Open-access Tratamento cirúrgico da embolização de coil para artéria pulmonar após tentativa de fechamento percutâneo do canal arterial

RELATO DE CASO

Tratamento cirúrgico da embolização de coil para artéria pulmonar após tentativa de fechamento percutâneo do canal arterial

Fernando Antibas Atik; Fabio Biscegli Jatene; Paulo Henrique N. Costa; Edmar Atik; Miguel Barbero-Marcial; Sérgio Almeida de Oliveira

Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP

São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Fernando Antibas Atik Av. Chibarás, 626/101 Cep 04076-003 - São Paulo - SP - Brasil E-mail: atik@uol.com.br

A embolização de uma das três molas de Gianturco usadas para o fechamento de grande canal arterial, em criança de 5 anos e 6 meses, alojada na artéria pulmonar esquerda, requereu intervenção operatória 6 meses após, em face da diminuição da perfusão para esse pulmão. Foi realizada secção e sutura do canal arterial e, sob hipotermia profunda através a arteriotomia pulmonar esquerda, foi retirada a mola obstrutiva, localizada na artéria lobar inferior, aderida à parede arterial e coberta por endotélio. Não havendo trombo no local, a perviabilidade arterial pulmonar foi totalmente restabelecida.

A efetividade, o baixo índice de complicações e a evolução adequada da intervenção pelo cateterismo cardíaco, em muitos dos defeitos cardíacos congênitos, têm mobilizado a conduta terapêutica atual para este método1. Em relação ao fechamento percutâneo do canal arterial, vários dispositivos têm sido empregados. Entretanto, as molas de GianturcoR tornaram-se os mais indicados para os defeitos de pequeno diâmetro (até 3mm) por seu baixo custo2, boa eficácia e pequeno índice de complicações, sendo a principal a embolização3 do dispositivo com incidência que varia de 3,8%4 a 20%3, especialmente nos canais arteriais maiores que 4mm e nos de morfologia tubular. O risco é atenuado em face da possibilidade de resgate do coil na própria cateterização intervencionista 5, ou do uso de outros dispositivos mais adequados para este fim, como a prótese de Amplatzer 6. A necessidade de retirada cirúrgica do êmbolo raramente acontece, o que nos motivou a descrever este caso no qual a embolização havia ocorrido seis meses antes e com comprometimento da perfusão para o pulmão esquerdo.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino com 5 anos e 6 meses de idade, foi admitido no ambulatório do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP, com história de cansaço aos esforços físicos e infecções respiratórias de repetição. Ao exame físico, apresentava-se em bom estado geral, ativo, afebril, acianótico, eupnéico e os pulsos eram amplos nos quatro membros. O peso era de 22 Kg e tinha 116 cm de altura. A frequência cardíaca era de 90 bpm e a pressão arterial de 100/ 50 mmHg. O precórdio não tinha deformidades, e o ictus cordis palpado no 5o espaço intercostal esquerdo, na linha hemiclavicular. A 2a bulha no foco pulmonar era hiperfonética. Auscultava-se sopro contínuo de grande intensidade no bordo esternal esquerdo alto, acompanhado de frêmito de igual intensidade. A ausculta pulmonar era normal e não havia visceromegalias.

O eletrocardiograma demonstrou ritmo sinusal com frequência cardíaca de 120 bpm, sinais de sobrecarga ventricular esquerda e alterações difusas da repolarização ventricular. A radiografia simples de tórax mostrava aumento discreto da área cardíaca, com abaulamento do arco médio e acentuação da vascularidade pulmonar, principalmente na região hilar.

O ecocardiograma bidimensional com Doppler confirmou a suspeita clínica de persistência do canal arterial com hiperfluxo pulmonar, mensurando-o em 4,5mm de diâmetro e o caracterizando como de moderada repercussão hemodinâmica.

Optou-se pelo fechamento do canal arterial através do tratamento percutâneo. Em face da grande dimensão do canal arterial, foram utilizadas três molas de GianturcoR (William Cook, Europe), posicionadas de maneira empilhada. O procedimento não obteve sucesso por falha na oclusão do canal arterial com migração dos mesmos para a árvore pulmonar esquerda. Foi possível no mesmo procedimento, o resgate de duas molas; a última se alojou numa das ramificações da artéria pulmonar esquerda, não tendo sido possível sua recuperação (fig. 1).


