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Sintomas de ansiedade generalizada entre estudantes de graduação: prevalência, fatores associados e possíveis consequências

Symptoms of generalized anxiety among undergraduate students: prevalence, associated factors and possible consequences

RESUMO

Objetivo

Medir a prevalência de sintomatologia ansiosa entre estudantes de graduação de uma universidade pública no Sul do Brasil, seus fatores associados e possíveis consequências.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal com uma amostra aleatória de graduandos, realizado em 2019. Foi utilizado um questionário com questões sociodemográficas, acadêmicas e de saúde mental e física. Sintomas de ansiedade generalizada foram avaliados por meio do Generalized Anxiety Disorder – 7 (GAD-7). Fatores associados e possíveis consequências foram analisados por meio da regressão de Poisson com ajuste robusto da variância.

Resultados

Entre os 994 participantes, a prevalência de sintomas de ansiedade generalizada severa foi de 30,9% (IC 95%: 27,9%-33,9%). As variáveis independentemente associadas a sintomas de ansiedade generalizada foram: sexo feminino, orientação não heterossexual, sentir muito/muitíssimo medo de violência no bairro e perceber como difícil o acesso a serviço psicológico. Possuir alto nível de suporte social e apresentar algum nível de atividade física foi considerado fator de proteção para o desfecho. Possíveis consequências dos sintomas de ansiedade generalizada foram: pior qualidade de sono, utilizar algum medicamento sem prescrição nos últimos 30 dias e ser classificado como risco de suicídio moderado/severo.

Conclusões

Esses resultados demonstram a necessidade de um olhar mais atento para alguns subgrupos populacionais. Recomenda-se a implementação de intervenções psicológicas que incluam um número maior de indivíduos simultaneamente (como a criação de grupos terapêuticos), com o intuito de reduzir a carga de ansiedade no contexto universitário. O fortalecimento do setor de assistência estudantil da universidade também se torna uma importante possibilidade de melhora para esse cenário.

Ansiedade; TAG; universitários

ABSTRACT

Objective

To measure the anxious symptoms of undergraduate students at a public university in southern Brazil, the factors associated with it and the possible consequences.

Methods

This was a cross-sectional study with a random sample of undergraduate students in 2019. A questionnaire that evaluated sociodemographic, academic, mental and physical health aspects was used. Symptoms of generalized anxiety were evaluated through the Generalized Anxiety Disorder – 7 (GAD-7). Associated factors and possible consequences were analyzed using the Poisson regression, with robust variance adjustment.

Results

Among the 994 participants, the prevalence of symptoms of severe generalized anxiety was 30.9% (95% CI: 27,9%-33,9%). The variables independently associated with symptoms of generalized anxiety were: female gender, non-heterosexual orientation, feeling very afraid of violence in the neighborhood, perceiving access to psychological service as difficult. Having a high level of social support, and with any level of physical activity were considered protective factors for the outcome. Possible consequences of symptoms of generalized anxiety were: worse sleep quality, non-medical use of prescription drugs in the last 30 days, and being classified with moderate or severe suicide risk.

Conclusions

These results indicate the need to a closer attention to subgroups within this population. Implementation of psychological interventions that includes a broader range of individuals simultaneously are recommended (such as therapeutic groups) to reduce the burden of anxiety in the university context. The strengthening of the university’s student assistance sector is also important to improve this situation.

Anxiety; GAD; undergraduates

INTRODUÇÃO

A ansiedade pode ser entendida como um sistema de respostas cognitivas, afetivas, fisiológicas e comportamentais, orientado para o futuro e natural para o ser humano 11. Clark, DA, Beck AT. Terapia cognitiva para os transtornos de ansiedade. Porto Alegre: Artmed; 2012. . Dos 11 transtornos de ansiedade expressos na 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), um dos mais frequentes é o transtorno de ansiedade generalizada (TAG). Esse transtorno pode ser definido pelo excesso de preocupação desproporcional que o indivíduo tem em relação a vários eventos e/ou atividades gerais, em que é difícil de controlar sua preocupação, interferindo no seu funcionamento normal 22. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5ª ed. Porto Alegre: American Psychiatric Association; 2014. .

Em 2017, estimou-se que 264 milhões de adultos ao redor do mundo (3,6%) possuíam algum transtorno de ansiedade 33. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: Global health estimates. Geneva: World Health Organization; 2017. . Ainda segundo a World Health Organization (WHO) 33. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: Global health estimates. Geneva: World Health Organization; 2017. , no Brasil, a prevalência de transtornos de ansiedade é de 9,3% da população, sendo o país mais ansioso do mundo. No âmbito acadêmico, há crescente preocupação em relação à saúde mental dos alunos, pois calcula-se que um em cada cinco universitários no mundo apresenta um transtorno mental, sendo os transtornos de ansiedade os mais prevalentes 44. Auerbach RP, Alonso J, Axinn W, Cuijpers P, Ebert D, Green J, et al. Mental disorders among college students in the World Health Organization World Mental Health Surveys. Psychol Med. 2016;46(14):2955-70. . Em uma metanálise, estimou-se que a prevalência de ansiedade clinicamente relevante entre estudantes de graduação brasileiros foi de 37,75% 55. Demenech LM, Oliveira AT, Neiva-Silva L, Dumith SC. Prevalence of anxiety, depression and suicidal behaviors among Brazilian undergraduate students: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2021;282:147-59. . Os universitários são um grupo com maior predisposição a desenvolver algum transtorno de ansiedade, pelo fato de a academia geralmente ser um local de grande competitividade, com excesso de demandas e cobranças e prazos curtos. Soma-se a dificuldade em equilibrar essas obrigações com a vida social, como a necessidade de adaptação para aqueles que migram de suas cidades de origem, afastando-se de sua rede de apoio 66. Garbin CAS, dos Santos LFP, Garbin AJS, Garbin AJÍ, Saliba TA, Saliba O. Fatores associados ao desenvolvimento de ansiedade e depressão em estudantes de Odontologia. Rev Abeno. 2021;21(1):1086. .

