Resumos
OBJETIVO: Avaliar a prevalência do vírus da hepatite entre profissionais da área da saúde e analisar fatores de risco. MÉTODOS: O estudo foi realizado em hospital universitário no município de São José do Rio Preto, SP, de janeiro 1994 a dezembro 1999. Participaram do estudo 1.433 profissionais da área da saúde, 872 funcionários da área administrativa e 2.583 candidatos a doador de sangue. Os dados foram coletados durante exames admissionais, periódicos e após acidentes de trabalho. Informações ocupacionais e não-ocupacionais foram obtidas por meio de questionário. Foram utilizados os testes qui-quadrado, Kruskal-Wallis e análise por regressão logística. RESULTADOS: A prevalência do vírus da hepatite entre os profissionais da saúde (1,7%) foi significativamente maior que nos funcionários administrativos (0,5%; p=0,007) e em candidatos a doadores (0,2%; p=0,001). Entre fatores ocupacionais, o tempo de serviço dos profissionais da saúde com sorologia positiva foi significativamente maior (p=0,016) que naqueles com sorologia negativa. A análise de regressão múltipla revelou que a cada cinco anos na idade, o risco aumenta em 50%. Houve associação significativa entre transfusão de sangue e profissionais de saúde com sorologia positiva. CONCLUSÕES: Profissionais da saúde apresentaram maior prevalência de vírus da hepatite que os profissionais administrativos e candidatos a doador. Naqueles com sorologia positiva, fatores ocupacionais e não-ocupacionais de maior risco foram idade, tempo de serviço e transfusão de sangue.
Hepatite C; Pessoal de saúde; Fatores de risco; Riscos ocupacionais; Estudos soroepidemiológicos; Estudos transversais
OBJECTIVE: To evaluate the prevalence and risk factors for hepatitis C virus infection among health care professionals. METHODS: The study was carried out at a university hospital in the municipality of São José do Rio Preto, Southeastern Brazil, between January 1994 and December 1999. There were included 1,433 health care professionals, 872 administrative workers, and 2,583 blood donor candidates. Data were collected during admission examinations, periodic screenings, and after occupational accidents. Occupational and non-occupational information was obtained by means of a questionnaire. Data were analyzed using Chi-square and Kruskal-Wallis tests and logistic regression analysis. RESULTS: Prevalence of hepatitis C infection among health care professionals (1.7%) was significantly higher than among administrative workers (0.5%; p=0.007) and blood donor candidates (0.2%; p=0.001). Regarding occupational factors, time in the job was significantly longer (p=0.016) among health care professionals with positive serology than among those with negative serology. Multiple regression analysis showed a 50% increase in risk for every five years of age. There was a significant association between blood transfusion and positive serology among health care workers. CONCLUSIONS: Health care professionals show greater prevalence of hepatitis C than administrative workers and blood donation candidates. Among those with positive serology, occupational and non-occupational factors of greatest risk were age, time in the job, and blood transfusion.
Hepatitis C; Health personnel; Risk factors; Occupational risks; Seroepidemiologic studies; Cross-sectional studies
ARTIGOS ORIGINAIS
Hepatite C em profissionais da saúde: prevalência e associação com fatores de risco
Luiz Alberto de Souza CiorliaI; Dirce Maria Trevisan ZanettaII
IServiço de Medicina Ocupacional. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp). São José do Rio Preto, SP, Brasil
IIDepartamento de Epidemiologia e Saúde Coletiva. Famerp. São José do Rio Preto, SP, Brasil
Correspondência Correspondência: Luiz Alberto de Souza Ciorlia Rua Santo Agostinho, 281 15025-220 São José do Rio Preto, SP, Brasil E-mail: ciorliampo@yahoo.com.br
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a prevalência do vírus da hepatite entre profissionais da área da saúde e analisar fatores de risco.
MÉTODOS: O estudo foi realizado em hospital universitário no município de São José do Rio Preto, SP, de janeiro 1994 a dezembro 1999. Participaram do estudo 1.433 profissionais da área da saúde, 872 funcionários da área administrativa e 2.583 candidatos a doador de sangue. Os dados foram coletados durante exames admissionais, periódicos e após acidentes de trabalho. Informações ocupacionais e não-ocupacionais foram obtidas por meio de questionário. Foram utilizados os testes qui-quadrado, Kruskal-Wallis e análise por regressão logística.
