Open-access Funcionalidade em sujeitos com transtorno depressivo maior: avaliação das propriedades psicométricas da escala Functioning Assessment Short Test (FAST) em amostra brasileira

Functionality in subjects with major depressive disorder: evaluation of psychometric properties of Functioning Assessment Short Test (FAST) scale in Brazilian sample

RESUMO

Objetivos:  O transtorno depressivo maior (TDM) é muito prevalente e incapacitante, sendo comum a persistência de prejuízos funcionais após a remissão clínica. Pesquisas que se proponham a estudar a reabilitação em TDM são necessárias. Há carência de instrumentos que avaliem a funcionalidade em sujeitos com TDM. Objetiva-se observar as propriedades psicométricas da escala FAST em amostra brasileira, casos (n = 44) e não casos (n = 44) de TDM.

Métodos:  a) Questionários com informações socioeconômicas e escala Mini International Neuropsychiatric Interview 5.0.0 para rastrear em sala de espera de serviços ambulatoriais de duas universidades públicas do Estado de São Paulo; b) entrevistas face a face com os instrumentos FAST, Avaliação Global de Funcionamento e Escala de Hamilton para Depressão.

Resultados:  Houve fortes correlações entre FAST e AGF (rho = −0,85) e entre cada subescala e a escala total (rho = 0,86), boa consistência interna (alfa de Cronbach 0,98) e confiabilidade teste-reteste (Kappa ponderado >0,84). O estudo de validade discriminativa evidenciou que a FAST discrimina os casos de não casos de TDM, assim como moderados/graves dos demais.

Conclusão:  As propriedades psicométricas da FAST em 88 sujeitos mostraram boa confiabilidade e validade para aferir o impacto da depressão na funcionalidade em brasileiros com TDM. Recomendam-se estudos futuros com amostras maiores.

Palavras-chave Funcionalidade; depressão; propriedades psicométricas; escala

ABSTRACT

Objectives:  Major depressive disorder (MDD) is very prevalent and incapacitating and there is a common persistence of functional impairment after clinical remission. Research that proposes to study rehabilitation in TDM is necessary. There is a lack of instruments that evaluate the functionality in subjects with TDM. We aim to observe the psychometric properties of the FAST scale in Brazilian sample, cases (n = 44) and not cases (n = 44) of MDD.

Methods:  a) Questionnaires with socioeconomic information and Mini International Neuropsychiatric Interview 5.0.0 scale for screening in outpatient waiting room of two public universities of the State of São Paulo; b) face-to-face interviews with the FAST, Global Functional Assessment and Hamilton Depression Scale instruments.

Results:  Strong correlations between FAST and AGF (rho = −0.85) and between each subscale and total scale (rho = 0.86), good internal consistency (Cronbach's alpha 0.98) and test-retest reliability weighted >0.84). The discriminative validity study evidenced that the FAST discriminates the cases of non-cases of MDD, as well as moderate/severe cases of the others.

Conclusion:  The psychometric properties of FAST in 88 subjects showed good reliability and validity to assess the impact of depression on functionality in Brazilians with MDD. Future studies with larger samples are recommended.

Keywords Functionality; depression; psychometric properties; scale

INTRODUÇÃO

O transtorno depressivo maior (TDM) é uma condição de saúde muito comum nas populações gerais e de trabalhadores14. Existem dados consistentes na literatura que permitem afirmar que o TDM não é apenas comum, mas também altamente incapacitante e associado a grande impacto socioeconômico, sendo, entre as doenças não fatais, a principal causa de years lost days (YLD) no mundo5. No Brasil, a depressão é responsável por 3,5% do total da carga global das doenças4. O TDM tem evolução recorrente e com alta persistência de sintomas residuais entre os episódios6, de modo que uma parcela considerável dos sujeitos acometidos convive com déficits de funcionamento, mesmo após o episódio agudo, aumentando ainda mais o ônus associado a essa condição7,8.

No universo do trabalho, os prejuízos funcionais associados à depressão repercutem sobre a funcionalidade de diferentes formas, como diminuição da produtividade, aumento da ocorrência de erros e dos riscos de acidentes, conflitos interpessoais e inabilidade para lidar com situações adversas9. De fato, não é difícil compreender a repercussão dos sintomas depressivos sobre a funcionalidade no trabalho. Se o trabalhador se apresenta desmotivado, indeciso, com dificuldade para tomar decisões, para lidar com situações novas ou para acumular diversidade de tarefas, certamente terá problemas no desempenho, independentemente da sua natureza.