Conhecer os fatores de risco para ansiedade entre estudantes universitários contribui para o melhor entendimento desses resultados elevados. Diversos estudos evidenciaram alguns fatores de risco em comum, como ser mulher 77. Toti TG, Bastos FA, Rodrigues P. Fatores associados à ansiedade e depressão em estudantes universitários do curso de educação física. SFM. 2018;6(2):21-30.

8. Mayer FB, Santos IS, Silveira PS, Lopes MHI, de Souza ARND, Campos EP. Factors associated to depression and anxiety in medical students: a multicenter study. BMC Med Educ. 2016;16(1):282-90.

9. Marinho ACF, de Medeiros AM, Gama ACC, Teixeira LC. Fear of public speaking: perception of college students and correlates. J Voice. 2018:31(1):127-31.
- 1010. Alves JVS. Prevalência e fatores associados à ansiedade em estudantes dos cursos da área de saúde da UFOP [Monografia]. Ouro Preto: Escola de Farmácia, Universidade Federal de Ouro Preto; 2019. , não ser heterossexual 1111. Cerqueira-Santos E, Azevedo HP, Ramos MM. Preconceito e saúde mental: estresse de minoria em jovens universitários. Rev Psicol IMED. 2020;12(2):7-21. , ter entre 18 e 24 anos 1212. Molina MRAL, Spessato B, Jansen K, Pinheiro R, Silva R, Souza LDDM. Prevalence of comorbidities between mood and anxiety disorders: associated factors in a population sample of Young adults in Southern Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;20(11):2413-22. , baixa condição econômica 66. Garbin CAS, dos Santos LFP, Garbin AJS, Garbin AJÍ, Saliba TA, Saliba O. Fatores associados ao desenvolvimento de ansiedade e depressão em estudantes de Odontologia. Rev Abeno. 2021;21(1):1086. , ser obeso 1313. Rosa CAS, Santos WS. Correlação entre ansiedade ou estresse e comportamento alimentar em estudantes universitários [Monografia]. Alagoas: Curso de Nutrição, Centro Universitário Tiradentes; 2021. , realizar pouca ou nenhuma atividade física 77. Toti TG, Bastos FA, Rodrigues P. Fatores associados à ansiedade e depressão em estudantes universitários do curso de educação física. SFM. 2018;6(2):21-30. , baixa qualidade de sono 1414. Manzar MD, Noohu MM, Salahuddin M, Nureye D, Albougami A, Spence DW, et al. Insomnia Symptoms and Their Association with Anxiety and Poor Sleep Hygiene Practices Among Ethiopian University Students. Nat Sci Sleep. 2020;12:575-82. , baixa percepção de suporte familiar 1515. Barbosa LC. Avaliação da Percepção de Suporte Familiar e da Presença de Sintomatologia de Transtornos Mentais Comuns em Universitários [Monografia]. Rio de Janeiro: Curso de Psicologia, Universidade Federal Fluminense; 2019. e alto risco de suicídio 1616. Almeida HMDS, Almeida S, Benedito MHA. Quebrando tabus: os fatores que levam o suicídio entre universitários. Revista de Pesquisa Interdisciplinar, Cajazeiras. 2017;2(2):647-59. .

As Instituições de Ensino Superior (IES) têm como uma de suas funções promover suporte aos estudantes no decorrer de suas formações, identificando situações de risco, o que possibilita a prevenção de distúrbios psicológicos e a intervenção precoce 1717. Viana MC, Andrade LH. Lifetime prevalence, age and gender distribution and age-of-onset of psychiatric disorders in the São Paulo Metropolitan Area, Brazil: Results from the São Paulo Megacity Mental Health Survey. Rev Bras Psiquiatr. 2012;34(3):249-60. . Apesar de existirem diversos estudos sobre a ansiedade no contexto universitário, ainda existem lacunas a serem preenchidas. Primeiro, existe uma super-representação de estudos com amostras pequenas e de cursos específicos, especialmente da área da saúde, o que dificulta a generalização dos resultados. Segundo, a maioria dos estudos é realizada em grandes centros do país. Terceiro, estudos com universitários são, muitas vezes, realizados com amostras por conveniência, por serem uma população de fácil acesso. Assim, aspectos importantes da vida dos graduandos podem não ser levados em consideração, como as condições e recursos para a plena execução da formação acadêmica. Logo, é importante avaliar quais as consequências para a saúde física e psicológica dos estudantes relativamente à ansiedade.

