Open-access Esgotamento profissional e transtornos mentais comuns em agentes comunitários de saúde

Agotamiento profesional y trastornos mentales comunes en agentes comunitarios de la salud

Resumos

OBJETIVO: Estimar a prevalência da síndrome do esgotamento profissional e de transtornos mentais comuns em agentes comunitários de saúde, identificando fatores associados. MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 141 agentes comunitários atuantes há pelo menos seis meses em unidades básicas de saúde do município de São Paulo (SP), em 2006. Os participantes responderam a três questionários: um sobre características sociodemográficas, socioeconômicas, da saúde e do trabalho; o Self Reporting Questionnaire; e o Maslach Burnout Inventory, que permite medir três dimensões da síndrome do esgotamento profissional: exaustão emocional, despersonalização e decepção. A regressão logística multivariada foi usada para verificar associações entre variáveis. RESULTADOS: No total, 24,1% dos entrevistados apresentaram síndrome do esgotamento profissional. Níveis moderados ou altos de esgotamento profissional foram observados em 70,9% dos participantes para exaustão emocional, em 34% para despersonalização e em 47,5% para decepção. A prevalência de transtornos mentais comuns foi 43,3%. Foram observadas associações positivas entre as dimensões de esgotamento profissional. Presença de transtorno mental comum associou-se independentemente com maiores níveis de exaustão emocional e decepção. CONCLUSÕES: A alta freqüência de níveis intensos de esgotamento profissional e a elevada ocorrência de transtornos mentais comuns encontradas entre os agentes comunitários de saúde suscitam a necessidade de estratégias de intervenção no cotidiano desses indivíduos e de novas investigações sobre a dimensão e determinantes do esgotamento profissional.

Pessoal de Saúde; Esgotamento Profissional; Transtornos Mentais; Fatores de Risco; Saúde do Trabalhador; Estudos Transversais


OBJETIVO: Estimar la prevalencia del síndrome de agotamiento profesional y de trastornos mentales comunes en agentes comunitarios de salud, identificando factores asociados. MÉTODOS: Se hizo estudio transversal con 141 agentes comunitarios activos por al menos seis meses en unidades básicas de salud del municipio de Sao Paulo (Sureste de Brasil), en 2006. Los participantes respondieron a tres encuestas: una sobre características sociodemográficas, socioeconómicas, de la salud e del trabajo; el Self Reporting Questionnaire; y el Maslach Burnout Inventory, que permite medir tres dimensiones del síndrome del agotamiento profesional: fatiga emocional, despersonalización y decepción. La regresión logística multivariada fue usada para verificar asociaciones entre variables. RESULTADOS: De los encuestados el 24,1% presentaron síndrome de agotamiento profesional. Niveles moderados o altos de agotamiento profesional fueron observados en 70,9% de los participantes con fatiga emocional, en 34% con despersonalización y en 47,5% con decepción. La prevalencia de trastornos mentales comunes fue de 43,3%. Se observaron asociaciones positivas entre las dimensiones de agotamiento profesional. La presencia de trastorno mental común se asoció independientemente con mayores niveles de fatiga emocional y decepción. CONCLUSIONES: La alta frecuencia de niveles intensos de agotamiento profesional y la elevada ocurrencia de trastornos mentales comunes encontrados entre los agentes comunitarios de salud promueven la necesidad de estrategias de intervención en el cotidiano de estos individuos y de nuevas investigaciones sobre la dimensión y determinantes del agotamiento profesional.

