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I Conferência Panamericana de Educación en Salud Pública / XVI Conferencia de ALAESP. Rio de Janeiro, 14-18/08/1994.
Promovida pela Associação Latinoamericana e do Caribe de Educação em Saúde Pública e pela Associação Americana de Escolas de Saúde Pública (ASPH), sob os auspícios de OPAS/FIOCRUZ, realizou-se Conferência Panamericana, que agora tem os seus Proceedings publicados pela Organização Panamericana de Saúde, reunindo os temas "Teoria e Prática da Saúde Pública", "Reformas Contemporâneas no campo da saúde: desafios para a Saúde Pública", "Prática em Saúde Pública: desafios para a educação" e "Teoria em Saúde Pública: desafios para a educação".
Partindo do pressuposto de que a questão saúde transcende a dimensão setorial e que, portanto, "não pode reduzir-se somente à organização dos serviços de saúde, à atenção à saúde, ou à profissão médica" (p. 29), propõe a Conferência a necessidade de uma "nova saúde pública", abrangendo aspectos derivados do desenvolvimento técnico e científico, maior participação social, democratização, liberdade de expressão, consciência das modalidades ecoagressivas na produção e no meio ambiente, interesses subregionais, promoção de estilos de vida saudáveis, eficiência dos serviços, propostas transdisciplinares e intersetoriais (p. 33).
Do ponto de vista acadêmico, propõe, como principal responsabilidade da Universidade, o exercício de função mediadora entre construção do conhecimento científico e definição de habilidades, instrumentos e técnicas operatórias em uma realidade nova, abrangendo grupos e atores sociais, permitindo articulação com os espaços onde se expressam as necessidades da população e se elaboram as políticas públicas, incluindo novas exigências derivadas da problemática ambiental e demais necessidades vitais (p. 41).
O que mais chama a atenção na Conferência é a recomendação de que se deve "praticar uma concepção interativa de ciências a nível epistemológico, considerando lógicas alternativas e novas figuras ontológicas" (p. 48), que implicariam "a vida dos sujeitos-objetos, no mundo de suas naturalidades, desejos, projetos sociais e de poder, em suas esferas de gozo e sofrimento, dificuldades e vitórias" (p. 51), em que a realidade é um espaço potencial para a ação gerada mediante um processo cooperativo de interpretação, em que os sujeitos apresentam uma determinada relação com a verdade (ação comunicativa, de Habermas).
A "nova saúde pública" exigiria, pois, uma mudança na forma de gerar conhecimentos, em termos de campos epistêmicos, sendo, nesse sentido, interessante a discussão de Bleger (1985)
Parece, pois, que a proposta implicaria na redefinição dos próprios problemas de saúde pública e mesmo das entidades nosológicas: afinal, droga-adição, AIDS, não estariam expressando um problema de saúde descurado, caracterizado pela modalidade de relacionamento mantido com o outro (ou com os outros), implicando não apenas a expressão das situações sob o tríplice aspecto físico, mental e social (geralmente pouco enfatizado nos programas), mas os próprios esquemas referenciais de cognição-afeto-moralidade-ação dos sujeitos? Não deveriam as propostas de promoção da saúde, nesse sentido, definir os problemas de saúde em termos transdisciplinares, configurando um novo objeto? Entre as propostas da Conferência destacam-se: a) Cursos em que o modelo de análise sincrônico, quantitativo, seja compartilhado (e superado) por um modelo de análise de processos, qualitativo; b) Superação dos paradigmas tradicionais por outros que dêem conta das anomalias, dos paradoxos, dos limites e pontos cegos, mercê de uma análise integral da situação: pragmática, contextual, integrativa, sistêmica, hermenêutica e heurística, considerando "modelos plurais, multifacetados, integrais de saúde" e a "arquitetura de complexidade" no ensino, na pesquisa e projetos de campo, visando a superação do meramente descritivo ou experimental (p. 48-49).
A Conferência contou com especialistas especialmente convidados pela Organização Panamericana da Saúde, oriúndos de países de ambos os hemisférios, além do Brasil, que, em conjunto, contribuíram para a consolidação dos "Proceedings" ora publicados. Acreditamos que, para aqueles que não puderam participar do evento, a sua leitura é bastante elucidativa, estando em consonância com as propostas atuais de universalidade, eqüidade, oportunidade, descentralização, participação, flexibilidade, eficiência e efetividade, que já se delineavam na Carta de Ottawa (1986)II, em função da declaração da Organização Mundial da Saúde de 1977 Saúde Para Todos e documentos subseqüentes.
Tendo em vista contribuir para a visão holística delineada, reproduzimos proposta de geração de eventos em quatro dimensões de mundo, abrangendo sujeitos, redes de relações, sociedade e meio ambiente/aspectos biológicos e físicos, atualmente objeto de consideração em disciplinas sob nossa responsabilidade na Faculdade de Saúde Pública, USP. Metas para cada uma das dimensões envolvidas poderão ser relacionadas entre si, visando a conjugação de diferentes variáveis: controle existencial e respostas diferenciadas das pessoas (dimensão íntima), desenvolvimento e sustentação de grupos e eqüidade participativa (dimensão interativa), fortalecimento do poder civil e diminuição das desigualdades (dimensão social) e promoção de equilíbrio ecossistêmico e corporal (dimensão biofísica), são aspectos qualitativos importantes para consecução dos eventos desejados.
