Open-access Efetividade de um protocolo assistencial para redução do tempo porta-balão da angioplastia primária

Resumos

FUNDAMENTO: Tempo porta-balão adequado (< 120 minutos) é a condição necessária para que a eficácia da angioplastia primária no infarto se traduza em efetividade. OBJETIVO: Descrever a efetividade de um protocolo de qualidade assistencial para redução do tempo porta-balão. MÉTODOS: Entre maio de 2010 e agosto de 2012, foram analisados todos os indivíduos que realizaram angioplastia primária em nosso hospital. O momento porta foi registrado eletronicamente, pela retirada de senha para atendimento na emergência, o que antecede o preenchimento da ficha e a triagem. O momento balão foi definido como o início da abertura da artéria (passagem do primeiro dispositivo). Os primeiros 5 meses de monitoramento corresponderam ao período pré-implementação do protocolo. O protocolo se constituiu de definição do fluxo de ações, desde a chegada do paciente ao hospital, a sensibilização da equipe quanto à priorização do tempo e a apresentação periódica de parecer dos resultados e de possíveis inadequações. RESULTADOS: Foram avaliados 50 indivíduos, divididos em cinco grupos de 10 pacientes sequenciais (um grupo pré e quatro grupos pós-protocolo). O tempo porta-balão referente aos 10 casos registrados antes da implementação do protocolo foi de 200 ± 77 minutos. Após a implementação do protocolo, houve progressiva melhora do tempo porta-balão, para 142 ± 78 minutos nos 10 primeiros pacientes, seguida de 150±50 minutos, 131±37 minutos e, finalmente, 116 ± 29 minutos no três grupos sequenciais de 10 pacientes, respectivamente. Regressão linear entre pacientes sequenciais e tempo porta-balão (r = - 0,41) evidenciou coeficiente de regressão de - 1,74 minutos. CONCLUSÃO: A implementação do protocolo se mostrou efetiva na redução do tempo porta-balão.

Angioplastia coronariana com Balão; Infarto do Miocárdio; Síndrome Coronariana Aguda; Planejamento de Assistência ao Paciente


BACKGROUND: An adequate door-to-balloon time (<120 minutes) is the necessary condition for the efficacy of primary angioplasty in infarction to translate into effectiveness. OBJECTIVE: To describe the effectiveness of a quality of care protocol in reducing the door-to-balloon time. METHODS: Between May 2010 and August 2012, all individuals undergoing primary angioplasty in our hospital were analyzed. The door time was electronically recorded at the moment the patient took a number to be evaluated in the emergency room, which occurred prior to filling the check-in forms and to the triage. The balloon time was defined as the beginning of artery opening (introduction of the first device). The first 5 months of monitoring corresponded to the period of pre-implementation of the protocol. The protocol comprised the definition of a flowchart of actions from patient arrival at the hospital, the team's awareness raising in relation to the prioritization of time, and provision of a periodic feedback on the results and possible inadequacies. RESULTS: A total of 50 individuals were assessed. They were divided into five groups of 10 sequential patients (one group pre- and four groups post-protocol). The door-to-balloon time regarding the 10 cases recorded before protocol implementation was 200 ± 77 minutes. After protocol implementation, there was a progressive reduction of the door-to-balloon time to 142±78 minutes in the first 10 patients, then to 150±50 minutes, 131±37 minutes and, finally, 116±29 minutes in the three sequential groups of 10 patients, respectively. Linear regression between sequential patients and the door-to-balloon time (r = - 0.41) showed a regression coefficient of - 1.74 minutes. CONCLUSION: The protocol implementation proved effective in the reduction of the door-to-balloon time.

