Resumos
FUNDAMENTO: A levosimendana é um novo agente inodilatador que aumenta a contratilidade cardíaca pela sensibilização ao Ca(2+) e induz vasodilatação por meio da ativação dos canais KATP/BKCa. OBJETIVO: Estudar a eficácia e segurança da levosimendana em uma coorte brasileira portadora de insuficiência cardíaca descompensada e em pacientes resistentes a agonistas b-adrenérgicos. MÉTODOS: O BELIEF (Brazilian Evaluation of Levosimendan Infusion Efficacy) foi um estudo aberto, prospectivo, multicêntrico e observacional realizado com 182 portadores de ICD de alto risco, todos tratados com levosimendana. O desfecho primário do estudo era alta hospitalar sem terapia inotrópica adicional (pacientes que responderam ao tratamento). Os desfechos secundários eram alterações nos parâmetros clínicos e hemodinâmicos e nos níveis de peptídeo natriurético cerebral (BNP). RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 14,8%, e 139 dos 182 pacientes responderam ao tratamento. Entre os que não responderam, a taxa de mortalidade foi de 62,8%. A pressão arterial sistólica foi um preditor de resposta ao tratamento. No grupo resistente aos agonistas b-adrenérgicos, 55,8% responderam ao tratamento. Ao todo, 54 pacientes tiveram pelo menos um evento adverso, a maioria dos quais desapareceu espontaneamente ou após redução da dose da levosimendana. Houve uma melhora significativa na qualidade de vida entre 2 e 6 meses do acompanhamento (p < 0,0001). CONCLUSÃO: Nossos resultados indicam que a infusão de levosimendana é uma terapia alternativa de curto prazo para tratamento de pacientes com ICD. A gravidade da insuficiência cardíaca pode influenciar a resposta ao tratamento com levosimendana. São necessários estudos prospectivos com uma coorte brasileira que inclua também pacientes com doença de Chagas.
Baixo débito cardíaco; agentes inotrópicos cardíaco-positivos; levosimendana; insuficiência cardíaca congestiva; dispnéia; doença de chagas; pressão arterial
BACKGROUND: Levosimendan is a new inodilatory agent that enhances cardiac contractility via Ca(2+) sensitization and induces vasodilation through the activation of KATP/BKCa. OBJECTIVE: To study the efficacy and safety of levosimendan in a decompensated heart failure (DHF) Brazilian cohort, and in b-adrenergic agonist resistant patients. METHODS: The Brazilian Evaluation of Levosimendan Infusion Efficacy (BELIEF) study was prospective, multicenter, observational and included 182 high-risk DHF patients, all of which received open-label levosimendan. Primary end point was hospital discharge without additional inotropic therapy (responder). Secondary end points were changes in hemodynamics, clinical parameters, and brain natriuretic peptide (BNP). RESULTS: Mortality rate was 14.8%, and 139 of 182 patients were responders. In non responders it was 62.8%. Systolic blood pressure was a predictor of response. In b-adrenergic agonist resistant group, 55.8% were responders. Overall, 54 patients experienced at least one adverse event; most of them resolved either spontaneously or after levosimendan dose reduction. A significant improvement in quality of life was verified at 2-6 months of follow-up (p<0.0001). CONCLUSION: Our results suggest levosimendan infusion as an alternative therapy in the short term management of DHF patients. HF severity can influence the response to levosimendan treatment. Prospective studies are warranted in a Brazilian cohort including Chagas heart disease.
