Open-access As terapias cognitivo-comportamentais no tratamento da bulimia nervosa: uma revisão

The cognitive-behavior therapies in the treatment of bulimia nervosa: a review

Resumos

Objetivo  Realizar uma revisão na literatura sobre a utilização da terapia cognitivo-comportamental (TCC) no tratamento da bulimia nervosa entre 2009 e 2013.

Métodos  Três bases de dados eletrônicas foram pesquisadas, considerando artigos em língua inglesa, espanhola e portuguesa.

Resultados  Após as análises e exclusão dos artigos, seguindo o método PRISMA, foram selecionados 20 artigos. Os artigos selecionados foram produzidos ou na Europa ou nos Estados Unidos, em língua inglesa. Os diagnósticos da amostra variaram de exclusivamente bulimia nervosa (60%) aos que incluíram pessoas com transtorno de compulsão alimentar (35%), além de diagnósticos mistos (5%). Os estudos foram, em sua maioria, realizados em mulheres adultas. A TCC, em sua abordagem clássica no consultório, foi utilizada em todos os artigos, ora utilizada individualmente, ora comparada com outras intervenções (internet, CD-ROM e autoajuda). Encontrou-se como resultado que a TCC diminui os sintomas de compulsão alimentar e de purgação, além de oferecer ganhos secundários aos participantes, como melhora de sintomas depressivos, de ansiedade e até mudanças na personalidade. As outras intervenções pesquisadas obtiveram bons resultados na modificação dos sintomas, demonstrando que há um novo caminho a ser galgado com essas novas formas de tratamento.

Conclusão  O tratamento da bulimia nervosa possui evidências suficientes para que seja realizado com a terapia cognitivo-comportamental. Além dela, intervenções psicoterápicas inovadoras baseadas na TCC clássica apresentam bons indicativos de eficácia. Futuras pesquisas sobre essas diferentes intervenções são necessárias.

Bulimia nervosa; terapia cognitiva; terapia comportamental


Objective  To review the literature about the use of cognitive-behavior therapy in bulimia nervosa treatment, between 2009 and 2013.

Methods  Three electronic databases were researched, and articles in English, Portuguese and Spanish were selected.

Results  After the analysis and exclusion of the articles, followed the PRISMA methods, were chosen 20 articles. Selected articles were produced in Europe or in United States of America, in English. The diagnosis of the sample ranged from only bulimia nervosa (60%) that included the people with binge eating disorders (35%), and mixed eating disorders diagnoses (5%). The researches were conducted mostly with women. The cognitive-behavior therapy in your classic form in office were used all of articles, sometimes used singly, sometimes used with other intervention (internet, CD-ROM, self-help). The cognitive behavior therapy decreases binge eating and purgation symptoms. It provides secondary benefits to participants like: decreases depressive and anxiety symptoms and change the participant’s personality. The other interventions studied have been successful in modifying symptoms, demonstrating that there is a new way forward climbed with these news forms of treatment.

Conclusion  Treatment of bulimia nervosa have enough evidences to be performed with the cognitive-behavioral therapy. Beyond, innovative psychotherapeutic interventions based on classical CBT have good indicators of effectiveness. Future research on these different interventions are needed.

Bulimia nervosa; cognitive therapy; behavioral therapy


INTRODUÇÃO

A bulimia nervosa (BN) é o transtorno alimentar mais comum entre a população1, estando presente de 1% a 4,2% da população. Em mulheres, a BN corresponde a 90% a 95% do total de casos, sendo o subgrupo de mulheres universitárias o mais atingido. A taxa de mortalidade nesse transtorno é de 0,3%2.

Nessa psicopatologia há intensa compulsão alimentar, além de preocupação excessiva com o peso e a forma corporal (medo de engordar), levando os pacientes a utilizarem métodos compensatórios inapropriados para alcançar o corpo idealizado. Tais pacientes costumam julgar-se baseando-se quase exclusivamente em sua aparência física, com a qual se mostram sempre insatisfeitos3 - 5.

Para receber o diagnóstico, a pessoa deve apresentar: compulsão alimentar periódica, comportamentos compensatórios e cognições relacionadas com insatisfação com a imagem corporal. Diferentemente do ocorrido com outros transtornos, não houve muitas mudanças nos critérios diagnósticos da BN no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais V (DSM-V), em relação à versão anterior (DSM-IV). A redução das frequências da compulsão alimentar e dos comportamentos compensatórios de duas vezes por semana para uma vez por semana nos últimos três meses foi a única modificação encontrada na versão atual6.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é reconhecida como uma das psicoterapias mais eficientes no tratamento dos transtornos alimentares7 - 9, sendo considerada o padrão-ouro de tratamento para a bulimia nervosa10.

