Resumos
FUNDAMENTO: A transposição das grandes artérias é a cardiopatia congênita cianogênica mais freqüente no período neonatal, correspondendo a 7% de todas as cardiopatias congênitas. Dentre as operações para tratamento cirúrgico, a operação de Jatene, com correção arterial, é o tratamento escolhido. Durante a evolução pós-operatória tardia, alguns problemas foram observados, sendo o mais comum a ocorrência de estenose supravalvar na neopulmonar, independentemente do tipo da técnica cirúrgica utilizada. OBJETIVO: Estudar e analisar a prevalência da estenose, bem como descrever o tratamento cirúrgico e propor manobras técnicas para prevenir seu aparecimento. MÉTODOS: Dentre 553 pacientes operados, 409 tiveram alta hospitalar e 281 seguidos tardiamente; 59 (20,9%) apresentaram diferentes graus de estenose supravalvar pulmonar e 21 gradiente médio superior a 60 mmHg, necessitando tratamento cirúrgico. Dependendo da localização e da anatomia da estenose, o tratamento cirúrgico constou de aplicação de diferentes técnicas, como ampliação das áreas de estenose com remendos de pericárdio bovino, ressecção de áreas estenóticas e anastomose término-terminal, substituição de remendos retraídos e de tubos sintéticos. RESULTADOS: Houve boa evolução em 20 pacientes, com óbito em um dos casos. CONCLUSÃO: Conclui-se que a estenose supravalvar pulmonar pós-operação de Jatene para transposição das grandes artérias teve prevalência de 20,9%. Uma vez identificada e com indicação de tratamento, pode ser tratada cirurgicamente com baixa mortalidade, mediante diferentes técnicas cirúrgicas. Para prevenir a ocorrência de estenose, propõem-se ampla dissecção e liberação dos ramos pulmonares, anastomoses amplas, remendos amplos de pericárdio autólogo e cuidado na reconstrução da neoaorta, evitando compressão da neopulmonar.
Estenose da valva pulmonar; cardiopatias congênitas; operação de Jatene; transposição dos grandes vasos
BACKGROUND: The Transposition of the Great Arteries is the most frequent congenital cyanogenic cardiopathy in the neonatal period, corresponding to 7% of all congenital cardiopathies. Among the operations for surgical treatment, the Jatene operation, with arterial correction, is the treatment of choice. During the late postoperative evolution, some problems were observed, with the most common being the occurrence of supravalvular stenosis at the neopulmonary, regardless of the type of surgical technique used. OBJECTIVE: To study and analyze the prevalence of stenosis, as well as describe the surgical treatment and propose technical maneuvers to prevent its onset. METHODS: Of the 553 patients that underwent surgery, 409 were discharged from the hospital and 281 had late follow-up; 59 (20.9%) presented different degrees of supravalvular pulmonary stenosis and 21 had a mean gradient > 60 mmHg, needing surgical treatment. Depending on the location and anatomy of the stenosis, the surgical treatment consisted of the use of different techniques, such as the enlargement of stenosis areas with bovine pericardium patches, resection of stenotic areas and termino-terminal anastomosis, replacement of retracted patches and synthetic tubes. RESULTS: Twenty patients presented good evolution and only one patient died. CONCLUSION: It can be concluded that the supravalvular pulmonary stenosis, post-Jatene operation for Transposition of Great Arteries, had a prevalence of 20.9%; once identified and with indication for treatment, it can be treated surgically with low mortality levels, through different surgical techniques; to prevent the occurrence of stenosis, ample dissection and release of the pulmonary branches, double anastomoses, large patches of autologous pericardium and careful reconstruction of the aorta are proposed, which prevents the compression of the neopulmonary.