Heart failure; decompensated heart failure; levosimendan; inotropic drug; decompensated congestive heart failure; dyspnea; Chagas disease; systolic blood pressure
ARTIGO ORIGINAL
Levosimendana em pacientes com insuficiência cardíaca descompensada: eficácia em uma coorte brasileira. Resultados do estudo BELIEF
Edimar Alcides BocchiI; Fábio Vilas-BoasI; Maria da Consolação MoreiraIII; Antonio Carlos Pereira BarrettoI; Silvia LageI; Denilson AlbuquerqueIV; Jader BaimaV; Salvador RassiVI; Jorge Pinto RibeiroVII; e representando os investigadores do Estudo BELIEF e o Grupo de Estudos de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de CardiologiaVIII
IInstituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIHospital Santa Izabel
IIIHospital Felício Rocho
IVHospital Universitário Pedro Ernesto, UERJ
VDepartamento de Pesquisas Clínicas dos Laboratórios Abbott
VIBrasil; Hospital das Clínicas da UFG
VIIHospital das Clinicas da UFRS
VIIIGrupo de Estudos de Insuficiência Cardíaca (GEIC) da Sociedade Brasileira de Cardiologia São Paulo, SP, Salvador, BA, Belo Horizonte, MG, Rio de Janeiro, RJ, Goiânia, GO, Porto Alegre, RS - Brasil
Correspondência Correspondência: Edimar Alcides Bocchi Rua Oscar Freire, 2077/161 05.409-011, São Paulo, SP Brasil E-mail: edimarbocchi@cardiol.br dcledimar@incor.usp.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A levosimendana é um novo agente inodilatador que aumenta a contratilidade cardíaca pela sensibilização ao Ca(2+) e induz vasodilatação por meio da ativação dos canais KATP/BKCa.
OBJETIVO: Estudar a eficácia e segurança da levosimendana em uma coorte brasileira portadora de insuficiência cardíaca descompensada e em pacientes resistentes a agonistas b-adrenérgicos.
MÉTODOS: O BELIEF (Brazilian Evaluation of Levosimendan Infusion Efficacy) foi um estudo aberto, prospectivo, multicêntrico e observacional realizado com 182 portadores de ICD de alto risco, todos tratados com levosimendana. O desfecho primário do estudo era alta hospitalar sem terapia inotrópica adicional (pacientes que responderam ao tratamento). Os desfechos secundários eram alterações nos parâmetros clínicos e hemodinâmicos e nos níveis de peptídeo natriurético cerebral (BNP).
RESULTADOS: A taxa de mortalidade foi de 14,8%, e 139 dos 182 pacientes responderam ao tratamento. Entre os que não responderam, a taxa de mortalidade foi de 62,8%. A pressão arterial sistólica foi um preditor de resposta ao tratamento. No grupo resistente aos agonistas b-adrenérgicos, 55,8% responderam ao tratamento. Ao todo, 54 pacientes tiveram pelo menos um evento adverso, a maioria dos quais desapareceu espontaneamente ou após redução da dose da levosimendana. Houve uma melhora significativa na qualidade de vida entre 2 e 6 meses do acompanhamento (p < 0,0001).
CONCLUSÃO: Nossos resultados indicam que a infusão de levosimendana é uma terapia alternativa de curto prazo para tratamento de pacientes com ICD. A gravidade da insuficiência cardíaca pode influenciar a resposta ao tratamento com levosimendana. São necessários estudos prospectivos com uma coorte brasileira que inclua também pacientes com doença de Chagas.
Palavras-chave: Baixo débito cardíaco, agentes inotrópicos cardíaco-positivos, levosimendana, insuficiência cardíaca congestiva, dispnéia, doença de chagas, pressão arterial.
Introdução
No Brasil, aproximadamente 400.000 pessoas são internadas todos os anos por insuficiência cardíaca descompensada (ICD)1. No sistema de saúde público brasileiro, a insuficiência cardíaca representa 33% de todas as hospitalizações por doença cardiovascular e cerca de 23% do total de gastos com hospitalização por doença cardiovascular.
Agentes inotrópicos intravenosos são comumente usados no tratamento de ICD, apesar das preocupações relacionadas com sua influência deletéria na sobrevida e a atenuação dos seus efeitos em pacientes que estão tomando b bloqueadores2. A levosimendana é um agente inodilatador com modo de ação duplo: ele aumenta a sensibilidade da troponina C ao cálcio e atua como vasodilatador ao promover a abertura dos canais de potássio sensíveis ao ATP. A levosimendana pode melhorar os sintomas hemodinâmicos, aumentar a sobrevida e reduzir o período de internação dos pacientes com ICD3-8. O estudo SURVIVE comparou a sobrevida a longo prazo entre pacientes tratados com levosimendana e dobutamina e não encontrou diferença entre esses dois medicamentos. Entretanto, a fibrilação atrial aumentou no grupo de levosimendana9-10. O estudo BELIEF analisou a eficácia e a segurança da levosimendana em portadores de ICD em uma coorte brasileira.
