DIRETRIZES
Atualização e enfoque em operações vasculares arteriais da II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Marques AC; Bellen BV; Caramelli B; Presti C; Pinho C; Calderaro D; Gualandro DM; Carvalho FC; Carmo GAL; Correa Filho H; Casella IB; Fornari LS; Vacanti LJ; Vieira MLC; Monachini MC; De Luccia N; Yu PC; Farsky PS; Heinisch RH; Gualandro SFM; Mathias Jr W
Correspondência Correspondência: Sociedade Brasileira de Cardiologia Av. Marechal Câmara, 160 - sala 330 - Centro Rio de Janeiro - CEP: 20020-907 e-mail: scb@cardiol.br
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1. Introdução
1.1. Objetivo da diretriz
A elaboração deste documento nasceu do diálogo entre cardiologistas e cirurgiões vasculares ocupados em preparar e operar pacientes cada vez mais graves e complicados. A presença de fatores de risco e mecanismos comuns às duas áreas de atuação, aliada à maior incidência de complicações cardíacas nas operações vasculares, aproximou cardiologistas clínicos e cirurgiões vasculares. As novas técnicas trouxeram indicações cirúrgicas para pacientes mais graves e, com isso, a necessidade de uma avaliação seguida de preparo adequado, visando minimizar a chance de complicações.
O controle clínico mediante a compensação de um quadro de insuficiência cardíaca, o controle da pressão arterial ou a realização de procedimentos cardiovasculares antes da intervenção vascular passaram a fazer parte do contexto das operações vasculares. Por outro lado, o controle dos fenômenos envolvidos na coagulação sanguínea e na agregação plaquetária foi o que recebeu maior atenção nos últimos anos. O processo cirúrgico ativa todo o sistema de coagulação e representa um poderoso estímulo para a agregação plaquetária. Presenças concomitantes de obstruções vasculares ateroscleróticas "vulneráveis" ou de próteses vasculares (stents) representam um convite quase irresistível à trombose vascular, o vilão comum ao infarto do miocárdio e ao acidente vascular cerebral (AVC). Por esta razão, uma série grande de medicamentos está atualmente à disposição da medicina na difícil arte de fazer o sangue coagular no lugar certo: fora e não dentro dos vasos. Esta atualização com enfoque em operações vasculares arteriais da II Diretriz de Avaliação Perioperatória 20131 tem como objetivo uniformizar conceitos e variáveis relacionados aos pacientes submetidos à intervenção cirúrgica vascular e apresentar à comunidade de cardiologistas e cirurgiões os novos medicamentos que atuam sobre o sistema de coagulação e sobre a agregação plaquetária.
1.2. Metodologia e evidências
A metodologia e os níveis de evidência adotados foram os a seguir demonstrados:
Grau de recomendação - refletindo o tamanho do efeito do tratamento:
Classe I: benefício >>> risco; o tratamento/procedimento deve ser indicado/administrado;
Classe IIa: benefício >> risco; a opção pelo tratamento/ procedimento pode ajudar o paciente;
Classe IIb: benefício > risco; não está definido se o tratamento/procedimento pode ajudar o paciente;
Classe III: risco > benefício; o tratamento/procedimento não deve ser realizado, uma vez que não ajuda e pode prejudicar o paciente.
Níveis de Evidência:
A: evidências em várias populações, derivadas de ensaios clínicos randomizados e metanálises;
B: evidências em limitado grupo de populações, derivadas de único ensaio clínico randomizado ou estudos clínicos não randomizados;
C: evidências em grupo muito limitado de populações, derivadas de consensos e opiniões de especialistas, relatos e séries de casos.
2. Estratificação dos riscos de complicações cardiovasculares e de sangramento
O intervalo que engloba os períodos pré, intra e pós-operatório (até 30 dias) é conhecido por período perioperatório. Para facilitar o processo de avaliação perioperatória foram elaborados algoritmos, cujas etapas sugeridas compreendem a avaliação realizada no período perioperatório. Estão incluídos no interesse da diretriz a avaliação do risco, as estratégias para diminuí-lo, o diagnóstico e o tratamento das complicações. Apresentamos na sequência as etapas para avaliação perioperatória2.
2.1. Etapas da avaliação perioperatória
Etapa I: Verificar as condições clínicas do paciente
Neste momento são identificadas as variáveis de risco associadas a complicações cardíacas, como dados da história, do exame físico e de testes diagnósticos3.
Etapa II: Avaliar a capacidade funcional
A história clínica permite ao médico obter informações sobre a capacidade funcional do paciente. Indagamos sobre as limitações para deambulação rápida, subir escadas, realizar atividades domésticas, efetuar exercícios regulares. Se o paciente apresenta uma capacidade funcional > 4 METs (subir um lance de escadas ou andar mais de dois quarteirões no plano sem precisar parar) e não apresenta sintomas, ele tem menor probabilidade de má evolução pós-operatória. Já o valor preditivo negativo da anamnese sobre insuficiências coronária e cardíaca fica muito comprometido em pacientes com baixa capacidade funcional3-5.
Etapa III: Estabelecer o risco de complicações cardiovasculares associado ao tipo de procedimento
Os procedimentos não cardíacos podem ser classificados de acordo com a probabilidade de desenvolver eventos cardíacos (morte ou infarto agudo do miocárdio [IAM] não fatal) no perioperatório3. As cirurgias vasculares de aorta, grandes vasos e vasculares arteriais periféricas e as de urgência/emergência são consideradas de alto risco (> 5%). Entretanto, as cirurgias de carótidas e a correção endovascular de aneurismas de aorta abdominal são consideradas de risco intermediário (entre 1 e 5%)6. Nenhuma cirurgia vascular arterial é considerada de baixo risco (< 1%)3.
Etapa IV: Estimar o risco de sangramento em operações vasculares eletivas
Embora o risco e o volume de sangramento associados aos procedimentos cirúrgicos vasculares sejam empiricamente conhecidos, há poucos dados científicos que os quantifiquem. Esta diretriz propõe uma classificação do risco de sangramento relacionado ao tipo do procedimento cirúrgico (Tabela 1).
Os procedimentos de correção de aneurismas de aorta abdominal (AAA) não complicados (sem expansão aguda ou rotura) são os mais adequadamente documentados em dados de perda volêmica e reposição por hemoderivados. Embora a maioria dos autores documente perdas volêmicas médias entre 1.000 e 2.000 ml7-9, os valores extremos podem ser bastante superiores, como atestam Hiromatsu et al.10, que observaram perdas intraoperatórias de 1.760 ± 1.525 ml.
De maneira esperada, a correção endovascular dos AAA apresenta volumes de sangramento inferiores à cirurgia aberta, com valores citados entre 202 e 585 ml9, 11. As técnicas endovasculares também proporcionaram, por meio do uso deendopróteses fenestradas e ramificadas, importante redução no volume de sangramento na correção dos aneurismas justarrenais e toracoabdominais baixos que envolvem as artérias esplâncnicas abdominais. Diversas séries de casos12-15 relatam perdas hemáticas intraoperatórias entre 450 e 800 ml, embora com valores extremos oscilando entre 100 e 2.500 ml.
Na correção endovascular dos aneurismas toracoabdominais as perdas volêmicas podem ser expressivas. Clough et al.16 citam valores medianos de 325 ml, porém com amplo intervalo de variação, entre 100 e 4.000 ml. Já as perdas sanguíneas nas correções abertas dos aneurismas torácicos podem frequentemente apresentar volumes superiores à volemia dos pacientes, sendo estimadas entre 5.000 e 6.000 ml17-20.