Personal de salud; Agotamiento profesional; Trastornos mentales; Factores de riesgo; Salud del trabajador; Estudios transversales


OBJECTIVE: To estimate the prevalence of the burnout syndrome and of common mental disorders among community-based health agents, also identifying associated factors. METHODS: A cross-sectional survey was carried out in 2006 with 141 community-based health agents who had been working for at least six months in primary care units in the city of São Paulo (Southeastern Brazil). The participants answered three questionnaires: one about sociodemographic, health- and work-related characteristics, the Self Reporting Questionnaire, and the Maslach Burnout Inventory, which allows the assessment of three dimensions of the burnout syndrome: emotional exhaustion, depersonalization and reduced personal accomplishment. Multivariate logistic regression was used to examine associations between variables. RESULTS: Overall, 24.1% of the interviewees presented burnout syndrome. Moderate or high levels of emotional exhaustion, depersonalization and reduced personal accomplishment were observed in 70.9%, 34.0% and 47.5% of the participants, respectively. The prevalence of common mental disorders was 43.3%. Positive correlations between the three dimensions of burnout, were observed. Presence of common mental disorder was independently associated with higher levels of emotional exhaustion and reduced personal accomplishment. CONCLUSIONS: The high frequency of intense levels of burnout and the high prevalence of common mental disorders among community-based health agents point to the need of intervention strategies in these individuals' daily lives and of further studies to better understand the actual picture and the determinants of burnout.

Health Personnel; Burnout, Professional; Mental Disorders; Risk Factors; Occupational Health; Cross-Sectional Studies


ARTIGOS ORIGINAIS

Esgotamento profissional e transtornos mentais comuns em agentes comunitários de saúde

Agotamiento profesional y trastornos mentales comunes en agentes comunitarios de la salud

Andréa Tenório Correia da SilvaI; Paulo Rossi MenezesII

IEstratégia Saúde da Família. Fundação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IIDepartamento de Medicina Preventiva. Faculdade de Medicina. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência | Correspondence Correspondência | Correspondence: Andréa Tenório Correia da Silva R. Dr. Arnaldo, 455 sala 1345 Cerqueira César 01246-903 São Paulo, SP, Brasil E-mail: andreatenorio@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a prevalência da síndrome do esgotamento profissional e de transtornos mentais comuns em agentes comunitários de saúde, identificando fatores associados.

MÉTODOS: Estudo transversal realizado com 141 agentes comunitários atuantes há pelo menos seis meses em unidades básicas de saúde do município de São Paulo (SP), em 2006. Os participantes responderam a três questionários: um sobre características sociodemográficas, socioeconômicas, da saúde e do trabalho; o Self Reporting Questionnaire; e o Maslach Burnout Inventory, que permite medir três dimensões da síndrome do esgotamento profissional: exaustão emocional, despersonalização e decepção. A regressão logística multivariada foi usada para verificar associações entre variáveis.

RESULTADOS: No total, 24,1% dos entrevistados apresentaram síndrome do esgotamento profissional. Níveis moderados ou altos de esgotamento profissional foram observados em 70,9% dos participantes para exaustão emocional, em 34% para despersonalização e em 47,5% para decepção. A prevalência de transtornos mentais comuns foi 43,3%. Foram observadas associações positivas entre as dimensões de esgotamento profissional. Presença de transtorno mental comum associou-se independentemente com maiores níveis de exaustão emocional e decepção.

CONCLUSÕES: A alta freqüência de níveis intensos de esgotamento profissional e a elevada ocorrência de transtornos mentais comuns encontradas entre os agentes comunitários de saúde suscitam a necessidade de estratégias de intervenção no cotidiano desses indivíduos e de novas investigações sobre a dimensão e determinantes do esgotamento profissional.

Descritores: Pessoal de Saúde. Esgotamento Profissional, epidemiologia. Transtornos Mentais, epidemiologia. Fatores de Risco. Saúde do Trabalhador. Estudos Transversais.

RESUMEN

OBJETIVO: Estimar la prevalencia del síndrome de agotamiento profesional y de trastornos mentales comunes en agentes comunitarios de salud, identificando factores asociados.