Pulmonary valve stenosis; heart defects, congenital; Jatene's surgery; transposition of great vessels
ARTIGO ORIGINAL
CIRURGIA CARDÍACA - CRIANÇAS
Prevalência e abordagem cirúrgica da estenose supravalvar pulmonar pós-operação de jatene para transposição das grandes artérias
Marcelo Biscegli JateneI,II; Ieda Biscegli JateneII; Patrícia Marques de OliveiraII; Rafael Aon MoysésII; Luis Carlos Bento de SouzaII; Valmir FontesII; Nana MiuraI; Antonio Augusto LopesI; Miguel Barbero MarcialI; Adib Domingos JateneI,II
IInstituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIHospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio, São Paulo, SP - Brasil
Correspondência Correspondência: Marcelo Biscegli Jatene Rua João Moura, l535 - Jd. das Bandeiras 05412-003 - São Paulo, SP - Brasil E-mail: mbjatene@cardiol.br, mbjatene@uol.com.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A transposição das grandes artérias é a cardiopatia congênita cianogênica mais freqüente no período neonatal, correspondendo a 7% de todas as cardiopatias congênitas. Dentre as operações para tratamento cirúrgico, a operação de Jatene, com correção arterial, é o tratamento escolhido. Durante a evolução pós-operatória tardia, alguns problemas foram observados, sendo o mais comum a ocorrência de estenose supravalvar na neopulmonar, independentemente do tipo da técnica cirúrgica utilizada.
OBJETIVO: Estudar e analisar a prevalência da estenose, bem como descrever o tratamento cirúrgico e propor manobras técnicas para prevenir seu aparecimento.
MÉTODOS: Dentre 553 pacientes operados, 409 tiveram alta hospitalar e 281 seguidos tardiamente; 59 (20,9%) apresentaram diferentes graus de estenose supravalvar pulmonar e 21 gradiente médio superior a 60 mmHg, necessitando tratamento cirúrgico. Dependendo da localização e da anatomia da estenose, o tratamento cirúrgico constou de aplicação de diferentes técnicas, como ampliação das áreas de estenose com remendos de pericárdio bovino, ressecção de áreas estenóticas e anastomose término-terminal, substituição de remendos retraídos e de tubos sintéticos.
RESULTADOS: Houve boa evolução em 20 pacientes, com óbito em um dos casos.
CONCLUSÃO: Conclui-se que a estenose supravalvar pulmonar pós-operação de Jatene para transposição das grandes artérias teve prevalência de 20,9%. Uma vez identificada e com indicação de tratamento, pode ser tratada cirurgicamente com baixa mortalidade, mediante diferentes técnicas cirúrgicas. Para prevenir a ocorrência de estenose, propõem-se ampla dissecção e liberação dos ramos pulmonares, anastomoses amplas, remendos amplos de pericárdio autólogo e cuidado na reconstrução da neoaorta, evitando compressão da neopulmonar
Palavras-chave: Estenose da valva pulmonar, cardiopatias congênitas, operação de Jatene, transposição dos grandes vasos.
Introdução
A transposição das grandes artérias (TGA) é a cardiopatia congênita cianogênica mais freqüente observada no período neonatal, correspondendo a, aproximadamente, 7% de todas as cardiopatias congênitas1-4. É cardiopatia de evolução letal que, antes do aparecimento de técnicas para sua correção, levava a óbito 50% das crianças no primeiro mês de vida e mais de 90% no primeiro ano2.
As operações a nível atrial propostas por Senning e Mustard5,6 foram as primeiras com resultados satisfatórios. Outras propostas para correção da TGA7-9 foram descritas, até que Jatene10 realizou, pela primeira vez, com sucesso, correção em nível arterial em caso de TGA com comunicação interventricular (CIV).
Do ponto de vista técnico, o conceito da operação de Jatene visa inverter os vasos da base, fazendo que o ventrículo esquerdo (VE) fique em comunicação com a aorta e o ventrículo direito (VD), com o tronco pulmonar (TP), além da translocação das artérias coronárias da aorta para o TP (ou neo-aorta).
Dentre os principais aspectos a serem considerados durante a evolução dos pacientes submetidos a operação de Jatene, aqueles relacionados à técnica cirúrgica são os que merecem ser ressaltados.
A reconstrução da neopulmonar é o aspecto técnico que mais comumente apresenta complicações durante a evolução, mais especificamente a estenose no plano supravalvar pulmonar. Sua incidência pode variar de 3% a 30%11, com incidência geralmente progressiva12.
A estenose pode ocorrer em momentos distintos da evolução e pode comprometer, sob o aspecto anatômico, planos diversos da neopulmonar, podendo abranger a bifurcação da artéria pulmonar direita e artéria pulmonar esquerda, o nível da linha de sutura, o plano valvar e o supravalvar pulmonar. Procura-se demonstrar, com este estudo, a prevalência da ocorrência desse tipo de complicação, bem como aspectos relacionados à sua correção cirúrgica e evolução pós-operatória.
