hospitalizadas em clínica pediátrica de um hospital universitário, na cidade de São Paulo, SP, Brasil. Das 67 crianças internadas com diarréia aguda, 3% foram positivas para astrovírus, por ocasião de sua admissão, pelo Ensaio Imunoenzimático Monoclonal Amplificado (ASTROVIRUS BIOTIN-AVIDIN ELISA, CDC, USA). As 79 crianças sem diarréia, admitidas durante o mesmo período por outra causa (controles), foram negativas para astrovírus, por ocasião de seu internamento. Entretanto, 4,8% do total de crianças hospitalizadas sofreram infecções por astrovírus durante sua permanência no hospital. Este é o primeiro estudo sobre a ocorrência de astrovírus humanos no Brasil, que assim participam significativamente na etiologia da gastroenterite infantil em nosso meio.

Astrovírus; Diarréia infantil; Infecção hospitalar


Human astrovirus was detected during a 13-month longitudinal study of the incidence of diarrhoea viruses among hospitalized children (<2 years of age) in a pediatric clinic of the city of S. Paulo (University Hospital). Serial fecal samples (intervals of 4 days) were collected from 146 children with and without acute diarrhoea at admission and during their stay in the hospital. Two (3%) of the 67 children with diarrhoea were positive at admission to the clinic by the highly sensitive ASTROVIRUS BIOTIN-AVIDIN ELISA, using CDC monoclonal antibodies (MAb SE7). All 79 children without diarrhoea (controls) were negative for astrovirus at admission. However, astrovirus was detected in 7 (4.8%) of the 146 hospitalized children during their stay in the clinic. Three of the positives shed astroviruses in 2 successive stool samples. All children positive for astrovirus were negative for rotavirus, adenovirus and bacterial and parasitic enteric agents. This is the first study of the detection of human astrovirus in Brazil. Astrovirus appears to be a significant cause of infantil gastroenteritis among young children in this country.

Astrovirus; Diarrhoea, infantile; Cross infection


NOTAS E INFORMAÇÕES NOTES AND INFORMATION

Ocorrência de astrovírus humanos na cidade de São Paulo, Brasil1 1 Pesquisa realizada em colaboração com a Viral Gastroenteritis Unit, Division of Viral and Rickettsial Diseases, Centers for Disease Control (CDC), Atlanta - GA, USA. Publicação financiada pela FAPESP. 2 Rotavirus infections in the hospital: a prospective study. (Dados inéditos).

Occurrence of human astrovirus in S. Paulo City, Brazil

Klaus Eberhard StewienI; Edison Luíz DurigonI; Hatune TanakaII; Alfredo Elias GilioIII; Evandro Roberto BaldacciIII

IDepartamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. S. Paulo, SP -Brasil

IISeção de Microcospia Eletrônica do Instituto Adolfo Lutz

IIIDepartamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. S. Paulo, SP - Brasil

RESUMO

Foram detectados astrovírus humanos durante estudo longitudinal de 13 meses sobre a incidência de vírus diarréicos em 146 crianças menores de 2 anos de idade, hospitalizadas em clínica pediátrica de um hospital universitário, na cidade de São Paulo, SP, Brasil. Das 67 crianças internadas com diarréia aguda, 3% foram positivas para astrovírus, por ocasião de sua admissão, pelo Ensaio Imunoenzimático Monoclonal Amplificado (ASTROVIRUS BIOTIN-AVIDIN ELISA, CDC, USA). As 79 crianças sem diarréia, admitidas durante o mesmo período por outra causa (controles), foram negativas para astrovírus, por ocasião de seu internamento. Entretanto, 4,8% do total de crianças hospitalizadas sofreram infecções por astrovírus durante sua permanência no hospital. Este é o primeiro estudo sobre a ocorrência de astrovírus humanos no Brasil, que assim participam significativamente na etiologia da gastroenterite infantil em nosso meio.

Descritores: Astrovírus, isolamento. Diarréia infantil, microbiologia. Infecção hospitalar.