Angioplasty Balloon, coronary; Myocardial Infarction; Acute Coronary Syndrome; Patient Care Planning


Efetividade de um protocolo assistencial para redução do tempo porta-balão da angioplastia primária

Luis Cláudio Lemos CorreiaI,II; Mariana BritoII; Felipe KalilII; Michael SabinoII; Guilherme GarciaII; Felipe FerreiraII; Iracy MatosI; Peter JacobsI; Liliana RonzoniI; Márcia Noya-RabeloI,II

IHospital São Rafael, Salvador

IIEscola Bahiana de Medicina, Salvador, BA - Brasil

Correspondência Correspondência: Luis Cláudio Lemos Correia Avenida Princesa Leopoldina, 19/402, Graça CEP 40150-080, Salvador, BA - Brasil E-mail: lccorreia@cardiol.br, lccorreia@terra.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: Tempo porta-balão adequado (< 120 minutos) é a condição necessária para que a eficácia da angioplastia primária no infarto se traduza em efetividade.

OBJETIVO: Descrever a efetividade de um protocolo de qualidade assistencial para redução do tempo porta-balão.

MÉTODOS: Entre maio de 2010 e agosto de 2012, foram analisados todos os indivíduos que realizaram angioplastia primária em nosso hospital. O momento porta foi registrado eletronicamente, pela retirada de senha para atendimento na emergência, o que antecede o preenchimento da ficha e a triagem. O momento balão foi definido como o início da abertura da artéria (passagem do primeiro dispositivo). Os primeiros 5 meses de monitoramento corresponderam ao período pré-implementação do protocolo. O protocolo se constituiu de definição do fluxo de ações, desde a chegada do paciente ao hospital, a sensibilização da equipe quanto à priorização do tempo e a apresentação periódica de parecer dos resultados e de possíveis inadequações.

RESULTADOS: Foram avaliados 50 indivíduos, divididos em cinco grupos de 10 pacientes sequenciais (um grupo pré e quatro grupos pós-protocolo). O tempo porta-balão referente aos 10 casos registrados antes da implementação do protocolo foi de 200 ± 77 minutos. Após a implementação do protocolo, houve progressiva melhora do tempo porta-balão, para 142 ± 78 minutos nos 10 primeiros pacientes, seguida de 150±50 minutos, 131±37 minutos e, finalmente, 116 ± 29 minutos no três grupos sequenciais de 10 pacientes, respectivamente. Regressão linear entre pacientes sequenciais e tempo porta-balão (r = - 0,41) evidenciou coeficiente de regressão de - 1,74 minutos.

CONCLUSÃO: A implementação do protocolo se mostrou efetiva na redução do tempo porta-balão.

Palavras-chave: Angioplastia coronariana com Balão / métodos, Infarto do Miocárdio / fisiopatologia, Síndrome Coronariana Aguda, Planejamento de Assistência ao Paciente.

Introdução

Diversos serviços no Brasil adotam prioritariamente a estratégia de angioplastia primária, em lugar da trombólise química, como tratamento de reperfusão do paciente com infarto e supradesnível do segmento ST1. A escolha da conduta de logística mais complexa se baseia no conjunto de ensaios clínicos que sugerem ser a angioplastia uma estratégia mais eficaz do que a trombólise2. No entanto, a efetividade da angioplastia depende de rápido início do tratamento, definido como tempo entre chegada do paciente ao hospital e início da angioplastia (tempo porta-balão) < 120 minutos3. O conceito de que a efetividade da angioplastia primária depende desse importante parâmetro parece ser pouco difundido no Brasil. Essa afirmação se baseia na preferência sistemática por angioplastia primária em detrimento da trombólise química, a despeito da ausência de estudos que retratem o tempo porta-balão em nosso meio ou que avaliem a aplicação de estratégias que garantam esse parâmetro de qualidade.

Como medida de monitoramento da qualidade assistencial, nosso hospital passou a mensurar o tempo porta-balão de seus pacientes de forma sistemática, prospectiva e rigorosa a partir do ano de 2010. Após os 10 primeiros casos, percebeu-se uma inadequação dos resultados, motivando a criação de um protocolo baseado em evidências, voltado para a melhoria do tempo porta-balão. O presente artigo relata o impacto prático (efetividade) desse protocolo nos parâmetros de tempo ao longo de 22 meses de seguimento após sua implementação. Adicionalmente, análise multivariada foi utilizada para identificar potenciais determinantes desse parâmetro de qualidade assistencial.

Métodos

Seleção da população

Entre maio de 2010 e agosto de 2012, foram incluídos, no protocolo, pacientes consecutivamente internados em nosso hospital em fase aguda de infarto, com supradesnível do segmento ST, submetidos à angioplastia primária. Essa estratégia representa o método de reperfusão de escolha em nosso serviço. O diagnóstico foi realizado no momento da admissão do paciente no setor de emergência, com base no julgamento conjunto de dois médicos, o emergencista e o cardiologista da unidade coronariana que viria a receber o paciente. O critério clínico de desconforto torácico típico a menos de 12 horas, associado a supradesnível persistente (não reversível com nitrato) do segmento ST > 0,1 mv, em duas derivações contíguas, representava o principal parâmetro diagnóstico. No entanto, a conduta final ficava a critério da impressão clínica dos médicos. Na presença de bloqueio do ramo esquerdo de terceiro grau, o diagnóstico se baseava eminentemente nos sintomas apresentados. O único critério de exclusão pré-definido deste estudo foi a recusa do paciente em participar deste registro, o que não ocorreu em nenhum caso.

Os pacientes deste estudo fizeram parte do Registro de Síndromes Coronarianas Agudas (RESCA) de nosso hospital e, para isso, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Esse registro foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, estando de acordo com a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde e tendo como um dos objetivos predefinidos a mensuração do tempo porta-balão.

Desfechos analisados

Os desfechos foram definidos a priori da realização do protocolo e mensurados de forma prospectiva durante o atendimento do paciente. O desfecho primário escolhido foi o tempo porta-balão, descrito como variável numérica. A proporção de pacientes com tempo porta-balão adequado (< 120 minutos) foi registrada como desfecho secundário. Essas definições estão de acordo com diretrizes de desempenho no atendimento do infarto com supradesnível do segmento ST4-6.

O tempo porta-balão foi definido pelo período que transcorre entre a chegada do paciente ao hospital até o início do procedimento de reperfusão mecânica. O momento porta se caracteriza pela chegada do paciente ao hospital, marcada pela retirada da senha para atendimento (antes do cadastramento do paciente no setor), a qual é registrada automaticamente pelo sistema de informática. O momento balão se refere ao início do procedimento de reperfusão, definido pela inserção percutânea de qualquer dispositivo com finalidade de tratamento. Usualmente, este primeiro dispositivo é o cateter guia para angioplastia. Dessa forma, o momento balão não é registrado no início do procedimento diagnóstico de coronariografia, mas sim no início do procedimento terapêutico.

Ainda como desfechos secundários, foram definidos os seguintes componentes do tempo porta-balão: tempo porta-diagnóstico, o qual se inicia no momento da chegada do paciente ao setor de emergência até a definição diagnóstica da necessidade de intervenção coronariana primária; e tempo diagnóstico-balão, que transcorre entre a definição diagnóstico e o início do procedimento terapêutico. O primeiro componente caracteriza a identificação do candidato ao procedimento e o segundo componente caracteriza o preparo do paciente e a disponibilização da equipe de cardiologia intervencionista.

Fluxo do protocolo de dor torácica

A execução do protocolo foi compartilhada entre três diferentes setores do hospital: setor de emergência, responsável pela identificação e diagnóstico; unidade coronariana, responsável pelo preparo do paciente para procedimento e contato com equipe de cardiologia intervencionista; setor de cardiologia intervencionista, responsável pela execução do procedimento de reperfusão mecânica.