É importante ressaltar que os procedimentos endovasculares têm o potencial de reduzir a incidência de eventos de coagulopatia intra e pós-operatória. A ocorrência de coagulopatia dilucional está diretamente relacionada ao volume sanguíneo perdido, enquanto a terapia transfusional pode provocar a plaquetopenia dilucional20-21. Além disso, os métodos endovasculares eliminam a necessidade de clampeamento aórtico, que também é um potencial desencadeador de eventos de coagulopatia, tanto no intra quanto no pós-operatório. O tempo de clampeamento supracelíaco é diretamente proporcional à redução na contagem de plaquetas e na concentração de fibrinogênio sérico20, 22.
Diferentemente das cirurgias aórticas, as cirurgias vasculares periféricas abertas (derivações arteriais dos membros inferiores, endarterectomia carotídea e outras) apresentam dados precários de volume de sangramento. Porém evidências indiretas podem oferecer uma percepção das perdas hemáticas destes pacientes. Stone et al.9 observaram a necessidade de terapia transfusional em 17,9% dos pacientes submetidos à revascularização de membros inferiores. Os mesmos autores ressaltaram ainda a ocorrência de reoperação por sangramento em 1,8% destes indivíduos e em 1,2% daqueles submetidos à endarterectomia carotídea.
Os procedimentos endovasculares periféricos (angioplastia arterial de extremidades, implante de stents carotídeos e outros) apresentam usualmente uma perda irrisória de sangue, sem impacto significativo na volemia ou nos valores de hematócrito. No entanto, complicações como pseudoaneurismas e grandes hematomas pós-punção ocorrem em cerca de 1 a 1,5% dos casos e podem eventualmente proporcionar perdas volêmicas clinicamente relevantes23, 24.
Etapa V: Estabelecer o risco de complicações cardiovasculares e adequar o tratamento
Estabelecer o risco de complicações cardiovasculares utilizando os algoritmos de avaliação perioperatória; avaliar a terapêutica que está sendo empregada, adicionando novos medicamentos e orientando o manejo perioperatório das medicações em uso (quais devem ser mantidas e quais devem ser suspensas); analisar a necessidade de exames complementares adicionais, procedimentos invasivos, angioplastia ou cirurgia cardíaca.
Etapa VI: Efetuar acompanhamento perioperatório
A avaliação não está limitada ao período pré-operatório. Deve-se levar em conta a necessidade de monitoração eletrocardiográfica e de dosagens laboratoriais de marcadores de injúria miocárdica, corrigir distúrbios hidroeletrolíticos, identificar e tratar anemia, infecção ou insuficiência respiratória, além de considerar profilaxia para trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar e valorizar os dados do intraoperatório sobre perda sanguínea e estabilidade hemodinâmica, que têm reconhecido impacto sobre o prognóstico cardiovascular.
Etapa VII: Planejar terapêutica em longo prazo
Esta é uma oportunidade para identificar e orientar os pacientes sobre os fatores de risco cardiovasculares: tabagismo, hipercolesterolemia, diabetes melito (DM), hipertensão arterial, sedentarismo. Os diagnósticos cardiovasculares que forem efetuados serão tratados e acompanhados: arritmias, hipertensão, doença arterial coronariana (DAC), valvulopatias.
2.2. Considerações sobre os algoritmos de avaliação cardiológica pré-operatória
Diversos algoritmos foram propostos para a estimativa de risco de complicações perioperatórias, como o do American College of Physicians (ACP) 25, 26, o da American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) 3, o estudo Multicêntrico de Avaliação Perioperatória (EMAPO)27 e o Índice Cardíaco Revisado de Lee.28. Estes algoritmos não são perfeitos, mas todos são melhores do que o acaso para predizer complicações perioperatórias, devendo ser utilizados durante a avaliação29. Todos os algoritmos têm vantagens e desvantagens que devem ser consideradas durante a sua utilização30. O Índice Cardíaco Revisado de Lee pode subestimar o risco cardiovascular quando usado para avaliação perioperatória de pacientes submetidos a operações de aorta ou vasculares periféricas arteriais. Por isso, em 2010, foi proposto um novo algoritmo específico para pacientes que serão submetidos a operações vasculares (Lee-Vasc)31. Entretanto, este algorítmo ainda não foi validado na população brasileira.
O algoritmo complementa a opinião pessoal do avaliador e, nos casos em que o médico que realizou a avaliação julgar que o algoritmo esteja subestimando o risco real, esta observação deve ser mencionada.
A atualização da II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)1, em conjunto com a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), propôs um fluxograma para avaliação perioperatória, utilizando os algoritmos existentes (Fluxograma 1 ).
Pacientes sempre devem ser operados com a terapia clínica otimizada. Para os casos de risco intermediário e alto está indicada a monitorização para detecção precoce de eventos: ECG e marcadores de necrose miocárdica até 3ºPO. Nos casos de alto risco se deve considerar o acompanhamento cardiológico conjunto.
3. Avaliação perioperatória suplementar
3.1. Eletrocardiograma
A análise do eletrocardiograma (ECG) pode complementar a avaliação cardiológica e permitir a identificação de pacientes com alto risco cardíaco operatório. O ECG proporciona a detecção de arritmias, distúrbios de condução, isquemia miocárdica ou IAM prévio, sobrecargas cavitárias e alterações decorrentes de distúrbios eletrolíticos ou de efeitos de medicamentos. Além disso, um traçado eletrocardiográfico basal é importante para a avaliação comparativa no perioperatório de pacientes com risco de ocorrência de eventos cardiovasculares.
A presença de ondas Q ou alterações significativas no segmento ST tem sido associada ao aumento da incidência de complicações cardíacas perioperatórias32. As anormalidades encontradas no ECG tendem a aumentar com a idade e a presença de comorbidades, sendo que alterações eletrocardiográficas inespecíficas apresentam baixo poder preditivo de complicações perioperatórias33, 34. Porém, em um estudo retrospectivo com mais de 23 mil pacientes, a presença de alterações eletrocardiográficas pré-operatórias foi associada à maior incidência de mortes de causa cardíaca em 30 dias35.
Em um estudo prospectivo com 354 pacientes (dos quais 80% foram submetidos a operações vasculares), os pacientes com anormalidades no ECG apresentaram maior incidência de IAM e mortalidade cardiovascular. Na análise multivariada, os preditores independentes de eventos cardiovasculares foram sinais de sobrecarga ventricular esquerda (SVE) no ECG, intervalo QT corrigido maior que 440 ms e presença de hipertensão arterial sistêmica (HAS)36. Em outro estudo prospectivo, Landesberg et al.37 demonstraram, em 405 pacientes submetidos a operações vasculares, que a presença de infradesnivelamento do segmento ST e de sinais de SVE no ECG pré-operatório se correlacionou com eventos cardiovasculares pós-operatórios. Estes achados foram confirmados em um estudo subsequente com 921 pacientes submetidos a operações vasculares, no qual a presença de infradesnivelamento do segmento ST no ECG foi preditor de mortalidade.38
Portanto, obter um ECG no pré-operatório de operações vasculares é fundamental na avaliação do risco perioperatório e para o diagnóstico de síndromes coronarianas agudas pós-operatórias.
Recomendações para solicitação de ECG
Grau de recomendação I
Todos os pacientes que serão submetidos a operações vasculares arteriais. Nível de evidência B.
3.2. Avaliação da função ventricular em repouso
As recomendações para a realização de ecocardiograma de repouso no pré-operatório de operações vasculares não sofreram modificações e podem ser obtidas na II Diretriz de Avaliação Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia1 no link: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2011/II_diretriz_perioperatoria.pdf.
Cabe ressaltar que na maioria dos casos este exame não muda a estratificação do risco cardiovascular.
3.3.Testes não invasivos para detecção de isquemia miocárdica
Os pacientes submetidos a cirurgias vasculares representam o grupo com maior risco de eventos cardiovasculares no perioperatório, tanto pelo perfil clínico dos pacientes vasculopatas como também pelo tipo e porte das cirurgias realizadas. A realização de testes não invasivos tem como objetivo identificar aqueles pacientes com maior risco de eventos cardíacos adversos no contexto perioperatório, permitindo a realização de medidas para reduzir o risco e a morbimortalidade perioperatórios.