Métodos
No período de abril de 1975 a dezembro de 2000, no Hospital da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, no Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio e no Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 553 crianças portadoras de TGA foram submetidas a tratamento cirúrgico pela operação de Jatene. As duas últimas instituições foram responsáveis por 96,4% das operações, respectivamente 50,7% e 45,7%.
Das 409 (74%) crianças que obtiveram alta hospitalar, 281 (68,7%) puderam ser acompanhadas em sua evolução tardia, por meio de consultas de retorno periódico nas instituições em que foram operadas ou em consultório do cardiologista de referência.
Das crianças que puderam ser acompanhadas, 59 (20,9%) apresentaram, durante a evolução pós-operatória graus variados de estenose supravalvar pulmonar; considerando as 409 crianças que sobreviveram à operação, a incidência foi de 14,4%. Por meio de avaliação ecocardiográfica, foram considerados de grau discreto os gradientes sistólicos entre o VD e o TP inferiores a 39 mmHg, de grau moderado entre 40 e 59 mmHg e de grau severo superiores a 60 mmHg. Em 22 (37,3%) casos a estenose era discreta, em 14 (23,8%) moderada e em 23 (38,9%) severa.
Após avaliação clínica e exames de imagem (ecocardiograma e angiografia pulmonar por cateterismo cardíaco), 21 crianças foram submetidas a tratamento cirúrgico para correção da estenose, e constituem o grupo a ser avaliado neste estudo.
Em seis (28,5%) crianças havia lesões residuais associadas, sendo CIV em dois casos (um com estenose de óstio da artéria coronariana esquerda), e nos outros casos; oclusão da coronária esquerda, insuficiência tricúspide importante, pseudo-aneurisma de aorta ascendente, e comunicação interatrial (CIA).
Em seis casos, durante o cateterismo cardíaco, fez-se a tentativa de dilatação da estenose por cateter balão, sem sucesso, sendo então encaminhadas para tratamento cirúrgico. Em nenhum dos casos se utilizou stent durante a tentativa de dilatação. As operações para correção da estenose supravalvar foram realizadas no período de setembro de 1981 a outubro de 2002.
Os critérios para indicação cirúrgica foram: gradiente VD/artérias pulmonares superior a 60 mmHg, ou quando esse gradiente foi inferior houve indicação para correção de outro defeito. Casos considerados e resolvidos por cateterismo intervencionista não foram incluídos neste estudo. Os pacientes que não preencheram os critérios de indicação cirúrgica permanecem em seguimento clínico, com realização de exames periódicos para avaliação da progressão ou não da estenose.
Com relação à técnica cirúrgica, dos 21 casos, em 17 (80,9%) os vasos da base foram posicionados lado a lado, estando a neopulmonar posicionada à direita da neo-aorta em 16 casos e, em um caso, a neopulmonar estava posicionada à esquerda da neo-aorta; em quatro (19,1%) casos utilizou-se a manobra de Lecompte, com anteriorização do TP.
O gradiente VD/TP pré-operatório foi de 73,2 mmHg e variou de 49 a 154 mmHg. O tempo médio transcorrido entre a operação de Jatene e a correção da estenose supravalvar pulmonar foi de 109,1 meses, variando entre 36 e 228 meses; nos 17 casos com vasos da base dispostos lado a lado o tempo foi de 114,9 meses (37 a 228 meses), e nos quatro casos com manobra de Lecompte, foi de 48,6 meses (36 a 56 meses).
Procedeu-se à correção cirúrgica da estenose supravalvar, por diferentes técnicas, visando ao alívio da estenose. As técnicas a serem empregadas visam à ressecção do segmento estenosado e reconstrução com anastomose término-terminal e a ampliação do local estreitado com remendos; a eventual utilização de outras técnicas para alívio da estenose ficará individualizada para cada caso em particular.
O acesso cirúrgico, em todos os casos, foi a esternotomia mediana, com liberação das aderências decorrentes da operação anterior; isolamento da neo-aorta e neopulmonar e de seus ramos foi realizado de forma cuidadosa. Preparo do campo operatório, com posicionamento dos tubos da circulação extracorpórea (CEC) antes da abertura do esterno, foi realizado em todos os casos.