Métodos
Delineamento
O BELIEF (Brazilian Evaluation of Levosimendan Infusion Efficacy), um estudo prospectivo, multicêntrico e observacional realizado com portadores de ICD de 35 centros cardiológicos no Brasil, fez parte de um programa de acesso precoce à levosimendana.
Os pacientes foram designados para receber levosimendana além do tratamento convencional. Os critérios de inclusão no estudo eram: idade mínima de 16 anos; fração de ejeção ventricular esquerda abaixo de 35% documentada por ecocardiografia bidimensional ou ventriculografia radioisotópica até seis meses antes da inclusão no estudo; resistência a diuréticos e/ou diminuição da diurese na ausência de hipovolemia; e ICD com necessidade de hospitalização e terapia inotrópica intravenosa. Insuficiência cardíaca descompensada foi definida pela presença de (a) congestão pulmonar; ou (b) congestão pulmonar associada com sinais ou sintomas de baixo débito cardíaco e sem hipotensão arterial grave; (c) sinais ou sintomas de baixo débito cardíaco sem congestão ou hipotensão arterial grave.
Os pacientes eram considerados elegíveis se apresentassem descompensação de IC crônica, piora gradual da IC, ICD persistente ou primeira ocorrência de ICD1. Os pacientes que precisaram de infusão de agonista b-adrenérgico por mais de 48 horas sem sinais de redução da dose e que preenchiam os critérios de inclusão também foram incluídos no estudo.
Os critérios de exclusão foram: hipotensão grave (pressão arterial sistólica [PAS] abaixo de 85 mmHg durante a triagem) resistente à administração de líquidos intravenosos; ventilação mecânica; insuficiência renal grave (depuração de creatinina < 30 mL/min ou creatinina > 2.5 mg/dL); insuficiência hepática (definida como níveis de alanina aminotransferase ou aspartato aminotransferase três vezes acima do normal); hipersensibilidade à levosimendana ou a qualquer um de seus excipientes; (f) obstrução mecânica da via de entrada e/ou via de saída ventricular; hipocalemia resistente à terapia de reposição de potássio; infarto agudo do miocárdio; arritmias graves ou não-controladas; hipertensão pulmonar primária; miocardite aguda; cardiopatia congênita; mulheres grávidas ou em período de aleitamento; câncer; demência; qualquer doença sistêmica que pudesse afetar a interpretação do resultado; ou instabilidade hemodinâmica importante que exigisse suporte mecânico.
Não foi feito monitoramento invasivo para orientação do tratamento. Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido antes de entrar no estudo. O protocolo foi aprovado pelo Conselho de Ética e Conselho Revisor de cada centro.
Infusão de levosimendana
A levosimendana foi preparada em uma concentração de 0,025 mg/ml, obtida pela diluição de 2,5 mg em 500 ml de soro glicosado a 5%. A dose de ataque usada (6 a 12 µg/kg) foi estabelecida pelo pesquisador e administrada durante 10 minutos, seguida por infusão contínua de 0,1 µg/kg/minuto até completar 24 horas. Ao longo desse período, os pesquisadores podiam aumentar a dose até o máximo de 0,2 µg/kg/minuto ou diminuir para 0,05 µg/kg/minuto. Podiam também suspender a infusão, a seu critério, em caso de hipotensão sintomática (PAS abaixo de 80 mm Hg), taquicardia clinicamente importante, evento adverso grave relacionado com a levosimendana ou retirada do consentimento livre e esclarecido por parte do paciente. Os pesquisadores experimentaram suspender a administração de outros medicamentos inotrópicos durante a infusão de levosimendana, a menos que não fosse possível devido ao estado clínico do paciente.
Desfechos
O desfecho primário do estudo foi definido como alta hospitalar sem necessidade de terapia inotrópica adicional após a infusão de levosimendana.