Um levantamento realizado com uma amostra representativa de trabalhadores do Canadá observou prevalência de depressão nos últimos 12 meses de 4%, e entre esses 79% referiram que os sintomas depressivos impactavam a performance para o trabalho, com uma média de 32 dias de afastamento do trabalho nos últimos 12 meses10. Lerner e Henke e Lawrence et al. observaram maiores índices de desemprego entre sujeitos depressivos911.

Mensurar a funcionalidade dos transtornos de humor é muito mais complexo do que estimar os dias perdidos de trabalho e os prejuízos por queda da produtividade. Embora a aferição da funcionalidade a partir de desfechos simples como absenteísmo seja muito relevante, ela não permite uma compreensão mais rica desse fenômeno e importantes domínios do funcionamento como os aspectos cognitivos, relações interpessoais e autonomia podem ser negligenciados12. Os instrumentos heteroaplicados e multidimensionais para aferição da funcionalidade mais utilizados são escalas gerais, por exemplo, a Avaliação Global de Funcionamento (AGF)13 e o Disability Assessment Scale 2.0 (DAS-2.0)14, que notoriamente falham em distinguir melhora clínica de recuperação funcional15. Da mesma forma, questionários autoaplicados também são problemáticos, em virtude de as respostas serem contaminadas pelo estado de ânimo dos sujeitos depressivos16. Assim, diante da escassez de métodos adequados, não são muitos os estudos que abordaram a funcionalidade associada ao TDM. Entre os realizados, grande parte utilizou instrumentos que não foram elaborados para dar conta das especificidades dos prejuízos associados à depressão, não contendo, portanto, informações clinicamente relevantes17.

Diante desse cenário, a Functioning Assessment Short Test (FAST) foi desenvolvida após os trabalhos da Sociedade Internacional de Transtorno Afetivo Bipolar, em Barcelona18, com o objetivo de suprir essas deficiências e ser uma escala de fácil aplicação, rápida e objetiva, capaz de avaliar as reais dificuldades no funcionamento psicossocial dos sujeitos com transtornos afetivos, permitindo, assim, seu uso em estudos internacionais e comparativos19,20. No Brasil, a FAST foi traduzida e validada em amostra de pacientes bipolares, por Cacilhas et al.17, e suas propriedades psicométricas apresentaram alta consistência interna (alfa de Cronbach > 0,9) e reprodutibilidade excelente após teste-reteste com coeficiente de Kappa de 0,90 (p < 0,01)16. Por não haver validação da FAST para sujeitos com TDM, este estudo se propôs a analisar as características psicométricas da escala em uma amostra brasileira de sujeitos depressivos.

MÉTODOS

Sujeitos

Com o objetivo de avaliar as propriedades psicométricas da escala FAST em uma amostra de casos e não casos de TDM, foram selecionados, por conveniência, sujeitos com idades entre 18 e 65 anos, igualmente divididos entre homens e mulheres e pareados por idade e escolaridade. A busca ativa foi feita nas salas de espera dos serviços de saúde ocupacional e em ambulatórios de psiquiatria de duas universidades públicas do estado de São Paulo e em uma clínica psiquiátrica particular. Foram incluídos no grupo “casos” indivíduos com diagnóstico de TDM com base na aplicação da escala Mini International Neuropsychiatric Interview, versão 5.0.0 (MINI)21; foram excluídos aqueles com presença de quaisquer das comorbidades psiquiátricas constantes na MINI e, também, comorbidades clínicas que pudessem repercutir sobre a funcionalidade em geral, por exemplo, doenças neurológicas, ortopédicas e reumatológicas e cirurgias recentes. Todos os casos estavam em tratamento com antidepressivos em doses estáveis há pelo menos cinco semanas prévias à avaliação. Foram incluídos no grupo “não casos” de TDM aqueles com ausência de qualquer diagnóstico psiquiátrico com base na aplicação da escala MINI e excluídos, igualmente, os pacientes com presença de comorbidades clínicas que pudessem repercutir sobre a funcionalidade em geral. Todos os sujeitos inclusos neste estudo deveriam estar lúcidos e com boa capacidade de discernimento. A partir desses critérios, uma amostra de 88 sujeitos foi obtida, sendo 44 no grupo de casos e 44 no grupo de não casos.