RESULTADOS: A prevalência do vírus da hepatite entre os profissionais da saúde (1,7%) foi significativamente maior que nos funcionários administrativos (0,5%; p=0,007) e em candidatos a doadores (0,2%; p=0,001). Entre fatores ocupacionais, o tempo de serviço dos profissionais da saúde com sorologia positiva foi significativamente maior (p=0,016) que naqueles com sorologia negativa. A análise de regressão múltipla revelou que a cada cinco anos na idade, o risco aumenta em 50%. Houve associação significativa entre transfusão de sangue e profissionais de saúde com sorologia positiva.
CONCLUSÕES: Profissionais da saúde apresentaram maior prevalência de vírus da hepatite que os profissionais administrativos e candidatos a doador. Naqueles com sorologia positiva, fatores ocupacionais e não-ocupacionais de maior risco foram idade, tempo de serviço e transfusão de sangue.
Descritores: Hepatite C, epidemiologia. Pessoal de saúde. Fatores de risco. Riscos ocupacionais. Estudos soroepidemiológicos. Estudos transversais.
INTRODUÇÃO
A hepatite C é um sério problema de saúde pública mundial, não somente pelo grande número de pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C (HCV). Considerável parte desses indivíduos toma conhecimento de sua situação patológica somente ao doar sangue, tornando-os um importante elo na cadeia de transmissão viral, perpetuando a doença. Mais de 180 milhões de pessoas no mundo são portadores crônicos do HCV, sendo 2 milhões no Brasil.
A infecção pelo HCV tem distribuição universal, podendo passar por via sexual e vertical.16 Suas altas taxas de prevalência estão relacionadas com os chamados grupos de risco (hemofílicos, pacientes hemolizados, aqueles que receberam múltiplas transfusões de sangue, toxicômanos).4
O perfil epidemiológico da infecção pelo HCV é tão complexo quanto a história natural da doença por este agente viral. Circulando no sangue em baixos títulos, os principais mecanismos de transmissão são o sangue infectado e seus derivados.
Nos Estados Unidos, estudos em caráter prospectivo e realizados pelo National Institutes of Health1 revelaram um decréscimo da infecção pelo HCV após o advento do teste para detecção do anti-HCV. De acordo com o estudo de Chiaramonte,6 atualmente o risco de transmissão sangüínea é de 1:103.000, i.e. quase nulo, diferente do que ocorria no período de 1960 a 1991. No Brasil, não se conhece a distribuição de prevalência-incidência do HCV. Sabe-se que predomina em adultos jovens e que a suscetibilidade é geral.
Estudos recentes identificaram que 75% dos pacientes infectados pelo HCV tinham como motivo da infecção a via parenteral, seja na forma aparente, inaparente, direta ou indireta.7 A transmissão do HCV por via parenteral inaparente direta estaria provavelmente localizada no ambiente familiar. Por outro lado, a transmissão por via parenteral inaparente indireta poderia estar relacionada com o contato com utensílios de uso pessoal ou por meio da contaminação de instrumental e utensílios contaminados com sangue infectado.*
A preocupação com riscos biológicos surgiu a partir da constatação dos agravos à saúde daqueles que exerciam atividades em laboratórios onde se dava manipulação com microorganismos. Entretanto, somente a partir da epidemia da Aids nos anos 80, as normas de segurança no ambiente de trabalho foram mais bem estabelecidas.22 Por outro lado, a transmissão do HCV após acidente com agulha pode ocorrer com risco aproximadamente dez vezes maior que a transmissão pelo HIV, sem a possibilidade de prevenção após a exposição, o que já acontece com o vírus HIV.10,14,20
Apesar do número de casos relatados ser pequeno, a exposição percutânea já foi documentada,11 como a infecção adquirida pela contaminação da conjuntiva com sangue.21 A taxa de transmissão da hepatite C, após exposição ocupacional, varia de 0-10%.18,23
Os fatores de risco para a transmissão ocupacional ainda não estão bem definidos. Também não existem, até o presente, informações da sobrevivência do vírus da hepatite C em determinados ambientes.
A ocorrência de HCV entre os profissionais da saúde varia de 2% a 10%, associando-se o risco de contágio com o tempo de serviço, realização de procedimentos invasivos e ocorrência de acidentes percutâneos. Essa variação na incidência pode estar relacionada ao método empregado para o diagnóstico, principalmente em acidentes com pacientes-fonte HCV-positivos.18
O objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência do HCV em profissionais de saúde, além de investigar fatores de risco relacionados com pós-transfusões, uso de substâncias parenterais, acidentes com material biológico, e outros.
MÉTODOS
A amostra foi constituída por diferentes categorias profissionais que trabalhavam em hospital-escola e candidatos a doadores de sangue em São José do Rio Preto, Estado de São Paulo. A instituição era de porte médio, com 554 leitos.