MÉTODOS: Se hizo estudio transversal con 141 agentes comunitarios activos por al menos seis meses en unidades básicas de salud del municipio de Sao Paulo (Sureste de Brasil), en 2006. Los participantes respondieron a tres encuestas: una sobre características sociodemográficas, socioeconómicas, de la salud e del trabajo; el Self Reporting Questionnaire; y el Maslach Burnout Inventory, que permite medir tres dimensiones del síndrome del agotamiento profesional: fatiga emocional, despersonalización y decepción. La regresión logística multivariada fue usada para verificar asociaciones entre variables.

RESULTADOS: De los encuestados el 24,1% presentaron síndrome de agotamiento profesional. Niveles moderados o altos de agotamiento profesional fueron observados en 70,9% de los participantes con fatiga emocional, en 34% con despersonalización y en 47,5% con decepción. La prevalencia de trastornos mentales comunes fue de 43,3%. Se observaron asociaciones positivas entre las dimensiones de agotamiento profesional. La presencia de trastorno mental común se asoció independientemente con mayores niveles de fatiga emocional y decepción.

CONCLUSIONES: La alta frecuencia de niveles intensos de agotamiento profesional y la elevada ocurrencia de trastornos mentales comunes encontrados entre los agentes comunitarios de salud promueven la necesidad de estrategias de intervención en el cotidiano de estos individuos y de nuevas investigaciones sobre la dimensión y determinantes del agotamiento profesional.

Descriptores: Personal de salud. Agotamiento profesional, epidemiología. Trastornos mentales, epidemiología. Factores de riesgo. Salud del trabajador. Estudios transversales.

INTRODUÇÃO

Em junho de 1991, o Ministério da Saúde (MS) criou o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, ampliado em 1994 para o Programa Saúde da Família (PSF), como estratégia para promover a reorganização das ações de atenção básica nos sistemas municipais. As equipes de saúde da família (ESF) são constituídas por um médico, um enfermeiro, um a dois auxiliares ou técnicos de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde (ACS).a Em 2006, o número de ESF alcançou 26.729, com cobertura de 85,7 milhões de pessoas, sendo investidos mais de R$ 3,2 bilhões.a Isso evidencia a importância do PSF para o País, principalmente por ser fonte de emprego para milhares de profissionais de saúde que trabalham em regime de dedicação integral.

Os ACS atuam como elo entre a equipe e a comunidade, fazendo a ponte entre o saber científico e o saber popular. Os ACS lidam com contradições, por vivenciar a realidade e as práticas de saúde dos bairros onde moram e trabalham e por serem formados a partir de referenciais biomédicos.14 Atualmente os ACS são responsáveis pelo cuidado de 109,7 milhões de pessoas no País.a

A síndrome do esgotamento profissional (burnout) e os transtornos mentais comuns (TMC) têm sido cada vez mais identificados e pesquisados entre os profissionais de saúde.17 Freqüentemente são associados à incapacitação e a alto custo social, econômico e individual, absenteísmo, queda da produtividade, alta rotatividade de profissionais, elevação da demanda dos serviços de saúde, uso abusivo de tranqüilizantes, álcool e outras drogas.6,12 Na literatura, os fatores associados ao esgotamento profissional incluem idade, estado civil, tempo de trabalho, sobrecarga de trabalho, conflitos interpessoais e entre os ocupantes do cargo e sua clientela, falta de suporte social, de autonomia e de participação nas decisões.4,11 Os profissionais dos serviços de saúde estão entre os mais afetados17 por possuírem, em geral, uma filosofia humanística de trabalho e se defrontarem com um sistema de saúde desumanizado. A relação entre esgotamento profissional e TMC vem sendo estudada por vários autores, que consideram a síndrome um importante fator de risco para morbidade psiquiátrica.7,13