Identificar quais são os fatores de risco e os possíveis desdobramentos em relação a essas complicações psicológicas pode ser o primeiro passo na concepção de intervenções preventivas nas universidades. Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de sintomatologia ansiosa entre estudantes de graduação de uma universidade pública no Sul do Brasil, bem como os fatores associados a ela e suas possíveis consequências.

MÉTODOS

Delineamento e participantes

Este artigo pertence ao consórcio de pesquisa “Saúde e Bem-Estar na Graduação (SABES-Grad)”, cujo objetivo geral foi avaliar a saúde física e mental e o bem-estar social e acadêmico de estudantes de graduação. É um estudo transversal, conduzido na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), uma universidade pública com cerca de 9.000 estudantes de graduação, situada na cidade portuária de Rio Grande, com população média de 200 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M) de 0,744 1818. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 PNUD, março de 2013. . A participação no estudo decorreu pelo preenchimento dos seguintes critérios: ter idade igual ou superior a 18 anos e estar regularmente matriculado em qualquer curso de graduação na modalidade presencial no ano de 2019. Foram considerados inelegíveis indivíduos com alguma limitação física e/ou cognitiva que impossibilitasse o preenchimento do questionário ou que tivessem desistido de seus cursos quando feita a coleta de dados.

Cálculo amostral e amostragem

A amostragem foi feita de forma aleatória e sistemática por conglomerados, realizada em um único estágio, com base nas turmas ofertadas nessa universidade no ano de 2019, que foram extraídas no sistema da universidade. Neste estudo, definiu-se que uma turma é um grupo de pessoas matriculadas em uma mesma disciplina. Considerando que a unidade amostral foram as turmas, o efeito de delineamento ( deff ) foi calculado e utilizado como parâmetro para dimensionamento do tamanho de amostra necessário para esta investigação ( deff = 1,5, parâmetros: coeficiente de correlação intraclasse = 0,02, tamanho médio do conglomerado = 20 1919. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; 2010. 284p. ).

Para a realização da pesquisa SABES-Grad, foram feitos dois cálculos de tamanho amostral: um para fatores associados e outro descritivo. O cálculo amostral descritivo evidenciou a necessidade de incluir no mínimo 847 graduandos (parâmetros: prevalência esperada de 15% [risco de suicídio – base utilizada para o cálculo amostral do estudo SABES-Grad como um todo 2020. Demenech LM, Neiva-Silva L, Brignol SMS, Marcon SR, Lemos SM, Tassitano RM, et al. A Study on the Health and Wellness of Undergraduate Students (SABES-Grad): Methodological aspects of a nationwide multicenter and multilevel study overlapped with the Covid-19 pandemic. Trends Psychiatry Psychother. 2021. ], margem de erro de 3 pontos percentuais, poder de 80%, nível de significância de 5%, sendo acrescidos 10% para possíveis perdas e recusas e o deff de 1,5). O cálculo amostral para fatores associados expôs a necessidade de serem amostrados 1.089 sujeitos (parâmetros: razão expostos/não expostos 1:3, razão de prevalência de 2,0, poder de 80%, nível de significância de 5%, sendo acrescidos 10% para possíveis perdas e recusas, 15% para controle de confundidores e o deff de 1,5).

Considera-se que o tamanho médio de uma turma seja de cerca de 20 alunos 1919. Andrade AG, Duarte PCAV, Oliveira LG. I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas entre Universitários das 27 Capitais Brasileiras. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas; 2010. 284p. . Portanto, seria necessário amostrar ao menos 55 turmas (1.089 ÷ 20). Entretanto, cinco turmas (10%) foram adicionadas ao processo amostral, por conta da possibilidade de haver alunos matriculados em duas ou mais turmas e com idades inferiores a 18 anos. Assim, 60 turmas foram sistematicamente sorteadas do sistema da universidade, por meio de um intervalo de seleção previamente calculado.

Variáveis e instrumentos

Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário autoadministrado e confidencial, o qual foi preenchido de forma individual pelos participantes da pesquisa. O principal desfecho desse estudo foi a sintomatologia de ansiedade generalizada clinicamente relevante (que neste estudo sempre será referida como sintomas de ansiedade generalizada), sendo avaliada pelo Generalized Anxiety Disorder – 7 (GAD-٧) 2121. Moreno AL, De Sousa DA, Souza AMFLP, Manfro GG, Salum GA, Koller SH. Factor structure, reliability, and item parameters of the Brazilian-Portuguese version of the GAD-7 questionnaire. Temas Psicol. 2016;24(1):367-76. . O instrumento contém sete perguntas que medem a frequência com que o respondente se incomodou com alguma situação na última semana. As alternativas de resposta são “raramente”, “alguns dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias”, que pontuam de 0 a 3. Como se trata de uma população que, em geral, apresenta prevalências elevadas de formas mais brandas de ansiedade 55. Demenech LM, Oliveira AT, Neiva-Silva L, Dumith SC. Prevalence of anxiety, depression and suicidal behaviors among Brazilian undergraduate students: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2021;282:147-59. , decidiu-se considerar como com sintomas de ansiedade generalizada aqueles participantes com escores iguais ou maiores a 15, que, de acordo com os estudos de validação do instrumento, seriam aqueles com maior probabilidade de estarem com um TAG 2222. Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB, Lowe B. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder: the GAD-7. Arch Intern Med. 2006;166(10):1092-7. , 2323. Silva MT, Roa MC, Martins SS, da Silva ATC, Galvao TF. Generalized anxiety disorder and associated factors in adults in the Amazon, Brazil: A population-based study. J Affect Disord. 2018;236:180-6. .