De janeiro de 1994 a dezembro de 1999 havia 1.444 profissionais da saúde no hospital estudado. Esses profissionais mantinham contato direto ou manuseavam objetos utilizados por pacientes, em áreas de diagnóstico de doenças e hotelaria. Foram excluídos aqueles que estavam afastados por doença (N=11), sendo estudados 1.433 indivíduos.
Para comparar a prevalência da infecção pelo HCV com aquela observada nos profissionais da saúde, foram utilizados dois grupos-controle. O primeiro consistiu de profissionais da área administrativa (N=872) que não tinham contato com pacientes ou materiais usados por eles. O segundo grupo foi composto por candidatos a doador de sangue (N=2.583) do hemocentro que, no período de 1 a 31/5/1999, realizaram testes sorológicos para a infecção da hepatite C. Esses indivíduos não possuíam qualquer vínculo com o hospital. Informações relativas aos resultados sorológicos dos candidatos a doador de sangue foram fornecidas pelo hemocentro.
Para avaliação da prevalência da hepatite C, coletaram-se dados obtidos durante realização de exames admissionais, exames periódicos anuais, ou quando ocorriam acidentes de trabalho. Esses dados estavam disponíveis em prontuários médicos provenientes do serviço de medicina ocupacional do hospital. O tempo de serviço considerado correspondeu ao trabalhado no hospital.
De acordo com o risco de contaminação, os setores foram classificados em risco máximo (hemodiálise, hemocentro, hemodinâmica, banco de sangue, doença infectocontagiosa, emergência, laboratório, unidade de terapia intensiva, unidade de transplantes); médio (enfermarias de clínica médica, cirurgia e pediatria, central de material, ambulatório, endoscopia, lavanderia área suja, diálise peritoneal e centro cirúrgico) e mínimo (central operacional, métodos gráficos, serviço de limpeza e higiene, serviço de radiologia, quimioterapia e coleta de lixo).
Todos os profissionais da saúde coletaram sangue para a realização do anti-HCV. O diagnóstico laboratorial foi realizado por meio de técnica imunoenzimática (ELISA) segunda geração, pesquisando-se no soro o anti-HCV.
Os acidentes de trabalho foram definidos como aqueles ocorridos e notificados durante a jornada de trabalho no hospital. Foram caracterizados como qualquer lesão percutânea com objeto perfurocortante, contato com material biológico (sangue, líquor, líquido amniótico e pleural, urina ou fezes) sobre pele não-íntegra ou mucosa, e mordida de pacientes.
Em caso de acidentes de trabalho, os profissionais da saúde foram submetidos a sorologias para hepatite C em três ocasiões: na data do acidente, seis e 12 meses após exposição a material biológico de pacientes-fonte, conhecidos ou desconhecidos.
Foram entrevistados todos os profissionais da saúde com acidente de trabalho notificado e soro-reagentes para hepatite C. Nessa ocasião foram avaliados dados específicos sobre o acidente de trabalho como: sorologia do paciente-fonte, tipo de exposição e material biológico, e uso de equipamentos de proteção individual. Avaliaram-se também informações sobre dados epidemiológicos não ocupacionais, como convívio com parentes próximos com hepatite C, hepatite após os 12 anos, homossexualismo, sexo promíscuo, transfusão sangüínea antes de 1993, drogas endovenosas e alcoolismo.
Na análise univariada a comparação entre os grupos foi feita com os testes qui-quadrado, ANOVA e Kruskal-Wallis. Quando mais de dois grupos foram comparados, utilizou-se a correção de Bonferroni para comparações múltiplas. Os modelos utilizados, na análise multivariada por regressão logística continha variáveis que apresentaram significância estatística na análise univariada. Foram incluídas também as variáveis mais importantes do ponto de vista clínico (sexo, idade, categoria profissional, setores conforme risco de contaminação, tempo de atividade, acidentes de trabalho, reações sorológicas positivas para anti-HCV) e não-ocupacional (promiscuidade sexual, hepatite após 12 anos de idade, alcoolismo, transfusão sangüínea antes de 1993). Foram avaliados dois modelos que analisaram a variável dependente anti-HCV positivo e acidentes de trabalho com material biológico, usando-se cálculo de odds ratio ajustado com intervalo de confiança (IC). O nível de significância adotado foi de 5%.