Ainda são poucos os estudos sobre as condições de saúde dos trabalhadores do PSF, em especial os ACS, a categoria profissional mais recentemente incorporada à equipe de saúde. Além disso, esses profissionais estão sujeitos a uma dinâmica laboral particular de viver e trabalhar na mesma comunidade, que pode gerar pressões e sobrecarga adicionais. A presente pesquisa teve por objetivo estimar a prevalência da síndrome do esgotamento profissional e de transtornos mentais comuns entre ACS, identificando fatores associados.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, cuja população-alvo incluiu os ACS de seis unidades básicas de saúde (UBS) de uma região do município de São Paulo, em 2006, correspondendo a 40% das unidades da região que possuem equipes de PSF. As UBS localizadas nos bairros Butantã, Lapa e Pinheiros foram escolhidas devido à facilidade de acesso a elas e por serem vinculadas a uma instituição parceira da Secretaria Municipal de Saúde. Foram considerados elegíveis todos os agentes atuantes há pelo menos seis meses nas UBS, em junho de 2006. Entre 143 indivíduos elegíveis, houve duas recusas (1,4%).

As áreas estudadas possuíam características heterogêneas quanto aos indicadores socioeconômicos, como o índice de envelhecimento (Lapa 67,0, Pinheiros 110,9 e Butantã 26,2) e o índice de desenvolvimento humano (IDH). Entre as seis UBS estudadas, cinco estão localizadas nos distritos do Butantã e da Lapa, que apresentam IDH variando entre 0,52 a 0,81 e 0,52 a 0,78, respectivamente; Pinheiros possui níveis mais elevados (0,68 a 0,84). Entretanto, aquelas cinco unidades situam-se nos bairros com os menores IDH da região, entre 0,52 e 0,62, estando aquém do índice municipal (0,841). Outra diferença está no mapa de exclusão/inclusão social: os bairros Jaguará e Raposo Tavares, onde estão localizadas quatro UBS estudadas, possuem taxas maiores de exclusão social quando comparadas com Pinheiros e Lapa.b

Os seguintes questionários foram utilizados:

  1. Sobre dados sociodemográficos, socioeconômicos e questões relacionadas ao trabalho e à saúde do entrevistado: idade; gênero; estado civil; escolaridade; renda familiar mensal; religião; quantas pessoas moram com o ACS; quantos cômodos tem o domicílio; há quanto tempo mora na área e trabalha como ACS; se fez curso de capacitação e quando, a partir do início das atividades como ACS; se faltou no trabalho nos 30 dias anteriores à entrevista e por qual motivo; se possui população cadastrada morando em favela, cortiço ou área de invasão (microárea de risco); se faz uso de algum tipo de calmante, tranqüilizante ou antidepressivo; se, na opinião do entrevistado, existe aspecto adicional relacionado ao esgotamento e qual seria esse aspecto.

  2. Maslach Burnout Inventory (MBI): desenvolvido por Maslach & Jackson

    11 (1981), é utilizado para identificar o grau de esgotamento do profissional. Este instrumento aborda três dimensões: a exaustão emocional, a despersonalização, reduzida realização pessoal (decepção). As respostas são a freqüência com que o entrevistado percebe ou vivencia o sentimento ou atitude: nunca (0), algumas vezes ao ano (1), no máximo uma vez ao mês (2), algumas vezes ao mês (3), uma vez por semana (4), poucas vezes por semana (5) e diariamente (6). Os escores totais são calculados para cada uma das três dimensões e pontos de corte são utilizados para classificar em níveis alto, médio e baixo. A combinação dos níveis encontrados de exaustão, despersonalização e decepção define o grau de esgotamento. Desse modo, o grau de esgotamento alto corresponde a altos escores obtidos nas três dimensões, simultaneamente; grau moderado reflete os níveis moderados, por fim, grau baixo indica a obtenção de escores baixos nos três aspectos. No Brasil, o MBI foi validado por Carvalho (1995)

    c em professores da rede do ensino público oficial de primeiro e segundo graus e por Tamayo (1997)

  3. Self Reporting Questionnaire (SRQ-20): desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde para uso em estudos em países em desenvolvimento,