O protocolo se inicia pela identificação de um potencial infarto na porta da emergência, a qual é realizada pelo funcionário administrativo da recepção. Esses funcionários foram treinados para identificar dor torácica ou equivalente, a partir da queixa do paciente ou da percepção subjetiva. Uma vez identificado um potencial candidato, o funcionário direciona o paciente para atendimento prioritário pela enfermeira da triagem. Essa enfermeira, antes mesmo da avaliação médica, realiza o eletrocardiograma. O eletrocardiograma é encaminhado de imediato para o médico emergencista, que avalia o paciente e discute o caso com o cardiologista da unidade coronariana. Uma vez definido se tratar de um infarto com supradesnível do segmento ST em evolução, a responsabilidade do gerenciamento do tempo passa a ser da equipe da unidade coronariana. A enfermeira dessa unidade inicia o contado com a equipe de cardiologia intervencionista e encaminha o paciente imediatamente para o laboratório de intervenção, onde ele será preparado para o procedimento. Nesse setor, o paciente é colocado na maca de procedimento e são realizadas a tricotomia, a assepsia e a colocação dos campos cirúrgicos. Simultaneamente, são administrados, via oral, aspirina 200 mg e tienopiridínico (clopidogrel 300 mg, nos anos 2010 e 2011, sendo modificado para ticagrelor 180 mg, em 2012). Nesse momento, objetiva-se que o paciente esteja pronto para o início do procedimento quando da chegada da equipe de cardiologia intervencionista, formada por médico, técnico de enfermagem e técnico de radiologia. O início do procedimento deve ser imediatamente ao momento da chegada da equipe. Essa equipe se encontra no hospital durante horário comercial (7 às 17 horas) e fica de sobreaviso em domicílio durante horário noturno ou final de semana. Na primeira situação, a equipe já estará a postos durante o preparo do paciente. Como metas a serem perseguidas durante o atendimento, o tempo porta-diagnóstico não deve ultrapassar 30 minutos e o tempo diagnóstico-balão não deve ultrapassar 90 minutos.

Medidas implementadas para otimização do tempo

Além da definição do fluxo de atendimento aqui descrito, medidas específicas foram utilizadas para redução do tempo porta-balão, com base em estudos de efetividade7,8 que definem preditores de sucesso de protocolos ou em aspectos peculiares de nosso hospital: (1) treinamento do funcionário da recepção da emergência para identificação de potenciais candidatos ao protocolo; (2) autonomia da enfermeira da triagem para realização de eletrocardiograma sem o pedido médico; (3) acionamento da equipe de cardiologia intervencionista pelo médico que faz o diagnóstico do infarto; (4) acionamento de cronômetro no momento do diagnóstico, para que o paciente esteja pronto para o início do procedimento em no máximo 40 minutos; (5) sensibilização do cardiologista intervencionista para chegada rápida ao hospital e realização do procedimento com atenção no tempo; (6) sensibilização de toda equipe multidisciplinar do hospital para a importância do tempo porta-balão; (7) definição deste como principal protocolo de qualidade assistencial do hospital; (8) parecer do tempo porta-balão de cada paciente, pela publicação de cartaz em todos os setores envolvidos indicando "último tempo porta-balão" em minutos; (8) reuniões mensais entre as equipes envolvidas a fim de discutir todos os casos incluídos no protocolo, as eventuais falhas e as estratégias de melhoria.

Análise dos dados

Os primeiros 5 meses de monitoramento (maio a setembro de 2010) corresponderam ao período pré-implementação do protocolo, enquanto os meses subsequentes corresponderam aos atendimentos pós-implementação (outubro de 2010 a agosto de 2012). Assim, o período pré-protocolo, constituído de 10 casos, representou a referência para avaliar se o protocolo resultou em melhoria do tempo porta-balão. Foi previamente definido que o período pós-protocolo seria dividido em subperíodos de 10 casos consecutivos, a fim de avaliar a evolução do tempo porta-balão. Como os pacientes analisados correspondem a todo universo populacional de pacientes atendidos nesse período, a comparação dos tempos foi meramente descritiva, sem necessidade de testes estatísticos para estimar probabilidade do erro tipo I. O tempo porta-balão de cada período foi descrito como média e desvio-padrão.

Além disso, foi realizada análise de regressão linear, considerando o tempo porta-balão de cada paciente como variável dependente e a sequência temporal dos pacientes como variável independente. O coeficiente de regressão beta (β) foi utilizado para estimar a variação do tempo porta-balão a cada paciente sequencial. Secundariamente, foram comparadas as proporções de tempo satisfatório (< 120 minutos) entre os períodos de 10 pacientes. Pelo mesmo motivo descrito no parágrafo anterior, valores de p não foram utilizados nessas análises.