RESULTADOS
A idade dos profissionais da saúde variou de 20 a 65 anos (36,8 ± 8,3 anos), a maioria (70,8%; N=1.014) do sexo feminino. Na área administrativa, a idade dos indivíduos variou entre 18 e 50 anos (34,6 ± 7,4 anos), sendo 82,6% (N=720) do sexo feminino. Dos candidatos a doador de sangue, a maioria (74,7%; N=1.998) era do sexo masculino.
A distribuição dos profissionais da saúde conforme o risco de contaminação do setor onde trabalhavam encontra-se na Tabela 1.
A prevalência de anti-HCV nos profissionais da saúde, da área administrativa, e candidatos a doador de sangue está na Tabela 2. Os resultados relativos aos profissionais da saúde foram significativamente maiores em relação aos candidatos a doador de sangue (c2=27,52; p=0,001) e profissionais da área administrativa (c2=7,22; p=0,007).
O tempo de serviço na instituição hospitalar dos profissionais da saúde com sorologia anti-HCV positiva foi significativamente maior (p=0,016) que naqueles com sorologia negativa. De acordo com a análise multivariada, o odds aumenta 50% a cada cinco anos de aumento de idade entre os profissionais da saúde cujas idades variaram entre 20 e 65 anos (OR=1,49; IC 95%: 1,10;2,02; p=0,005). Pela mesma análise, a transfusão de sangue realizada antes de 1993 teve associação estatisticamente significante (p<0,001) com a sorologia anti-HCV positiva (OR=9,74; IC 95%: 3,09;30,7) (Tabela 3).
Do total de profissionais da saúde (N=1.433) avaliados, 342 (23,9%) estiveram envolvidos em um total de 456 acidentes de trabalho com material biológico notificados. Dos pacientes-fonte, 21% apresentaram sorologia positiva para HIV, HBsAg ou anti-HCV; 15,6% (N=71) foram casos negativos e 63,4% (N=289) desconhecidos.
De acordo com o risco de contaminação (Tabela 4), houve maior quantidade de acidentes notificados (52,2%; N=238/456) nos setores de risco máximo, seguido pelo risco médio com 32,4% (N=148/456) e mínimo com 15,4% (N=70/456). A conscientização do risco nos setores máximo e médio talvez resultem numa subnotificação pequena nestas áreas, o que não deve ter ocorrido no setor de risco mínimo.
Os profissionais da saúde se acidentaram com material biológico das seguintes formas: 78,9% por lesão percutânea, 16,9% por contato com mucosa, 3,7% com pele não íntegra e 0,5% foram mordidos pelos pacientes.
Os profissionais da saúde se acidentaram mais freqüentemente com sangue (70,2%), seguido dos demais fluidos corpóreos (20%). Em 9,8% dos acidentes não foi possível identificar o material biológico.
Quanto ao uso de equipamentos de proteção individual, os profissionais da saúde usavam luvas na ocasião em 74,3% dos acidentes notificados.
O resultado sorológico para a hepatite C na data do acidente nos profissionais da saúde acidentados e notificados identificou 2,3% casos positivos para anti-HCV. Sorologias de acompanhamento nos profissionais acidentados não indicaram nenhum caso de infecção demonstrada sorologicamente.
Avaliando o acidente de trabalho conforme análise multivariada, observou-se que o sexo masculino está 28% mais protegido dos acidentes de trabalho que o feminino (OR=0,724; IC 95%: 0,528;0,993; p=0,044). Na comparação com o setor de risco mínimo, o risco de acidentes de trabalho no setor de risco máximo é 1,14 vezes maior (OR=2,14; IC 95%: 1,34;3,42; p<0,001) e no de risco médio é 0,92 vezes maior (OR=1,92; IC 95%: 1,10;3,33; p=0,020). Com relação ao tempo de serviço, a chance de se acidentar para cada ano a mais de trabalho aumentou 4% (OR=1,04; IC 1,01;1,08; p=0,014).
DISCUSSÃO
Os profissionais da saúde do hospital estudado apresentaram prevalência de 1,7% de sorologia anti-HCV positiva, próxima ao exposto na literatura, avaliados por testes de segunda geração. Comparando-se essa prevalência com a dos profissionais da área administrativa, e dos candidatos a doador de sangue, as diferenças foram significantes, confirmando que os profissionais da saúde têm maior chance de ser infectados pelo HCV.11,18,23 Figueredo et al8 analisando a literatura sobre o tema, observaram que a freqüência do HCV em profissionais da saúde era relativamente baixa.