Os desfechos secundários foram alterações nos valores da pressão sistólica (PAS) e diastólica (PAD), freqüência cardíaca, freqüência respiratória e níveis de peptídeo natriurético tipo B, bem como dispnéia e congestão pulmonar. A pressão arterial (mmHg), a freqüência cardíaca (batimentos por minuto, bpm) e a freqüência respiratória (resp/min) foram avaliadas no começo do estudo (0) e 1, 2, 4, 6, 12, 24, 36 e 48 horas após o início da infusão de levosimendana, e depois a cada 24 horas até a alta hospitalar.
Dispnéia (ausente, leve, moderada ou grave) e congestão pulmonar (ausente, basilar, terço inferior e 1/3 até os ápices pulmonares) foram avaliadas no começo do estudo e 1, 2, 4 6, 12, 24, 36 e 48 horas após o início da infusão de levosimendana. Os níveis de creatinina sérica (mg/dL), hematócrito (%), hemoglobina (g/dL), sódio (mEq/L) e potássio (mEq/L) foram dosados no início do estudo e em outros momentos determinados.
Análise dos fatores que influenciaram a resposta à levosimendana
Para identificar possíveis variáveis que pudessem ter valor prognóstico na determinação da resposta clínica à levosimendana, as características basais de dois grupos de pacientes foram comparadas: o grupo dos pacientes que responderam ao tratamento (R) e o grupo dos pacientes que não atingiram o desfecho primário do estudo (não responderam ao tratamento - NR).
Avaliação da segurança
O perfil de segurança foi monitorado durante os 31 dias após a infusão da levosimendana, inclusive os eventos adversos. Os eventos adversos eram relatados à medida que ocorriam durante o período de internação hospitalar ou por meio de entrevistas telefônicas. As alterações nos valores iniciais da PAS e o efeito da dose de ataque sobre a PAS foram analisados para avaliar o risco de hipotensão.
Período de internação e reinternações, qualidade de vida e mortalidade após a alta hospitalar
Os pacientes foram acompanhados durante seis meses após a alta hospitalar, por uma equipe especializada de enfermeiros, para análise de reinternações, mortalidade e qualidade de vida. Esse acompanhamento foi feito por meio de entrevistas telefônicas padronizadas realizadas com os próprios pacientes ou com seus familiares. Reinternações, eventos clínicos, mudanças na medicação, peso corporal, ingestão de alimentos e líquidos, sintomas, exercício, trabalho e aspectos psicológicos também foram avaliados durante o período de acompanhamento. A qualidade de vida foi avaliada por meio do questionário de Minnesota (Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire) no início do estudo e 2, 4 e 6 meses após a alta hospitalar11.
Análise estatística
Os dados foram coletados e processados pelo patrocinador do estudo (Laboratórios Abbott, São Paulo, Brasil). Seus representantes participaram da análise e interpretação dos dados. Todas as análises foram realizadas pela Statistika Consultoria (São Paulo, Brasil) e conferidas pelo patrocinador e pelos pesquisadores do estudo. No caso das variáveis contínuas, a igualdade de variância foi testada pelo método do F dobrado antes da realização do teste t de Student com variância agrupada para variâncias iguais ou o método de Satterthwaite para variâncias desiguais. As variáveis categóricas foram avaliadas pelo teste exato de Fisher. O modelo de regressão logística foi usado para determinar a probabilidade de fracasso do tratamento em relação às características basais. Análises de variância (ANOVA) para medidas repetidas com estrutura de covariância espacial e métodos de estimativa da máxima verossimilhança restrita foram empregados para as variáveis contínuas. As variáveis categóricas ao longo do tempo foram analisadas por um modelo linear geral com distribuição multinomial e função de ligação logística cumulativa, por meio de equações de estimação generalizadas. As curvas livres de evento foram estimadas pelo teste de Kaplan-Meier. Os dados foram analisados com auxílio do programa estatístico SAS® versão 8.2. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.