No intuito de pesquisar os fatores determinantes do tempo porta-balão, essa variável foi comparada entre subgrupos de pacientes divididos por características demográficas, clínicas e de circunstância de atendimento. Embora não se trate de uma amostra, considerou-se o valor de p (< 0,20) como critério de seleção das variáveis a entrar no modelo multivariado. O modelo multivariado utilizado para determinar os preditores independentes do tempo porta-balão foi análise de covariância (ANCOVA). Nessa análise, utilizou-se como critério de significância um valor de p < 0,05. O software Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 9,0, (SPSS Inc., Chicago, Illinois, USA) foi utilizado para análise dos dados.

Resultados

Características da amostra

Durante o período do estudo, 53 pacientes foram admitidos consecutivamente devido a infarto com supradesnível do segmento ST e indicação de reperfusão. Destes, três pacientes foram submetidos a trombólise, restando 50 indivíduos submetidos à angioplastia primária. Esses 50 pacientes constituíram a população do período estudado, sendo a média de idade 60 ± 13 anos, com evidente predominância do gênero masculino (78% da amostra) e 42% de negros ou mulatos. O tempo transcorrido entre o início dos sintomas e a chegada dos pacientes ao hospital foi relativamente prolongado, com mediana de 5 horas (intervalo interquartil = 1,1 - 6,0 horas). Apenas um pacientes teve atendimento pré-hospitalar, o qual gerou aviso prévio de chegada do infarto ao hospital. Em torno da metade dos pacientes deu entrada no hospital em horário não comercial, quando a equipe de cardiologia intervencionista não se encontrava no setor. O escore de risco GRACE apresentou mediana de 139 e intervalo interquartil entre 114 e 158, indicando que a amostra foi predominantemente de risco intermediário. Demais características clínicas e circunstâncias do atendimento estão descritas na Tabela 1.

Influência do protocolo assistencial no tempo porta-balão

O tempo porta-balão referente aos 10 casos registrados antes da implementação do protocolo foi de 200 ± 77 minutos, ou seja, acima do desejado. Após a implementação do protocolo, houve progressiva melhora do tempo porta-balão, para 142 ± 78 minutos no 10 primeiros pacientes, seguido de 150 ± 50 minutos, 131 ± 37 minutos e, finalmente, 116 ± 29 minutos nos três períodos sequenciais de 10 pacientes, respectivamente (Figura 1 e Tabela 2). Considerando a média observada no último período de 10 pacientes, em relação ao período pré-protocolo, houve uma redução de 42% no tempo porta-balão. Além da redução da média, observou-se aumento progressivo da homogeneidade dos tempos em cada período, representado por queda dos coeficientes de variabilidade dos tempos porta-balão (55%, 33%, 28% e 25%, respectivamente, nos quatro períodos após implementação do protocolo). No período antes da implementação do protocolo, nenhum paciente apresentou tempo porta-balão desejado (< 120 minutos). Após o protocolo, 40%, 30%, 40% e, finalmente, 60% dos pacientes apresentaram tempo porta-balão < 120 minutos, respectivamente, nos quatro períodos sequenciais de 10 pacientes (Figura 2).



A melhora observada no tempo porta-balão decorreu de melhora no tempo de diagnóstico (tempo porta-diagnóstico) e no preparo do paciente (tempo diagnóstico-balão). O primeiro era de 30 ± 6,9 minutos antes do protocolo, evoluindo para 11 ± 3,6 minutos, 15 ± 7,1 minutos, 10 ± 22 minutos e 8,5 ± 2,7 minutos no último período (redução de 72% observada no último período em relação a antes do protocolo). O tempo diagnóstico-balão evoluiu de 170 ± 70 minutos para 131 ± 78 minutos, 135 41 minutos, 109 12 minutos e, finalmente, 107 ± 7,9 minutos (37% de redução), conforme a Tabela 2.