O paciente foi, submetido a uma investigação complementar, no sentido de localizar precisamente o local da embolização da mola e suas repercussões sobre a perfusão pulmonar. Neste sentido, a cintilografia de perfusão pulmonar mostrou um fluxo diminuido para o pulmão esquerdo (34%) em relação ao direito (61%). Ademais, a tomografia computadorizada de tórax localizou a presença de material hipoatenuante de densidade metálica na projeção da artéria interlobular descendente esquerda.

Em vista do comprometimento da perfusão pulmonar por embolização da mola à esquerda, tratamento cirúrgico foi realizado de maneira programada e eletiva, cerca de seis meses após o cateterismo intervencionista. Sob anestesia geral balanceada, foi realizada a esternotomia mediana, pericardiotomia longitudinal e instalação de circulação extracorpórea através de canulação da aorta ascendente e bicaval. A secção e sutura do canal arterial foi realizada durante o período de resfriamento. Sob hipotermia profunda, a 20º Celsius e parada circulatória total de 10min, foi realizada a arteriotomia pulmonar esquerda, e identificada a presença de material metálico na artéria lobar inferior esquerda. A mola encontrava-se coberta por endotélio vascular, bem aderida à parede arterial, ocluindo o fluxo do segmento pulmonar correspondente. Não havia trombose localizada. A retirada da mola foi completa (fig. 2), realizada por acesso direto, sem auxílio de endoscópio, uma vez que se localizava no ramo lobar, restando discreto desnudamento do endotélio arterial, restabelecendo-se assim a perviabilidade arterial pulmonar.


A evolução pós-operatória foi considerada boa e sem complicações. Houve desaparecimento do sopro contínuo, normalização dos pulsos periféricos e o paciente obteve alta no 4o dia após a intervenção cirúrgica.

Discussão

O tratamento da persistência do canal arterial é tradicionalmente cirúrgico7. Recentemente, outras técnicas menos invasivas têm ganhado ênfase, como por exemplo a toracoscopia 8, a minitoracotomia com acesso extrapleural 9 e o cateterismo intervencionista 10. Este último ganhou impulso crescente desde a descrição inicial por Gianturco e cols.11, em 1975. Desde então, alguns dispositivos têm sido investigados, com eficácias variáveis, sistemas de liberação complexos e caros.

O progresso tecnológico levou ao primeiro fechamento percutâneo do canal arterial com o uso de molas, em 199212, e se firmou como tratamento de escolha para canais arteriais com menos de 4mm de diâmetro em muitas instituições em todo o mundo. Este fato é justificado pelo seu alto grau de eficácia (88% 3 a 95% 4), baixo índice de complicações e custos semelhantes em relação à operação em grupos selecionados de pacientes13.

As complicações do tratamento intervencionista incluem a falha do fechamento do canal arterial, a embolização do dispositivo, a estenose da artéria pulmonar esquerda, lesão ou oclusão da artéria femoral e hemólise. A embolização (3,8% dos casos4) pode ocorrer durante o procedimento ou tardiamente, sendo mais frequente nos portadores de defeitos de grande diâmetro e nos quais foram utilizados mais de um dispositivo, como no caso relatado. A embolização ocorre mais comumente para a circulação pulmonar que para a sistêmica, devido ao gradiente de pressão existente entre elas. O tratamento desta complicação consiste, na maioria dos casos, no resgate do dispositivo no próprio procedimento intervencionista.

Raros são os casos relatados na literatura nos quais houve a necessidade de alívio cirúrgico de êmbolos que obstruiam de maneira significativa algum ponto arterial pulmonar, e alguns autores4 até advogam conduta expectante nesses casos. Na nossa opinião, o tratamento de qualquer embolização de material estranho para a artéria pulmonar, que não tenha sido resgatado pelo cateterismo intervencionista, deve ser cirúrgico. Em geral, procede-se à operação imediatamente após o cateterismo cardíaco o que torna talvez mais simples a remoção do êmbolo, dado que inexiste à reação inflamatória. No caso presente, a remoção foi feita cerca de seis meses após a cateterização o que criou maior dificuldade técnica, devido à aderência à parede arterial e à endotelização do material. Percebeu-se que o procedimento foi benéfico, possibilitando a desobstrução arterial e a maior perfusão pulmonar, apesar da necessidade de circulação extracorpórea e de parada circulatória total. Aliás, em relação a este tipo de tratamento, a mola encoberta por endotélio impossibilitaria sua remoção através de novas tentativas pelo cateterismo intervencionista.