A manipulação de materiais contaminados com sangue ou secreção é inerente à própria atividade dos profissionais da saúde. O grande problema, entretanto, é que muitas vezes eles manipulam os materiais de maneira incorreta, aumentando o risco de acidentes. O seguimento sorológico realizado nos profissionais da saúde que se acidentaram, com no mínimo um ano de acompanhamento após a exposição, não detectou nenhum caso de soroconversão.
Profissionais da saúde com sorologia positiva tinham maior tempo de serviço na instituição e 50% maior de chance de ser anti-HCV positivo a cada cinco anos de atividade. Este resultado sugere que os cuidados diários aos pacientes podem contribuir para o aumento de infecção pelo HCV. Além disso, esse risco pode ser ainda maior se os profissionais da saúde manipularem de maneira incorreta os pacientes.
Dentre as variáveis estudadas, o acidente de trabalho não apresentou associação significante com anti-HCV positivos, confirmando os achados de Polish et al.17 Ainda segundo esses autores, as lesões por agulha constituíam fator de risco independente para os profissionais da saúde anti-HCV positivos. Por outro lado, Mitsui et al encontraram essa associação.14
Foi observada associação entre HCV positivo com transfusão de sangue realizada antes de 1993. Nessa época o teste sorológico específico para detecção dos anticorpos induzidos pelo HCV ainda não era conhecido. No Brasil, Medeiros et al13 (2004) encontraram ainda os mesmos resultados em pacientes hemodialisados. Atualmente Alter2 relata em seu estudo sobre transfusões e transplantes que esse risco foi praticamente eliminado.
Os acidentes de trabalho ocorreram não só pela manipulação de materiais contaminados com sangue ou fluidos corpóreos (agulhas, instrumentais e materiais cortantes), mas também pelo contato com mucosas, pele não intacta e mordedura. A transmissão de HCV por intermédio de mordidas humanas tem sido relatada, principalmente se são profundas e aplicadas por pacientes-fonte HIV-positivos.2
Na presente pesquisa, a proporção da ocorrência de lesões envolvendo sangue ou fluidos corpóreos foi elevada. Entretanto, sabe-se que muitos desses acidentes não são notificados. A quantidade de profissionais da saúde acidentados foi 12,7% menor em relação à pesquisa aleatória realizada no início do estudo entre 254 profissionais da saúde participantes, para avaliar a existência ou não de subnotificação.
Com relação à idade, não houve diferença significante entre os valores médios dos profissionais da saúde que sofreram ou não acidentes de trabalho. Era esperado que o grupo mais jovem, considerado inexperiente, pudesse ter risco maior. A subnotificação dos acidentes pode ter sido maior nesse grupo devido à preocupação em manter-se no emprego.
Por outro lado, o mesmo não ocorreu com o tempo de serviço na instituição, pois os acidentados apresentaram significantemente maior permanência. Com a experiência dos anos de trabalho na instituição, profissionais do setor de enfermagem normalmente realizam atividades de maior risco. Isso pode contribuir para que haja maior exposição a situações de risco de acidentes de trabalho. Portanto, torna-se necessário reciclagem sobre precauções universais e trabalho contínuo de educação, visando prevenção de acidentes. Além disso, a análise multivariada mostrou que existe 4% mais chance de se acidentar para cada ano trabalhado.
No presente trabalho, o sexo masculino está 28% mais protegido dos acidentes de trabalho que o feminino. Em alguns setores, profissionais da saúde do sexo masculino realizam rotinas específicas em função da força física e do atendimento a pacientes do sexo masculino (sondagem, banho, mobilização, e outros). Essas rotinas podem reduzir a exposição a objetos perfurocortantes, sugerindo que o risco é maior à medida que o contato com tais objetos for mais freqüente.
No presente estudo, entre os setores com maior freqüência de acidentes, está a unidade de hemodiálise, cujos procedimentos são constantes, com alto percentual de hepatites B e C entre os dializados. Outro setor importante é o da emergência, principalmente sendo o hospital estudado referência para toda a região noroeste paulista, cuja quantidade de atendimentos somado ao estresse de trabalho nessa área, contribuiu sobremaneira para que o esse setor apresente maior risco de acidentes. O setor de risco máximo que engloba emergência, hemodiálise, UTI e outros, foi o mais importante com 52,2% dos acidentes. A chance de ocorrer acidentes de trabalho foi 1,14 vezes maior que no setor de risco mínimo (categoria de referência). Segundo Lee et al,12 a emergência e o centro cirúrgico são os locais de maior risco para acidentes, sendo justificado pelos procedimentos e técnicas envolvidas.