Materiais

Os seguintes instrumentos foram utilizados neste estudo:

  1. Functional Assessment Short Test (FAST): versão traduzida e adaptada para o Brasil por Cacilhas et al.17. É um instrumento heteroaplicado para avaliação objetiva e multidimensional da funcionalidade relativa aos últimos 15 dias. É composto por 24 itens, divididos em seis subescalas específicas para acessar áreas acometidas pelo TDM. A autonomia se refere à capacidade do sujeito de realizar ações sozinho ou tomar as próprias decisões; o funcionamento ocupacional se refere à capacidade do sujeito de se manter em um trabalho regular, ter uma performance estável e trabalhar em área compatível com sua capacitação e posição no trabalho; o funcionamento cognitivo diz respeito à capacidade do sujeito de se concentrar, fazer cálculos mentais simples, resolver problemas rotineiros, aprender uma nova informação e lembrar dessas informações aprendidas; habilidades financeiras envolvem a habilidade do sujeito de gerenciar suas finanças de maneira balanceada; o item “relacionamentos interpessoais” se refere à qualidade das relações de amizade e com familiares, à habilidade de participar de atividades sociais e relações sexuais e à habilidade para defender ideias e opiniões pessoais; atividades de lazer dizem respeito à performance em atividades físicas (esportes, exercícios) e ter atividades como hobbies18. O escore é determinado pela soma dos itens, que variam de 0 (indicando ausência de limitação) até 3 (indicando limitação severa). Está disponível nas versões em inglês, português e espanhol;

  2. Avaliação Global de Funcionamento (AGF): instrumento mais utilizado para avaliação da funcionalidade, integrante do eixo V do DSM-IV13. É dividida em 10 níveis de funcionamento com dois componentes cada (gravidade dos sintomas e funcionamentos psicológico, social e ocupacional), pontuados num continuum de 0 a 1013. Pontuações abaixo de 70 apontam para prejuízos na funcionalidade. Apesar de sua larga utilização, a AGF é um instrumento que não fornece informações específicas sobre quais áreas da funcionalidade estão acometidas, sendo pouco representativo dos reais impactos dos transtornos mentais;

  3. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): versão 5.0.0, traduzida e validada para o Brasil por Amorim21. É um instrumento utilizado para a elaboração de diagnósticos clínicos psiquiátricos baseados no DSM-IV, com questões dicotômicas (SIM/NÃO) e composto por módulos, em um total de 19, que podem ser aplicados de forma independente ou combinada;

  4. Escala de Hamilton para Depressão (HAM-D): versão de 21 pontos – padrão-ouro de referência para estudos de validação de outras escalas, foi desenvolvida para ser aplicada exclusivamente em sujeitos previamente diagnosticados com transtorno depressivo, com a finalidade de avaliar a gravidade dos sintomas, e não a sua existência22. Não se encontram na literatura pontos de corte determinados pelo autor da escala, aceitando-se, na prática clínica, a seguinte pontuação: de 0 a 7 pontos – eutímicos; de 8 a 13 pontos – depressão leve; de 14 a 18 pontos – depressão moderada; acima de 22 pontos – depressão grave23. Essa pontuação foi aplicada para categorização dos casos neste estudo;

  5. Questionário de identificação: instrumento construído para o estudo em questão objetivando coletar dados relativos à caracterização socioeconômica e clínica da amostra.

Procedimentos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (nº 1.790.779).

Os sujeitos participantes foram abordados nas salas de espera de uma clínica psiquiátrica e em serviços de saúde ocupacional e em ambulatório de psiquiatria de duas universidades públicas localizadas no estado de São Paulo. Foi assegurada a ausência de vinculação entre a concordância em participar do estudo e a concessão de benefícios previdenciários e/ou o seguimento no tratamento ambulatorial e/ou de vantagens ou benefícios de qualquer natureza. Aqueles que concordaram em participar e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido do estudo foram encaminhados para uma sala reservada, onde responderam, por meio de entrevista face a face, à aplicação da MINI. Posteriormente, os que preencheram os critérios para a inclusão nos grupos de casos e não casos foram convidados a prosseguir com a entrevista. Nessa mesma ocasião, foram então aplicados o questionário de identificação, a HAM-D, a FAST e a AGF. As entrevistas foram realizadas por entrevistador único, uma psiquiatra experiente e previamente treinada para a aplicação dos instrumentos de pesquisa.