    19 identifica possíveis casos de TMC em serviços de atenção primária e na comunidade. O questionário é composto por 20 questões, com possibilidades de respostas sim ou não, sobre sintomas emocionais e físicos associados a quadros psiquiátricos. A cada questão é atribuído o valor 1 quando o sintoma está presente e zero quando ausente, tomando-se como referência o mês anterior à entrevista. Os questionários foram aplicados por um entrevistador. O SRQ foi validado em estudos internacionais e nacionais com sensibilidade variando de 62,9% a 90% e, especificidade de 44% a 95%. Em estudo realizado no Brasil, Mari & Willians

    9 (1986) estabeleceram o ponto de corte 7/8 como aquele que oferecia melhores valores de sensibilidade e especificidade, respectivamente, 83% e 80%.

A aplicação dos questionários foi realizada após agendamento prévio com os agentes comunitários de saúde de cada UBS, em locais que garantiam a privacidade do participante. A média de tempo das entrevistas foi de 23 minutos.

Além desses questionários, foram obtidas informações a partir do Sistema de Informação da Atenção Básica, para caracterização das áreas de atuação dos ACS: número de pessoas cadastradas na microárea, população com até 14 anos, destino do lixo e do esgoto.

Para análise estatística foi utilizado o software Stata 8.0. Inicialmente foi feita análise descritiva das distribuições, verificação da consistência dos dados e categorização de variáveis contínuas ou discretas. Aplicou-se regressão logística em análises bivariadas e multivariáveis para obter estimativas de associação de variáveis sociodemográficas, socioeconômicas, relacionadas ao trabalho e à saúde do entrevistado com as dimensões do esgotamento e com TMC, e de associações das variáveis exaustão emocional, despersonalização e decepção com TMC. Foram calculados odds ratios (OR) com respectivos intervalos de 95% de confiança (IC 95%). Significância estatística foi examinada com testes de razão de verossimilhança. O critério de inclusão de variáveis explanatórias no modelo multivariável foi um p-valor <0,20 obtido na análise bivariada. As variáveis explanatórias com valores p<0,05 foram mantidas nos modelos multivariáveis. Quatro modelos de regressão logística foram gerados: exaustão emocional (0: baixa - 1: moderada e alta), despersonalização (0: baixa - 1: moderada e alta), decepção (0: baixa - 1: moderada e alta) e TMC (0: não caso - 1: caso) e testadas algumas interações entre variáveis explanatórias.

A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e pelo Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Todos os sujeitos que participaram do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. A autorização do uso do MBI foi adquirida na empresa que representa as autoras no Brasil.

RESULTADOS

Os participantes apresentaram média de idade de 38,9 anos (DP=11,4), com predomínio da faixa etária de 31 a 40 anos (33,3%) de mulheres (92,2%), do ensino fundamental ou médio completos (73%), união estável (55,4%), religião católica (51,1%) e cor branca (41,1%) (Tabela 1). A maioria dos participantes residia com três ou mais pessoas, e a aglomeração domiciliar (número de pessoas/cômodos) mais freqüentemente observada foi de 0,76 a 1,00. A renda familiar mensal média foi de R$ 1.672,43 (DP=1.340,15).

Os participantes trabalhavam como ACS em média há 40,9 meses, e 92,9% referiram ter feito curso de capacitação (Tabela 2). A média de pessoas cadastradas por microárea foi de 517, com proporções de indivíduos com até 14 anos variando entre 9,9% e 41,6%. A cobertura das famílias por planos de saúde variou de zero a 57%, com média de 21,9%. Cerca de 37% dos entrevistados acompanhavam pessoas que moravam em favelas, cortiços ou áreas de invasão, caracterizando microáreas de risco. A coleta pública do lixo ocorria para 83,2% das famílias cadastradas, e para 36,9% o esgoto era depositado em fossas ou a céu aberto.