A alcunha “TCC” engloba vários tipos de terapias que utilizam bases teóricas e modelos clínicos da terapia cognitiva e da terapia comportamental, com protocolos estruturados, de caráter breve e focado nos sintomas11. Esses protocolos específicos para o tratamento de transtornos mentais foram criados abordando aspectos cognitivos e comportamentais que seriam os mantenedores do transtorno mental. Por mais que esses protocolos tragam diferenças nas técnicas aplicadas, todos eles mantêm as características próprias da TCC12.

Uma tentativa de busca de artigos em português sobre o tratamento psicoterapêutico cognitivo-comportamental da BN revela a precariedade da literatura e a necessidade de produção e divulgação científica sobre esse tema. Justifica-se, dessa forma, o objetivo do presente estudo: revisar e analisar as publicações nas línguas portuguesa, espanhola e inglesa sobre as intervenções em TCC utilizadas no tratamento da bulimia nervosa.

MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido a partir da busca de artigos nas bases de dados eletrônicas SciELO, PubMed e PsycInfo, utilizando como palavras-chave “CBT” X “bulimia nervosa”. Foram considerados os artigos publicados nos últimos cinco anos até o dia 3 de novembro de 2013, escritos em língua inglesa, espanhola ou portuguesa. No total, foram encontrados 161 artigos.

Os artigos foram selecionados utilizando uma metodologia de revisão bem estruturada, baseada nos princípios do PRISMA (Preference Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses).

Para a análise dos artigos, foram considerados alguns critérios de inclusão e de exclusão:

  • – Critérios de inclusão: artigos que pesquisaram a intervenção em bulimia nervosa utilizando algum tipo de terapia cognitivo-comportamental.

  • – Critérios de exclusão: foram excluídos artigos em que o foco não era o tratamento da bulimia nervosa com a terapia cognitivo-comportamental, bem como artigos teóricos ou de revisão e artigos que não deixavam claro qual transtorno alimentar estava sendo tratado.

Seguindo os critérios acima, os artigos passavam pelos seguintes passos:

  1. Leitura dos títulos dos artigos encontrados na busca.

  2. Leitura dos resumos dos artigos selecionados pelo título, para verificar se eram relacionados ao objetivo.

  3. Leitura crítica do artigo completo daqueles que preencheram todos os critérios de inclusão.

  4. Busca, nas referências dos artigos selecionados, por novas bibliografias.

Após esses passos, consideraram-se 20 artigos, os quais foram selecionados como demonstrado na figura 1.

Figura 1
Seleção dos artigos.

RESULTADOS

Variáveis consideradas

Os 20 artigos selecionados (Tabela 1) foram avaliados seguindo algumas categorias de análise estabelecidas a priori, antes da leitura deles.

Tabela 1
Estudos selecionados com suas características e achados

Foram consideradas 12 categorias de análise: o local onde o estudo foi realizado, o ano de publicação, o tipo de transtorno alimentar, a medida primária de eficácia, a metodologia utilizada, os instrumentos de medida utilizados, se houve seguimento da amostra e quais as comorbidades pesquisadas. Em relação à população, foram pontuados: o grupo etário participante da pesquisa e o gênero dos participantes. Em relação às intervenções, foram levantadas informações sobre: a abordagem psicoterápica adotada e o tipo de intervenção (grupo, individual, família), além do uso ou não de medicamento psiquiátrico.

A maioria dos estudos – 70% (n = 12) – foi realizada na Europa13 - 25, principalmente no Reino Unido, com 50% deles (n = 6). Os Estados Unidos da América (EUA) também obtiveram alta representatividade, com 35% (n = 7) dos estudos10 , 26 - 31. Somente um estudo ocorreu fora do eixo Europa-Estados Unidos, tendo sido realizado na Oceania, especificamente na Nova Zelândia24. No ano de 2013, observou-se o maior número de publicações (n = 7), contabilizando 35% dos artigos (Tabela 1).

Em relação aos participantes das amostras, em nove estudos (45%) houve inclusão de homens na amostra15 , 16 , 19 , 23 , 26 , 28 - 31. Porém, quando incluídos, os homens chegavam a ser no máximo 10% da amostra31, e em alguns trabalhos não chegaram a 2% da amostra23 , 26 , 28.