Entre os exames complementares disponíveis para avaliação de isquemia no pré-operatório de cirurgia vascular, os habitualmente utilizados são os testes ergométrico e de avaliação funcional associada à imagem, como ecocardiograma de estresse e cintilografia miocárdica. Cada um destes exames apresenta algumas peculiaridades em pacientes portadores de doença vascular.
O teste ergométrico convencional não apresenta boa capacidade diagnóstica em relação aos outros testes associados à imagem e demonstra limitações naqueles pacientes com alterações no ECG basal, como bloqueio de ramos, sobrecargas ventriculares e alterações de repolarização ventricular, que podem interferir na análise do resultado. Em pacientes com doença vascular, o teste ergométrico é pouco utilizado devido à limitação destes em realizar o exame pela presença de doença arterial periférica, baixa capacidade funcional e impossibilidade de completar um teste eficaz. Entretanto, num grupo seleto de pacientes que consegue atingir 85% da frequência cardíaca prevista, o resultado do teste ergométrico tem um valor preditivo negativo alto e permite a avaliação objetiva da capacidade funcional39. Devemos lembrar sempre que o uso de medicações especificas como betabloqueadores deve ser mantido para a realização do exame.
A avaliação de isquemia miocárdica no pré-operatório de cirurgia vascular geralmente é realizada por meio de uma prova funcional com estresse farmacológico associada a um método de imagem. A cintilografia de perfusão miocárdica com dipiridamol, dobutamina ou estresse físico (quando não há limitação física para sua realização) e o ecocardiograma de estresse com dobutamina têm alto valor preditivo negativo e são comparáveis entre si40. Na escolha entre estes dois métodos de imagem devemos considerar os efeitos produzidos pelos agentes farmacológicos e as doenças vasculares de base.Aadenosina e o dipiridamol são agentes que produzem vasodilatação coronariana, mas também têm efeito sistêmico. Com base nestes efeitos, a cintilografia miocárdica com adenosina/dipiridamol não deve ser realizada em pacientes com doença carotídea grave bilateral devido ao risco de roubo de fluxo, precipitando um evento isquêmico cerebral.
Por outro lado, a dobutamina provoca aumento na contratilidade miocárdica, na frequência cardíaca e no débito cardíaco. Nos portadores de aneurisma de aorta abdominal (AAA), pode haver um potencial risco de ruptura de aneurisma durante o exame com dobutamina, sendo preferível o uso de cintilografia miocárdica com adenosina/dipiridamol. Encontramos na literatura somente um estudo de segurança, no qual Pellikka et al.41 mostraram, num levantamento de dados com 98 pacientes portadores de AAA > 4 cm (média 6 ±1,5 cm), que a realização de ecocardiograma com dobutamina em pacientes com aneurismas crônicos foi segura, sem risco maior de ruptura pelo exame41. Alguns outros estudos também utilizaram ecocardiograma de estresse com dobutamina como método de estratificação de risco cirúrgico em pacientes portadores de aneurisma de aorta, e não há relatos de complicações vasculares decorrentes dos exames42, 43. Apesar destes pequenos estudos, a indicação do ecocardiograma com dobutamina para estes pacientes deve ser uma alternativa para estratificação funcional, na indisponibilidade de cintilografia miocárdica. Para maior segurança, é importante manter sempre a monitorização de pressão arterial e a frequência cardíaca durante todo o exame, para evitar os picos hipertensivos e o consequente aumento do risco de ruptura de aneurisma.
Infelizmente, as provas funcionais não são disponíveis em larga escala em todos os serviços médicos, sendo comum os dois extremos: teste ergométrico convencional e cineangiocoronariografia. Em serviços em que não estão disponíveis os exames com imagem para detecção de isquemia miocárdica, o teste ergométrico pode ser utilizado, desde que o paciente não apresente limitações para sua realização e atinja a frequência cardíaca preconizada, como mencionado previamente. Devemos lembrar ainda que a cineangiocoronariografia e/ou a angiotomografia de coronárias não são exames substitutos da cintilografia miocárdica ou do ecocardiograma com estresse, não devendo ser realizadas rotineiramente na avaliação de pacientes em pré-operatório de cirurgia vascular. Uma vez que a concomitância de doença coronariana e doença vascular periférica é frequente devido à aterosclerose difusa, um estudo anatômico das artérias coronárias não traz informação adicional na avaliação de risco cirúrgico na ausência de uma indicação clinica44, 45.
Os pacientes que foram submetidos a alguma forma de avaliação funcional nos dois últimos anos, sem alterações na sintomatologia e sem piora da capacidade funcional desde então, não necessitam repetir o teste, já que raramente apresentarão alguma alteração. O mesmo conceito se aplica àqueles com revascularização miocárdica completa, cirúrgica ou percutânea, realizada há mais de seis meses e menos de cinco anos e estáveis clinicamente1, 3.
Recomendações para realização de cintilografia de perfusão miocárdica ou ecocardiograma com estresse no pré-operatório de operações vasculares
Grau de Recomendação IIa
Pacientes com estimativa de risco intermediário de complicações; nível de evidência B.
Pacientes com baixa capacidade funcional, exceto em operações de carótida; nível de evidência C.
Grau de recomendação III
Pacientes para os quais a operação vascular é de urgência ou emergência; nível de evidência C.
3.4. Cineangiocoronariografia
Os pacientes em programação de cirurgias vasculares constituem uma população de alto risco para complicações cardiovasculares no perioperatório, e a indicação da realização de cineangiocoronariografia como método sistemático de avaliação pré-operatória em operações vasculares é um assunto bastante controverso devido à carência de estudos na literatura.
O estudo de Hertzer, em 1984, já havia demonstrado a alta prevalência de concomitância de doença arterial coronária e doença vascular periférica44. Na casuística de 1.000 pacientes em programação de cirurgias vasculares eletivas, a realização rotineira de cateterismo no pré-operatório mostrou que apenas 8% dos pacientes apresentavam coronárias normais. Estes achados foram confirmados em um estudo mais recente, no qual foi demonstrado que 61% dos pacientes submetidos à correção de aneurismas de aorta abdominal apresentavam lesões coronarianas maiores que 50% na angiotomografia45.
A mesma coorte de pacientes estudada nos estudo de Hertzer foi utilizada para derivar e validar um modelo de avaliação pré-operatória com base em variáveis clínicas46. Conforme a estratificação clínica prévia, os autores encontraram uma correspondência entre o risco estimado clinicamente e a presença e gravidade de lesões coronarianas encontradas no cateterismo. Os autores sugerem que a avaliação de risco cirúrgico deve iniciar pela avaliação clínica e, conforme o risco cirúrgico estimado, determinar a necessidade de indicação de exames complementares. A cineangiocoronariografia estaria reservada somente para pacientes de alto risco.
O único estudo randomizado na literatura que avaliou o papel da realização de cineangiocoronariografia sistemática no pré-operatório foi o realizado por Monaco et al.47. Nele, os pacientes com indicação de cirurgia vascular e com Índice de Risco Cardíaco Revisado > 2 eram randomizados para dois grupos: cateterismo diretamente × cateterismo se houver presença de isquemia em testes não invasivos. Em relação ao desfecho no período perioperatório, não houve diferença na incidência de eventos em 30 dias entre os dois grupos (p = 0,1). No grupo randomizado para cateterismo direto, observaram-se melhor sobrevida (p = 0,01) e sobrevida livre de eventos cardíacos (p = 0,003) em três anos de seguimento. Este grupo apresentou maior índice de revascularizações imediatas (58,1% vs. 40,1%; p = 0,01) em relação ao grupo de cateterismo de acordo com a presença de isquemia na prova funcional. O resultado favorável no seguimento do grupo de cateterismo direto foi atribuído ao tratamento de doença arterial coronária nesta população.