Melhora contínua do tempo porta-balão também foi observada quando considerou-se cada paciente individualmente, em ordem sequencial, por análise de regressão linear. Essa análise demonstrou coeficiente de regressão (β) de - 1,74, que corresponde à estimativa de redução do tempo porta-balão a cada paciente na sequência. A linearidade dessa associação foi representada por coeficiente de correlação (r) de - 0,41 (Figura 3).


Determinantes do tempo porta-balão

O tempo porta-balão foi comparado de acordo com presença ou ausência de diversas características clínicas e circunstâncias de atendimento dos pacientes. O tempo foi significativamente maior em mulheres, quando comparado aos homens (190 ± 86 minutos versus 136 ± 49 minutos; p = 0,01); no horário noturno, quando comparado ao diurno (174 ± 68 minutos versus 124 ± 49 minutos; p = 0,007); e no final de semana, quando comparado a dias de semana (174 ± 84 minutos versus 138 ± 49 minutos; p = 0,08), conforme Tabela 3. Da mesma forma, houve correlação positiva entre tempo de sintoma e tempo porta-balão (r = 0,40; p = 0,001), conforme Tabela 4.

Essas variáveis foram inseridas em modelo multivariado de análise de covariância, tendo o tempo porta-balão como variável dependente. Nessa análise, gênero feminino (p = 0,11) e final de semana perderam valor preditor (p = 0,23), enquanto horário noturno (p = 0,008) e tempo de sintoma (p = 0,002) permaneceram preditores independentes. O coeficiente de determinação (R2) do modelo multivariado final foi 0,32.

Dentre os 60 pacientes da amostra total, 33 apresentaram tempo porta-balão < 120 minutos. Análise causal do atraso em cada paciente identificou atraso do diagnóstico em 15%, atraso no preparo do paciente/material/equipe em 49% e ambos em 36% dos casos.

Discussão

O presente estudo representa a primeira evidência brasileira da efetividade de um programa de qualidade assistencial no aprimoramento do tempo de reperfusão mecânica de pacientes admitidos na fase aguda de infarto com supradesnível do segmento ST. A implementação do protocolo, voltado para melhoria do tempo de diagnóstico, tempo de preparo do paciente e das condições logísticas do local, promoveu uma redução significativa e progressiva no tempo porta-balão, ao longo de 22 meses. Esse aprimoramento gerou uma economia de 84 minutos na média do tempo porta-balão, retirando a população do presente estudo de um patamar cuja a efetividade da estratégia de reperfusão era questionável.

Em centros que dispõem de laboratório intervencionista, a angioplastia primária tem sido adotada como estratégia preferencial de reperfusão desde a década de 1990, com base em ensaios clínicos que demonstraram modesta superioridade dessa abordagem, quando comparada à trombólise, na prevenção de morte em pacientes com infarto com supradesnível do segmento ST2,9. Análises de meta-regressão desses estudos indicaram que essa superioridade dependia da realização de angioplastia primária em curto período de tempo da chegada do paciente3,10. Em meados dos anos 2000, dados do Registro Nacional de Infarto do Miocárdio nos Estados Unidos demonstraram que o tempo porta-balão era insatisfatório na maioria dos centros daquele país11. A partir dessa constatação, foi lançada, em 2008, a campanha em Door-to-Balloon, An Alliance for Quality8. No último ano, dados do registro nacional indicaram melhora significativa do tempo porta-balão nos Estados Unidos, assumindo média em torno de 60 minutos12. Da mesma forma, estudos de centros específicos compararam o tempo porta-balão antes e após a implementação de protocolos, demonstrando a efetividade dessa abordagem no aprimoramento do tempo13,14. Ao contrário da ênfase americana nesse tema, não há dados publicados no Brasil sobre o tempo porta-balão, nem estudos demonstrando efetividade de protocolos específicos. Este estudo representa a primeira evidência brasileira de que um protocolo foi efetivo em redução substancial do tempo porta-balão.