Acreditamos que, em casos semelhantes, a conduta cirúrgica deva ser adotada, visando melhor perspectiva clínica e hemodinâmica, assim como evitando-se a possibilidade de endotelite no local da obstrução. Ao longo do tempo, além da perfusão pulmonar prejudicada pela crescente estenose da artéria lobar, outras complicações surgiriam como possível sobrecarga de volume e hipertensão em outros territórios pulmonares. A endotelite infecciosa no local da obstrução arterial ou próximo dela em decorrência de outras deformidades causadas, seria sem dúvida a complicação mais esperada e temida nesta evolução. Estes elementos reforçam a conduta cirúrgica adotada, tornando-a por isso até obrigatória em casos semelhantes.

Referências

1. Atik E. Cateterismo cardíaco intervencionista na cardiologia pediátrica: o posicionamento médico quanto às aplicações atuais e perspectivas. Arq Bras Cardiol 2002; 79: 443-5.

2. Fedderly RT, Beekman RH, Mosca RS, Bove EL, Lloyd TR. Comparison of hospital charges for closure of patent ductus arteriosus by surgery and by transcatheter coil occlusion. Am J Cardiol 1996; 77: 776-9.

3. Galal O, de Moor M, Fadley F, et al. Problems encountered during introduction of Gianturco coils for transcatheter occlusion of the patent arterial duct. Eur Heart J 1997; 18: 625-30.

4. Magee AG, Huggon IC, Seed PT, Qureshi SA, Tynan M. Transcatheter coil occlusion of the arterial duct. Results of the European Registry. Eur Heart J 2001; 22: 1817-21.

5. Goyal VS, Fulwani MC, Ramakantan R, Kulkarni HL, Dalvi BV. Follow-up after coil closure of patent ductus arteriosus. Am J Cardiol 1999; 83: 463-6.

6. Simões LC, Pedra CAC, Esteves CA, et al. Fechamento percutâneo do canal arterial com a prótese Amplatzer: experiência no Brasil. Arq Bras Cardiol 2001; 77: 526-31.

7. Mavroudis C, Backer CL, Gewitz M. Forty-six years of patent ductus arteriosus division at Children's Memorial Hospital of Chicago: standards for comparison. Ann Surg 1994; 220: 402-10.

8. Jatene FB, Assad RS, Pêgo-Fernandes P, et al. Video-assisted surgery for closure of patent ductus arteriosus. Study in sheep and initial clinical experience. Arq Bras Cardiol 1994; 63: 469-72.

9. Miles RH, Delcon SY, Muraskas J, et al. Safety of patent ductus arteriosus closure in premature infants without tube thoracostomy. Ann Thorac Surg 1995; 59: 668-70.

10. Allen HD, Beekman RH III, Garson A, Hijazi ZM, Mullins C, O'Laughlin MP, Taubert KA. Pediatric therapeutic cardiac catheterization. A statement for healthcare professionals from the council on cardiovascular disease in the young, American Heart Association. Circulation 1998; 97: 609-25.

11. Gianturco C, Anderson JH, Wallace S. Mechanical devices for arterial occlusion. Am J Roentgenol Ther Nucl Med 1975; 124: 428-35.

12. Cambier PA, Kirby WC, Wortham DC, Moore JW. Percutaneous closure of the small (less than 2.5 mm) PDA using coil embolization. Am J Cardiol 1992; 69: 815-6.

13. Hawkins JA, Minich LL, Tani LY, Sturtevant JE, Orsmond GS, McGough EC. Cost and efficacy of surgical ligation versus transcatheter coil occlusion of patent ductus arteriosus. J Thorac Cardiovasc Surg 1996; 112: 1634-9.

Recebido para publicação em: 27/2/03

Aceito em: 26/5/03

  • Endereço para correspondência
    Fernando Antibas Atik
    Av. Chibarás, 626/101
    Cep 04076-003 - São Paulo - SP - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jul 2004
    location_on
    Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@cardiol.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro