Resumos
FUNDAMENTO: A transposição corrigida das grandes artérias frequentemente evolui com disfunção ventricular direita. O preparo ventricular para a correção anatômica em pacientes adultos apresenta resultados desapontadores. OBJETIVO: Analisar a hipertrofia do ventrículo direito (VD) induzida por dois tipos de bandagem pulmonar (BP), convencional e intermitente em animais adultos. MÉTODOS: Dezenove cabras adultas foram divididas em três grupos: Convencional (seis animais), Intermitente (seis animais) e Controle (sete animais). O grupo Convencional foi submetido à BP fixa com fita cardíaca, enquanto no grupo Intermitente foi usado dispositivo de BP ajustável, que gerava sobrecarga sistólica por 12 horas, alternada com 12 horas de descanso do VD. As pressões de VD, tronco pulmonar e aorta foram medidas durante todo o estudo. Ecocardiograma foi realizado semanalmente. Após quatro semanas, os animais foram eutanasiados para avaliação morfológica dos ventrículos. O grupo Controle foi submetido a eutanásia para análise em condições basais. RESULTADOS: A sobrecarga pressórica foi menor no grupo Intermitente (p=0,001), comparada ao grupo Convencional. Houve aumento na espessura do VD do grupo Intermitente, medida pelo ecocardiograma, comparado ao seu momento basal (p<0,05). O índice de performance miocárdica do VD foi melhor no grupo Intermitente (p=0,024), comparado ao Convencional. Os grupos estimulados apresentaram aumento da massa muscular em comparação ao grupo Controle (p=0,001). Não houve diferença no conteúdo de água miocárdica. CONCLUSÃO: A BP intermitente desenvolveu hipertrofia de melhor desempenho funcional, sugerindo este protocolo como método preferencial de preparo ventricular.
Disfunção ventricular direita; hipertrofia ventricular direita; animais; transposição dos grandes vasos
BACKGROUND: Corrected transposition of great arteries often evolves with right ventricular dysfunction. The ventricular preparation for anatomic correction in adult patients has produced disappointing results. OBJECTIVE: To assess right ventricular hypertrophy (RV) induced by conventional and intermittent pulmonary banding (PB) in adult animals. METHODS: Nineteen adult goats were divided into three groups: conventional (six animals), intermittent (six animals) and control (seven animals). The Conventional group underwent fixed PB with cardiac tape, while the intermittent group received PB adjustable device, which generated systolic overload for 12 hours, alternated with 12 hours of rest of RV. The pressures of the RV, pulmonary artery and aorta were measured throughout the study. Echocardiography was performed weekly. After four weeks, the animals were euthanized for morphological evaluation of the ventricles. The Control group was put to euthanasia for analysis at baseline. RESULTS: Pressure overload was lower in the intermittent group (p = 0.001), compared to the conventional group. There was an increase in the thickness of the RV of the Intermittent group measured by echocardiography compared to their baseline values (p < 0.05). The myocardial performance index in the RV group was better in the Intermittent group (p = 0.024), compared to the Conventional group. The groups stimulated showed increased muscle mass compared to the Control group (p = 0.001). There was no difference in myocardial water content. CONCLUSION: The intermittent BP developed hypertrophy of better performance, suggesting this protocol as the preferred method of ventricular preparation.
Ventricular dysfunction, right; hipertrophy, right ventricular; animals; transposition of great vessels
FUNDAMENTO: La transposición corregida de las grandes arterias frecuentemente evoluciona con disfunción ventricular derecha. La preparación ventricular para la corrección anatómica en pacientes adultos presenta resultados desalentadores. OBJETIVO: Analizar la hipertrofia del ventrículo derecho (VD) inducida por dos tipos de vendaje pulmonar (VP), convencional e intermitente en animales adultos. MÉTODOS: Diecinueve cabras adultas fueron divididas en tres grupos: Convencional (seis animales), Intermitente (seis animales) y Control (siete animales). El grupo Convencional fue sometido al VP fijo con cinta cardíaca, mientras que en el grupo Intermitente fue usado dispositivo de VP ajustable, que generaba sobrecarga sistólica por 12 horas, alternada con 12 horas de descanso del VD. Las presiones de VD, tronco pulmonar y aorta fueron medidas durante todo el estudio. Ecocardiograma fue realizado semanalmente. Después de cuatro semanas, los animales fueron eutanasiados para evaluación morfológica de los ventrículos. El grupo Control fue sometido a eutanasia para análisis en condiciones basales. RESULTADOS: La sobrecarga presórica fue menor en el grupo Intermitente (p=0,001), comparada al grupo Convencional. Hubo aumento en el espesor del VD del grupo Intermitente, medida por el ecocardiograma, comparado a su momento basal (p<0,05). El índice de performance miocárdica del VD fue mejor en el grupo Intermitente (p=0,024), comparado al Convencional. Los grupos estimulados presentaron aumento de la masa muscular en comparación al grupo Control (p=0,001). No hubo diferencia en el contenido de agua miocárdica. CONCLUSIÓN: EL VP intermitente desarrolló hipertrofia de mejor desempeño funcional, sugiriendo este protocolo como método preferencial de preparación ventricular.
Disfunción ventricular derecha; hipertrofia ventricular derecha; animales; transposición de los grandes vasos
ARTIGOS ORIGINAIS
EXPERIMENTAL
Sobrecarga sistólica intermitente promove melhor desempenho miocárdico em animais adultos
Intermittent systolic overload promotes better myocardial performance in adult animals
Leonardo Augusto MianaI,II; Renato S. AssadI; Maria C. D. AbduchI; Guilherme Seva GomesI; Ananda Rigo NogueiraI; Fernanda Santos OliveiraI; Bruna Lopes TellesI; Maria Teresa SoutoI; Gustavo J. SilvaI; Noedir A. G. StolfI
IInstituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG - Brasil
Correspondência Correspondência: Leonardo Augusto Miana Rua Severino Meireles, 59 - Alto dos Passos 36025-040 - Juiz de Fora, MG - Brasil E-mail: leonardomiana@cardiol.br, leonardomiana@sbccv.org.br
RESUMO
FUNDAMENTO: A transposição corrigida das grandes artérias frequentemente evolui com disfunção ventricular direita. O preparo ventricular para a correção anatômica em pacientes adultos apresenta resultados desapontadores.
OBJETIVO: Analisar a hipertrofia do ventrículo direito (VD) induzida por dois tipos de bandagem pulmonar (BP), convencional e intermitente em animais adultos.
MÉTODOS: Dezenove cabras adultas foram divididas em três grupos: Convencional (seis animais), Intermitente (seis animais) e Controle (sete animais). O grupo Convencional foi submetido à BP fixa com fita cardíaca, enquanto no grupo Intermitente foi usado dispositivo de BP ajustável, que gerava sobrecarga sistólica por 12 horas, alternada com 12 horas de descanso do VD. As pressões de VD, tronco pulmonar e aorta foram medidas durante todo o estudo. Ecocardiograma foi realizado semanalmente. Após quatro semanas, os animais foram eutanasiados para avaliação morfológica dos ventrículos. O grupo Controle foi submetido a eutanásia para análise em condições basais.
RESULTADOS: A sobrecarga pressórica foi menor no grupo Intermitente (p=0,001), comparada ao grupo Convencional. Houve aumento na espessura do VD do grupo Intermitente, medida pelo ecocardiograma, comparado ao seu momento basal (p<0,05). O índice de performance miocárdica do VD foi melhor no grupo Intermitente (p=0,024), comparado ao Convencional. Os grupos estimulados apresentaram aumento da massa muscular em comparação ao grupo Controle (p=0,001). Não houve diferença no conteúdo de água miocárdica.
CONCLUSÃO: A BP intermitente desenvolveu hipertrofia de melhor desempenho funcional, sugerindo este protocolo como método preferencial de preparo ventricular.
Palavras-chave: Disfunção ventricular direita, hipertrofia ventricular direita, animais, transposição dos grandes vasos/cirurgia.
ABSTRACT
BACKGROUND: Corrected transposition of great arteries often evolves with right ventricular dysfunction. The ventricular preparation for anatomic correction in adult patients has produced disappointing results.
OBJECTIVE: To assess right ventricular hypertrophy (RV) induced by conventional and intermittent pulmonary banding (PB) in adult animals.
METHODS: Nineteen adult goats were divided into three groups: conventional (six animals), intermittent (six animals) and control (seven animals). The Conventional group underwent fixed PB with cardiac tape, while the intermittent group received PB adjustable device, which generated systolic overload for 12 hours, alternated with 12 hours of rest of RV. The pressures of the RV, pulmonary artery and aorta were measured throughout the study. Echocardiography was performed weekly. After four weeks, the animals were euthanized for morphological evaluation of the ventricles. The Control group was put to euthanasia for analysis at baseline.