As variáveis independentes investigadas foram sexo (masculino/feminino), idade (18-24 anos/25-31 anos/32 anos ou mais), cor da pele (branca/preta, parda ou outras), orientação sexual (heterossexual/homossexual, bissexual ou de outra orientação sexual), atividade física no lazer (por meio do International Physical Activity Questionnaire 2424. Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC. Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ): Estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fís Saúde. 2001;6(2):5-18. – IPAQ, inativos [0 minutos/semana]/insuficientemente ativos [1-149 minutos/semana]/e ativos [150 minutos/semana ou mais]), obesidade (índice de massa corporal ≥ 30 kg/m 2 ), renda familiar per capita (quintis), insegurança alimentar (por meio de uma versão reduzida da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar 2525. Segall-Corrêa AM, Marin-León L, Melgar-Quiñonez H, Pérez-Escamilla R. Refinement of the Brazilian household food insecurity measurement scale: Recommendation for a 14-item EBIA. Rev Nutr. 2014;27:241-51. ), principal meio de transporte utilizado (caminhando/bicicleta, transporte público e transporte privado), qualidade de habitação (melhor = acesso adequado a energia, água tratada, escoamento, de esgoto e coleta de lixo/pior = falta de acesso adequado a pelo menos um desses serviços), medo de violência no bairro (nenhum ou pouco/médio/muito ou muitíssimo), acesso a atendimento psicológico (muito fácil ou fácil/nem fácil, nem difícil/difícil ou muito difícil), suporte social (baixo ou médio/alto 2626. Chor D, Griep RH, Lopes CS, Faerstein E. Medidas de rede e apoio social no Estudo Pró-Saúde: pré-testes e estudo piloto. Cad Saúde Pública. 2001;17(4):887-96. , 2727. Zanini DS, Peixoto EM, Nakano TC. Escala de Apoio Social (MOS-SSS): proposta de normatização com referência nos itens. Trends Psychol. 2018;26(1):387-99. ), área do curso (exatas/humanas/saúde/biológicas), curso desejado ao ingressar na universidade (não/sim), satisfação com o curso atual (muito ou totalmente/medianamente/nada ou pouco satisfeito).

Como possíveis consequências, foram avaliados uso frequente ou pesado de álcool (definido como o uso de álcool em pelo menos seis dos últimos 30 dias), uso de drogas ilícitas no último mês (definido como o uso de maconha, cocaína, solventes, crack , LSD ou ecstasy em pelo menos um dia nos últimos 30 dias), pior qualidade sono (definido como aqueles no maior quintil do escore na escala Mini Sleep Questionnaire 2828. Falavigna A, de Souza Bezerra ML, Teles AR, Kleber FD, Velho MC, Da Silva RC. Consistency and reliability of the Brazilian Portuguese version of the Mini-Sleep Questionnaire in undergraduate students. Sleep Breath. 2011;15(3):351-5. ), uso de medicamento sem prescrição (definido como o uso de ansiolíticos, sedativos ou anfetaminas sem prescrição médica em pelo menos um dia nos últimos 30 dias) e risco de suicídio moderado ou severo (medido por meio do Mini International Neuropsychiatric Interview – seção suicídio, traduzido e validado para uso no Brasil 2929. Amorim P. Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): validação de entrevista breve para diagnóstico de transtornos mentais. Rev Bras Psiquiatr. 2000;22(3):106-15. ).

Análises estatísticas

Primeiramente, foram conduzidas análises univariadas para calcular a prevalência de sintomas de ansiedade generalizada e para descrever a amostra de acordo com as variáveis independentes do estudo. Logo após, análises bivariadas foram realizadas para descrever as diferenças nas prevalências de ansiedade de acordo com as categorias de exposição, por meio do teste do qui-quadrado.

Para a identificação dos fatores associados, foi criado um modelo hierárquico de análise 3030. Victora G, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7. com três níveis (1º – variáveis socioeconômicas e demográficas; 2º – variáveis sobre as condições de vida atuais; 3º – variáveis acadêmicas). As análises foram conduzidas por meio da regressão de Poisson com ajuste robusto da variância 3131. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol. 2003;3(1):1-13. . As variáveis foram selecionadas por meio do método backward , permanecendo no modelo final ajustado aquelas com valor-p ≤ 0,2.

Para avaliar as possíveis consequências, também foi utilizada a regressão de Poisson, usando as possíveis consequências como desfechos nas equações, sintomas de ansiedade generalizada como principal exposição, e demais variáveis com valor-p ≤ 0,2 na análise de fatores associados como possíveis confundidores. Os resultados dessas análises foram apresentados em termos razões de prevalência (RP), intervalos de confiança de 95% (IC 95%) e valores-p. As análises estatísticas foram conduzidas no software Stata 13 IC e todas as estimativas foram calculadas levando-se em consideração o nível de significância de ٥٪.