ABSTRACT

Human astrovirus was detected during a 13-month longitudinal study of the incidence of diarrhoea viruses among hospitalized children (<2 years of age) in a pediatric clinic of the city of S. Paulo (University Hospital). Serial fecal samples (intervals of 4 days) were collected from 146 children with and without acute diarrhoea at admission and during their stay in the hospital. Two (3%) of the 67 children with diarrhoea were positive at admission to the clinic by the highly sensitive ASTROVIRUS BIOTIN-AVIDIN ELISA, using CDC monoclonal antibodies (MAb SE7). All 79 children without diarrhoea (controls) were negative for astrovirus at admission. However, astrovirus was detected in 7 (4.8%) of the 146 hospitalized children during their stay in the clinic. Three of the positives shed astroviruses in 2 successive stool samples. All children positive for astrovirus were negative for rotavirus, adenovirus and bacterial and parasitic enteric agents. This is the first study of the detection of human astrovirus in Brazil. Astrovirus appears to be a significant cause of infantil gastroenteritis among young children in this country.

Keywords: Astrovirus, isolation. Diarrhoea, infantile, microbiology. Cross infection.

Introdução

Astrovírus humanos foram descritos pela primeira vez por Appleton e Higgins1 em 1975, durante a ocorrência de um surto de diarréia aguda em uma maternidade na Inglaterra. Estes agentes diarréicos foram assim denominados devido a sua forma semelhante a astros de 5 a 6 pontas, quando vistos por microscopia eletrônica (Madeley e Cosgrove5, 1975). Trata-se de pequenos vírus redondos, com cerca de 28 nm de diâmetro, que não se multiplicam em culturas de células convencionais. Acredita-se que estejam distribuídos por todo o mundo, ocasionando diarréia em crianças menores de 7 anos. Estudos realizados na Inglaterra mostraram que a doença é mais freqüente entre crianças de 1 a 3 anos de idade (Kurtz e Lee4,1987), e também que os astrovírus são responsáveis por 3 a 5% dos casos de diarréia hospitalizados (Ellis e col.3,1984).

Durante o período de fevereiro de 1988 a fevereiro de 1989, foram colhidas amostras seriadas de fezes de crianças menores de 2 anos de idade, internadas no Hospital Universitário da USP. A primeira amostra de fezes foi colhida por ocasião da admissão de cada criança na Clínica Pediátrica do Hospital, sendo as amostras seguintes colhidas com intervalos de 4 dias. Ao todo foram examinadas 146 crianças (67 com diarréia e 79 sem diarréia), que constituem uma amostra representativa do total de aproximadamente 800 crianças internadas na clínica durante o período de estudo (13 meses).

Todas as amostras de fezes colhidas foram enviadas, sob refrigeração, aos laboratórios de Virologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, no mesmo dia, em frascos estéreis (TRANS-FEZES, Descart). Elas foram inicialmente mantidas a -20°C e, a seguir, transportadas em gelo seco à VIRAL GASTROENTERITIS UNIT, Division of Viral and Rickettsial Diseases, Centers of Disease Control (CDC), em Atlanta, GA, USA.

Os astrovírus foram detectados pelo Ensaio I-munoenzimático Amplificado (ASTROVIRUS BIOTIN-AVIDIN ELISA), mediante a utilização de anticorpos monoclonais SE7 para astrovírus, segundo técnica padronizada pelo CDC. Em síntese, microplacas de poliestireno de 96 cavidades (IMMUNOLON, Dynatech) foram sensibilizadas com anticorpos monoclonais de captura de astrovírus. A seguir, foram adicionadas as suspensões a 10% das amostras de fezes nas cavidades das microplacas, deixando reagir durante duas horas. A fim de revelar a presença dos vírus capturados, adicionaram-se anticorpos monoclonais conjugados à biotina. Na etapa seguinte, era adicionada a enzima peroxidase, ligada à estreptavidina. Para a reação da enzima, adicionava-se a solução de substrato, contendo o peróxido de hidrogênio e a tetrametilbenzidina (TMB), para a formação da cor. Finalmente a reação era bloqueada pela adição de ácido sulfúrico (2 molar). A densidade ótica das reações era medida com o auxilio de um espectrofotômetro (ELISAREADER MR 5000, Dynatech). A amostra de fezes de uma criança com diarréia, positiva pelo Ensaio Imunoenzimático Amplificado, foi também examinada por microcospia eletrônica e imunomicroscopia eletrônica, utilizando soro de referência do CDC (T2-6-89), com resultado igualmente positivo (Fig.). Todas as amostras de fezes foram submetidas à pesquisa de rotavírus, adenovírus, E. coli enteropatogênica, Shiguella, Salmonella, Campylobacter jejuni, Giardia lamblia e Cryptosporidium.