As medidas adotadas na campanha Alliance for Quality foram baseadas em um estudo seminal que analisou 365 hospitais e em análise multivariada, que identificou cinco preditores independentes de melhor desempenho no tempo porta-balão que se aplicam a pacientes não atendidos previamente por serviço móvel: médico da emergência ativa o acionamento do laboratório intervencionista; essa ativação é feita por uma única ligação para uma telefonista central; presença de meta de tempo para chegada da equipe intervencionista ao hospital; presença de cardiologista de plantão no hospital em todos os momentos; parecer dado a todos os membros da equipe quanto ao tempo porta-balão de cada caso7. O presente protocolo incorporou todas essas medidas, exceto a utilização de telefonista para acionamento da equipe, por dificuldades logísticas. Além disso, medidas adicionais foram implementadas no intuito de rápido diagnóstico, como treinamento dos recepcionistas e realização do eletrocardiograma pela enfermeira, independentemente de pedido médico. Por fim, a utilização do cronômetro teve como intuito enfatizar a importância do rápido preparo do paciente para início do procedimento. Dessa forma, na confecção do protocolo, utilizou-se uma combinação de estratégias comprovadamente efetivas, com medidas intuitivas relacionadas à realidade do serviço.

Observou-se melhora substancial da média de tempo porta-balão desde os primeiros 10 casos, indicando que a não sistematização do processo tinha grande impacto negativo na qualidade, o que não se percebia subjetivamente. Por outro lado, após essa evolução inicial, houve estagnação nos dois períodos seguintes, alcançando-se um tempo ideal apenas no período correspondente aos 10 últimos pacientes. Essa última evolução provavelmente decorreu da contínua atividade de sensibilização da equipe e da discussão conjunta de cada novo caso, com foco em falhas que poderiam ser corrigidas. Assim, a presente experiência demonstra que alcançar um tempo ideal é um desafio a ser superado progressivamente. Vale salientar que a melhora observada no tempo decorreu tanto da redução no tempo de diagnóstico, quando no tempo entre o diagnóstico e o procedimento, indicando que ambos os componentes são sensíveis à implementação do protocolo.

Além de descrever o impacto do protocolo assistencial, foi utilizada análise multivariada para identificar possíveis determinantes do tempo porta-balão. Várias características clínicas e de circunstância do atendimento foram analisadas, sendo dois os preditores independentes: o momento de atendimento (diurno ou noturno) e a duração do sintoma. A ausência de associação com preditores de gravidade sugere que os médicos estão cientes da importância do tempo, independentemente das características do paciente. O fato de o principal determinante ter sido o horário de atendimento indica que a questão logística é o que prepondera. Em segundo lugar, houve associação com o tempo de sintoma, podendo-se inferir que quanto mais precoce o paciente, mais motivada a equipe fica para agir rapidamente. Embora isso pareça natural, pode ser um sinal de que, em pacientes menos precoces, a motivação é abaixo da desejada. Isso sugere a necessidade de medidas no intuito de determinar motivação máxima, independentemente do quanto precoce for o paciente.

Adicionalmente ao resultado de efetividade do protocolo aplicado, o valor deste estudo se faz evidente desde as medidas basais do tempo porta-balão. No hospital em que se realizou o presente estudo, havia um crença de atendimento de alto padrão, porém houve surpresa quando a medida do tempo foi realizada de forma sistemática. A média de 200 ± 77 minutos refletiu uma realidade antes imperceptível, o que fez inferir que a noção subjetiva de qualidade não é acurada, sendo necessárias medidas sistematizadas do tempo.