Aspectos éticos

As pessoas envolvidas na etapa de coleta de dados receberam treinamentos para manejo de situações adversas de saúde mental durante a aplicação dos questionários. Nesse mesmo período, houve plantão de psicólogos com o objetivo de dispor suporte à equipe de coleta, efetuando atendimentos psicológicos gratuitos e integrais em casos de maior gravidade. Também foram concedidos os contatos dos responsáveis pela pesquisa e do Centro de Atendimento Psicológico da universidade (CAP/FURG), para que os respondentes tivessem acesso a suporte psicossocial após o término da sua participação na pesquisa, caso sentissem necessidade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas na Área da Saúde da FURG, registro número 196/2019.

RESULTADOS

Foram contabilizadas 1.169 matrículas elegíveis para a pesquisa, tendo como base as 60 turmas aleatoriamente incluídas. Participaram 996 estudantes de graduação, representando uma taxa de reposta de 85,2%, sendo 14,8% taxa de perdas (12,3% não encontrados e 2,5% recusas). A amostra foi composta majoritariamente por indivíduos do sexo feminino (63,9%), com idades entre 18 e 24 anos (69,7%), não obesos (87,4%), que se identificam com cor de pele branca (73,6%) e heterossexuais (77,8%). Dois em cada cinco participantes eram fisicamente inativos ( Tabela 1 ). A mediana da renda familiar per capita foi de R$ 1.200,00 (intervalo interquartil R$ 669,50 – R$ 2.000,00).

Tabela 1
Descrição da amostra e prevalência de ansiedade de acordo com as categorias de exposição – Pesquisa SABES-Grad, Rio Grande, RS, 2019

Entre os participantes, 30,5% apresentaram insegurança alimentar. A maioria se locomove principalmente por meio de transporte público (53,7%) e tem boa qualidade em sua moradia (70,2%). Aproximadamente um terço sente muito ou muitíssimo medo de violência em seu bairro (35,5%) e percebe ser difícil ou muito difícil acessar algum serviço psicológico (31,8%). Mais da metade possui médio ou baixo suporte social (55,7%). A respeito do âmbito acadêmico, 40% dos participantes são da área das ciências exatas, 31,3% estão regulares em seus cursos, 33% não estão no curso desejado e 34,5% não estão satisfeitos com o curso atual. Em relação à ansiedade, 18,2% (IC 95%: 15,8%-20,8%) relataram ausência de sintomas, 22,1% (IC 95%: 19,6%-24,9%) apresentaram sintomas leves e 28,7% (IC 95%: 22,9%-31,7%) tiveram sintomas moderados. A prevalência de sintomas severos de ansiedade generalizada, principal desfecho do estudo, entre os graduandos foi de 30,9% (IC 95%: 27,9%-33,9%). Quanto às possíveis consequências, 26,5% (IC 95%: 23,7%-29,3%) relataram uso frequente ou pesado de álcool, 21,6% (IC 95%: 19,0%-24,2%) reportaram uso de drogas ilícitas no último mês, 19,3% (IC 95%: 16,8%-21,8%) foram classificados como com pior qualidade de sono, 15,1% (IC 95%: 12,8%-17,4%) fizeram uso de medicação sem prescrição e 15,7% (IC 95%: 13,6%-18,0%) estavam em risco de suicídio moderado ou severo.

A tabela 2 expõe as proporções de sintomas de ansiedade generalizada de acordo com as variáveis independentes. As maiores prevalências de ansiedade foram observadas entre aqueles que se identificaram como homossexual, bissexual ou outra identidade não heterossexual (41,2%), que têm muito ou muitíssimo medo de sofrer violência no bairro em que moram (40,3%), que reportaram achar difícil ou muito difícil acessar algum serviço psicológico (40,1%) e que foram classificados como obesos (39,8%). As menores prevalências foram encontradas entre aqueles que tiveram pouco ou nenhum medo de sofrer violência no bairro em que moram (22,3%), do sexo masculino (22,4%), com alto suporte social (25,5%) e com percepção de fácil ou muito fácil acesso a algum serviço psicológico (25,7%).

Tabela 2
Fatores associados a sintomas de ansiedade generalizada – Análise multivariável conduzida por meio de regressão de Poisson com ajuste robusto da variância – Pesquisa SABES-Grad, Rio Grande, RS, 2019

Na figura 1 podem ser observados os resultados das análises bruta e ajustada dos fatores associados a esse desfecho. Na análise bruta, foram observadas associações estatisticamente significativas com as variáveis sexo, orientação sexual, obesidade, atividade física, insegurança alimentar, medo de violência no bairro em que mora, acesso a serviço psicológico e suporte social. Após ajustes, os fatores de risco que permaneceram independentemente associados foram: sexo feminino (RP = 1,56; IC 95%: 1,23-1,98), homossexuais, bissexuais ou de outra orientação não heterossexual (RP = 1,46; IC 95%: 1,18-1,82), obesidade (RP = 1,41; IC 95%: 1,07-1,85), muito ou muitíssimo medo de violência no bairro (RP = 1,68; IC 95%: 1,26-2,20) e acesso difícil ou muito difícil a serviço psicológico (RP = 1,34; IC 95%: 1,03-1,74). Foram identificados como fatores de proteção ser insuficientemente ativo (RP = 0,75; IC 95%: 0,58-0,96) e/ou fisicamente ativo (RP = 0,76 IC 95% 0,59-0,98) e apresentar alto nível de suporte social (RP = 0,72; IC 95%: 0,57-0,90). Destaca-se que nenhuma das variáveis acadêmicas foi associada ao desfecho, tanto na análise bruta quanto ajustada.