Resultados
Características basais
Entre 22 de fevereiro de 2002 e 15 de abril de 2003, 182 pacientes foram inscritos no estudo. A população do estudo BELIEF (Tabela 1) era predominantemente branca (58%) e do sexo masculino (67%). Entretanto, a proporção de afro-brasileiros (36,8%) também era significativa. A maioria dos pacientes (81%) tinha evidência clínica de sobrecarga hídrica e congestão sem hipotensão (perfil clínico quente/úmido). As comorbidades incluíram diabetes mellitus tipo 2 (13,7%) e doença tireoidiana (4,4%). Anemia e hiponatremia eram comuns. As medicações administradas antes da infusão de levosimendana estão detalhadas na Tabela 2; setenta e um pacientes (39%) já tinham recebido agentes inotrópicos, e 21% deles estavam tomando b-bloqueadores.
Desfecho primário
Cento e trinta e nove dos 182 portadores de ICD (76,4%; IC 95%, 69,5%-82.3%) responderam à infusão de levosimendana (R). Trinta e sete (14,8%) morreram durante a hospitalização (Gráfico 1). Dezesseis dos 43 pacientes (37%) que não atingiram o desfecho primário do estudo receberam alta após terapia de resgate (dobutamina em 14 pacientes, dopamina em 1 e dobutamina e dopamina em 1). A permanência hospitalar média foi de 8 ± 10 dias. Setenta e um pacientes (39%) receberam medicamentos inotrópicos b-agonistas durante pelo menos 48 horas antes da infusão de levosimendana e não apresentaram melhora clínica, 39 deles (55%) subseqüentemente responderam à levosimendana (tabela 2). Vinte e cinco dos 30 (83,3%) pacientes que receberam b-bloqueadores obtiveram sucesso no tratamento (tabela 2).
Desfechos secundários
Os pacientes que receberam a dose de ataque apresentaram redução da PAS, comparado com os níveis iniciais (p = 0,0492). O gráfico 2 mostra as mudanças observadas na PAS entre os grupos de tratamento que receberam ou não a dose de ataque de levosimendana seguida por infusão contínua do medicamento. A PAS média basal dos pacientes que responderam ao tratamento (R), bem como a obtida 1, 12, 24 e 48 horas após a infusão de levosimendana, foi de 112, 111, 110, 106 e 108 mm Hg, respectivamente, enquanto a dos pacientes que não responderam ao tratamento (NR) foi de 105, 99, 99, 96 e 96 mm Hg, respectivamente. Não foi observada resposta significantemente diferente entre os grupos em relação à PAD (p = 0,0897). Nenhum paciente foi retirado do estudo por causa de hipotensão sintomática.
A freqüência cardíaca (bpm) dos pacientes R no início do estudo e 12 e 24 horas após a infusão de levosimendana foi 83, 87 e 84, respectivamente, enquanto a dos pacientes NR foi 89, 86 e 89. Esse efeito sobre a freqüência cardíaca não foi significante (p = 0,1), bem como a interação entre os grupos e o tempo (p = 0,6).
A freqüência respiratória diminuiu significantemente com o tempo (p = 0,01), mas a diferença entre os grupos não foi significante (p = 0,6). Não houve interação significante entre os grupos e o tempo (p = 0,9).
Na avaliação efetuada no início do estudo, os dois grupos apresentaram congestão pulmonar (pacientes R = 86,8%; pacientes NR = 70,7% (Gráfico 3a), que melhorou significantemente com o tempo (p < 0,0001). Depois de 48 horas, 53,3% dos pacientes R e 51,5% dos pacientes NR não tinham mais congestão pulmonar.
Os dois grupos apresentraram dispnéia no início da infusão de levosimendana (pacientes R = 80,5%; pacientes NR = 83,8%) (Gráfico 3b). No caso da dispnéia, observou-se uma interação significante entre o tempo e os grupos (p = 0,008), e a melhora do quadro foi mais lenta nos pacientes NR. Após 48 horas, a proporção de pacientes sem dispnéia era mais alta no grupo R (67,5%) do que no grupo NR ([42,4%] p = 0,014).