A existência de aspectos relacionados ao esgotamento profissional foi apontada por 84,4% dos participantes, principalmente na relação com a comunidade (33,6%) e com a equipe PSF e UBS (37,6%). Dos participantes, 27,8% precisaram faltar no trabalho pelos seguintes motivos: doença (41%), familiar doente (30,8%), consulta médica (17,9%) e outros (10,3%). O uso atual de medicação do tipo calmante, tranqüilizante ou antidepressivo, foi relatado por 17% dos entrevistados, predominando os antidepressivos.

Foram observados níveis moderados ou altos de exaustão emocional (70,9%), despersonalização (34%) e decepção (47,5%). De acordo com os critérios do MBI, 24,1% dos entrevistados apresentavam síndrome do esgotamento profissional.

Na análise bivariada, não se observou associações estatisticamente significativas entre as variáveis sociodemográficas ou aspectos do trabalho e exaustão emocional moderada ou alta (Tabelas 1 e 2). O risco de apresentar despersonalização moderada ou alta foi menor nas mulheres, nos sujeitos com 41 anos ou mais, nos com renda familiar mensal entre quatro e cinco e maior que sete salários mínimos, nos que referiram morar em domicílios com quatro cômodos ou mais, e entre os entrevistados que atuavam em microáreas com 20% ou mais pessoas com plano de saúde. Mostraram maior chance de ter despersonalização os ACS que referiram cor negra, os que residiam em domicílios com aglomeração de 0,76 a 1,0, aqueles que faltaram no trabalho uma vez nos 30 dias anteriores à entrevista, e aqueles em cuja microárea o lixo era queimado ou desprezado a céu aberto (Tabelas 1 e 2). O risco de decepção moderada ou alta foi inversamente associado à faixa etária. Por outro lado, observou-se maior risco para sujeitos que residiam em domicílios com aglomeração de 0,76 a 1,0, que faltaram duas vezes ou mais no trabalho nos 30 dias anteriores à entrevista, que atuavam em microáreas de risco e população até 14 anos acima de 20% (Tabelas 1 e 2).

As três dimensões de esgotamento profissional mostraram-se associadas. A decepção moderada ou alta foi preditora independente de exaustão emocional em níveis moderado ou alto (OR ajustado=3,06; IC 95%[1,19;25,5]; p=0,02). Da mesma forma, o indivíduo com exaustão moderada/alta teve maior chance de ter despersonalização moderada ou alta (OR ajustado=3,18; IC 95%[1,22;8,3]; p=0,01) e de decepção moderada ou alta (OR ajustado=3,92; IC 95%[1,4;11,0]; p=0,009).

A prevalência de casos de TMC encontrada na população estudada foi de 43,3% (IC 95%[35,0; 51,5]). O risco de TMC foi maior entre mulheres, nos entrevistados com microáreas de risco e nos que faltaram duas ou mais vezes no trabalho no mês anterior. Os indivíduos de 41 a 50 anos e que referiram renda familiar mensal maior que sete salários mínimos apresentaram menor chance de apresentar TMC (Tabelas 1 e 2).

A proporção de participantes classificados como casos de TMC com níveis de exaustão emocional alta (78,7%), despersonalização alta (19,7%) e decepção alta (42,6%) foi maior que a de não-casos (20%, 2,5% e 7,5%, respectivamente). As associações foram estatisticamente significativas: exaustão emocional moderada/alta (OR=12,26; IC 95%[4,06;37,02]; p<0,001), despersonalização moderada/alta (OR=2,55; IC 95%[1,25;5,20]; p=0,01) e decepção moderada/alta (OR=7,41; IC 95%[3,49;15,74]; p<0,001). A regressão logística multivariável identificou exaustão emocional moderada e alta (OR ajustado=7,75, IC 95%[2,43;24,71]; p=0,001) e decepção moderada e alta (OR ajustado=4,63; IC 95%[2,05;10,5]; p<0,001), ajustadas para microárea de risco, como fatores preditores independentes para TMC (Tabela 3). Não foram observadas interações entre as variáveis explanatórias.