Utilizaram-se, em todos os casos, oxigenador de membrana, hipotermia moderada entre 25 e 28ºC, proteção miocárdica com cardioplegia cristalóide hipotérmica nos primeiros oito casos e, a partir de 1996, solução cardioplégica sangüínea hipotérmica.
Com relação aos procedimentos cirúrgicos realizados, as técnicas utilizadas para correção da estenose supravalvar podem ser resumidas em quatro principais:
ampliação das áreas de estenose com remendos de pericárdio bovino;
ressecção da área estenótica e anastomose término-terminal;
substituição de tubo sintético por outro tubo de maior diâmetro;
substituição de remendos retraídos por novos remendos.
Além disso, algumas manobras concomitantes às ampliações descritas foram realizadas, como alongamento da aorta pela interposição de tubo sintético na neo-aorta ou interposição de remendo para aumentar o comprimento da neo-aorta, especificamente nos casos de redução do espaço retro-aórtico, quando os vasos foram reconstruídos em posição lado a lado. Os diferentes tipos de técnica utilizados para correção da estenose supravalvar pulmonar estão expostos na tabela 1.
Foram corrigidos os defeitos associados durante a mesma operação em que se corrigiu a estenose supravalvar pulmonar, em seqüência definida pelo cirurgião responsável.
Durante a evolução pós-operatória tardia, procurou-se identificar a incidência livre de reoperação, comparando-se os casos com disposição dos vasos lado a lado com os casos com manobra de Lecompte. O tempo de seguimento variou de um a 23 anos, com média de 7,76 anos e desvio padrão de 4,45 anos.
Análise estatística
As curvas dos índices de reoperação foram determinadas pelo método de Kaplan-Meier, e o teste de Log-Rank foi empregado na comparação entre as curvas de eventos.
Foi estabelecido o nível de significância de 0,05. Os dados numéricos foram apresentados em média e desvio padrão, enquanto os índices de incidência de eventos foram apresentados com o intervalo de confiança de 68%.
Resultados
Após a avaliação dos 281 pacientes que puderam ser seguidos tardiamente, observou-se que 66% estavam livres de reoperações em período de até 20 anos de evolução (gráfico 1).
Separando os pacientes pelo tipo de reconstrução utilizada dos vasos da base na operação de Jatene, identificou-se que os casos com reconstrução dos vasos lado a lado apresentaram incidência maior de reoperações que os casos com manobra de Lecompte. No entanto, não houve significância estatística, em razão de alguns aspectos: pequeno número de casos com manobra de Lecompte que foram reoperados, menor número de casos que puderam ser seguidos, e menor tempo de seguimento. As curvas livres de reoperação para os dois tipos de reconstrução dos vasos da base estão expostas no gráfico 2.
Um paciente (4,7%) faleceu no primeiro dia de pós-operatório por disfunção ventricular e baixo débito, decorrente de lesão da coronariana direita durante a abertura; era criança de oito anos e seis meses, com oito anos de evolução, com estenose supravalvar pulmonar segmentar, que englobava desde o plano valvar até a bifurcação dos ramos pulmonares; a correção foi realizada com interposição de tubo de Dacron substituindo-se o segmento estenosado.
Os demais pacientes apresentaram evolução pós-operatória imediata satisfatória, sem complicações maiores; dois pacientes necessitaram ser reoperados por sangramento pós-operatório, com resolução do quadro. Durante a evolução hospitalar, um paciente apresentou infecção mediastinal, tendo sido submetido a reoperação com ressutura do esterno e limpeza mediastinal, com boa evolução.
Com relação aos procedimentos associados, em dois casos se realizou ventriculoseptoplastia com remendo de pericárdio bovino; em um caso, de ampliação do óstio da coronária direita com remendo de pericárdio bovino; em um caso, revascularização do miocárdio com anastomose da artéria torácica interna esquerda na artéria coronária esquerda, antes da bifurcação em interventricular anterior e circunflexa; em um caso, plástica da valva tricúspide pela técnica de DeVega; e, em outro caso, interposição de tubo de Dacron para tratamento de pseudo-aneurisma na porção ascendente da neo-aorta.