Os estudos foram conduzidos principalmente com adultos (14 estudos, 70%)10 , 13 , 14 , 16 - 18 , 20 , 21 , 26 - 31. Os estudos conduzidos com adolescentes foram, em sua maioria, mistos, com a presença também de adultos em sua amostra15 , 19 , 22 - 25. Somente um dos artigos declarou a sua amostra como composta exclusivamente por adolescentes, mesmo assim considerando a idade entre 10 e 24 anos19.

Todos os estudos selecionados foram realizados com pessoas diagnosticadas com bulimia nervosa. Em 40% dos casos, houve também a inclusão de pessoas com outros transtornos, como os transtornos alimentares sem outra especificação (TASOE) e o transtorno da compulsão alimentar periódica (binge eating disorder – BED)15 , 17 - 20 , 25 , 26 , 28.

A TCC tradicional, baseada no Manual de Fairburn8 , 32 , 33 ou em adaptações dele, foi utilizada em 75% dos estudos selecionados (n = 15)13 - 17 , 20 - 22 , 24 , 26 - 31. A TCC demonstrou ter bons resultados no tratamento de bulimia nervosa, havendo redução de sintomas de compulsão alimentar, dos comportamentos de purgação e da insatisfação com a imagem corporal. Porém, um ensaio clínico conduzido por Graham e Walton, realizado com equipe multidisciplinar em amostra de 66 pessoas, ressaltou que os pacientes com sintomas graves de BN não obtiveram melhoras significativas com a intervenção cognitivo-comportamental15.

Dois estudos, além de confirmarem a eficiência da TCC na BN, demonstraram que a diminuição da compulsão alimentar e da purgação agem como preditores de sucesso da terapia. Quando a intervenção é realizada pela internet, há diminuição da compulsão alimentar e da purgação até a sexta sessão e quando a intervenção é realizada face a face a diminuição desses comportamentos devem ocorrer até a oitava sessão, assim a terapia obterá sucesso16 , 29.

Em pesquisa realizada na Inglaterra entre 1997 e 2002, Katzman et al. estudaram outras intervenções complementares à TCC, introduzindo um tipo de terapia motivacional (Motivational Enhancement Therapy – MET) na intervenção em conjunto com a TCC. Entretanto, essa mudança não resultou em diferenças significativas nos sintomas da amostra em comparação com o grupo que recebeu somente TCC17. Em pesquisa realizada na Nova Zelândia, foi introduzido o tratamento de prevenção de respostas (tanto para a purgação como para a compulsão alimentar), além da TCC individual. O grupo tratado também com tratamento de prevenção a respostas à compulsão alimentar (B-ERP) obteve resposta significativamente maior do que o tratado somente com TCC, porém essa diferença desapareceu durante o seguimento por cinco anos24.

Além da psicoterapia em formato tradicional, de consultório, também foram pesquisadas as intervenções autoguiadas (internet, CD-ROM, livros, mensagens de texto pelo celular), relaxamento corporal, orientações para o autocuidado, terapia do tipo integrativa cognitivo-afetiva, terapia motivacional, sempre utilizando os princípios da TCC como base. Em ensaio clínico randomizado, realizado em duas clínicas americanas com 80 pessoas, comparou-se um tipo de terapia integrativa (Integrative Cognitive-Affective Therapy – ICAT) com a TCC, e as duas terapias se mostraram igualmente efetivas31.

Nos Estados Unidos, Mitchell et al. realizaram um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, comparando 20 sessões de TCC individual com o Stepped Care (Programa de Cuidados de Autoajuda). Esta última intervenção foi significantemente superior à TCC, permanecendo essa diferença no seguimento após um ano. Tal resultado levantou questões sobre a possibilidade de outros tratamentos de base cognitivo-comportamental serem tão ou mais eficazes que a TCC tradicional no tratamento da BN30.

A biblioterapia, quando comparada com a TCC, possui bons resultados nos sintomas registrados pelo EDE (Eating Disorder Examination), porém observou-se menor abstinência de compulsão alimentar quando comparada à TCC online. No seguimento de um ano, percebeu-se que a TCC manteve a diminuição da compulsão alimentar e dos sintomas de insatisfação com o corpo, enquanto a biblioterapia manteve os resultados em relação à compulsão alimentar, mas não em relação à diminuição da insatisfação com o corpo23. Por outro lado, em estudo austríaco publicado no mesmo ano, quando comparada à TCC, os resultados da biblioterapia não se diferenciam entre os grupos, mesmo com seguimento de 18 meses25.