DISCUSSÃO

Foram encontradas altas proporções de ACS com níveis moderados ou altos de exaustão emocional, despersonalização e decepção, além de elevada freqüência de prováveis casos de TMC. As três dimensões de esgotamento profissional mostraram-se fortemente associadas entre si e independentemente associadas à probabilidade de ser provável caso de TMC.

É possível que alguns ACS que apresentavam síndrome do esgotamento profissional e/ou TMC não tenham participado do estudo, por estarem afastados ou terem mudado de profissão, o que pode ter levado a uma subestimativa. A capacidade de generalização dos resultados e o poder estatístico do estudo são limitadas pelo pequeno número de sujeitos investigados (141), de uma única região do município de São Paulo e contratados pela mesma fundação. Além disso, a amostra foi constituída predominantemente por mulheres (92,2%), não sendo possível fazer muitas inferências para o sexo masculino. Com relação ao viés de aferição, é possível que alguns ACS com depressão estivessem bem no momento da entrevista e não foram considerados casos de TMC. Além disso, o SRQ-20 não fornece diagnósticos formais, somente evidencia casos suspeitos.19 Desta forma, a associação entre esgotamento profissional e transtorno mental comum também pode ter sido subestimada. Finalmente, o desenho transversal do presente estudo não permite estabelecer relação temporal entre esgotamento profissional e TMC.

A prevalência da síndrome do esgotamento profissional do presente estudo (24,1%) foi maior que a encontrada em oncologistas brasileiros (7,8%)5 e em trabalhadores de enfermagem (16,2%) avaliados por Tamayo,d mas abaixo da média descrita para profissionais de saúde em outros países (33,8%).8,17

A exaustão emocional é considerada um fator central do esgotamento profissional, caracterizada pelo desgaste emocional e sensação de falta de energia, mostrando associação inversa com desempenho no trabalho. A exaustão emocional geralmente está relacionada às excessivas demandas e aos conflitos pessoais, predominando em solteiros e divorciados e em pessoas com maior grau de escolaridade.12,20

A despersonalização refere-se à perda de motivação, ansiedade, irritabilidade e redução do idealismo, levando o indivíduo a tratar os clientes e colegas como objetos e merecedores dos problemas que possuem. Ocorre o afastamento psicológico como estratégia defensiva de confrontamento desenvolvida para lidar com a exaustão emocional.13 Jovens e pessoas com maior o grau de escolaridade são mais suscetíveis.11 Os resultados encontrados mostraram que ser mais velho associou-se a menor risco de despersonalização, mas não houve associação com nível de escolaridade. Entre as três dimensões do esgotamento profissional, a despersonalização foi a menos observada nos ACS, achado semelhante aos descritos em outros estudos que avaliaram trabalhadores da saúde.1,7 Uma das características preditoras de maior chance de apresentar despersonalização moderada ou alta, além da presença da exaustão emocional, foi atuar em uma comunidade na qual mais de 20% das famílias cadastradas tinham o lixo queimado ou desprezado a céu aberto. Isso leva à hipótese de que trabalhar com uma população que possui condições socioeconômicas precárias associa-se à elaboração de mecanismos de enfrentamento que podem culminar na despersonalização.

O terceiro aspecto da síndrome do esgotamento profissional, a decepção, relaciona-se ao sentimento de incompetência e inadequação, à auto-avaliação negativa, à queda da produtividade e falta de realização no trabalho, e pode ser exacerbada por falta de apoio social e de oportunidades de desenvolvimento pessoal.13 Quase metade da amostra (47,5%) apresentou níveis de decepção moderado ou alto. As variáveis significativamente associadas foram exaustão emocional e TMC.