É importante caracterizar o tipo de acidentes de trabalho em que profissionais da saúde estiveram envolvidos, visando evitar situações de elevado risco. No presente estudo, verificou-se que 78,9% dos acidentes foram por lesão percutânea. Esse resultado está de acordo com a literatura, pois os perfurocortantes são os maiores responsáveis pelos acidentes de profissionais da saúde.15,19 Isso pode ser explicado pelo tipo de serviço efetuado por esses profissionais, principalmente das atividades médica e de enfermagem, que apresentaram elevados índices de acidentes relacionados com procedimentos invasivos. Portanto, deveria ser estimulado o uso de dispositivos que impedem manipulação ou reencape de perfurocortantes como agulhas. Segundo Garner9 tais dispositivos reduzem em 50% a ocorrência de lesões percutâneas.
O sangue foi a fonte de infecção encontrada em 70,2% dos casos de acidentes de trabalho. O risco do acidente envolvendo grande quantidade de sangue e lesão profunda também aumentam o risco de soroconversão, como o que acontece com as agulhas ocas e de grande calibre.5
As precauções universais recomendadas pelo Centers for Disease Control and Prevention, estão em vigor desde 1987. Dentro dessas recomendações estão o uso de luvas para manuseio de sangue e secreções, de aventais, quando há risco de contaminação de roupa ou pele do profissional, e uso de máscara e óculos de proteção, caso haja risco de respingo de sangue e secreções em mucosas da boca, nariz e olhos. Muitos acidentes podem ser evitados com o uso dessas barreiras.
O presente estudo mostrou que a maioria dos indivíduos (74,3%) utilizava luvas, embora uma parte deles ainda o faça somente em locais de risco máximo (emergência, centro cirúrgico, hemodiálise), o que não faz sentido, considerando a abrangência de portadores assintomáticos. Foi observado na literatura que essa freqüência pode ser ainda maior, adotando-se medidas voltadas para a educação conscientizadora.18
Entre os acidentes notificados na presente pesquisa, não houve nenhum caso de soroconversão para HCV. O mesmo resultado foi encontrado por Baldo et al.3 A soroconversão vai depender do acidentes de trabalho com perfurocortantes, do percentual do não uso de equipamentos de proteção individual e da quantidade de acidentes de trabalho com sangue. Entre os acidentes de trabalho, 78,9% foram percutâneos, sendo 70,2% desses envolvidos com sangue e 25,7% não usavam EPI, dados que poderiam favorecer a soroconversão. Entretanto, essa reação não foi constatada. A probabilidade de soroconversão após exposição a material biológico de paciente-fonte para hepatite C é de zero a 7%.18,23
Devido a essas razões e porque tem sido documentado que patógenos veiculados ao sangue são transmitidos via pequenas lesões, o uso de luvas e outros equipamentos de proteção individual é recomendado como um dos primeiros componentes das precauções universais. Também a utilização de dispositivos e agulhas com mecanismos de segurança, especialmente inseridos em um programa abrangente de prevenção, podem reduzir de forma importante o risco dessa exposição. Uma análise da relação custo-benefício em médio prazo certamente poderá demonstrar a relevância da medicina ocupacional e preventiva.
REFERÊNCIAS
1. Alter HJ, Purcell RH, Shih JW, Melpolder JC, Houghton M, Choo QL, et al. Detection of antibody to hepatitis C virus in prospectively transfusion recepients with acute and chronic non-A, non B hepatitis. N Engl J Med. 1989;321:1494-500.
2. Alter HJ. Prevention of spread of hepatitis C. Hepatology. 2002;36(5 Suppl 1):S93-8.
3. Baldo V, Floreani A, Dal Vecchio L, Cristofoletti M, Carletti M, Majori S, et al. Occupational risk of blood-borne viruses in healthcare workers: a 5-year surveillance program. Infect Control Hosp Epidemiol. 2002;23:325-7
4. Brandão-Mello CE, Basilio de Oliveira CA, Gonzaga AL. Hepatitis C and liver disease in Hemophilia. Hepatology. 1994;19:441-3.
5. Centers for Disease Control and Prevention. Case-control study of HIV seroconversion in health-care workers after percutaneous exposure to HIV-infected-blood: France, United Kingdom and United States, January 1988-August 1994. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1995;44:929-33.
6. Chiaramonte M, Stroffolini T, Caporaso N, Coppola R, Craxi A, Gaeta GB, et al. Hepatitis C virus infection in Italy: a multicenter epidemiological study. Ital J Gastroenterol. 1991;23:555-8.
7. Conry-Cantilena C, VanRaden M, Gibble J, Melpolder J, Shakil AO, Viladomiu L, et al. Routes of infection, viremia, and liver disease donors found to have hepatitis C virus infection. N Engl J Med. 1996;334:1691-9.