Devido à ausência de evidências científicas e de mais estudos randomizados que tenham avaliado o papel de cateterismo cardíaco na estratificação de risco cirúrgico no perioperatório, não há recomendação da sua realização de forma rotineira. O cateterismo cardíaco deve ser realizado na presença de síndromes coronarianas agudas, angina estável não controlada com medicação e pacientes portadores de angina estável com disfunção ventricular esquerda. Na suspeita de doença coronariana com base em testes não invasivos, como teste ergométrico, cintilografia do miocárdio ou ecocardiografia de estresse pela dobutamina, o cateterismo deve ser indicado quando forem demonstradas áreas moderadas a grandes de isquemia induzida e/ou características de alto risco1. Na presença de testes não invasivos inconclusivos e alta probabilidade de doença coronariana, o cateterismo pode ser indicado antes de cirurgias de alto risco.
Recomendações para solicitação da cineangiocoronariografia no pré-operatório
Grau de recomendação I
Pacientes com síndromes coronarianas agudas de alto risco; nível de evidência A.
Pacientes com testes não invasivos indicativos de alto risco; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIa
Pacientes com indicação do exame com base nas diretrizes vigentes de doença arterial coronária, independente do procedimento cirúrgico, em operações eletivas; nível de evidência C.
4. Medidas para a redução do risco cirúrgico
4.1. Betabloqueadores
Embora os betabloqueadores constituam um dos principais instrumentos para controle clínico e redução de risco cardíaco perioperatório, atualmente são foco de grande polêmica devido às recentes e aparentemente conflitantes evidências. Estudos pioneiros da década de 1990, prospectivos e randomizados, sugeriam que o uso perioperatório dos betabloqueadores era capaz de reduzir a mortalidade e a morbidade cardiovasculares em amplo espectro de pacientes: desde aqueles apenas com fatores de risco para doença cardiovascular, mesmo que de baixo risco perioperatório,48 até aqueles com alto risco de eventos por terem demonstração de isquemia miocárdica em prova funcional e serem candidatos a operações vasculares49. Em 2001, o mesmo grupo que demonstrou os benefícios do betabloqueio em pacientes vasculopatas de alto risco mostrou benefício também para os pacientes de risco intermediário no perioperatório vascular50. Entretanto, entre 2005 e 2006, três trabalhos randomizados não confirmaram efeito protetor do betabloqueio no perioperatório vascular de pacientes de risco baixo ou intermediário, ressaltando potencial malefício, dada a associação a maior incidência de bradicardia e hipotensão51-53. O benefício dos betabloqueadores foi então questionado também em metanálises54, 55. Contemporaneamente, o maior estudo retrospectivo sobre betabloqueadores no perioperatório, que analisou mais de 780 mil pacientes submetidos a operações não cardíacas, mostrou que o impacto do betabloqueador dependia da estimativa do risco cardíaco, ou seja, nos pacientes de alto risco, os betabloqueadores estavam associados à menor mortalidade, mas naqueles de baixo risco não havia benefício, observando-se até mesmo malefício. Para os pacientes de risco intermediário observou-se tendência a benefício56. Finalmente, em 2008, o estudo Perioperative Ischemic Evaluation (POISE), que randomizou 8.351 pacientes, em sua maioria de risco intermediário, para receberem succinato de metoprolol ou placebo, iniciados 2-4 horas antes da operação não cardíaca com doses que chegavam a 400 mg nas primeiras 24 horas, evidenciou menor incidência de infarto, parada cardíaca revertida e mortalidade cardíaca no grupo betabloqueado (5,8% × 6,9%; p = 0,03), porém à custa de incidência dobrada de AVC e de maior mortalidade global neste grupo (3,1% × 2,3%; p = 0,03). A alta incidência de hipotensão (15%) e bradicardia (6,6%) esteve fortemente associada à maior mortalidade e também ao AVC57.
Por outro lado, recentemente outro estudo prospectivo e randomizado, desenhado para avaliar o impacto do bisoprolol e da fluvastatina no perioperatório não vascular de pacientes com risco intermediário, mostrou grande benefício do betabloqueio, com menor incidência de infarto e morte cardíaca perioperatória nos 533 pacientes que receberam bisoprolol (2,1% × 6%; p = 0,002)58.
A análise cautelosa de todos estes dados evidencia grande heterogeneidade entre os estudos, principalmente no que diz respeito à posologia do betabloqueador utilizado: dosagens e tempo de início. Temos estudos que iniciaram o betabloqueador poucas horas antes da operação, sem tempo hábil para titulação até doses que conferissem controle adequado da frequência cardíaca51-53, nos quais alguns pacientes continuaram a receber o betabloqueador apesar de apresentarem bradicardia e/ ou hipotensão, e, principalmente, sem tempo para adaptação hemodinâmica e, portanto, diminuição de efeitos colaterais57. Por outro lado, temos estudos que iniciaram o betabloqueador com maior antecedência, pelo menos uma semana antes da operação, procurando titulação até adequação da dosagem49, 50, 58; foram estes que mostraram benefício.
Em 2008, ainda antes da publicação do POISE, um interessante estudo reviu os dados das duas principais metanálises previamente citadas54,55, com base no controle de frequência cardíaca atingido em cada estudo componente das mesmas. Quando os autores dividiram os dados em dois grupos - o que atingiu controle rigoroso da frequência cardíaca e o que não atingiu -, observou-se que os betabloqueadores conferiram proteção noprimeiro grupo e não modificaram a evolução no segundo. É importante ressaltar que neste trabalho também foi demonstrado que os betabloqueadores no perioperatório são associados à maior frequência de bradicardia59.
Desta maneira, depois de avaliadas as indicações específicas, a utilização de betabloqueio no perioperatório deve sempre respeitar dois princípios1:
1. SEGURANÇA. O momento de início deve ser o mais precoce possível, para que haja tempo hábil para avaliar a resposta hemodinâmica de cada paciente, evitando bradicardia e hipotensão. Devem ser prescritas doses baixas, com titulação progressiva até FC de 55 a 65 bpm, sem hipotensão (PA sistólica [PAS] > 100 mmHg). Amedicação deve ser mantida por 30 dias pós-operatórios. Durante todo o período perioperatório deve ocorrer monitorização frequente de FC e PA. Caso seja detectada FC < 50 bpm ou PAS < 100 mmHg, o betabloqueador deve ser suspenso temporariamente até que os equilíbrios hemodinâmico e cronotrópico sejam restabelecidos.
2. EFICÁCIA. O benefício do betabloqueador está associado ao controle da frequência cardíaca, devendo-se ter como alvo FC de 55 a 65 bpm no pré e no pós-operatório.
Por fim, cabe lembrar que não devemos suspender os betabloqueadores no perioperatório de pacientes que os recebem cronicamente pelas mais diversas indicações. A suspensão aguda dos betabloqueadores está associada a importante aumento da mortalidade pós-operatória60. É importante ressaltar que os betabloqueadores podem ser utilizados em pacientes com doença arterial periférica61.
A avaliação prospectiva de 286 pacientes internados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) revelou alta taxa de utilização de betabloqueador: 76,1%. Não houve maior incidência de instabilidade hemodinâmica transoperatória quando comparados os grupos com e sem betabloqueador (28% × 26,5%; p = 0,887). Cabe ressaltar que a rotina de farmacoproteção da disciplina de Cirurgia Vascular e Endovascular do HC-FMUSP segue os preceitos desta diretriz62.
Indicações para uso de betabloqueadores no perioperatório de cirurgia vascular
Grau de recomendação I
Pacientes com isquemia miocárdica sintomática ou evidenciada por prova funcional; nível de evidência B.