Os níveis séricos de BNP foram determinados em 28 pacientes R e NR. Os níveis desse peptídeo diminuíram significantemente com o tempo nos pacientes R. No início do estudo e após 24, 48 e 72 horas, os valores dos pacientes R e NR combinados foram, respectivamente, 1096 ± 867, 740 ± 1187, 827 ± 743 e 474 ± 565 pg/mL. Os níveis do peptídeo natriurético tipo B no início do estudo e após 24 horas nos pacientes R foram, respectivamente, 939 ± 617 e 405 ± 240pg/mL (p < 0,05), enquanto nos pacientes NR foram 1672 ± 1558 e 2580 ± 2886 pg/mL.
Não houve alterações significantes nos níveis de creatinina, hemoglobina, hematócrito e potássio entre os grupos até 48 horas.
Análise dos fatores que influenciaram a resposta à levosimendana
A eficácia da levosimendana não foi relacionada com a dose de ataque. Uma dose de ataque média de 7,1 ± 4,5 µg/kg foi administrada durante 10 minutos em 148 pacientes, e 112 (76%) responderam à medicação. Da mesma forma, 27 de 34 pacientes (79%) que não receberam o bolus de levosimendana no início da infusão do medicamento também responderam à medicação (p = 0,4). Além disso, o uso concomitante de b-bloqueadores não influenciou as taxas de resposta à levosimendana. Trinta e um dos 38 pacientes (82%) que estavam tomando b-bloqueadores responderam à levosimendana.
Houve diferenças significantes entre os pacientes R e NR em relação aos valores basais de PAS, creatinina e hemoglobina, bem como à presença de congestão pulmonar (Tabela 3). Nos modelos de regressão logística, apenas o valor basal da PAS foi um preditor significante de fracasso do tratamento (p = 0,046), apresentando relação inversa com a resposta ao tratamento. A capacidade preditiva do modelo melhorou quando a PAS foi classificada como hipotensão (PAS < 90 mmHg) ou normal (p = 0,0006).
A análise dos medicamentos administrados 48 horas antes e durante a administração de levosimendana demonstrou que os diuréticos orais e os inibidores da enzima conversora de angiotensina foram mais usados pelos pacientes R, ao passo que dobutamina, dopamina, and norepinefrina foram usados com maior freqüência por pacientes NR (Tabela 2).
O uso de dobutamina nas 48 horas que precederam a infusão de levosimendana foi mais freqüente em pacientes NR (58,15) do que em pacientes R (24,4%, p < 0,0001) (Tabela 2). Não foram observadas diferenças em pacientes que estavam recebendo b-bloqueadores e diuréticos intravenosos. Oitenta e um por cento dos pacientes que tomavam digoxina responderam ao tratamento, enquanto 70% dos que não tomavam digoxina não responderam ao tratamento.
Segurança
Ao todo, 54 pacientes tiveram pelo menos um evento adverso durante o período de internação (tabela 4). A maior parte dos eventos desapareceu espontaneamente ou após uma redução da dose de levosimendana. Nenhum paciente teve a infusão de levosimendana interrompida temporariamente ou suspensa, e apenas um paciente teve a dose reduzida.
Dezessete pacientes morreram de causas cardíacas: sete de arritmias complexas ou parada cardíaca (dois deles durante a infusão) e dez por progressão da IC congestiva. Dez pacientes morreram de causas não-cardíacas: 2 de embolia pulmonar, 2 de pneumonia, 4 de sepse, 1 de insuficiência respiratória e 1 de doença pulmonar obstrutiva crônica.
Período de internação e reinternações, qualidade de vida e mortalidade após a alta hospitalar
A gráfico 1 mostra a proporção de pacientes que permaneciam vivos no 32º dia de acompanhamento após a infusão de levosimendana. Os dados sobre internações, sobrevida, transplantes cardíacos e escores no Minnesota Quality of Life Questionnaire foram coletados durante um período de 4,7 ± 1,6 meses (faixa:1-9 meses) após a alta hospitalar. Quarenta e dois pacientes (36%) foram reinternados, 10 morreram (8%) e 8 (7%) foram submetidos a transplante cardíaco. Entre 2 e 6 meses após a alta, houve uma melhora significante na qualidade de vida dos pacientes, com redução média de 26,4 no escore do Minnesota Quality of Life Questionnaire (p < 0,0001) (gráfico 4).