8. Figueredo ECQ de, Cotrim HP, Tavares-Neto J. Freqüência do vírus da hepatite C em profissionais da saúde: revisão sistemática da literatura. GED Gastroenterol Endosc Dig. 2003;22:53-60.
9. Garner JS. Guideline for isolation precautions in hospitals. Infect Control Hosp Epidemiol. 1996;17:54-80.
10. Gerberding JL. Incidence and prevalence of human immunodeficiency virus, hepatitis B virus, hepatitis C, and cytomegalovirus among health care personnel at risk for blood exposure final report from a longitudinal study. J Infect Dis. 1994;170:1410-7.
11. Henderson DK. Maniging occupational risks for hepatitis C transmission in the helth care setting. Clin Microbiol Rev. 2003;16:546-68.
12. Lee JM, Botteman MF, Xanthakos N, Nicklasson L. Needlestick injures in the United States: epidemiologic, economic, and quality of life issues. AAOHN J. 2005;53:117-33.
13. Medeiros MT, Lima JM, Lima JW, Campos H de H, Medeiros MM, Coelho Filho JM. Prevalence and associated factors to hepatitis C in hemodialysis patients in Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38:187-93.
14. Mitsui T, Iwano K, Masuko K, Yamasaki C, Okamoto H, Tsuda F, et al. Hepatitis C virus infection in medical personnel after needlestick accident. Hepatology. 1992;16:1109-14.
15. Montella M, Crispo A, Grimaldi M, Ruffolo P, Ronga D, Izzo F, et al. An assesment of hepatitis C virus infection among health-care workers of the National Cancer Institute of Naples Southern Italy. Eur J Public Health. 2005;15:467-9.
16. Ohto H, Terazawa S, Sasaki N, Sasaki N, Hino K, Ishiwata C, et al. Transmission of hepatitis C virus from mother to infant: the Vertical Transmission of Hepatitis C Virus Collaborative Study Group.N Engl J Med. 1994;333:744-50.
17. Polish LB, Tong MJ, Co RL, Coleman PJ, Alter MJ. Risk factors for hepatitis C virus infection among health care personnel hospital. Am J Infect Control. 1993;21:196-200.
18. Proietti L, Malaponte G, Libra M, Navolanic PM, Bevelacqua Y, Travali S, et al. Analysis of hepatitis C virus infection among health-care workers: an observational study. Minerva Gastroenterol Dietol. 2005;51:255-9.
19. Pruss-Ustun A, Rapiti E, Hutin Y. Estimation of global burden disease attributable to contaminated sharps injures among health-care workers. Am J Ind Med. 2005;48:482-90.
20. Puro V, Petrosillo N, Ippolito G. Risk of hepatitis C seroconversion after occupational exposures in health care workers. Italian Study Group on Occupational Risk of HIV and other Bloodborne Infeccions Am J Infect Control. 1995;23:273-7. Rosen HR. Acquisition of hepatitis C by a conjunctival splash. Am J Infect Control. 1997;25:242-7.
21. U. S. Public Health Service. Centers for Disease Control and Prevention. Updated US Public Health Service Guidelines on the management of occupational exposures to HBV, HCV, and HIV and recommendations for exposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR-11):1-67.
22. Yazdanpanah Y, De Carli G, Migueres B, Lot F, Campins M, Colombo C, et al. Risks factors for health care workers after occupational exposure: a European case-control study. Clin Infect Dis. 2005;41(10):1423-30.
Recebido: 16/8/2005
Revisado: 26/5/2006
Aprovado:29/11/2006
Artigo baseado na tese de doutorado de LAS Ciorlia, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, em 2003.
Referências bibliográficas
- 1. Alter HJ, Purcell RH, Shih JW, Melpolder JC, Houghton M, Choo QL, et al. Detection of antibody to hepatitis C virus in prospectively transfusion recepients with acute and chronic non-A, non B hepatitis. N Engl J Med. 1989;321:1494-500.
- 2. Alter HJ. Prevention of spread of hepatitis C. Hepatology. 2002;36(5 Suppl 1):S93-8.
- 3. Baldo V, Floreani A, Dal Vecchio L, Cristofoletti M, Carletti M, Majori S, et al. Occupational risk of blood-borne viruses in healthcare workers: a 5-year surveillance program. Infect Control Hosp Epidemiol. 2002;23:325-7
- 4. Brandão-Mello CE, Basilio de Oliveira CA, Gonzaga AL. Hepatitis C and liver disease in Hemophilia. Hepatology. 1994;19:441-3.