Pacientes que já recebem betabloqueadores cronicamente devem manter seu uso em todo o perioperatório; nível de evidência B.
Grau de Recomendação IIa
Pacientes com risco cardíaco intermediário; nível de evidência B.
4.2. Estatinas
A utilização de estatinas para prevenção de eventos cardiovasculares após operações vasculares está bem estabelecida, tendo como base estudos prospectivos, randomizados e controlados por placebo. Em 2004 foi publicado o primeiro estudo randomizado com 100 pacientes, no qual os autores demonstraram que o uso de 20 mg de atorvastatina estava associado a grande diminuição dos eventos cardiovasculares maiores (morte, IAM, acidente vascular encefálico [AVE], angina instável) no perioperatório e ao final de 6 meses de seguimento. Este efeito ocorreu independente dos níveis basais de colesterol e foi adicional ao benefício advindo do uso de betabloqueadores (semelhante entre os grupos)63. Alguns anos depois foi demonstrado que o uso de 80 mg de fluvastatina de liberação lenta em 250 pacientes submetidos a operações vasculares reduziu a ocorrência de isquemia miocárdica pós-operatória e o desfecho combinado de IAM e morte cardíaca em 30 dias64.
No perioperatório de endarterectomia de carótidas, o uso de estatinas reduz a incidência de AVE e a mortalidade65, 66. No perioperatório de angioplastia de carótidas, o uso de estatinas também reduz o risco de AVE perioperatório e aumenta a sobrevida em longo prazo67. A estatina deve fazer parte do tratamento de todos os pacientes com doença carotídea, uma vez que, mesmo naqueles com estenoses moderadas, o uso desta medicação reduz o risco de AVE e a necessidade de revascularização carotídea68.
Em relação a operações de aorta, o uso de estatinas está associado a redução de mortalidade e IAM após a cirurgia convencional69, 70 e aumento da sobrevida após a correção endovascular71. Existe controvérsia se o uso de estatina poderia estar associado à redução da expansão de AAAs pequenos, sendo necessário um estudo randomizado para chegar a uma conclusão definitiva72, 73. Entretanto, em um estudo recente, o uso de estatina foi associado à redução significativa do saco aneurismático após cirurgia para correção endovascular de AAA74. Sendo assim, estatinas devem ser prescritas para todos os pacientes que serão submetidos à correção de aneurisma de aorta abdominal, independente da técnica cirúrgica que será utilizada.
Em todos os pacientes com doença arterial periférica, o uso de estatinas está indicado como parte do tratamento clínico, uma vez que está associado à redução da morbimortalidade cardiovascular e melhora dos sintomas de claudicação75-78. Além disso, seu uso está associado à redução da morbimortalidade perioperatória em pacientes submetidos à revascularização dos membros inferiores79. Em um estudo retrospectivo recente, pacientes em uso de estatinas que foram submetidos a tratamento endovascular de isquemia crítica de membros inferiores apresentaram maior patência arterial primária e secundária, maior taxa de salvamento do membro e melhor sobrevida geral, apesar de serem clinicamente mais graves do que os pacientes do grupo sem estatinas80.
A introdução de atorvastatina 20 mg (ou sinvastatina 40 mg) em pacientes que serão submetidos a operações vasculares deve ser feita, de preferência, duas semanas antes do procedimento e mantida durante 30 dias1. Após este tempo, a dose deve ser ajustada para a meta de lipoproteína de baixa densidade (LDL), obrigatoriamente inferior a 100 mg/dl e idealmente inferior a 70mg/dl81.
A suspensão de estatina no perioperatório em pacientes que fazem uso crônico desta medicação é um preditor independente de eventos cardiovasculares após operações vasculares82, portanto a estatina deve ser mantida durante todo o perioperatório. O uso de estatinas no perioperatório é seguro e, embora pacientes que usam estatina apresentem nível de CPK basal mais elevado, a ocorrência de elevação maior que 5 vezes o seu valor de referência ou de rabdomiólise é rara83.
Recomendações para o uso das estatinas em pacientes que serão submetidos a operações vasculares
Grau de recomendação I
Introduzir em todos os pacientes, independente do nível de colesterol; nível de evidência A.
Manter em pacientes que já usam; nível de evidência B.
4.3. Clonidina
Os α2-agonistas modulam a resposta das catecolaminas à cirurgia e à anestesia, diminuindo a liberação de noradrenalina, a pressão arterial e a frequência cardíaca. Os primeiros estudos randomizados utilizando a clonidina para prevenção de complicações cardiovasculares após operações não cardíacas demonstraram redução de isquemia miocárdica, mas sem diminuição de eventos clínicos ou de mortalidade84, 85. Por outro lado, uma metanálise demonstrou que os α2-agonistas reduziram a mortalidade e o IAM em pacientes submetidos a operações vasculares86. O European Mivazerol Trial (EMIT) avaliou o uso de mivazerol em 1.897 pacientes com doença arterial coronária submetidos a operações não cardíacas e os autores encontraram diminuição de mortalidade geral e de infarto ou morte cardíaca apenas no subgrupo de pacientes submetidos a operações vasculares87. Apenas um estudo randomizado, controlado por placebo com 190 pacientes demonstrou redução de mortalidade com o uso de clonidina profilática no perioperatório, sendo que apenas 50 pacientes (26,3%) foram submetidos a operações vasculares. Wallace et al. demonstraram que o uso de clonidina em pacientes sabidamente coronariopatas ou com mais de dois fatores de risco para doença arterial coronária (HAS, idade > 60 anos, tabagismo, colesterol total > 140 mg/dl, diabetes mellitus) no perioperatório de operações não cardíacas reduziu a incidência de isquemia miocárdica pós-operatória e a mortalidade em 30 dias e em um seguimento de dois anos88. Uma metanálise também sugere que o uso perioperatório da clonidina pode reduzir o risco cardíaco, especialmente em pacientes submetidos a operações vasculares89. O estudo POISE-2 está em andamento com o objetivo de randomizar 10 mil pacientes que serão submetidos a operações não cardíacas para receber clonidina ou placebo, visando avaliar se o seu uso reduz complicações cardiovasculares no perioperatório.
Recomendações para o uso da clonidina no perioperatório de operações vasculares
Grau de recomendação IIa
Pacientes coronariopatas que apresentem contraindicação ao uso de betabloqueadores;
nível de evidência A
.
4.4. Antiagregantes plaquetários
4.4.1. Aspirina
O benefício do uso da aspirina em pacientes vasculopatas para prevenção secundária de eventos cardiovasculares já está bem estabelecido, sendo o seu uso recomendado rotineiramente. Portanto a maioria dos pacientes que serão submetidos a operações vasculares já estará em uso da aspirina no pré-operatório. Por outro lado, também são bem conhecidos os efeitos deletérios da sua descontinuação: até 10,2% dos eventos cardiovasculares agudos são precedidos pela suspensão recente da aspirina90.
Em relação aos procedimentos de revascularização de membros inferiores, evidências apontam para o benefício da aspirina na patência dos enxertos artificiais e, numa menor proporção, dos enxertos venosos91, 92. Além disso, foi demonstrada redução significativa na taxa de eventos cardiovasculares nos pacientes em uso de aspirina no perioperatório, sem haver maior risco de complicações hemorrágicas relacionadas com o procedimento cirúrgico93.
Estudos envolvendo pacientes submetidos a operações de endarterectomia de carótida têm demonstrado redução significativa na taxa de eventos isquêmicos cerebrais perioperatórios nos pacientes em uso de aspirina94, 95. Estudo observacional prospectivo recente, analisando 540 pacientes, evidenciou também menor taxa de eventos cardíacos nos pacientes que mantiveram o uso da aspirina no perioperatório95. Nesses estudos não foi demonstrado aumento de complicações hemorrágicas naqueles que receberam aspirina no perioperatório. Em relação à dosagem específica da aspirina nesse contexto, grande estudo randomizado envolvendo quase 3 mil pacientes demonstrou não haver benefício e possivelmente menor redução de eventos cardiovasculares no grupo que recebeu aspirina em doses maiores (> 650 mg) em relação ao grupo com doses menores (81 mg-325 mg)96.