Discussão
Os resultados do estudo BELIEF corroboram o uso de levosimendana como terapia alternativa eficaz de curto prazo no tratamento de ICD. A infusão de levosimendana pode ser eficaz em pacientes selecionados que não responderam à terapia com agonistas b-adrenérgicos. O uso concomitante com b-bloqueadores não afetou a porcentagem de pacientes com resposta favorável à levosimendana.
A única variável no início do estudo que apresentou valor prognóstico para a determinação de resposta clínica à levosimendana foi a PAS; pacientes com hipotensão (PAS < 90 mmHg) tinham quatro vezes mais probabilidade de não responder ao tratamento com levosimendana.
Os efeitos benéficos da levosimendana podem ser explicados pela melhora nas variáveis hemodinâmicas, inclusive funções cardíacas sistólica e diastólica, redução das pressões de enchimento ventricular e aumento do débito cardíaco3-10,12-25. Outras vantagens são vasodilatação da circulação pulmonar3, redução da isquemia miocárdica e da área infartada, melhora do acoplamento ventriculoarterial esquerdo20, maior efeito anti-hibernante, perfil energeticamente favorável com melhora do débito cardíaco sem aumento do consumo de oxigênio22 e melhora do perfil pró-inflamatório neuro-hormonal, inclusive redução dos níveis de endotelina-1 renal, peptídeo natriurético atrial e renina23-26.
Os mecanismos de ação in vitro relatados para a levosimendana são (a) aumento da sensibilidade miofibrilar ao cálcio, que se liga à troponina C cardíaca de maneira cálcio-dependente5, (b) maior liberação e recaptação de cálcio no retículo sarcoplasmático14, (c) dilatação arteriolar e venosa pela ativação dos canais de postássio sensíveis ao ATP e à glibenclamida por meio da dessensibilização das células da musculatura lisa periférica ao cálcio nas paredes dos vasos6,16-17, e (d) inibição da fosfodiesterase acima dos níveis terapêuticos5,19,26,27.
Os mecanismos de ação in vivo da levosimendana não são conhecidos28. Condições fisiopatológicas podem alterar a resposta do miofilamento a uma concentração intracelular específica de cálcio. Os efeitos cardiotônicos da levosimendana no coração de porquinhos-da-índia podem ser influenciados pela estimulação b-adrenérgica29. Além disso, os mecanismos envolvidos em maior inotropismo podem depender da espécie18,19.
Nossos resultados não apenas confirmam como também ampliam os achados sobre a eficácia da levosimendana em portadores de ICD7-10,30. As reduções na freqüência respiratória e na congestão coincidem com as do estudo REVIVE II, mas se contrapõem às do estudo RUSSLAN8. Entretanto, há relatos de melhora da dispnéia com infusões de curto (6 horas) e longo prazo (24 horas) de levosimendana4, 7.
Em nossa coorte, o valor basal da PAS foi um bom preditor de resposta clínica à levosimendana, principalmente quando a população do estudo foi classificada em pacientes com PAS acima ou abaixo de 90 mmHg. Constatou-se que PAS mais baixa era um forte preditor de eventos adversos em pacientes com IC31,32. É provável que as conseqüências negativas de uma maior vasodilatação em pacientes hipotensos que necessitam de agentes inotrópicos simpatomiméticos para manter a PAS superem os efeitos favoráveis da maior contratilidade cardíaca. Além disso, a magnitude da maior sensibilidade miofibrilar ao cálcio pode ser reduzida em pacientes com grave cardiomiopatia33.
Outros estudos sobre IC também revelaram menores taxas de sucesso do tratamento na presença de outros marcadores de pior prógnóstico, como anemia, disfunção renal, congestão pulmonar e uso de medicamentos inotrópicos que aumentam os níveis intracelulares de cálcio, como, por exemplo, b-agonistas32,34. Entretanto, os valores séricos mais baixos de creatinina e hemoglobina observados nos pacientes que responderam ao tratamento no nosso estudo contrariam esse conceito.