Das 67 crianças com diarréia, duas foram positivas para astrovírus (3%) por ocasião do seu internamente. As duas crianças tinham 5 e 12 meses de idade, respectivamente, e foram negativas para os demais agentes diarréicos pesquisados. Elas apresentaram vômitos e diarréia. As 79 crianças sem diarréia, que serviram de grupo controle, não apresentaram astrovírus por ocasião de sua admissão. Entretanto, foram detectados astrovírus em 7 das 146 crianças hospitalizadas (4,8%), durante sua permanência na clínica. A idade dessas crianças variou de 2 a 12 meses e em três delas foram encontrados astrovírus em duas amostras sucessivas de fezes (intervalo de 4 dias), mostrando a ocorrência de transmissão intra-hospilalar em nosso meio.

Os resultados do presente trabalho revelam que a infecção por astrovírus existe em nossa população infantil e, o que nos parece de importância é, como já referimos, a possibilidade de transmissão intra-hospitalar, a exemplo do que foi observado para os rotavírus (Bishop e col.2, 1976; Stewien e col.2 1 Pesquisa realizada em colaboração com a Viral Gastroenteritis Unit, Division of Viral and Rickettsial Diseases, Centers for Disease Control (CDC), Atlanta - GA, USA. Publicação financiada pela FAPESP. 2 Rotavirus infections in the hospital: a prospective study. (Dados inéditos). , 1991). Este é o primeiro estudo sobre a ocorrência em nosso país de astrovírus humanos, que assim participam significativamente na etiologia da gastroenteite infantil em nosso meio.

Recebido para publicação em 8/2/1991

Aprovado para publicação em 24/4/1991

Separatas/Reprints: K. E. Stewien - Av. Prof. Lineu Prestes, 1374, Cidade Universitária - 05508 - São Paulo, SP - Brasil.

  • 1. APPLETON, H. & HIGGINS, P. G. Viruses and gastroenteritis in infants. Lancet, 1: 1297, 1975.
  • 2. BISHOP, R. F.; HEWSTONE, A. S.; DAVIDSON, G. P.; TOWNLEY, R. R. W.; HOLMES, I. H.; RUCK, B. J. An epidemic of dianhoea in human neonates involving a revirus-like agent and 'enteropaihogenic' serotypes of Escherichia coli. J. clin. Pathol, 29: 46-9, 1976.
  • 3. ELLIS, M. E.; WATSON, B.; MANDAL, B. K. Microorganisms in gastroenteritis. Arch. Dis. Child., 59: 848-55,1984.
  • 4. KURTZ, J. B. & LEE, T. W. Astrovirus: human and animal. In: Bock, G. & Whelan, J., eds. Novel Diarrhoea viruses. Chichester, John Willey, 1987. p. 92-107. (Ciba Foundation Symposium, 128).
  • 5. MADLEY, C. R. & COSGROVE, B. P. 28 nm particles in faeces in infantile gastroenteritis. Lancet, 2: 451-2.
  • 1
    Pesquisa realizada em colaboração com a Viral Gastroenteritis Unit, Division of Viral and Rickettsial Diseases, Centers for Disease Control (CDC), Atlanta - GA, USA. Publicação financiada pela FAPESP.
    2
    Rotavirus infections in the hospital: a prospective study. (Dados inéditos).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2004
    • Data do Fascículo
      Abr 1991

    Histórico

    • Aceito
      24 Abr 1991
    • Recebido
      08 Fev 1991
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