RESULTS: Pressure overload was lower in the intermittent group (p = 0.001), compared to the conventional group. There was an increase in the thickness of the RV of the Intermittent group measured by echocardiography compared to their baseline values (p < 0.05). The myocardial performance index in the RV group was better in the Intermittent group (p = 0.024), compared to the Conventional group. The groups stimulated showed increased muscle mass compared to the Control group (p = 0.001). There was no difference in myocardial water content.
CONCLUSION: The intermittent BP developed hypertrophy of better performance, suggesting this protocol as the preferred method of ventricular preparation.
Key words: Ventricular dysfunction, right; hipertrophy, right ventricular; animals; transposition of great vessels/surgery.
Introdução
A disfunção tardia do ventrículo direito (VD) sistêmico é uma complicação de relativa frequência em pacientes portadores de transposição das grandes artérias (TGA) operados no plano atrial ou naqueles com transposição corrigida das grandes artérias (TCGA)1-4. Desde o final dos anos 1980, diversos autores vêm reportando resultados satisfatórios realizando uma operação que visa à correção anatômica dessas afecções, mediante a inversão arterial (cirurgia de Jatene)5, associada à inversão atrial6-9. Essa operação foi consagrada com o nome de "Double Switch", isto é, a cirurgia de dupla troca. Essa abordagem visa impedir a evolução natural da falência do VD sistêmico e, consequentemente, evitar a adoção de medidas mais drásticas nesses pacientes, como o transplante cardíaco, pois resgata funcionalmente o ventrículo esquerdo (VE) morfológico para a circulação sistêmica, aliviando a sobrecarga pressórica sobre o VD, com melhora significativa de sua função. Em aproximadamente um terço desses casos, faz-se necessário o preparo do VE, por meio de bandagem pulmonar (BP), readaptando-o para trabalhar como bomba pressórica sistêmica6,10,11. Entretanto, o preparo ventricular por meio da BP nesses pacientes apresenta resultados insatisfatórios8,11-14, especialmente quando realizado na adolescência e na idade adulta. Os principais problemas relacionam-se com o longo tempo necessário para obtenção da hipertrofia, desenvolvimento de disfunção ventricular precoce e tardia, dificuldade de preparo em pacientes maiores e necessidade de reintervenções para ajuste da bandagem. Alguns autores vêm relatando estratégias alternativas ao preparo tradicional, até mesmo em estudos clínicos, predominantemente por meio da realização de bandagens ajustáveis do tronco pulmonar8, ou ainda promovendo sobrecargas pressóricas intermitentes, mimetizando o treinamento muscular esquelético de atletas15,16. Com isso, aventamos a hipótese de que um protocolo de BP intermitente poderia promover um preparo mais adequado, com maior preservação da função ventricular.
Métodos
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa do HC - FMUSP (protocolo 621/05) e realizado na Divisão de Fisiologia Aplicada do Incor - HC - FMUSP, de acordo com as normas de uso de animais em ensino e pesquisa da Comissão de Fiscalização de Pesquisa Animal (Cofipa).
Foram utilizadas 19 cabras adultas, divididas em três grupos: Controle (n=7, peso = 28,74 ± 4,13 kg, nenhum procedimento cirúrgico), Convencional (n=6, peso = 26,33 ± 2,32 kg, BP com sobrecarga sistólica contínua do VD) e Intermitente (n=6, peso = 25,17 ± 2,48 kg, BP com dispositivo ajustável e 12 horas/dia de sobrecarga sistólica intermitente do VD).
Avaliação pré-operatória
Os animais foram pesados e examinados por veterinário para afastar doenças preexistentes. Foi realizada avaliação ecocardiográfica basal para certificação da inexistência de alterações anatômicas ou morfológicas prévias ao procedimento.
Anestesia
O pré-anestésico foi feito com xilazina 2%, na dose de 0,1 mg/kg, intramuscular (IM). A indução anestésica foi obtida com propofol 1% (7 mg/kg) intravenoso (IV) para intubação orotraqueal. Os animais foram mantidos em ventilação mecânica (Takaoka Fuji Maximus, São Paulo, SP), com oxigênio de 60% - 100%, volume corrente de 10 ml/kg e inalação de isoflurano (1 a 2%). As cabras foram posicionadas em decúbito lateral direito, monitorizadas com eletrocardiograma contínuo (ECG) e linha de pressão arterial invasiva contínua, medida por meio de cateterismo da artéria auricular esquerda com cateter Introcath 22G (BD, Juiz de Fora, MG). A analgesia pós-operatória foi obtida nos três primeiros dias com a administração de cloridrato de tramadol (2 mg/kg, intramuscular, 12/12h).