Os estudos que utilizam a internet e a TCC chegaram a 30% (n = 6) da amostra10 , 18 , 19 , 23 , 25 , 29, caracterizando-se como a segunda intervenção mais comum nos artigos selecionados, ficando atrás somente da TCC utilizada de forma clássica. Dados sobre o tempo de duração da terapia, seguimento, medida primária de eficácia e principais resultados estão descritos na tabela 1.

Ganhos secundários com a TCC foram constatados nos pacientes com BN em dois estudos. O ensaio clínico conduzido por Agüera et al. na Espanha, em 2012, chamou atenção para as mudanças de personalidade que ocorreram nos pacientes de BN tratados com a TCC. Foram percebidas mudanças nas dimensões da personalidade como: diminuição da esquiva ao dano e da autotranscedência e aumento do autodirecionamento e dependência de recompensa13. Em outro estudo, realizado em um ambulatório de psicologia do serviço público inglês, um ensaio clínico realizado com 78 mulheres produziu melhora de sintomas depressivos20. Nos Estados Unidos, em ensaio clínico randomizado conduzido em duas clínicas, observaram-se diminuição da dissonância cognitiva e melhora na regulação emocional16.

As comorbidades foram estudadas em 40% dos estudos (n = 8)17 , 20 , 21 , 23 , 24 , 27 , 30 , 31, sendo a depressão, pesquisada em seis artigos20 , 21 , 24 , 27 , 30 , 31, a mais frequente. A pesquisa espanhola conduzida por Penãs-Lledó et al. sugere que, quando a depressão está presente na BN, a taxa de abandono do tratamento é maior, chegando a 60,5%, enquanto nos pacientes com BN do tipo “dirigido à magreza” sem depressão essa taxa baixa para 18,5%14. Em outro estudo, conduzido na Inglaterra, pesquisou-se a comorbidade da BN com uso e abuso de álcool em mulheres, resultando em até 51,5% dos pesquisados com relação positiva entre BN e álcool; com outras drogas essa relação foi de 42,1%17. A anorexia nervosa foi estudada como comorbidade da bulimia nervosa em apenas um estudo, observando que até 27% dos participantes possuíam histórico de anorexia nervosa30.

A maioria dos artigos (75%, n = 14) não abordou em sua descrição se os participantes da amostra estavam fazendo uso de psicofármacos ou não13 , 14 , 16 , 18 , 19 , 22 - 29 , 31. Somente 25% dos estudos afirmaram que os participantes estavam em uso de medicamento psiquiátrico, principalmente antidepressivos15 , 17 , 20 , 30.

DISCUSSÃO

O presente artigo teve como objetivo realizar uma revisão de literatura sobre o tratamento psicoterápico em bulimia nervosa na perspectiva da TCC. Na revisão, ratificou-se a TCC como o tratamento padrão-ouro para a bulimia nervosa nos vários centros de pesquisa e atendimento do mundo, chamando atenção a utilização da internet como meio de tratamento e a necessidade de mais estudos com a população masculina e com adolescentes, além da escassa produção de artigos brasileiros na área.

Nas pesquisas em que houve a tentativa da inclusão do gênero masculino, a quantidade de participantes não foi expressiva. Melin e Araújo, em 2002, afirmaram que a exclusão de homens das pesquisas é um dos fatores que possivelmente dificulta o maior entendimento do prognóstico da doença nessa população. Os homens, diferentemente do que se observa em mulheres, costumam relatar que a necessidade da perda de peso decorre de uma doença prévia ou de casos de doenças ligadas à obesidade na família34. Esses sintomas acabam por confundir especialistas em transtornos alimentares, pois não enfatizam a insatisfação com a imagem corporal, principalmente o medo mórbido de engordar.

Os adolescentes foram também pouco explorados nos estudos revisados; em alguns artigos houve a junção de adolescentes com adultos na amostra. Os guidelines atuais para o tratamento da BN indicam a TCC como padrão-ouro no tratamento de adultos com BN, porém são necessários mais estudos para se estabelecer a TCC como o tratamento-padrão para adolescentes. Apesar disso, é recomendável que os adolescentes sejam tratados com a TCC35 - 37.

Em grande parte dos estudos selecionados, a TCC clássica baseada no modelo de Fairburn foi comparada a outras formas de intervenção, e essas novas intervenções eram, em sua maioria, baseadas na estrutura da TCC clássica. Possivelmente, a TCC clássica foi mantida como base de novas abordagens por sua capacidade de reduzir os sintomas de compulsão alimentar e comportamentos purgativos, sendo avaliada com sucesso em diferentes ensaios clínicos32 , 33 , 38 - 40.