Análises estatísticas

Os dados foram alocados em um banco de dados e submetidos a análises utilizando-se o Stata, versão 1324. As estatísticas descritivas das variáveis socioeconômicas, clínicas e da funcionalidade foram expressas como médias, medianas (intervalos interquartis) e desvios-padrão (DP) para as variáveis quantitativas e como frequência e percentagem para as qualitativas. A comparação dos grupos foi realizada a partir do teste de Kruskal-Wallis25.

As seguintes técnicas foram utilizadas para o estudo de validação da FAST:

  1. Coeficiente de Spearman26, aplicado para as avaliações da validade concorrente entre escores totais da FAST e AGF e para a validade de construto a partir da correlação dos scores de cada subescala com o escore global da FAST. A magnitude das correlações encontradas foi classificada em 0 a 0,25: fraca; 0,26 a 0,50: moderada; 0,51 a 0,70: forte; acima de 0,71: muito forte27;

  2. Área sob a curva ROC, com o intuito de observar a sensibilidade do instrumento em diferenciar os seguintes grupos: depressivos versus saudáveis e moderados/graves versus demais;

  3. Coeficiente de Youden28 para estimar os pontos de corte na escala e diferenciar os seguintes grupos: depressivos versus saudáveis e moderados/graves versus demais;

  4. Coeficiente Alpha de Cronbach, calculado para a escala total e cada uma das subescalas da FAST, para análise da consistência interna, conforme sugerido por Nunnally e Bernstein29;

  5. Coeficiente Kappa ponderado30 para observar a confiabilidade teste-reteste. Foi aplicado em 38 sujeitos (19 homens e 19 mulheres) em duas ocasiões separadas por intervalos de 7 a 14 dias30. A magnitude da concordância foi classificada a partir do critério de Landis e Koch31 – até 0,6: baixo; entre 0,6 e 0,8: moderado; acima de 0,8: muito bom.

Para todas as análises, adotou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Caracterização sociodemográfica da amostra

Compuseram a amostra total do estudo das propriedades psicométricas da escala FAST 88 sujeitos, sendo 44 casos e 44 não casos de TDM. Não foram registradas perdas, assim como qualquer dificuldade no preenchimento da escala, indicando boa aplicabilidade. A caracterização sociodemográfica e clínica da amostra está detalhada na tabela 1.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e clínica da amostra total incluída no estudo das propriedades psicométricas da escala FAST, segundo a presença ou ausência de TDM (N = 88)

Consistência interna

Para a análise da consistência interna do instrumento, utilizou-se o alfa de Cronbach29, aplicado tanto para a escala total como para cada uma das seis subescalas. Os resultados foram bastante satisfatórios ao se observar um alfa de Cronbach de 0,98 para a escala como um todo, indicando que seus domínios são suficientemente homogêneos. Os índices observados para cada domínio foram os seguintes: Autonomia (0,98), Trabalho (0,96), Cognição (0,97), Finanças (0,96), Relações interpessoais (0,94) e Lazer (0,64).

Confiabilidade teste-reteste

Para aferir a confiabilidade teste-reteste, foram selecionados 38 sujeitos. A média de idade foi de 47,2 anos, sendo 50% do sexo feminino. O reteste foi aplicado de 7 a 14 dias após a primeira entrevista.

A avaliação da estabilidade da FAST foi observada a partir do coeficiente de confiabilidade Kappa ponderado, uma vez que a escala é composta por variáveis ordenadas30. A tabela 2 apresenta os resultados.

Tabela 2
Valores obtidos e esperados na aplicação da FAST e correlações Kappa ponderado (N = 38)

Observou-se elevada estabilidade, com valor de Kappa ponderado maior que 0,84 [IC 95% (0,72-0,93)]. O domínio “Autonomia” foi o que se mostrou mais estável (Kappa ponderado = 1,0) e o domínio “Relações interpessoais” foi o menos estável (Kappa ponderado = 0,86), embora com resultados também excelentes.

Validade concorrente

A validade de critério concorrente foi aferida a partir da correlação com a versão em português da AGF13 por meio do coeficiente de Spearman26. Os resultados da análise da correlação estão expressos na tabela 3.

Tabela 3
Validade concorrente: correlações entre escore total e de subescalas da FAST com escore total da AGF

Observa-se correlação negativa altamente significativa (rho = −0,85, p < 0,01), indicando que sujeitos com boa funcionalidade aferida pela FAST obtiveram elevadas pontuações na AGF.

Validade de construto convergente

Todas as correlações entre as subescalas e o escore global da FAST foram significativas, conforme os dados apresentados na tabela 4.