Procedimento cirúrgico
As cabras foram preparadas para procedimento estéril (antisepsia com iodopovidona). Foi realizada toracotomia lateral esquerda no 4º espaço intercostal e foram implantados cateteres intracath 17G (BD, Juiz de Fora, MG) na aorta torácica descendente (Ao), na via de saída do VD e no tronco pulmonar (TP), conforme descrito previamente15. A seguir, o TP foi dissecado para implante da BP. Nos animais do grupo Convencional, a bandagem do TP foi realizada com fita cardíaca de algodão (Polysuture, São Sebastião do Paraíso, MG), posicionada cerca de 10 mm acima do plano valvar. Nos animais do grupo Intermitente, foi implantado dispositivo de bandagem ajustável posicionado imediatamente acima da valva pulmonar e fixado à adventícia do TP, para prevenir sua migração. Ambos os grupos de estudo foram submetidos a uma sobrecarga sistólica de VD em torno de 70% da pressão sistólica sistêmica. Foi administrada heparina sódica na dose de 5.000 UI, duas vezes ao dia, por via subcutânea, diariamente até o final do protocolo.
Descrição do dispositivo de bandagem ajustável
O dispositivo foi desenvolvido em colaboração com a SILIMED, indústria de silicone e instrumental médico-cirúrgico e hospitalar Ltda., Rio de Janeiro, RJ. É constituído por três partes: anel de bandagem, tubo extensor e botão de insuflação (fig. 1).
Protocolo de sobrecarga sistólica do VD
Grupo convencional
O treinamento do VD foi iniciado na cirurgia de implante da bandagem. Os animais permaneceram em sobrecarga sistólica contínua do VD por um período de quatro semanas, com bandagem fixa convencional, ajustada no dia da cirurgia. Com o animal consciente e imobilizado na maca especial, as pressões de VD, TP e Ao foram anotadas duas vezes por semana. O gradiente pressórico entre VD e TP e a relação de pressões entre o VD e a Ao foram obtidos pela medida de suas respectivas pressões sistólicas.
Grupo intermitente
O treinamento do VD foi iniciado após recuperação plena da cirurgia (aproximadamente 60 horas de convalescença). Como no grupo Convencional, as pressões basais de VD, TP e Ao foram anotadas com o animal consciente, imobilizado em maca especial e com o dispositivo completamente desinsuflado. Após a leitura das pressões basais, o dispositivo de bandagem ajustável foi insuflado com soro fisiológico 0,9%, de modo a atingir uma pressão sistólica de VD de aproximadamente 70% da pressão sistólica sistêmica, desde que não provocasse queda superior a 10% da última, conforme descrito em estudos prévios15,17,18. A seguir, as pressões foram aferidas novamente. A sobrecarga sistólica do VD foi mantida por um período de 12 horas, após o qual o animal foi novamente colocado na maca especial para monitorização hemodinâmica. Após a leitura de pressões, o dispositivo foi desinsuflado e, mais uma vez, as pressões foram aferidas. O procedimento de insuflar e desinsuflar o dispositivo foi realizado diariamente por quatro semanas, sendo que as pressões foram aferidas três dias na semana. Nos dias alternados, o volume injetado correspondeu ao mesmo volume calculado no último dia de medidas hemodinâmicas.