Dentre os diferentes achados cirúrgicos e angiográficos observados, a ocorrência de estenose localizada imediatamente antes da bifurcação entre a artéria pulmonar direita (APD) e artéria pulmonar esquerda (APE) foi uma das formas de obstrução. O achado cirúrgico confirmou a imagem angiográfica, reforçando a impressão de ter ocorrido retração cicatricial e restrição do crescimento ao nível da anastomose. Após abertura longitudinal, a correção foi realizada com ampliação do local da estenose com remendo de pericárdio bovino (fig. 1).
Outro exemplo de estenose em vasos posicionados lado a lado é o caso no qual se identificou estenose do TP e APE que evidenciou no intra-operatório aspecto sugestivo de compressão da APE e TP pela aorta. Após instalação de CEC e abertura do TP e APE, realizou-se ampliação com duas placas isoladas em direções diferentes e suturadas entre si, ampliando a APE em sua face superior e o TP em sua face ântero-lateral direita (fig. 2).
Nos casos de manobra de Lecompte, quando as artérias pulmonares não foram adequadamente dissecadas e mobilizadas, pode ocorrer compressão extrínseca pela neo-aorta, com tensão excessiva nas artérias pulmonares, levando a estenose em sua emergência do TP. Na figura 3, observa-se em estudo angiográfico estenose de ambas as artérias pulmonares, além de pequeno estreitamento no TP. A correção cirúrgica constou da liberação das artérias pulmonares e ampliação da APD e APE com remendos isolados de pericárdio bovino (fig. 3).
No período de seguimento pós-operatório, todos os 20 pacientes que receberam alta hospitalar permanecem assintomáticos, sem restrições físicas; desde o período pós-operatório imediato, avaliações do resultado cirúrgico da correção foram realizadas por meio de exame ecocardiográfico anual em todos os pacientes e por ressonância nuclear magnética em oito dos 20 pacientes (no primeiro ano de evolução pós-operatória). Os gradientes entre o ventrículo direito e a neopulmonar, avaliados pelo ecocardiograma, variaram entre 10 e 38 mmHg, com média de 24 mmHg, com manutenção do resultado, sem progressão do gradiente com a evolução. Aspecto da ressonância de paciente submetido à ampliação do TP e da APD pode ser demonstrado na figura 4, na qual se observa adequada dimensão do TP e da APD, sem estenoses residuais.
Discussão
A técnica cirúrgica original descrita por Jatene, apesar de ainda utilizada por alguns cirurgiões, deu lugar, nos dias atuais, a um padrão de correção que engloba basicamente o emprego da manobra de Lecompte, translocação das artérias coronárias com grande fragmento da parede aórtica, uso de recursos técnicos (trap-door) para facilitar o implante das coronárias e reconstrução da neopulmonar com fragmentos amplos de tecido sintético (Gore-Tex), pericárdio bovino ou autólogo (fresco ou fixado)12-15.
Apesar do menor emprego da técnica original nos dias atuais, como foi detalhadamente descrita por Jatene, em algumas situações seu uso é mandatório, especialmente nos casos de TGA com vasos em disposição lado a lado, tipo anomalia de Taussig Bing.
Nessa situação, se a tunelização intraventricular proposta por Kawashima e cols.16 não puder ser aplicada, a correção tem que ser realizada com o fechamento da CIV, conectando o ventrículo esquerdo ao TP e o ventrículo direito à aorta e, em seguida, a troca dos grandes vasos.
Até o final de 1981, quando Lecompte descreveu a manobra de anteriorização do TP na TGA17, todos os casos de nossa casuística foram operados com o emprego da técnica original, até que a proposição de Castaneda e cols.18 de utilização da operação para o tratamento dos neonatos popularizou e padronizou a manobra de Lecompte.
Nos primeiros casos de nossa experiência, alguns aspectos ainda precisavam ser aprimorados, como a altura da secção da aorta e do TP; no início, a maior preocupação era a respeito de preservar a aorta, utilizando longos cotos proximal e distal para fazer a reconstrução. Em conseqüência, os cotos que restavam para reconstruir a neopulmonar eram curtos, e a única solução encontrada foi a utilização de tubo sintético para alongar a neopulmonar.
O preço a se pagar era a obrigatoriedade de troca do tubo em período de tempo variável, como observado no primeiro caso de nossa série que realizou duas trocas de tubo, uma aos cinco anos e outra aos 12 anos de pós-operatório, com boa evolução. Essa paciente se encontra atualmente com 29 anos de pós-operatório, com vida normal, casada e com dois filhos.