- 5. Centers for Disease Control and Prevention. Case-control study of HIV seroconversion in health-care workers after percutaneous exposure to HIV-infected-blood: France, United Kingdom and United States, January 1988-August 1994. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 1995;44:929-33.
- 6. Chiaramonte M, Stroffolini T, Caporaso N, Coppola R, Craxi A, Gaeta GB, et al. Hepatitis C virus infection in Italy: a multicenter epidemiological study. Ital J Gastroenterol. 1991;23:555-8.
- 7. Conry-Cantilena C, VanRaden M, Gibble J, Melpolder J, Shakil AO, Viladomiu L, et al. Routes of infection, viremia, and liver disease donors found to have hepatitis C virus infection. N Engl J Med 1996;334:1691-9.
- 8. Figueredo ECQ de, Cotrim HP, Tavares-Neto J. Freqüência do vírus da hepatite C em profissionais da saúde: revisão sistemática da literatura. GED Gastroenterol Endosc Dig 2003;22:53-60.
- 9. Garner JS. Guideline for isolation precautions in hospitals. Infect Control Hosp Epidemiol. 1996;17:54-80.
- 10. Gerberding JL. Incidence and prevalence of human immunodeficiency virus, hepatitis B virus, hepatitis C, and cytomegalovirus among health care personnel at risk for blood exposure final report from a longitudinal study. J Infect Dis. 1994;170:1410-7.
- 11. Henderson DK. Maniging occupational risks for hepatitis C transmission in the helth care setting. Clin Microbiol Rev 2003;16:546-68.
- 12. Lee JM, Botteman MF, Xanthakos N, Nicklasson L. Needlestick injures in the United States: epidemiologic, economic, and quality of life issues. AAOHN J. 2005;53:117-33.
- 13. Medeiros MT, Lima JM, Lima JW, Campos H de H, Medeiros MM, Coelho Filho JM. Prevalence and associated factors to hepatitis C in hemodialysis patients in Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38:187-93.
- 14. Mitsui T, Iwano K, Masuko K, Yamasaki C, Okamoto H, Tsuda F, et al. Hepatitis C virus infection in medical personnel after needlestick accident. Hepatology. 1992;16:1109-14.
- 15. Montella M, Crispo A, Grimaldi M, Ruffolo P, Ronga D, Izzo F, et al. An assesment of hepatitis C virus infection among health-care workers of the National Cancer Institute of Naples Southern Italy. Eur J Public Health 2005;15:467-9.
- 16. Ohto H, Terazawa S, Sasaki N, Sasaki N, Hino K, Ishiwata C, et al. Transmission of hepatitis C virus from mother to infant: the Vertical Transmission of Hepatitis C Virus Collaborative Study Group.N Engl J Med 1994;333:744-50.
- 17. Polish LB, Tong MJ, Co RL, Coleman PJ, Alter MJ. Risk factors for hepatitis C virus infection among health care personnel hospital. Am J Infect Control 1993;21:196-200.
- 18. Proietti L, Malaponte G, Libra M, Navolanic PM, Bevelacqua Y, Travali S, et al. Analysis of hepatitis C virus infection among health-care workers: an observational study. Minerva Gastroenterol Dietol 2005;51:255-9.
- 19. Pruss-Ustun A, Rapiti E, Hutin Y. Estimation of global burden disease attributable to contaminated sharps injures among health-care workers. Am J Ind Med. 2005;48:482-90.
- 20. Puro V, Petrosillo N, Ippolito G. Risk of hepatitis C seroconversion after occupational exposures in health care workers. Italian Study Group on Occupational Risk of HIV and other Bloodborne Infeccions Am J Infect Control. 1995;23:273-7.
- Rosen HR. Acquisition of hepatitis C by a conjunctival splash. Am J Infect Control 1997;25:242-7.
- 21. U. S. Public Health Service. Centers for Disease Control and Prevention. Updated US Public Health Service Guidelines on the management of occupational exposures to HBV, HCV, and HIV and recommendations for exposure prophylaxis. MMWR Recomm Rep. 2001;50(RR-11):1-67.
- 22. Yazdanpanah Y, De Carli G, Migueres B, Lot F, Campins M, Colombo C, et al. Risks factors for health care workers after occupational exposure: a European case-control study. Clin Infect Dis. 2005;41(10):1423-30.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jul 2007 -
Data do Fascículo
Abr 2007
Histórico
-
Recebido
16 Ago 2005 -
Revisado
26 Maio 2006 -
Aceito
29 Nov 2006