Tabela 4
Validade de cosntruto convergente: correlações entre escores das subescalas com escore total da FAST

Validade discriminativa

Analisou-se a capacidade da FAST em discriminar os sujeitos em função da presença ou ausência de TDM e, também, entre as diferentes gravidades do transtorno (eutímicos/leves versus moderados/graves).

Para a avaliação da validade discriminativa entre o primeiro grupo (casos versus não casos), foram utilizados os dados da amostra total (n = 88) e aplicou-se a análise por meio da curva ROC. A área sob a curva encontrada foi de 99,5%, com erro-padrão de 0,05 e intervalo de confiança de 95% entre 0,98 e 1,0.

Calculou-se, também, a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo, valor preditivo negativo, taxa de classificação correta e coeficiente de Youden (Sensibilidade + Especificidade – 1) para vários pontos de corte da FAST, visando identificar aquele mais apropriado para discriminar sujeitos depressivos dos controles28.

A nota de corte 10 foi aquela que melhor equilibrou os valores de sensibilidade (97,73%), especificidade (100%), valor preditivo positivo (100%) e negativo (97,8%), com taxa de classificação correta de 98,86% e coeficiente de Youden de 0,9728.

Para a avaliação da validade discriminativa entre o segundo grupo (saudáveis/depressivos eutímicos/leves versus depressivos moderados/graves), foram utilizados, também, os dados da amostra total (n = 88) e a área sob a curva encontrada foi de 99,97%, com erro-padrão de 0,004 e intervalo de confiança de 95% entre 0,99 e 1,0.

Para essa discriminação, a nota de corte mais apropriada foi a 32, com sensibilidade de 100%, especificidade de 98,36%, valor preditivo positivo de 96,4%, valor preditivo negativo de 100%, taxa de classificação correta de 98,86% e coeficiente de Youden de 0,98.

DISCUSSÃO

Os prejuízos funcionais associados ao TDM, mesmo durante a fase de remissão clínica, têm sido documentados por vários estudos9,3235. Dificuldades cognitivas, sono de baixa qualidade, lentificação e cansaço excessivo e repercussões negativas sobre os relacionamentos interpessoais e as habilidades sociais são alguns dos problemas mais comumente enfrentados pelos sujeitos depressivos e diretamente atrelados à queda da funcionalidade3639. A despeito da relevância do tema, a maioria dos instrumentos disponíveis para aferição da funcionalidade é extensa e de difícil aplicabilidade, ou trata-se de escalas gerais que negligenciam aspectos importantes do funcionamento psicossocial15,40,41.

Assim, o desenvolvimento de instrumentos de fácil aplicação e que contemplem as especificidades dos transtornos mentais é muito importante; nesse sentido, a escala FAST pode ser bastante apropriada.

Por meio da avaliação dos resultados obtidos, a FAST mostrou ser um instrumento válido e confiável para estimar o impacto da depressão sobre a funcionalidade em amostra brasileira de sujeitos com TDM.

A análise da consistência interna evidenciou alfa de Cronbach de 0,98 para a escala geral e, com exceção da subescala atividades de lazer, as demais subescalas apresentaram índices de, ao menos, 0,94, o que pode ser considerado muito bom, uma vez que, para o estudo de fidedignidade, se espera que o instrumento apresente índices maiores que 0,8029. Observou-se elevada estabilidade, com valor de Kappa ponderado maior que 0,84 [IC 95% (0,72-0,93)]. Esses índices foram compatíveis com aqueles descritos por Rosa et al., com a versão original do instrumento18.

A validade concorrente foi estudada em relação a um instrumento de funcionalidade geral, a AGF, haja vista ser a mais utilizada e compartilhar com a FAST características importantes como ser multidimensional e heteroaplicada. As correlações encontradas foram bastante fortes, tanto para a escala FAST total como para cada subescala, evidenciando que cada um dos seis domínios da FAST (autonomia, trabalho, cognição, finanças, lazer e relações interpessoais) é bastante relevante e representativo da funcionalidade geral. No estudo original de validação em amostra de sujeitos bipolares, as correlações entre a FAST e a escala AGF evidenciaram valores menores que os do estudo em questão, mas ainda assim a correlação foi considerada forte (rho = −0,7, p < 0,05)18.