Por fim, dados provenientes de um grande estudo analisando o uso de antiplaquetários em operações vasculares vêm ratificar esses conceitos também para operações de aorta. Entre os 1.134 casos de correção aberta e 1.125 de correção endovascular, cerca de 66% dos pacientes estavam em uso de aspirina, não tendo sido demonstrado risco aumentado de reoperação por sangramento em relação aos pacientes que não usavam antiplaquetários9.
4.4.2. Clopidogrel e dupla antiagregação
Em pacientes submetidos a operações vasculares, há apenas estudos observacionais ou retrospectivos, com pequeno número de pacientes ou de eventos, não permitindo uma conclusão definitiva sobre a manutenção ou suspensão do clopidogrel no perioperatório.
Burdess et al.97 avaliaram 113 pacientes com isquemia crítica de membro inferior submetidos a revascularização de membros inferiores, amputação ou endarterectomia femoral que foram randomizados para receber clopidogrel 600 mg 4 a 28 horas antes da operação ou placebo, mantendo 75 mg por dia após a cirurgia. Todos os pacientes recebiam aspirina. Não houve diferença entre sangramentos maiores com risco de morte entre os grupos: 7 (14%) no grupo clopidogrel e 6 (10%) no grupo placebo (p = 0,56). Entretanto os pacientes do grupo clopidogrel apresentaram mais sangramentos maiores sem risco de morte: 11 (22%) no grupo clopidogrel versus 4 (7%) no grupo placebo (p = 0,024). Além disso, 20 pacientes (40%) recebendo clopidogrel necessitaram de transfusão de concentrado de hemácias contra apenas 8 (14%) do grupo placebo (p = 0,0019). Não houve diferença entre os grupos quanto à presença de sangramentos menores (p = 0,12) e duração da operação (p = 0,6) ou da internação hospitalar (p = 0,72)97.
Em relação à endarterectomia de carótidas, Payne et al.98 randomizaram 100 pacientes para receber clopidogrel 75 mg ou placebo, além de aspirina, os quais seriam submetidos à endarterectomia de carótidas. Não houve diferença entre os grupos quanto a necessidade de transfusão sanguínea (p = 1) e volume do dreno (p = 0,65). No entanto houve aumento do tempo necessário para o fechamento do pescoço (p = 0,004), tendência a aumento na presença de hematoma cervical (13% × 6%) e necessidade de reexploração cirúrgica (11% × 6%) no grupo clopidogrel, sem significância estatística98. Chechik et al.99 realizaram estudo retrospectivo para avaliar o impacto da antiagregação sobre a endarterectomia de carótida revendo o prontuário de 107 pacientes. Trinta e seis estavam sendo tratados com clopidogrel, sendo que, destes, 16 tomavam também aspirina. A antiagregação não foi interrompida em função da cirurgia. A queda média de hemoglobina não foi afetada pelo uso de antiagregante. Por outro lado, o tempo cirúrgico foi significativamente maior nos pacientes sob efeito de clopidogrel em comparação com os que não tomavam antiagregante, mas não houve diferença entre os submetidos à antiagregação simples ou dupla. As complicações pós-operatórias foram semelhantes entre os grupos99. Outros estudos que avaliaram o uso de clopidogrel associado à aspirina no perioperatório de endarterectomia de carótidas também tinham pequeno número de pacientes estudados e poucos eventos, não sendo possível encontrar diferenças significativas entre os grupos100, 101.
Stone et al.9 realizaram um estudo observacional com 10.406 pacientes submetidos a endarterectomia de carótidas, revascularização de membros inferiores e correção de aneurisma de aorta abdominal convencional e endovascular. Destes, 2.010 (19,3%) não receberam antiagregantes, 7.132 (68,5%) receberam aspirina, 229 (2,2%), clopidogrel e 1.017 (9,7%), dupla antiagregação. Não houve diferença entre os grupos quanto à reoperação por sangramento (sem antiagregantes 1,5%, aspirina 1,3%, clopidogrel 0,9%, aspirina com clopidogrel 1,5%; p = 0,74) ou necessidade de transfusão (sem antiagregantes 18%, aspirina 17%, clopidogrel 0%, aspirina com clopidogrel 24%; p = 0,1). Todavia, o número de pacientes que receberam clopidogrel nos grupos de correção de aneurisma de aorta era pequeno para permitir conclusões sobre o uso de clopidogrel nesta população9.
Por outro lado, quando se planeja intervenção cirúrgica com anestesia peridural ou raquianestesia, a recomendação é de que o clopidogrel seja interrompido. No entanto, numa revisão retrospectiva de 306 prontuários de pacientes submetidos à cirurgia sob efeito de anestesia epidural e que estavam tomando clopidogrel, não se observou complicação neurológica relacionada com a punção. Apesar de se tratar de um número considerável de pacientes, não deve ser incentivado o uso liberal de anestesia epidural em pacientes tomando clopidogrel1, 102, 103.
Quanto a pacientes antiagregados apenas com clopidogrel por diversos motivos, deve-se ponderar o risco de sangramento inerente ao procedimento. Quando o risco for moderado ou alto, deve-se suspender o clopidogrel cinco dias antes (grau de recomendação I, nível de evidência C), e quando o risco de sangramento for baixo, deve-se manter o antiagregante no perioperatório (grau de recomendação IIa, nível de evidência C).
4.4.3. Ticagrelor e prasugrel
O ticagrelor e o prasugrel são drogas cada vez mais utilizadas como segundos antiplaquetários em pacientes tratados com stents coronarianos. Estes pacientes, por sua vez, representam uma parcela considerável daqueles que necessitam de operações vasculares. Ainda são escassas as evidências relacionadas com o perioperatório vascular, mas dados provenientes de pacientes submetidos a operações cardíacas apontam para um risco aumentado de sangramento perioperatório semelhante104 ou até maior105 que o com clopidogrel. As orientações para o seu manejo perioperatório seguem, portanto, as orientações para o clopidogrel, com a ressalva de que o prasugrel deve ser suspenso sete dias antes da operação, enquanto o ticagrelor, cinco dias antes.
4.4.4. Pacientes com stent coronariano
Quando avaliamos entre os coronariopatas, especificamente aqueles que realizaram angioplastia com stent, a discussão é mais complexa. Sabe-se que após o implante de stent coronariano ocorre um aumento transitório do risco de trombose intra-stent, evento de alta morbimortalidade: 64,4% de infarto ou óbito106. Este período de maior risco dura 30 dias após o stent convencional e pelo menos um ano depois de stent farmacológico, e durante este período o que se preconiza é a terapia antiagregante combinada: ácido acetilsalicílico (AAS) e tienopiridínico, como o clopidogrel, 75 mg/dia1, 107.
Quando o paciente ainda está no período de maior risco de trombose intra-stent e necessita de operação não cardíaca neste intervalo, lidamos com um indivíduo de alto risco para complicações cardíacas, ainda que ele esteja assintomático e sem lesões coronarianas residuais. A estratégia que parece mais razoável nesta situação é a manutenção do AAS em todo o perioperatório, com suspensão do clopidogrel/ticagrelor cinco dias antes da cirurgia e reintrodução o mais precoce possível, idealmente antes que o paciente complete 10 dias sem esta medicação108 (grau de recomendação I, nível de evidência C). Em casos que a estimativa do risco de sangramento inerente ao procedimento cirúrgico é baixa, pode-se considerar proceder à operação na vigência da antiagregação dupla109 (grau de recomendação IIb, nível de evidência C). Contudo esta estratégia não traz a mesma proteção quando em comparação com a observação dos intervalos ideais, portanto a vigilância para eventos isquêmicos deve ser mantida.