Figura 1
Possíveis consequências dos sintomas de ansiedade generalizada entre estudantes de graduação – Pesquisa SABES-Grad, Rio Grande, RS, 2019.

A partir dos resultados, observou-se que participantes com sintomas de ansiedade generalizada tiveram maior probabilidade de apresentar pior qualidade de sono (RP = 3,83; IC 95%: 2,72-5,39), de utilizar algum medicamento sem prescrição nos últimos 30 dias (RP = 2,11; IC 95%: 1,46-3,07) e de serem classificados com risco de suicídio moderado ou severo (RP = 2,16; IC 95%: 1,56-3,02). O uso de drogas ilícitas no último mês e o consumo frequente ou pesado de álcool não foram identificados como possíveis consequências do desfecho.

DISCUSSÃO

Neste estudo, buscou-se medir a prevalência de sintomas de ansiedade generalizada entre estudantes de graduação, bem como observar os fatores associados e as possíveis consequências desse desfecho. Foi identificado que um em cada três apresenta sintomas severos de ansiedade generalizada. Outro estudo encontrou prevalência de ansiedade de 36,1% entre universitários da área de saúde no Nordeste do Brasil 3232. Leão AM, Gomes IP, Ferreira MJM, Cavalcanti LPG. Prevalência e Fatores Associados à Depressão e Ansiedade entre Estudantes Universitários da Área da Saúde de um Grande Centro Urbano do Nordeste do Brasil. Rev Bras Educ Med. 2018;42(4):55-65. , e uma metanálise recente indicou prevalência de 37,75% desse desfecho entre graduandos do Brasil 55. Demenech LM, Oliveira AT, Neiva-Silva L, Dumith SC. Prevalence of anxiety, depression and suicidal behaviors among Brazilian undergraduate students: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2021;282:147-59. . Apesar de a prevalência identificada estar próxima do esperado para a população universitária, verificou-se um valor três vezes maior que o da população geral do Brasil (9,3%) 33. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: Global health estimates. Geneva: World Health Organization; 2017. . Ainda, em um estudo com cerca de 4.000 participantes da população geral do município de Manaus, que também utilizou o GAD-7, identificou-se que 8,4% apresentavam sintomas de ansiedade generalizada 2222. Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB, Lowe B. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder: the GAD-7. Arch Intern Med. 2006;166(10):1092-7. . Uma possível explicação para essa diferença pode ser devida à alta carga de demandas, envolvendo diversas preocupações que os universitários possuem nesse meio, por exemplo: relações com colegas e professores, competitividade, provas e prazos e expectativas futuras relativas à profissão.

Foi identificado que indivíduos do sexo feminino tiveram probabilidade 56% maior de apresentar sintomas de ansiedade generalizada, em relação ao sexo masculino. Isso vai ao encontro de outros estudos, em que a mulher demonstra maiores níveis de ansiedade 33. World Health Organization. Depression and other common mental disorders: Global health estimates. Geneva: World Health Organization; 2017. , 55. Demenech LM, Oliveira AT, Neiva-Silva L, Dumith SC. Prevalence of anxiety, depression and suicidal behaviors among Brazilian undergraduate students: A systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2021;282:147-59. , 2222. Spitzer RL, Kroenke K, Williams JB, Lowe B. A brief measure for assessing generalized anxiety disorder: the GAD-7. Arch Intern Med. 2006;166(10):1092-7. , 3333. Maltoni J, Palma PDC, Neufeld CB. Sintomas ansiosos e depressivos em universitários brasileiros. Psico. 2019;50(1):e29213. . Os possíveis motivos disso são: fatores genéticos, influências hormonais, vulnerabilidade a estressores ambientais e aspectos sociais 3434. Vesga-López O, Schneier F, Wang S, Heimberg R, Liu SM, Hasin DS, et al. Gender differences in generalized anxiety disorder: results from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions (NESARC). J Clin Psychiatry. 2008;69(10):1606. , 3535. Schonhofen FL, Neiva-Silva L, Almeida RBD, Vieira MECD, Demenech LM. Transtorno de ansiedade generalizada entre estudantes de cursos de pré-vestibular. J Bras Psiquiatr. 2020;69(3):179-86. . Sobre a orientação sexual, observou-se que sujeitos não heterossexuais são 48% mais propensos a reportar sintomas de ansiedade generalizada. Uma revisão integrativa verificou que, comparada aos heterossexuais, a comunidade LGBT possui de duas a três vezes mais probabilidade de desenvolver algum transtorno de ansiedade, sendo o TAG o mais frequente 3636. Francisco LCFDL, Barros AC, Pacheco MDS, Nardi AE, Alves VDM. Ansiedade em minorias sexuais e de gênero: uma revisão integrativa. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):48-56. . As hipóteses para os sintomas de ansiedade generalizada serem mais elevados nessa população podem ser pela falta de suporte social, bem como pelas violências que essa população sofre 3737. Budge SL, Adelson JL, Howard KAS. Anxiety and depression in transgender individuals: the roles of transition status, loss, social support, and coping. J Consult Clin Psychol. 2013;81(3):545-57. , 3838. Bränström R. Minority stress factors as mediators of sexual orientation disparities in mental health treatment: a longitudinal population-based study. J Epidemiol Community Health. 2017;7(5):446-52. . Ainda, por haver grande discriminação em relação a sua orientação sexual, muitos indivíduos tendem a mantê-la em segredo, o que pode acarretar grande sofrimento 3535. Schonhofen FL, Neiva-Silva L, Almeida RBD, Vieira MECD, Demenech LM. Transtorno de ansiedade generalizada entre estudantes de cursos de pré-vestibular. J Bras Psiquiatr. 2020;69(3):179-86. .