Quanto à validade de construto convergente, observou-se forte correlação entre os escores de todas as subescalas com a escala total com coeficiente de Spearman > 0,84 (p < 0,05). Os domínios “cognitivo” e “relações interpessoais” foram os que apresentaram as maiores correlações (rho > 0,93, p < 0,05). Esses achados são coerentes com a literatura e apontam que tanto os déficits cognitivos38,4144 quanto o pobre funcionamento social45 são os que mais contribuem para os prejuízos associados à depressão, confirmando a validade de construto da escala.

Em relação à validade discriminativa, observou-se que a FAST foi capaz de discriminar “casos” de “não casos” e, também, depressivos moderados/graves dos demais. A nota de corte mais apropriada para diferenciar casos de não casos foi 10 (coeficiente de Youden de 0,97) e, para diferenciar depressivos moderados/graves dos demais, foi 32 (coeficiente de Youden de 0,98). A identificação de dois pontos de corte da escala reforça os achados prévios da literatura3638 de que a funcionalidade é bastante representativa do TDM, sendo capaz de, por si só e com alto grau de significância, diferenciar casos de não casos e, também, distinguir as diferentes gravidades do TDM.

No cenário clínico, a caracterização da funcionalidade é, também, extremamente relevante, uma vez que a persistência de déficits funcionais, mesmo após remissão clínica, se associa a pior prognóstico8,9. E, nesse sentido, a escala FAST se mostrou eficiente ao demonstrar, com êxito, diferentes aspectos dos prejuízos funcionais, mesmo na ausência de sintomatologia importante, apontando para a grande utilidade da FAST para supervisão clínica e do processo de reabilitação de acometidos por TDM. Apesar do grande potencial de utilização da FAST evidenciado por suas boas propriedades psicométricas, é relevante assinalar algumas limitações. A primeira delas sustenta-se no fato de a amostra ser de conveniência e de ela não ter sido comparada ao perfil da população geral, impossibilitando sua generalização externa47. Por ser uma escala com 24 itens, o n amostral ideal para a avaliação psicométrica dessa escala deveria ser 240 sujeitos, no entanto apenas 88 foram avaliados. A despeito da amostra reduzida, a análise estatística foi bastante completa e os resultados encontrados foram muito bons. Contudo, essa diferença significativa faz com que este estudo tenha mais caráter exploratório, necessitando de estudos futuros com maiores amostras46.

Outra limitação deste estudo é que foram incluídos sujeitos com alto nível de escolaridade e bom suporte social. Essas características aumentam a probabilidade de que a amostra hipervalorize as dificuldades do domínio cognitivo e minimize os prejuízos do domínio autonomia. Alguma crítica deve ser feita à existência de dois domínios na escala (Finanças e Lazer) com menos de três itens48. Embora esse efeito possa ser minimizado pelo maior número de possibilidades de resposta por item (de zero a quatro), o não cumprimento desse pressuposto pode levar a problemas relacionados com a confiabilidade do construto47.

A falta de um instrumento “padrão-ouro” para aferir a funcionalidade em sujeitos com transtornos mentais é outra questão a ser apontada, uma vez que a validação concorrente foi realizada com a AGF, que, embora bastante utilizada, é uma escala geral e não dá conta das especificidades da FAST.

Finalmente, por ser um instrumento que se propõe a observar a efetividade do tratamento sobre a recuperação funcional em depressivos, a performance da FAST precisa ser testada em ensaios clínicos para se observar a aplicabilidade e suas propriedades psicométricas nesses contextos.

CONCLUSÕES

O ônus associado ao TDM é enorme, ocasionando elevados custos diretos e indiretos5. Pesquisas que se proponham a estudar o processo de reabilitação dos sujeitos com TDM são muito bem-vindas, embora ainda sejam escassas por carência de instrumentos específicos e validados para a aferição da funcionalidade nessa população.

A FAST apresentou excelentes propriedades psicométricas em amostra brasileira de sujeitos com TDM. O índice de persistência de sintomas residuais em TDM é alto e a escala FAST teria grande utilidade ao permitir dimensionar o impacto da depressão mesmo após a melhora clínica ou a remissão dos sintomas, potencializando o processo de reabilitação e minimizando o ônus associado a essa condição. A amostra reduzida faz com que este estudo tenha caráter exploratório, necessitando de estudos futuros com maiores amostras.

AGRADECIMENTOS

Aos responsáveis técnicos e aos pró-reitores de Gestão de Pessoas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pelo apoio e confiança e por nos autorizarem a trabalhar com a amostra de trabalhadores e pacientes dos serviços de saúde ocupacional e ambulatorial de ambas as instituições.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2019
  • Aceito
    24 Mar 2019
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