4.4.5. Recomendações para uso de antiagregantes plaquetários antes de operações vasculares
Grau de recomendação I
Manter uso do AAS em dose de 75 a 100 mg/dia; nível de evidência B.
Paciente em antiagregação somente com clopidogrel/ ticagrelor e proposta de operação de risco moderado a alto de sangramento: suspender cinco dias antes; nível de evidência C.
Paciente em uso de dupla antiagregação por angioplastia com stent coronariano recente: manter o AAS em todo o período perioperatório, com suspensão do clopidogrel/ ticagrelor cinco dias antes da cirurgia e reintrodução o mais precoce possível, idealmente antes que completem 10 dias da suspensão; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIa
Paciente em antiagregação somente com clopidogrel/ticagrelor e proposta de operação de baixo risco de sangramento: manter o seu uso no perioperatório; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIb:
Paciente em uso de dupla antiagregação por angioplastia com stent coronariano recente: manutenção da dupla antiagregação em procedimentos de baixo risco de sangramento; nível de evidência C.
4.5. Revascularização miocárdica
A revascularização miocárdica pode excepcionalmente ser indicada antes da operação vascular com o objetivo de reduzir o risco cardiovascular perioperatório110, 111. No entanto, no contexto de farmacoproteção perioperatória otimizada, as potenciais situações de benefício da revascularização miocárdica profilática estão cada vez mais restritas. As evidências disponíveis em operações vasculares (estudos Coronary Artery Revascularization Prophylaxis [CARP] e Dutch Echocardiographic Cardiac Risk Evaluation Applying Stress Echocardiography [DECREASE-V]) são desfavoráveis à utilização dessa estratégia rotineiramente112, 113. A única indicação inequívoca para essa estratégia caberia para pacientes que já apresentam indicação de revascularização do miocárdio independentemente do contexto perioperatório, para a melhora do seu prognóstico em longo prazo.
Para corroborar esse raciocínio, recentemente foi publicada uma subanálise do estudo CARP com seguimento mediano de 2,7 anos, demonstrando que, nos pacientes submetidos a operações de aorta com isquemia na parede anterior do miocárdio evidenciada por prova funcional, houve maior sobrevida livre de eventos cardiovasculares, especialmente naqueles submetidos à revascularização do miocárdio em relação aos não revascularizados. Nessa mesma análise, também houve tendência a melhor prognóstico a longo prazo nos pacientes com grandes áreas miocárdicas isquêmicas em prova funcional e que foram submetidos à revascularização miocárdica114.
Cabe lembrar que a revascularização somente deve ser considerada quando houver indícios de isquemia relacionada com aquela artéria, e não apenas com base nos achados anatômicos.
O intervalo entre a revascularização miocárdica e a operação não cardíaca é um fator importante, principalmente nos casos de angioplastia115-118. De um lado, o risco de trombose intracoronariana ou reestenose quando este tempo for, respectivamente, muito curto ou longo; de outro lado, o risco de complicações hemorrágicas associadas ao uso de antiagregantes potentes como o clopidogrel. Deve-se lembrar de que pacientes que foram submetidos à angioplastia com stent farmacológico devem receber clopidogrel durante um ano, de forma que, nos casos de angioplastia para pacientes com operação não cardíaca programada para o próximo ano, não se deve utilizar stent farmacológico. Nessas situações, a depender da premência cirúrgica, as opções de tratamento percutâneo são: utilização de stent convencional ou mesmo angioplastia sem stent119 ,120.
Recomendações para o intervalo de segurança entre a revascularização miocárdica e a cirurgia vascular
Grau de recomendação I
Após revascularização miocárdica cirúrgica:
- Tempo ideal: 30 dias; nível de evidência C;
- Tempo mínimo: variável conforme as condições clínicas do paciente; nível de evidência C.
Após angioplastia coronariana com balão sem uso de stent:
- Tempo ideal: 14 dias; nível de evidência B;
- Tempo mínimo: sete dias; nível de evidência C.
Após angioplastia coronariana com uso do stent convencional:
- Tempo ideal: superior a seis semanas; nível de evidência B;
- Tempo mínimo: 14 dias; nível de evidência C.
Após angioplastia coronariana com stent farmacológico:
- Tempo ideal: não estabelecido; nível de evidência C;
- Tempo mínimo: 365 dias; nível de evidência B.
4.6. Profilaxia de trombose venosa profunda
A avaliação da profilaxia para o tromboembolismo venoso dentro das cirurgias vasculares, de forma mais específica, se resume a oito pequenos estudos randomizados121-127. Contudo esses estudos apresentam limitações importantes com relação a tamanho da amostra, metodologia e resultados inconclusivos. Dessa forma, as recomendações para as cirurgias vasculares se baseiam nos estudos de qualidade superior dedicados às cirurgias gerais, abdominais e pélvicas.
Nas cirurgias vasculares, a inflamação, a estase e a hipercoagulabilidade são parcialmente amenizadas pela anticoagulação intraoperatória e pela deambulação precoce. Uma consideração importante diz respeito à contraindicação relativa ao uso de profilaxia mecânica em alguns pacientes submetidos a enxertos vasculares de membros inferiores.
Os fatores de risco para o tromboembolismo venoso nas cirurgias vasculares não estão bem estabelecidos, embora vários estudos tenham tentado avaliá-los128-130. Entretanto pacientes submetidos a cirurgias vasculares representaram 16% daqueles analisados retrospectivamente para a validação do escore de risco de Caprini131, 132, o que permite a extrapolação desse modelo de avaliação de risco para os pacientes vasculares (Tabela 3).
Recomendações para profilaxia para tromboembolismo venoso (TEV) nos pacientes vasculares133
Pacientes com risco muito baixo de TEV (< 0,5%; escore de Caprini 0): não usar profilaxia farmacológica (grau de recomendação I, nível de evidência B) ou mecânica (grau de recomendação IIa, nível de evidência C), sendo recomendada somente a deambulação precoce.
Pacientes com baixo risco de TEV (1,5%; escore de Caprini 1-2): recomenda-se a tromboprofilaxia mecânica, preferencialmente na forma de compressão pneumática intermitente (CPI) (grau de recomendação IIa, nível de evidência C).
Pacientes com risco moderado de TEV (3%; escore de Caprini 3-4): recomenda-se usar heparina de baixo peso molecular (HBPM), heparina não fracionada (HNF) profilática ou tromboprofilaxia mecânica, preferencialmente com CPI (grau de recomendação IIa, nível de evidência B).
Paciente com alto risco de TEV (6%; escore de Caprini > 5): recomenda-se usar HBPM (grau de recomendação I, nível de evidência B ) ou HNF profilática (grau de recomendação I, nível de evidência B). Sugerimos que a tromboprofilaxia mecânica com meia elástica ou CPI seja associada à tromboprofilaxia farmacológica (grau de recomendação I, nível de evidência B).
Pacientes com risco moderado ou alto de TEV que apresentem alto risco de complicações hemorrágicas importantes ou aqueles em que as consequências de um sangramento maior sejam particularmente severas: recomenda-se utilizar tromboprofilaxia mecânica, preferencialmente com CPI (grau de recomendação IIa, nível de evidência C).
Não se recomenda utilizar filtro de veia cava inferior para a prevenção primária de TEV (grau de recomendação IIa, nível de evidência C).
Com relação a cada agente antitrombótico, seguir as doses recomendadas nas orientações de cada fabricante (grau de recomendação I, nível de evidência C). De forma geral, consideraremos o uso de HNF profilática na dose de 5.000 UI por via subcutânea (SC) de 12/12 h ou 8/8 h; HBPM profilática (dalteparina 5.000 UI SC 1x/dia, tinzaparina 4.500 UI SC 1x/dia ou enoxaparina 40 mg SC 1x/dia) e fondaparinux na dose de 2,5 mg SC 1x/dia (em indivíduos > 50 kg).