Estudo ecocardiográfico
Todos os animais foram submetidos à avaliação ecocardiográfica previamente ao inicio do protocolo, assim como semanalmente no pós-operatório, para avaliar o processo de adaptação do VD durante as quatro semanas de estudo. Para a realização dos exames, as cabras foram sedadas com ketamina (10 mg/kg, via intramuscular) e mantidas em decúbito lateral esquerdo durante os exames. Utilizou-se aparelho de ecocardiograma ACUSON Cypress (Siemens, Munique, Alemanha) e transdutor setorial multifrequencial (1,8-3,6 MHz) para a obtenção das imagens e análise dos fluxos. As espessuras do septo interventricular (SIV) e da parede posterior do VE foram mensuradas no ecocardiograma bidimensional, no final da diástole, através do corte paraesternal longitudinal na altura das cúspides da valva mitral19. A espessura da parede livre do VD foi obtida no corte paraesternal transverso (na altura dos vasos da base e no nível dos músculos papilares) e no corte longitudinal quatro câmaras, na região onde seus limites fossem mais facilmente visibilizados. A seguir, obteve-se a média aritmética desses valores. Também no corte longitudinal de quatro câmaras, foram mensurados o diâmetro diastólico final (DDF) e os volumes diastólico (VDF) e sistólico (VSF) finais do VD pelo método de Simpson modificado19, sendo que, a partir deste último, obteve-se o cálculo da fração de ejeção do VD (FEVD)20, segundo a fórmula:
FEVD= (VDFVD - VSFVD) x VDFVD-1
Foram considerados normais valores de FEVD iguais ou acima de 55%21. Como parâmetro mais fidedigno do desempenho do VD, foi calculado o índice de "performance" miocárdica do VD (IPMVD) segundo a fórmula:
IPMVD = (TCIV + TRIV) x TE-1
onde TCIV é o tempo de contração isovolumétrica, TRIV, o tempo de relaxamento isovolumétrico e TE, o tempo de ejeção. Os valores foram obtidos no corte longitudinal de quatro câmaras, posicionando o volume da amostra no centro do anel valvar tricúspide, medindo-se o intervalo de tempo entre o início do fechamento valvar até o início da próxima diástole (tempo a). O tempo de ejeção do VD foi calculado com o volume da amostra localizado na via de saída do VD (tempo b), pelo corte paraesternal eixo curto. Subtraindo-se o tempo a pelo de b, obtém-se TCIV + TRIV. Esse valor foi então dividido pelo TE, adquirindo-se o IPMVD22.
Pesagem das massas cardíacas
Após a eutanásia, o coração foi então removido do tórax e as paredes ventriculares e septal foram separadas de acordo com a técnica de Fulton e cols.23. A seguir, o VD, VE e o SIV foram pesados em balança digital METTLER AE-200 (Mettler-Toledo AG, Greifensee, Suiça). Em razão da variação de peso dos animais, as medidas foram normalizadas, por meio da indexação de peso das massas musculares cardíacas pelo respectivo peso corporal do animal, conforme sugestão de Bishop e Cole24.
Conteúdo de água dos tecidos
Depois de pesados, foram colhidas amostras de cada uma das paredes cardíacas para avaliação de conteúdo de água. O peso inicial (Pi) de cada amostra foi obtido, sendo então acondicionada em papel alumínio e devidamente identificada antes de serem colocadas na estufa (temperatura: 55-60º C). Após cerca de 70 horas de desidratação, cada amostra foi novamente pesada para se obter o peso seco (Ps). O porcentual do conteúdo de água (CA (%)) foi então obtido através da seguinte fórmula, assumindo que a distribuição de água foi homogênea no septo e nos ventrículos:
CA (%) = 100 - (Ps x Pi-1 x 100)
Os conteúdos de água das massas musculares cardíacas dos grupos Convencional e Intermitente foram comparados aos do grupo Controle, com o fim de se esclarecer se o ganho de peso do VD estaria associado ao edema miocárdico ou aquisição real de massa muscular.
Análise estatística
A normalidade da distribuição de cada variável foi avaliada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. As médias de variáveis hemodinâmicas e ecocardiográficas foram comparadas entre os grupos e ao longo do protocolo por meio de análise de variância (ANOVA) de dois fatores para medidas repetidas, seguida das comparações múltiplas de Bonferroni. Já os valores de massa e conteúdo de água do VD, VE e SIV foram comparados por meio de ANOVA de um fator, seguido das comparações múltiplas de Bonferroni. A sobrecarga sistólica imposta ao VD, dos grupos Contínuo e Intermitente, foi avaliada por meio do cálculo das áreas sob as curvas (método trapezoidal). A comparação entre essas áreas foi realizada por meio de teste t de Student não pareado. Os valores estão apresentados na forma de média ± desvio padrão (DP). Para todos os casos o nível de significância utilizado foi de 5%. As análises estatísticas foram realizadas por meio dos softwares utilizando o programa GraphPad Prism v.4 (San Diego, CA - EUA) e SigmaStat v.3.11.0 (Systat Software, Inc., San Jose, CA, EUA).