André F. Pilon
Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP. São Paulo, SP - Brasil
International Health Promotion Conference: where social values & personal worth meet
Proceedings editado por Michael J. Wilkinson. London, Brunel University, 1995
Uma conferência internacional realizada em Londres, "onde os valores sociais e o valor pessoal se encontram" (conforme subtítulo em inglês), e que conta com 38 comunicações compondo o eixo inclusivo da promoção da saúde, tem agora editada a coleção completa de trabalhos apresentados, onde autores como Marc Lalonde2, Keith Tones5 e muitos outros discutem questões cuja origem remontam à famosa Carta de Ottawa (1986), enfatizando políticas públicas, ambiente, ação comunitária, capacitação pessoal e reorientação de serviços como áreas prioritárias de trabalho em promoção da saúde.
Um pouco antes aliás, Lalonde2 (1981) havia apontado, como fatores causais dos problemas de saúde, comportamento e estilo de vida, fatores ambientais e a organização dos serviços de saúde (respectivamente, em 75%, 20% e 5% dos casos), seguido por Michael3 (1982), que, incluindo fatores biológicos, coloca, nessa mesma ordem, 50%, 20%, 10% e 20% em termos proporcionais ao nexo causal. Já antes disso, Lafambroise1 (1973), identificara herança, meio físico, social, cultural e econômico, estilo de vida e comportamentos individuais, prestação de serviços médicos e de saúde como componentes do campo de saúde e, portanto, responsáveis pela sua consecução.
Todo esse histórico é importante, por que, passados dez anos desde Ottawa, é importante retomar a questão à luz da proposta de "empowerment" (construção de poder) da Organização Mundial da Saúde, que, segundo Tones5 (1994), visa dirimir desigualdades e dar poder às pessoas para que possam ser atores na promoção da saúde. Esta, por sua vez, seria fruto de políticas adequadas e equitativas de saúde pública consolidadas em conjunto com o efeito multiplicador da educação em saúde.
Ainda, segundo Tones, "keynote lecturer" na Conferência de Londres, mencionada em epígrafe, as políticas de saúde implicam em mudanças ambientais (ambiente promotor de saúde) e reorientação dos serviços face às necessidades dos usuários, enquanto a educação em saúde capacitaria para a vida (desenvolvendo consciência crítica e habilidades vitais), mediante o fortalecimento das comunidades (geração de poder), a capacitação das pessoas para decisões (caracterizadas pela capacidade de controle e possibilidade de escolha face a respostas diferenciadas em termos de sua eficácia) e o desenvolvimento dos serviços prestados (reorientados e abrangendo um universo amplo de instituições).
Nesse sentido, se voltarmos para o quadro herança-estilos de vida / comportamento - ambiente - serviços, vemos que, entre uma condição interna (herança) e outra condição (ambiente), as modalidades de estar no mundo (Pilon4, 1995) desempenham fator preponderante, gerando estilos de vida e comportamentos que respondem à imbricação de quatro dimensões de mundo: íntima (sujeitos), interativa (redes de relacionamento) social (políticas e serviços) e biofísica (meio ambiente, incluindo nossos próprios corpos). Assim, qualidade de vida e saúde são geradas quadridimensionalmente; não se admite mais responsabilizar pessoas isoladamente por estilos de vida e comportamentos que são fruto de uma configuração. Daí a proposta de promoção da saúde associada à de educação em saúde.
Além dos trabalhos citados, destacaríamos ainda, para a discussão dos "proceedings" da Conferência, os de Nutbeam e Wise, que procedem a uma avaliação dos projetos de promoção da saúde em vários países, o de Cappon, que discrimina riscos de estilos de vida e habilidades intuitivas, o de Trojan, sobre funções de promoção da saúde, envolvendo grupos da comunidade em projeto de renovação urbana (cidade de Hamburgo), o de Draper, sobre desenvolvimento sustentado e o de Iverson e col., que indicam critérios para avaliação de intervenções na construção de poder ("empowerment"), face às variáveis compreensão e controle e competência participativa, além do apresentado em destaque nas palestras magnas, incluindo a de Wilkinson, editor e conferencista do evento, tratando de modelos holísticos de saúde e qualidade de vida.
Promoção da Saúde & Educação em Saúde Explicitação Gráfica do Modelo Conceitual de Tones, k.*
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. LAFAMBROISE, H. Health policy: breaking the problem down into more manageable segments. Can. Med. Assoc. J., 108: 388-91, 1973.
2. LALONDE, M. A new perspective on the health of canadians: a working document. In: Ng, L.K.Y. & Davis, D.L. Strategies for public health. New York, Van Nostrand Reinhold Co., 1981.
3. MICHAEL, J.M. The second revolution in health: health promotion and its environmental base. Am. Psychol., 37: 936-42, 1982.
4. PILON, A.F. Social participation and health education for the promotion of health: how to promote strong events. In: Wilkinson, N.J. ed. Proceedings of the International Health Promotion conference. London Brunel University, 1995. p. 162-74.
5. TONES, K. Health promotion, empowerment and action competence. In: Jensen, B.B. & Schnack, K. Action and action competence as key concepts in critical pedagogy. Didaktiske studier. Royal Danish School of Educational Studies, 1994. p. 163-83. (Studies in Educational Theory and Curriculum, vol. 12).
André F. Pilon
Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP. São Paulo, SP - Brasil
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Ago 2001 -
Data do Fascículo
Fev 1997