A solução encontrada para resolver esse problema foi realizar a secção da aorta e do TP em níveis semelhantes, com pequenas variações. A nosso ver, uma inspeção detalhada da relação dos grandes vasos e anatomia das coronárias, antes da instalação da CEC, nos dá o passo inicial para uma adequada correção. Podemos identificar aspectos importantes na altura da secção dos vasos; ao se deixar a neo-aorta longa quando se faz a correção com a manobra de Lecompte, pode haver compressão extrínseca do TP pela neo-aorta, de trás para frente, como observado em dois casos de nossa casuística. Se a aorta ficar mais longa em situação de disposição dos vasos lado a lado, a conseqüência é menor, pois não deverá haver compressão da neopulmonar que fica posicionada, em geral, à direita da neo-aorta.
Caso, porém, a neo-aorta fique mais curta, em casos com manobra de Lecompte, não deverá haver compressão da neopulmonar. Nos casos de vasos posicionados lado a lado, uma neo-aorta muito curta fará compressão sobre a artéria pulmonar, em geral a APE, e mesmo sobre o TP, caso o espaço retro-aórtico fique muito pequeno. Em nossa casuística, em três casos houve necessidade de alongar a porção ascendente da neo-aorta, além da correção da estenose propriamente dita, pelas técnicas já citadas.
Quando a compressão extrínseca se faz de trás para frente, nos casos em que se utilizou a manobra de Lecompte, também o posicionamento dos remendos é importante; a nosso ver, as ampliações de APD, APE e TP devem ser realizadas na face anterior da neopulmonar.
Caso se vislumbre a possibilidade de compressão do local ampliado pelo esterno, os remendos podem ser posicionados mais lateralizados, tanto à direita como à esquerda. Serraf e cols., em 16 casos de estenose supravalvar localizada na linha de sutura, descrevem, como tratamento, a ampliação do local com remendo circular de politetrafluoroeliteleno, evitando posicionar o remendo em locais propensos à compressão extrínseca por outras estruturas13.
Outro aspecto técnico de importância se refere à forma como os óstios coronarianos são removidos, e a conseqüente reconstrução da neopulmonar. Quando se retiram os óstios com pequena borda de tecido adjacente ao orifício ostial, a reconstrução se faz com remendo circular ocluindo o orifício criado pela remoção do óstio.
Nessa situação, quase toda a circunferência do trecho proximal da neopulmonar é composto por tecido viável, com pequeno remendo circular, com potencialidade de crescimento. Apesar disso, observou-se em nossa casuística que, em três casos em que os vasos foram posicionados lado a lado, e os óstios foram retirados dessa forma, houve desenvolvimento de estenose supravalvar por retração do remendo, associado ao não-crescimento adequado da neopulmonar.
A outra técnica para se retirar os óstios coronarianos é feita ressecando todo o tecido do seio de Valsalva onde se localiza a coronária, e substituindo a parede do seio com grande remendo, de dimensões geralmente maiores que o tecido retirado.
Em estudo de Prifti e cols.14 se faz referência às diferentes técnicas de reconstrução da neopulmonar, com duplo remendo, remendo simples ou anastomose direta, com resultado melhor quanto à ocorrência de estenose na neopulmonar nos casos reconstruídos com remendo simples. Em outro estudo de Haas e cols.19, não se observaram diferenças entre os diferentes tipos de técnica ou tecido utilizados na reconstrução da neopulmonar.
Acreditamos que a melhor forma de se reconstruir a neopulmonar, após a retirada dos óstios, seja retirando todo o tecido do seio de Valsalva e fazendo-se a reconstrução com amplo remendo de pericárdio autólogo fresco, retirado imediatamente antes do implante; acreditamos existir potencialidade de crescimento do pericárdio fresco, além das dimensões amplas do remendo, que deixaria grande anastomose, com menor chance de ocorrência de estenose.
Apesar de nossa casuística mostrar uma maior incidência de estenose supravalvar nos casos de vasos posicionados lado a lado, em comparação com os casos com manobra de Lecompte, acreditamos que esse aspecto se deve a alguns fatores, além dos aspectos técnico-cirúrgicos já comentados.