Resultados
Medidas hemodinâmicas
Gradiente de pressão VD/TP
A sobrecarga sistólica gerada pela bandagem do TP nos grupos Convencional e Intermitente, ao longo de todo o protocolo, está representada na figura 2, painel A. O painel B mostra a comparação das áreas sob as curvas de sobrecarga sistólica global imposta ao VD, durante todo o período de estudo. No grupo Intermitente, após o período de recuperação pós-operatória de 72 horas, foi possível notar picos de gradientes sistólicos VD/TP superiores aos daqueles gerados no grupo Convencional, alternados com períodos de "descanso" do VD. No grupo Convencional, observa-se um gradiente praticamente contínuo, com pequenas quedas do gradiente entre a cirurgia e a primeira semana e entre a quarta semana e o momento da eutanásia (fig. 2, painel A). Quando as áreas sob as curvas foram comparadas entre os grupos estimulados (fig. 2, painel B), notou-se menor sobrecarga sistólica global imposta ao VD no grupo Intermitente (p=0,002).
Razão de pressões VD/Ao
A razão pressórica VD/Ao basal foi semelhante nos grupos de estudo. Conforme objetivado na cirurgia, foi possível alcançar uma relação pressórica entre VD e Ao de 0,7. No entanto, notou-se queda significativa dessa razão no grupo Convencional, a partir da primeira semana (p<0,05), que se manteve ao longo do período estudado. Já no grupo Intermitente, diante da possibilidade do ajuste diário da bandagem, a relação VD/Ao máxima manteve-se em torno de 0,7 ao longo de todo o período de estudo, diferentemente do grupo Convencional (p<0,05), a não ser por uma redução significativa na quarta semana, com recuperação da relação no momento Eutanásia (fig. 3).
Achados ecocardiográficos
Espessura das paredes cardíacas
A avaliação pré-operatória da espessura da parede livre do VD não revelou diferenças entre os grupos estimulados e o grupo Controle. A partir da segunda semana de estudo, o grupo Intermitente apresentou um aumento de 37,2% da espessura do VD em relação à medida basal (p<0,05), enquanto no grupo Convencional não foi observada modificação dessa parede durante as quatro semanas de sobrecarga sistólica (tab. 1). As espessuras do SIV e da parede posterior do VE não variaram nos dois grupos estimulados.
Fração de ejeção do VD
A fração de ejeção do VD nos dois grupos se manteve constante, não havendo diferença estatística pela análise de variância de dois fatores (p=0,45).
Diâmetro diastólico final do VD
Similarmente à fração de ejeção, não foi observada variação significante do diâmetro diastólico final do VD com o tempo ou entre os grupos, nas quatro semanas (p=0,42).
Volume diastólico final do VD
Paralelamente ao diâmetro diastólico final do VD, também não foram observadas diferenças no volume diastólico final do VD ao longo do protocolo de sobrecarga sistólica, em relação à avaliação ecocardiográfica pré-operatória, em nenhum dos grupos nem dentre eles (p=0,70).
Índice de "performance" miocárdica do VD (IPMVD)
A figura 4 mostra que os grupos de estudo partiram de valores basais de IPMVD semelhantes. No entanto, o grupo Intermitente apresentou melhor desempenho do ventrículo estimulado, representado por menores valores de IPMVD ao longo do protocolo de sobrecarga, quando comparado ao grupo Convencional (p=0,024).
Achados morfológicos
Pesagem das massas cardíacas
Os dados de peso das massas das cavidades ventriculares, indexadas para o peso de cada animal, estão representadas na figura 5. O grupo Intermitente (1,24 g/kg ± 0,15 g/kg) e o grupo Convencional (1,08 g/kg ± 0,17 g/kg) apresentaram aumento da massa muscular do VD de 67,57% e 45,95%, respectivamente (p= 0,001), em relação ao grupo controle (0,74 g/kg ± 0,07 g/kg). Não ocorreu variação no peso das massas do VE e do SIV entre os grupos. A indexação da massa do VD pela área de sobrecarga sistólica está representada na figura 6. Observou-se um aumento mais expressivo dessa relação no grupo Intermitente, ou seja, para variações de mesma magnitude da sobrecarga sistólica imposta ao VD, o ganho de massa observado no grupo Intermitente foi maior (p=0,0006).
Conteúdo de água
A tabela 2 mostra os dados do conteúdo de água dos grupos. Não foi observada diferença significativa no conteúdo de água entre os grupos, em nenhum dos segmentos do miocárdio estudados.