A descoberta de que a levosimendana não afetou negativamente a função renal coincide com relatos de estudos anteriores30,35. Isso é encorajador, pois a função renal diminui em aproximadamente 21% dos pacientes hospitalizados com IC36. Como 20% dos metabólitos da levosimendana são excretados pelos rins, o medicamento é apenas minimamente afetado pela redução da função renal37. Além disso, a piora da insuficiência renal foi associada com mais do dobro de aumento na incidência de eventos adversos35.
A taxa de eventos adversos observada no nosso estudo demonstra que a levosimendana apresenta uma tolerabilidade aceitável por portadores de ICD de alto risco. Nossos resultados são compatíveis com os relatos anteriores sobre incidência de hipotensão importante dependente da dose7. A incidência de outros eventos adversos também foi semelhante à relatada anteriormente por outros estudos, exceto em relação à fibrilação atrial, fibrilação ventricular e hipotensão/choque cardiogênico, que foi mais baixa do que a observada no estudo SURVIVE4,7-9,30,35. Não se conhecem as razões dessa diferença, mas talvez ela possa ser atribuída às características da coorte brasileira.
É importante ressaltar a melhora sustentada nos escores do Minnesota Quality of life Questionnaire observada na nossa coorte. A melhora de 24,6 pontos registrada entre 2 e 6 meses de acompanhamento após a alta hospitalar foi superior à relatada por outros 31 estudos clínicos de IC, sendo igualada apenas por um estudo38. Nossos resultados referentes à reinternação foram compatíveis com os relatados anteriormente, demonstrando uma elevada taxa de reinternação hospitalar. Apesar disso, ao contrário de outros estudos, nossos pacientes relataram uma melhora sistemática e estável na qualidade de vida depois de seis meses39. Os efeitos farmacológicos do metabólito ativo da levosimendana, OR-1896, com meia-vida de eliminação de aproximadamente 80 horas, são sustentados, mas não se pode esperar que evitem novas internações posteriores40.
Implicações clínicas
A levosimendana é um medicamento alternativo promissor para o tratamento de ICD, uma vez que combina efeitos inotrópicos e vasodilatadores, além de oferecer as seguintes vantagens: manutenção da eficácia em pacientes que estão tomando b-bloqueadores; ausência de taquifilaxia; e aumento mínimo na freqüência cardíaca.
Limitações do estudo
Uma das limitações deste estudo foi seu delineamento aberto e não-randomizado. Além disso, a falta de um grupo de placebo impediu a determinação das relações de causa e efeito entre os tratamentos e os resultados. No entanto, os resultados sistematicamente favoráveis e a baixa incidência de eventos adversos devem ser atribuídos à levosimendana, mesmo nos pacientes que receberam diversos agentes farmacológicos.
Da mesma forma, os resultados do BNP devem ser interpretados com reservas, uma vez que os níveis séricos desse peptídeo foram determinados em um subgrupo de pacientes; e a comparação da redução dos níveis da PAS ao longo do estudo entre os pacientes que receberam e os que não receberam a dose de ataque deve ser analisada com cautela com base nos diferentes valores basais.
Conclusão
Este estudo indica que a levosimendana é uma opção terapêutica atraente no tratamento a curto prazo de ICD, mesmo em pacientes resistentes a outros medicamentos inotrópicos ou que estão tomando b-bloqueadores. Aparentemente, os pacientes com PAS > 90 mmHg são os que mais se beneficiam da terapia com levosimendana. Nossos resultados estimulam a realização de um estudo clínico com uma coorte brasileira portadora de ICD, incluindo pacientes chagásicos.
Obs.: Veja instituições e investigadores envolvidos com o trabalho no apêndice disponível em: http://www.arquivosonline.com.br/2008/9003/participantes_1973.asp
Artigo recebido em 18/10/07; revisado recebido em 13/11/07; aceito em 29/11/07.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
27 Mar 2008 -
Data do Fascículo
Mar 2008
Histórico
-
Aceito
29 Nov 2007 -
Revisado
13 Nov 2007 -
Recebido
18 Out 2007