Observou-se que sujeitos que são ativos ou insuficientemente ativos (ou seja, com algum nível de atividade física) têm probabilidade aproximadamente 25٪ menor de reportar sintomas de ansiedade generalizada. Existem evidências de que qualquer nível de atividade física já exerce proteção contra desfechos psicológicos negativos 3939. Dumith SC, Maciel FV, Borchardt JL, Alam VS, Silveira FC, Paulitsch RG. Preditores e condições de saúde associados à prática de atividade física moderada e vigorosa em adultos e idosos no sul do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2019;22:e190023. . Uma hipótese para esse fenômeno deve-se à saída da inércia, ao aumento da movimentação e à mudança de contexto, que tende a reduzir o contato com estressores externos. Realizar exercícios físicos pode ser um momento de maior foco no presente, retirando-se a atenção de pensamentos ansiogênicos, além de a atividade física possuir um componente ansiolítico do ponto de vista fisiológico 4040. Anderson E, Shivakumar G. Effects of exercise and physical activity on anxiety. Front Psychiatry. 2013;4:27. . O presente estudo constatou que indivíduos obesos possuem 41% maior probabilidade de apresentar sintomas de ansiedade generalizada. Umas das possíveis explicações gira em torno do fato de o excesso de gordura não ser socialmente aceito, o que tende a gerar insatisfação de pessoas obesas com relação ao seu corpo 4141. Paulitsch RG, Demenech LM, Dumith SC. Association of depression and obesity is mediated by weight perception. J Health Psychol. 2020:1359105319897778. . Questões acerca da saúde, como a possibilidade de desenvolvimento de hipertensão ou diabetes, por exemplo, também podem elevar a preocupação desses indivíduos, aumentando, também, os níveis de ansiedade.

Participantes que compreendem seu bairro como muito ou muitíssimo violento tiveram probabilidade 68% maior de reportar sintomas de ansiedade generalizada, sendo a maior razão de prevalência do estudo. Uma possível explicação para esse cenário é a maior exposição à violência, seja de forma passiva ou ativa, o que tende a gerar preocupação, podendo desencadear constante estado de vigilância diante do perigo. Outro fator importante observado é a percepção de acesso a algum serviço psicológico, tendo sido identificada probabilidade 34% maior de presença de sintomas de ansiedade generalizada quando entendido como difícil ou muito difícil. Um estudo com graduandos de Medicina identificou que 71% dos participantes tinham conhecimento dos serviços de suporte que eram disponibilizados pela universidade, porém acreditavam que não eram oferecidos adequadamente 4242. Hillis JM, Perry WR, Carroll EY, Hibble BA, Davies MJ, Yousef J. Painting the picture Australasian medical student views on wellbeing teaching. Med J Aust. 2010;192(4):188-90. . Pessoas ansiosas sentem necessidade de controle e de segurança 4343. Barlow DH, Durand VM. Psicopatologia: Uma abordagem integrada. 2ª ed. São Paulo: Cengage Learning; 2015. . A sensação de que, caso necessário, não poderão contar com os serviços existentes pode produzir reações exacerbadas de ansiedade. Esses indivíduos também são aqueles mais propensos a não possuírem de fato acesso a esses dispositivos, o que diminui a chance de prevenir ou tratar o desenvolvimento de transtornos mentais.

Possuir alto suporte social significou probabilidade aproximadamente um terço menor em apresentar sintomas de ansiedade generalizada. Em um estudo com universitários, constatou-se que melhor qualidade do relacionamento com os familiares e amigos/colegas acarreta menor chance de apresentar sintomas de ansiedade 4444. Souza DC. Condições emocionais de estudantes universitários: estresse, depressão, ansiedade, solidão e suporte social [Monografia]. Minas Gerais: Curso de Psicologia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro; 2017. . Por um lado, pessoas que têm maior suporte social possuem maior amparo de amigos e familiares, o que auxilia no manejo de situações estressantes e, consequentemente, na redução de ansiedade. Por outro lado, a falta de suporte social pode gerar preocupação sobre a falta de amparo em caso de necessidade, aumentando a ansiedade.

