CARTA AO EDITOR LETTER TO EDITOR
Particularidades sobre papers
Hoje em dia a produção científica pretende ser mensurada pelo número de artigos os famosos papers (não quer dizer papel, assim como Journal não significa jornal, pois indica revista científica) e se um cientista nacional consegue publicar a sua pesquisa numa revista estrangeira, indexada (o que significa que o trabalho vai para uma grande base de dados onde todos pesquisadores do mundo podem ter acesso a pelo menos um resumo dela) é a glória. E isto é difícil: autores de países subdesenvolvidos nem sempre são bem vistos pelos editores das revistas médicas de maior reputação; os artigos que têm que ser escritos em inglês, a língua internacional da ciência, e muitos de nossos pesquisadores massacram sem piedade a gramática e até a ortografia inglesa, de idioma reconhecidamente mais complicado para escrever bem que o nosso.
Um ponto importante é que a ciência é a procura do conhecimento, não é maratona ou competição atlética. Artigos muito importantes e originais já foram rejeitados por editores e o jeito mais fácil de conseguir ser publicado é fazer uma pesquisa de resultados bem previsíveis, dentro do que Gallbraith chama de sabedoria convencional ou seja, algo muito parecido com o que já for feito e cujo valor, se algum, é apenas corroborar o que todo mundo já sabe. Pior que isto, matérias originais e de valor provenientes de fontes menos conhecidas já foram barrados enquanto os revisores em países desenvolvidos, aproveitaram as circunstâncias fazendo publicações rápidas mediante uso de tais informações e ficando com a prioridade. Diga-se a bem verdade que estas coisas não ocorrem só com revistas estrangeiras, como também não é verdade que o que é publicado em revistas brasileiras não tem valor. Temos de tudo. Hoje muitas das nossa revistas como os Cadernos de Saúde Pública, a Clinics, as Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, a Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, a Revista de Saúde Pública, a Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e o São Paulo Medical Journal são em geral indexadas no Index Medicus, a tal base universal de dados. São outrossim escritas em inglês e isto é cabível aceitar. Contam com criteriosos, competentes e respeitáveis Conselhos Editoriais e, convenhamos, afiguram-se prestimosas ao cooperar com o atendimento médico, sob diversos aspectos, colaborando expressivamente com a saúde pública.
Em colaboração recentemente apresentada nos Cadernos de Saúde Pública, Castiel LD e Sanz-Valero J, um pesquisador da Fundação Instituto Oswaldo Cruz e, o outro, da Universidade de Alicante, Espanha, discutem qual o motivo fundamental da preocupação nos âmbitos acadêmicos com a produtividade científica, expressa em publicações incluindo detalhes. Uma divulgação em revista de maior índice de impacto (sim, existem estas classificações de importância das revistas) possui maior valor que outra e, depois, o número de citações dos textos, que também tem uma aferição numérica, o famoso citation index, igualmente é valorado, para julgar, promover ou descontratar pesquisadores. Segundo estes autores há um fetichismo, onde o paper é visto como mercadoria a ser vendida e o investigador como um especialista em marketing da sua produção. E isto de fato existe como existem especialistas em aumentar a produtividade dos seus escritos com a técnica salsicha, fatiando o trabalho no que eles chamam jocosamente de MPP (minimum publication piece), para que um único estudo renda pelo menos umas sete difusões em várias revistas, aumentando assim o capital do(s) pesquisador(ores).
Precisamos perguntar-nos se critérios de contratação de professores universitários devem basear-se quase que exclusivamente nesta visão de produtividade. Um dado que parece freqüentemente ser esquecido é que professor universitário na área médica obriga-se a desempenhar compromissos cruciais. Ele inicialmente precisa ensinar é para isto que foi contratado, não é? Portanto deve ter algum grau de didática, vontade de ensinar e dispor de tempo reservado para este mister, que às vezes é considerado menos nobre. Não é. Como não é menos importante ou menos nobre ensinar na graduação, diante de opiniões que destacam a pós-graduação. Por este tipo de visão cada vez mais aprende-se menos na graduação e nem todo mundo tem interesse, vontade, tempo e condições financeiras envolver-se em curso de pós-graduação. Ele deve atuar na assistência a pacientes ou participar a fim de que seu serviço seja útil à comunidade a que serve. E deve sim fazer pesquisa mas não só. E sua pesquisa pode lograr enorme valor, com poucas publicações. Einstein, que era Einstein, no seu ano mágico, apresentou quatro relatos que foram fundamentais para a Física e são estes pelos quais ele é o que sabemos que foi. Depois publicou alguma coisa, mas bem pouco talvez hoje ele fosse considerado modestamente produtivo pelos burocratas acadêmicos.
Voltando à área médica, existem cientistas de valor que publicam poucos trabalhos, mas de muito peso, e temos alguns que publicam muito, inclusive em revistas estrangeiras, sem tanto valor. Não negamos que seja necessário publicar: pesquisa não conhecida não se incorpora à soma de conhecimentos que levam a humanidade para a frente. Mas também não é adequado o publish or perish dos norte-americanos, que gera efeitos colaterais graves. Um é que a pressão para difundir leva por exemplo a fraudes em ciência, com exposições que requerem desmentidos. Neste círculo de inadequações é imperioso comentar que uma Universidade paulista resolveu dar prêmios em dinheiro para seus membros que emplaquem inclusões nos periódicos científicos Nature e Science.
Precisamos de mais bom senso na aferição do valor de nossos profissionais na área médica não pode ser só pelo currículo de trabalhos publicados.
Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak
Recebido para publicação em 13/05/2008
Aceito em 25/78/2008
Os autores são médicos e professores universitários.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
03 Out 2008 -
Data do Fascículo
Ago 2008