A média de tempo porta-balão registrada no presente estudo antes e após o protocolo está bastante acima do que é descrito em registros americanos12-14. Deve se salientado que, pelo menos em parte, os resultados deste trabalho decorrem de um método mais rigoroso de mensuração do tempo, voltado para evitar subestimativa dessa variável. Em primeiro lugar, não houve seleção de casos, sendo incluídos todos os pacientes consecutivos que foram submetidos à angioplastia primária. Nos registros americanos, os hospitais podem excluir casos em que julguem justificáveis um atraso do tempo porta-balão12 e, de fato, a frequência dessas exclusões tem aumentado nos últimos anos15. Em segundo lugar, essas medidas foram realizadas prospectivamente durante o procedimento, evitando o viés de aferição, que pode ocorrer quando esses dados temporais são registrados via revisão de prontuário. Houve também especial atenção para uma definição realista de tempo porta-balão. O principal risco de subestimativa está em definir o momento porta como o registro do paciente na emergência (ou momento do diagnóstico), quando se sabe que existe uma lacuna temporal entre a chegada ao hospital e o cadastramento do paciente. Por esse motivo, houve a preocupação em mensurar eletronicamente (retirada da senha para atendimento) o momento em que o paciente entra na sala de espera, antes mesmo de qualquer recepcionista iniciar seu cadastro. O segundo potencial erro na estimativa do tempo é considerar o início do procedimento intervencionista como o momento balão. Cuidou-se para considerar esse momento como a inserção do primeiro dispositivo, com intuito de reperfusão.

Utilizou-se como parâmetro de qualidade um tempo porta-balão < 120 minutos, o que está de acordo com o atraso aceitável pela diretriz da Sociedade Europeia de Cardiologia6, porém acima do recomendado pela diretriz americana (< 90 minutos)5. No entanto, o texto desse documento reconhece, que possivelmente, o limite de tempo para garantir benefício está além dos 90 minutos, tal como sugerido por análises de meta-regressão. Considerando os aspectos já mencionados de maior rigorosidade da medida de tempo deste estudo, houve preferência por se definir como satisfatório um tempo < 120 minutos. Quanto à Diretriz Brasileira, esta sugere um tempo < 90 minutos após o diagnóstico4, o que, provavelmente, representa um tempo entre 90 e 120 minutos do momento da chegada do paciente ao hospital, indicando que estamos também condizentes com a recomendação brasileira.

Ao passo em que este estudo sugere a efetividade de um protocolo de qualidade assistencial na melhoria do tempo porta-balão, deve-se reconhecer que a ausência de um grupo controle não permitiu afastar o fenômeno de regressão à média como explicação da melhoria obtida após o protocolo. Por outro lado, essa limitação é uma característica inerente de estudos de efetividade, que partem da premissa de que já existe prova do conceito de que um protocolo promove melhora assistencial. O caráter não controlado e observacional deste trabalho é comum a todos os grandes trabalhos internacionais que demonstraram o resultado de um protocolo na melhoria do tempo porta-balão.

No Brasil, não há estatísticas de monitoramento no tempo porta-balão, nem campanhas de aprimoramento desse parâmetro de qualidade. Isso nos deixa cegos quanto à efetividade da angioplastia primária em nosso meio. De forma pioneira, este estudo demonstrou que a mensuração sistemática do tempo porta-balão pode revelar inadequação do processo, e que a adoção de um protocolo baseado em evidências pode melhorar nosso desempenho. Este estudo deve servir de motivação para registros locais e nacionais voltados para o tempo porta-balão, seguidos da implementação de campanhas, se os resultados dos registros indicarem necessidade de melhoria na qualidade.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Correia LCL, Matos I, Jacobs P, Noya-Rabelo M; Obtenção de dados: Brito M, Kalil F, Sabino M, Garcia G, Ferreira F, Noya-Rabelo M; Análise e interpretação dos dados: Correia LCL, Noya-Rabelo M; Análise estatística: Correia LCL; Redação do manuscrito: Correia LCL, Noya-Rabelo M; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual: Matos I, Jacobs P, Ronzoni L, Noya-Rabelo M.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Este artigo está vinculado ao Grupo de Pesquisa RESCA, sediado na pós-graduação da Escola Bahiana de Medicina.

Artigo recebido em 23/11/12; revisado em 6/12/12; aceito em 14/2/13.

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  • Correspondência:
    Luis Cláudio Lemos Correia
    Avenida Princesa Leopoldina, 19/402, Graça
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Jul 2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Nov 2012
    • Aceito
      14 Fev 2013
    • Revisado
      06 Dez 2012
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