Discussão
No presente estudo, ficou claramente atestada a maior facilidade no manuseio dos gradientes pressóricos com o uso da bandagem ajustável, e, consequentemente, maiores gradientes pressóricos foram atingidos, o que poderia minimizar muitos dos contratempos referidos no preparo do miocárdio adulto, como a imprecisão do ajuste da bandagem e a necessidade de reintervenções11,12. Embora tenha sido submetido a uma menor área de sobrecarga sistólica, o grupo Intermitente apresentou uma tendência a maior ganho de massa ventricular, que foi de aproximadamente 75% do ganho observado em animais jovens, submetidos ao mesmo protocolo de sobrecarga sistólica, porém com um tempo de treinamento sete vezes menor15. Isso corrobora as diferenças encontradas entre lactentes e adultos em estudos de preparo ventricular, com grande variabilidade no tempo necessário e risco aumentado de falência ventricular precoce e tardia nos adultos25-27. Além disso, a bandagem tradicional confirmou as dificuldades encontradas na cirurgia de adolescentes, quando pequenos ajustes na bandagem provocaram intensa instabilidade hemodinâmica nos animais, determinando repetidos reajustes e um ato cirúrgico mais moroso e laborioso, em consonância com os estudos clínicos. Apesar das dificuldades encontradas com a bandagem convencional, foi possível atingir a relação VD/Ao almejada em todos os animais do grupo Convencional no ato cirúrgico. Entretanto, o ajuste obtido no intraoperatório tornava-se menos preciso após a recuperação anestésica, com queda da relação VD/Ao, conforme relatado em vários estudos clínicos e experimentais, incorrendo em perda do gradiente pretendido ao longo do protocolo, seja por dilatação ou por disfunção da câmara subpulmonar28,29.
Parâmetros ecocardiográficos
O aumento de 33% observado na espessura da parede livre do VD no grupo Intermitente correspondeu a cerca de 25% do aumento encontrado no estudo de animais jovens, corroborando os achados de um menor aumento de massa ventricular em animais adultos, durante um tempo mais prolongado de estímulo hipertrófico15. As alterações mais evidentes de espessura da parede livre do VD apareceram já na segunda semana e mantiveram-se constantes posteriormente. É difícil afirmar que o processo hipertrófico ventricular em humanos seria o mesmo, dadas as diferenças entre as espécies. Entretanto, nota-se marcante tendência de diminuição do tempo de preparo com a bandagem intermitente. Em relação à avaliação funcional do preparo do VD, a fração de ejeção não evidenciou diferenças em repouso. Entretanto, o IPMVD tem se mostrado uma ferramenta valiosa para a avaliação da função ventricular direita22,30. A análise desse parâmetro permitiu constatar a supremacia funcional do preparo ventricular observada nos animais do grupo Intermitente, mediante seus menores índices de IPMVD. Esse achado pode ser decorrente do benefício dos períodos de descanso intercalados com a sobrecarga sistólica intermitente. Como nos animais jovens, talvez estes intervalos de descanso ao longo do protocolo possam otimizar o fluxo coronariano subendocárdico e, consequentemente, maior aporte de substratos para o processo hipertrófico do miocárdio, limitando assim a severidade do estresse sistólico contínuo imposto ao VD do grupo contínuo31,32. Como o treinamento atlético promove uma hipertrofia ventricular fisiológica, sem disfunção miocárdica33, procurou-se transpor para o preparo ventricular alguns princípios já adotados para os atletas. Dentre eles, períodos de treinamento intenso intercalados com períodos de descanso, o que permitiria ao músculo reposição de seus estoques intracelulares, adaptando-o gradativamente à nova condição pressórica.
Parâmetros morfológicos
Diante do achado de ganho de massa do VD nos grupos estimulados, procurou-se analisar os possíveis substratos morfológicos para justificar este incremento. Inicialmente, foi avaliado o conteúdo de água nos tecidos miocárdicos, para identificar possível edema, que promoveria aumento do peso e da espessura das massas musculares, o que não ocorreu de modo significativo. O presente estudo comprova de forma consistente a possibilidade de hipertrofia no miocárdio maduro, mediante a obtenção de aumento no peso e espessura do VD, com tendência à superioridade para o grupo Intermitente. Pesquisadores franceses avaliaram o retreinamento do miocárdio de ovelhas adultas, identificando focos de fibrose nos animais submetidos à bandagem convencional, diferentemente dos submetidos à bandagem intermitente16, o que pode ser um dos substratos para um pior desempenho funcional. Vida e cols.34 compararam o processo adaptativo ventricular de ratos jovens e adultos submetidos à bandagem do tronco pulmonar. Os autores encontraram maior acúmulo de colágeno nos corações adultos. O estímulo intermitente do presente estudo promoveu hipertrofia com menor imposição de sobrecarga ventricular. Com isso, natural seria propor tal regime pressórico como uma alternativa mais saudável ao modelo tradicional de preparo. Perrino e cols.35 estudaram o VE de camundongos submetidos a estímulos fisiológicos de hipertrofia, como correr e nadar, comparados com sobrecargas pressóricas fixas e intermitentes, por meio de bandagem da aorta. Os autores demonstraram que a sobrecarga fixa desencadeou disfunção ventricular, enquanto a sobrecarga intermitente manteve a função ventricular, à semelhança dos estímulos fisiológicos (correr e nadar). Entretanto, quando marcadores biomoleculares de hipertrofia foram analisados, percebeu-se que havia sinalização patológica em ambos os tipos de sobrecarga artificial, fixa e intermitente, diferentemente dos estímulos fisiológicos.