Na literatura, a prevalência de TMC varia entre 7% e 30%7 e estudos brasileiros descrevem taxas entre 22,7% e 35%,2,8 abaixo da encontrada no presente estudo (43,3%). A associação encontrada entre morbidade psiquiátrica e esgotamento profissional é relatada por vários autores5,7,13 e recentemente tem sido discutido o significado dessa associação. Cogita-se que talvez o esgotamento não seja um precursor dos TMC, mas uma forma alternativa de manifestar o desgaste emocional.13 A proporção dos entrevistados que afirmaram fazer uso regular de antidepressivos (17%) foi maior que na população do município de São Paulo (10%)10 e em Pelotas (9,9%).16 No entanto, não houve associação entre uso dessas medicações, esgotamento profissional e TMC, talvez porque os que faziam uso de antidepressivos estivessem já apresentando menos sintomas psiquiátricos e menores níveis de esgotamento.

Para alguns autores, os conflitos interpessoais no trabalho são estressores maiores que a relação com os clientes.15 Na presente pesquisa, para a maioria dos participantes (84,4%), a relação com a equipe (37,6%) e a relação com a comunidade (33,6%) foram aspectos relacionados ao esgotamento profissional. A dinâmica laboral dos ACS tem características particulares, pois esses trabalhadores vivenciam a realidade do bairro onde moram e trabalham, mas sua capacitação se dá a partir de referenciais biomédicos, o que os transforma em portadores de muitas contradições. O acesso dos clientes/vizinhos aos ACS freqüentemente ocorre fora do horário de trabalho e em qualquer local do bairro. Outra questão é como esses trabalhadores enfrentam situações complexas, como dinâmicas familiares de difícil intervenção, violência, tráfico de drogas -, muitas vezes sem uma rede social instituída e sem a equipe interdisciplinar necessária. Essas condições estão articuladas ao fato da identidade dos ACS ainda estar em construção,18 podendo haver insegurança ou indecisão sobre o real papel do ACS na comunidade e na equipe. A ambigüidade de papel, a relação entre o ocupante do cargo e a sua clientela, e principalmente, a demanda emocional, contribuem para o esgotamento profissional.4,13 Em uma realidade que faz parte do cotidiano dos trabalhadores do PSF, em particular o ACS, em que o cliente tem dor, angústia, ou raiva,3 pode haver sobrecarga de trabalho, insatisfação, sensação de inadequação e incompetência e o desenvolvimento de esgotamento e TMC.

Os resultados do presente estudo mostram que é imperativa a necessidade de novas pesquisas, com amostras maiores e mais representativas, envolvendo também os demais profissionais das equipes de PSF. Estudos com delineamentos longitudinais, desde o momento em que os profissionais ingressam na profissão, investigação da sobrecarga de trabalho, de eventos produtores de estresse, avaliação dos motivos de afastamento, rotatividade, também devem contribuir para uma melhor compreensão dos fatores causais. Desta forma, implicariam a elaboração de estratégias organizacionais e individuais de intervenção, como treinamento, capacitação e supervisão dos profissionais dos PSF, de modo a minimizar os danos à sua saúde e melhorar a qualidade de vida no trabalho, repercutindo na qualidade dos serviços prestados a população.

Recebido: 14/9/2007

Revisado: 24/1/2008

Aprovado: 2/4/2008

PR Menezes é apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - bolsa produtividade).

Artigo baseado na dissertação de mestrado de ATC da Silva apresentada ao Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em 2008.

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  • d
    em enfermeiras e auxiliares de enfermagem.
  • Correspondência | Correspondence:
    Andréa Tenório Correia da Silva
    R. Dr. Arnaldo, 455 sala 1345 Cerqueira César
    01246-903 São Paulo, SP, Brasil
    E-mail:
  • a
    Ministério d Súde. Mnul Súde d Fmíli: um estrtégi pr reorientção do modelo ssistencil. Brsíli, DF; 1998.
  • b
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Revisado
      24 Jan 2008
    • Recebido
      14 Set 2007
    • Aceito
      02 Abr 2008
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