Neste estudo, também foram identificadas algumas possíveis consequências associadas aos sintomas de ansiedade generalizada. Indivíduos com esse desfecho tiveram probabilidade quatro vezes maior de ter pior qualidade de sono e o dobro da propensão de terem utilizado medicamentos controlados sem prescrição no último mês. Em outro estudo que utilizou o GAD-7, verificaram-se resultados semelhantes: alto nível de ansiedade associada com dificuldades para dormir e acordar, pior qualidade de sono e perturbações diurnas 1414. Manzar MD, Noohu MM, Salahuddin M, Nureye D, Albougami A, Spence DW, et al. Insomnia Symptoms and Their Association with Anxiety and Poor Sleep Hygiene Practices Among Ethiopian University Students. Nat Sci Sleep. 2020;12:575-82. . Uma possível hipótese é por conta da privação de sono que parte dos universitários sofre, o que possibilita maior chance de desencadear níveis maiores da ansiedade 4545. Choueiry N, Salamoun T, Jabbour H, El Osta N, Hajj A, Rabbaa Khabbaz L. Insomnia and relationship with anxiety in university students: a cross-sectional designed study. PloS One. 2016;11(2):e0149643. , o que tende a agravar a qualidade de sono do sujeito, como um efeito de “bola de neve”. Em relação ao uso de medicamentos controlados sem prescrição no último mês, é plausível que o resultado encontrado se deva ao desejo em “curar-se” da ansiedade. Por se tratar de um transtorno psicológico bastante prevalente, o acesso a tais medicamentos pode ser facilitado por meio de pessoas próximas ou no mercado paralelo. Outro motivo pode ser o entendimento de que não há necessidade em realizar uma consulta médica para adquirir o fármaco ou pela falta de tempo, como demonstrado em outros estudos 4646. Shen Y, Zhang Y, Chan BSM, Meng F, Yang T, Luo X, et al. Association of ADHD symptoms, depression and suicidal behaviors with anxiety in Chinese medical college students. BMC Psychiatry. 2020;20(180):1-9. .

Outra consequência dos sintomas de ansiedade generalizada a se destacar é o aumento no risco de suicídio, que nesse estudo foi 116% maior entre indivíduos que reportaram sintomas de ansiedade generalizada. Um estudo com 4.759 estudantes do curso de Medicina na China identificou que, entre indivíduos que reportaram alto nível de ansiedade, houve probabilidades 21%, 48% e 75% maiores de ideação, pensamentos e tentativas suicidas, respectivamente 4646. Shen Y, Zhang Y, Chan BSM, Meng F, Yang T, Luo X, et al. Association of ADHD symptoms, depression and suicidal behaviors with anxiety in Chinese medical college students. BMC Psychiatry. 2020;20(180):1-9. . É plausível que isso possa ter ocorrido por motivos como a perda progressiva de contato com pessoas próximas, prejudicando a qualidade de vida, e pelo desgaste imposto pela convivência diária com sintomas de ansiedade, estresse e preocupação. Destaca-se que esses sintomas de ansiedade generalizada podem estar relacionados a outros transtornos, como transtorno depressivo, transtorno do pânico e, inclusive, transtornos de personalidade 11. Clark, DA, Beck AT. Terapia cognitiva para os transtornos de ansiedade. Porto Alegre: Artmed; 2012. . Dessa forma, o aumento no risco de suicídio encontrado no presente estudo pode ser reflexo das outras comorbidades psicológicas dos mais diversos transtornos que apresentam sintomas ansiosos 22. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5ª ed. Porto Alegre: American Psychiatric Association; 2014. .

Ressalta-se que o presente estudo possui limitações e pontos fortes. Sendo um estudo transversal, não é possível estabelecer causalidade. Seus resultados acerca dos fatores associados e possíveis consequências representam a acareação estatística de um modelo teórico elaborado anteriormente, porém podem estar sujeitos ao viés de causalidade reversa. Outra limitação foi a coleta de dados por meio de questionários autoadministrados. É possível que a prevalência de alguns desfechos possa ter sido subestimada, destacando-se as variáveis de saúde mental, por conta da possibilidade do viés de falsa resposta. Como ponto forte, cita-se sua amostra grande e representativa, dando precisão de resultados e abrangendo a diversidade de uma universidade pública. A utilização de estratégias de análise multivariável com o controle concomitante dos efeitos de múltiplas variáveis proporcionou resultados mais precisos e robustos. Deve-se levar em consideração que os dados foram obtidos em 2019, de forma que possivelmente houve agravamento na saúde mental dos universitários, por conta do contexto de pandemia nos anos de 2020 e 2021.

CONCLUSÕES

Observou-se que os níveis de sintomas de ansiedade generalizada entre os participantes foram elevados, em especial entre sujeitos do sexo feminino, não heterossexuais, obesos, com medo de violência no bairro onde moram e com percepção de difícil acesso a serviço psicológico. Indivíduos que apresentaram quaisquer níveis de atividade física, bem como aqueles que tiveram alto nível de suporte social, mostraram-se como menos ansiosos. Notou-se que possuir alto nível de ansiedade pode acarretar pior qualidade de sono, uso de medicamentos sem prescrição no último mês e alto risco de suicídio. Em relação às variáveis acadêmicas, não se constatou relevância significativa, indicando que a situação de subpopulações específicas dentro da universidade, tal qual como elas estão inseridas, demonstrou ser mais relevante nesta pesquisa. Assim, recomenda-se que a universidade tenha um olhar mais atento a esses subgrupos, estabelecendo canal direto com elas para ver o que, em específico, gera tanto sofrimento. A criação de grupos terapêuticos para redução de ansiedade, dando prioridade a essas subpopulações, é uma alternativa, tendo em vista o elevado número de sujeitos com esse desfecho na graduação (um em cada três). E, por fim, o fortalecimento do setor de assistência estudantil da universidade torna-se fundamental para a viabilização de mudanças futuras nesse âmbito.

AGRADECIMENTOS

O terceiro autor é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os autores agradecem à Universidade e a todos os participantes envolvidos na investigação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Nov 2021
  • Aceito
    8 Jun 2022
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