Implicações clínicas
No cenário clínico, a avaliação do preparo do VE em pacientes adultos leva em consideração alguns fatores: relação pressórica do VE morfológico/pressão sistêmica adequada com boa função ventricular, boa resposta inotrópica e obtenção de hipertrofia desencadeada pela sobrecarga sistólica da bandagem. No entanto, não raro, pacientes apresentam disfunção ventricular após a correção anatômica, alguns até mesmo necessitando transplante cardíaco. Alguns estudos clínicos relatam a impossibilidade de se realizar o preparo ventricular em pacientes que já chegaram à adolescência, tamanha a dificuldade para se obter hipertrofia ventricular sem provocar disfunção nestes pacientes8,11. Outros autores concluem que a idade é o maior fator de risco para o desenvolvimento de mudanças mal adaptativas34. Com isso, futuramente, protocolos de sobrecarga intermitente, semelhantes ao testado neste estudo, poderiam ser sugeridos nesses pacientes, visando promover hipertrofia efetiva, sem dano ao tecido miocárdio, evitando o desenvolvimento de disfunção ventricular.
Limitações do estudo
O presente estudo possui as limitações inerentes a um estudo experimental, e o principal deles reside no fato de que a BP em animais de experimentação promove readaptação do VD, enquanto em pacientes portadores de TGA e TCGA, a BP promove o preparo do VE. A observação da tendência à menor hipertrofia no grupo Convencional pode refletir a dificuldade no preparo de miocárdios maduros na prática clínica, como também a necessidade de períodos mais prolongados de estímulo para se atingir tal efeito. Embora a ressonância nuclear magnética seja atualmente o padrão de referência para avaliação morfológica e funcional do VD36,37, no presente estudo não foi possível contar com o auxílio desse exame, que certamente enriqueceria os achados. Apesar disso, a função do VD foi estimada pelo mesmo observador (MCDA), usando o mesmo método para todos os animais, o que minimiza a variabilidade entre as duas abordagens diagnósticas. Estudos histológicos e do metabolismo energético nesses animais estão em andamento em nosso laboratório para corroborar as evidências funcionais encontradas no presente estudo.
Conclusões
A bandagem do tronco pulmonar promoveu hipertrofia do VD em ambos os grupos de estudo de cabras adultas, seja de forma convencional, seja de forma intermitente, ao longo das quatro semanas, sem que isso fosse acompanhado por acúmulo significativo de água. Apesar da menor sobrecarga sistólica imposta ao VD do grupo Intermitente, foram observados, neste grupo, maiores picos de gradientes sistólicos, maior variação da espessura da parede livre do VD e maior ganho de massa muscular por unidade de sobrecarga. A hipertrofia promovida pela sobrecarga intermitente proporcionou um melhor desempenho do ventrículo direito, ao longo do estudo. Provavelmente, o preparo ventricular mais fisiológico de adolescentes portadores de TGA ou TCGA, com ventrículo sistêmico falido seria beneficiado com a sobrecarga sistólica intermitente, visando promover uma hipertrofia efetiva, com preservação da função ventricular esquerda.
Agradecimentos
Os autores agradecem o apoio prestado pelos diretores da SILIMED, Rio de Janeiro, RJ, e pela sua divisão de Desenvolvimento de Produtos, nas pessoas de Ana Soares e André Esteves, pela valiosa ajuda no aprimoramento do protótipo utilizado em animais adultos.
Artigo recebido em 14/12/09; revisado recebido em 06/02/10; aceito em 17/03/10.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Ago 2010 -
Data do Fascículo
Set 2010
Histórico
-
Revisado
06 Fev 2010 -
Recebido
14 Dez 2009 -
Aceito
17 Mar 2010