Dentre esses fatores, citamos o fato de que um grande número de casos de estenose tardia ocorreu no inicio da série, quando os conceitos e as táticas cirúrgicas estavam se solidificando, e todos os casos eram operados com posicionamento dos vasos lado a lado, sem a utilização da manobra de Lecompte, ainda não descrita até 198117.
Estudo multicêntrico, publicado por Williams e cols.12, reforça a impressão de que a experiência do grupo cirúrgico é importante, tendo identificado, dentre alguns fatores, que, além de instituições de piores resultados, a experiência inicial assume relevância na incidência de estenose de TP ou ramos. Já nos primeiros relatos de evolução em médio e longo prazos, Jatene e cols.20 e Wernovsky e cols.21 relataram ocorrência de estenose da neopulmonar, em seguimento de experiências iniciais que variavam de 10% a 28% dos casos operados.
Experiência mais recente, descrita por Haas e cols.19, em crianças operadas até 1997, não mostrou influência do tipo de técnica utilizada para reconstrução do TP na ocorrência de estenose supravalvar, com incidência de aproximadamente 15%, quando na maioria dos casos fez-se a operação com a manobra de Lecompte.
Outro aspecto observado em nossa casuística foi a ocorrência de estenose na neopulmonar, predominantemente no plano supravalvar, sem referência de estenose subvalvar e apenas um caso no qual a valva pulmonar estava estenótica, o que não se confirmou no intra-operatório. Observou-se retração do tecido utilizado para reconstruir a neopulmonar, o que aproximou os postes comissurais dando a impressão de se tratar de estenose valvar; com a ressecção do tecido e substituição por novos remendos, houve ampliação do local, resolvendo-se a estenose.
Experiência semelhante foi relatada por Gandhi e cols.22, que, em 21 pacientes que desenvolveram estenose na neopulmonar, em 16 eram no plano supravalvar. Estudo conduzido por Wetter e cols.23 avaliou o desenvolvimento da neo-aorta e neopulmonar, em sua porção inicial, demonstrando tendência à redução no tamanho da raiz da neopulmonar, sem repercussão clínica associada.
Acreditamos ser de fundamental importância uma ampla inspeção intra-operatória, procurando-se analisar a anatomia das artérias coronárias, além da relação espacial das grandes artérias, visando-se à melhor programação quanto ao tipo de técnica a ser empregada.
Nos casos em que os vasos da base necessitem ser posicionados lado a lado, sugerem-se as seguintes medidas:
adequada liberação das artérias pulmonares, realizando-se ampla dissecção;
secção e sutura do canal arterial;
cuidado na reconstrução da neoaorta, deixando-a mais longa, para que não se diminua o espaço retro-aórtico;
realizar ampla anastomose na neopulmonar, utilizando-se de remendos de pericárdio autólogo fresco para reconstruir o coto proximal.
Nas situações em que se utiliza a manobra de Lecompte, com anteriorização da neopulmonar, sugerem-se as seguintes medidas:
adequada liberação das artérias pulmonares, realizando-se ampla dissecção;
secção e sutura do canal arterial;
abordagem e liberação efetiva da APE após a secção do canal arterial;
cuidado na reconstrução da neoaorta, deixando-a mais curta, para evitar a compressão da neopulmonar de trás para frente.
Podemos concluir que a estenose supravalvar pulmonar pós-operação de Jatene para TGA teve prevalência de 20,9% e está relacionada a diversos aspectos técnico cirúrgicos, no momento da realização da operação. Diferentes graus de estenose foram observados, porém considera-se que seu tratamento é indicado em casos com gradientes superiores a 60 mmHg. Operações foram realizadas com baixa mortalidade, mediante diferentes técnicas cirúrgicas; para tentar prevenir a ocorrência de estenose, propõem-se ampla dissecção e liberação dos ramos pulmonares, anastomoses amplas, remendos amplos de pericárdio autólogo e cuidado na reconstrução da neoaorta para evitar compressão da neopulmonar.
Potencial Conflito de Interesses
Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.
Fontes de Financiamento
O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.
Vinculação Acadêmica
Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
Artigo recebido em 25/07/07; revisado recebido em 28/10/07; aceito em 05/12/07.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Jul 2008 -
Data do Fascículo
Jul 2008
Histórico
-
Aceito
05 Dez 2007 -
Revisado
28 Out 2007 -
Recebido
25 Jul 2007