O principal resultado propiciado pela TCC no tratamento da BN foi a diminuição dos comportamentos de compulsão alimentar e de comportamentos de purgação, que são os principais sintomas de BN. A TCC possui como característica justamente diminuir esses sintomas, além de prover mudanças na insatisfação corporal e sintomas depressivos9 , 32 , 37 , 38 , 41.

Porém, os dados trouxeram à tona a utilização de outras abordagens no tratamento da BN, com resultados muito bons e alguns até superiores aos da TCC tradicional, como o método Stepped Care (programa em que cuidados de autoajuda são inseridos no tratamento), utilizado no trabalho conduzido em quatro centros de tratamento nos Estados Unidos. No final do processo, os pacientes tratados com o Stepped Care tiveram os mesmos resultados que os tratados com a TCC, porém, após um ano de seguimento, esse grupo obteve maior melhora em relação à diminuição dos episódios de compulsão alimentar e de purgação30.

A intervenção psicoterápica realizada pela internet, encontrada em aproximadamente um terço dos estudos selecionados, demonstra a necessidade dos terapeutas em se aproximarem das possibilidades ofertadas pela tecnologia. A telemedicina possuiu resultados positivos quanto à efetividade no tratamento da BN, além de pontos positivos intrínsecos à modalidade, como: diminuição do deslocamento (ganho econômico e de tempo), diminuição das filas de espera e menor exposição do indivíduo por não necessitar frequentar um centro de saúde mental18 , 19.

Os resultados encontrados nesta revisão corroboram os estudos anteriores realizados na área de TCC e bulimia nervosa. Como a utilização da TCC é recomendada pelos guias internacionais, como o National Institute for Health and Care Excellence (NICE) e a American Psychiatric Association (APA), para o tratamento da BN, há uma efervescência de artigos científicos nessa área35 , 36.

O estudo realizado possui alguns pontos a serem melhorados. A revisão da literatura foi realizada somente com estudos dos últimos cinco anos. Uma revisão que abarcasse um período de tempo maior poderia ter incluído estudos mais antigos com dados importantes. Para minimizar esse efeito, os estudos clássicos foram alocados na introdução e na discussão, quando possível. Uma das palavras utilizadas para a busca por artigos foi a sigla de cognitive behavioral therapy (CBT). Essa estratégia tinha como objetivo buscar artigos que considerassem a TCC como um meio de intervenção, porém, em decorrência disso, há a probabilidade de exclusão de artigos com intervenção estritamente comportamentais ou cognitivas. Outro ponto a ser considerado foi a inclusão de ensaios clínicos não randomizados e a não realização de revisão sistemática sobre o tema. Essa escolha deveu-se à necessidade observada na literatura de um artigo que trouxesse também estudos inovadores ainda não realizados de forma randomizada.

Com base nos resultados encontrados, percebe-se que a TCC é eficaz para os principais sintomas de bulimia nervosa (compulsão alimentar e purgação), além de auxiliar na diminuição de insatisfação corporal e de sintomas depressivos. Outro ponto a ser considerado foi o número de estudos em que a intervenção psicoterápica foi realizada fora do consultório, valendo-se da internet, de CD-ROM e de livros, com resultados positivos na diminuição dos sintomas de BN. Esse achado demonstra a necessidade de maior oferta de tratamentos alternativos à TCC tradicional, pois isso reduziria custos da intervenção, podendo aumentar o seu alcance. Outra necessidade observada foi a da realização de mais estudos com os públicos adolescente e masculino.

CONCLUSÕES

As evidências da utilização da TCC em adolescentes com bulimia nervosa ainda soam incipientes, sendo necessários novos estudos. Aparentemente, os adolescentes também se beneficiam do tratamento realizado com a TCC, sendo assim, pode-se sugerir que sejam tratados como os adultos.

Os homens com transtornos alimentares são tratados com os mesmos instrumentos e com as mesmas práticas psicoterápicas que as mulheres. Provavelmente, dessa forma, há homens que não são acompanhados por profissionais e continuam a sofrer silenciosamente com o transtorno. Novas formas de identificação e tratamento de pacientes masculinos com transtornos alimentares precisam ser pesquisadas.

O tratamento da bulimia nervosa possui evidências suficientes para que seja realizado com a terapia cognitivo-comportamental. Além dela, intervenções psicoterápicas inovadoras baseadas na TCC clássica apresentam bons indicativos de eficácia. Futuras pesquisas sobre essas diferentes intervenções são necessárias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2014
  • Aceito
    13 Abr 2015
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