Avaliar a função renal quando for considerar o uso e a dose de HBPM, fondaparinux, ou outro agente antitrombótico excretado pelos rins principalmente em indivíduos idosos, diabéticos ou com alto risco de sangramento (grau de recomendação I, nível de evidência A). Nessas circunstâncias, evitar o uso de antitrombótico com metabolização renal, utilizar doses menores da droga ou monitorizar o nível sérico da droga e seu efeito anticoagulante (grau de recomendação I, nível de evidência B).
Perspectivas com relação ao uso dos novos anticoagulantes
Novos anticoagulantes desenvolvidos recentemente têm se mostrado promissores e superiores à varfarina e à HBPM por superarem importantes inconvenientes dessas drogas, como a janela terapêutica muito estreita, muitas interações medicamentosas e com diversos tipos de alimentos, a necessidade de exames laboratoriais seriados para a monitorização do seu efeito, além da comodidade de se encontrarem disponíveis para uso oral no esquema de uma ou duas vezes ao dia.
A eficácia e a segurança de inibidores diretos da trombina, como o etexilato de dabigatrana, assim como dos inibidores seletivos do fator Xa, como a rivaroxabana, foram demonstradas em vários estudos de fase III direcionados para a prevenção do AVC em pacientes com fibrilação atrial e para prevenção e tratamento do tromboembolismo venoso.
Os estudos disponíveis para a prevenção do tromboembolismo venoso no cenário perioperatório se encontram restritos, por enquanto, às cirurgias ortopédicas, principalmente de prótese de joelho e quadril, como os estudos RE-MODEL, RENOVATE, RENOVATE II e REMOBILIZE, para o etexilato de dabigatrana, e os estudos Regulation of Coagulation in Orthopedic Surgery to Prevent Deep Venous Thrombosis and Pulmonary Embolism (RECORD) I, II, III e IV para a rivaroxabana. Para pacientes clínicos temos somente o estudo MAGELLAN para a rivaroxabana, não havendo no momento estudo avaliando especificamente as cirurgias vasculares, o que limita a sua indicação oficial de rotina para esse tipo de cirurgia.
Contudo essas novas classes de anticoagulantes têm um potencial promissor e estudos futuros devem ampliar seu leque de indicações na prevenção do tromboembolismo venoso em diferentes tipos de cirurgia.
4.7. Manejo dos novos anticoagulantes no perioperatório
O manejo de pacientes em uso de varfarina no perioperatório pode ser consultado na II Diretriz de Avaliação Perioperatória1 no link: http://publicacoes.cardiol.br/consenso/2011/II_diretriz_perioperatoria.pdf.
4.7.1. Dabigatrana
É um medicamento anticoagulante de administração oral que age por inibição direta da trombina. Tem pico de ação em 2 horas e meia-vida de 12 a 14 horas134. Por ter eliminação preferencialmente renal, deve ser utilizado com cautela em pacientes com clearance de creatinina inferior a 50 ml/min e evitado naqueles com clearance de creatinina inferior a 30 ml/min.
Apesar de não haver necessidade de monitorização de seu efeito por teste de coagulação, este medicamento não possui antídoto até o momento. Nos casos de complicação hemorrágica, o tratamento é de suporte e suspensão da droga, cujo efeito residual é mínimo 24 horas após a última dose135.
Pacientes em uso crônico da dabigatrana e que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos devem ter a medicação suspensa pelo menos 24 horas antes da operação. Para aqueles que têm clearance de creatinina < 50 ml/min, a recomendação é a suspensão da dabigatrana 48 horas antes da cirurgia. O reinício só deve ocorrer quando houver segurança da hemostasia e, por segurança, não antes das 24 horas pós-operatórias136.
A coleta do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e do tempo de trombina (TT) antes da cirurgia pode ser feita para avaliar se existe efeito residual da droga, mas seu resultado deve ser interpretado com cautela: se estes valores estiverem alterados, significa que a droga ainda está agindo, mas, se estiverem normais, não denota que a droga já tenha sido totalmente eliminada. Cabe lembrar que a interpretação do coagulograma neste contexto é qualitativa, e não quantitativa.
Grau de recomendação I
Pacientes em uso crônico de dabigatrana devem ter a medicação suspensa pelo menos 24 horas antes da cirurgia; nível de evidência C.
Nos casos de disfunção renal moderada ou de operações de alto risco de sangramento, a dabigatrana deve ser suspensa pelo menos 48 horas antes da operação; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIb
Coleta de tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e tempo de trombina (TT) antes da operação; nível de evidência C.
A reintrodução da anticoagulação plena com dabigatrana deve ocorrer pelo menos 24 horas após o término da cirurgia. nível de evidência C.
4.7.2. Rivaroxabana
É um medicamento anticoagulante de administração oral que age por inibição direta do fator Xa. Tem meia-vida de 7 a 11 horas e pico de ação 2 a 3 horas após a ingesta. A metabolização é preferencialmente hepática, não devendo ser utilizada em pacientes com doença hepática associada a coagulopatia. Deve ser utilizada com cautela especial em pacientes com clearance de creatinina entre 15 e 29 ml/min e evitada naqueles com clearance < 15 ml/min135-137.
A coleta de atividade de protrombina (AP) antes da operação pode ser realizada para avaliar se existe efeito residual da droga, mas seu resultado deve ser interpretado com cautela: se ela estiver alterada, significa que a droga ainda está agindo, mas se estiver normal, não significa que a droga tenha sido totalmente eliminada.
Grau de recomendação I
Pacientes em uso crônico de rivaroxabana devem ter a medicação suspensa pelo menos 24 horas antes da cirurgia; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIb
Coleta de AP antes da operação; nível de evidência C.
A reintrodução da anticoagulação plena com rivaroxabana deve ocorrer pelo menos 24 horas após o término da cirurgia; nível de evidência C.
4.8. Manejo da anemia no perioperatório
As doenças hematológicas podem aumentar a morbidade e mortalidade de indivíduos submetidos a procedimentos cirúrgicos. A anemia é o problema hematológico mais comumente encontrado no pré-operatório. Frequentemente é sinal de uma doença de base que pode afetar o desfecho cirúrgico. A anemia leva à sobrecarga do sistema cardiovascular, aumentando o débito cardíaco. Indivíduos com doenças cardiovasculares apresentam menor tolerância à anemia e sua presença pode intensificar uma condição de isquemia miocárdica e de insuficiência cardíaca subjacentes. As orientações disponíveis quanto à transfusão de sangue no período perioperatório são limitadas, porém sempre devem ser questionados os riscos e benefícios desta medida138.
Não existem evidências definitivas de que transfusões de concentrado de hemácias melhorem o desfecho das cirurgias vasculares139. Em um estudo realizado em pacientes estáveis que foram para cirurgia vascular maior eletiva, a transfusão perioperatória foi associada a maior risco de eventos em 30 dias, especialmente naqueles com menor grau de anemia, sendo recomendada cautela quanto ao uso liberal de transfusão neste tipo de pacientes139.
Uma metanálise avaliou 10 estudos clínicos randomizados relativos ao gatilho transfusional com base em estratégia "restritiva" versus "liberal". Embora ela tenha permitido algumas conclusões importantes, favorecendo a estratégia "restritiva", a evidência encontrada para gatilho transfusional restritivo no contexto de doenças cardiovasculares, hematológicas e insuficiência renal foi insuficiente140, 141.
O conhecimento dos mecanismos compensatórios envolvidos em um episódio de anemia aguda é crucial para a decisão da conduta a ser tomada142. A decisão sobre uma transfusão sanguínea deve ser embasada não somente nos níveis de hemoglobina, mas também na suspeita de isquemia orgânica, no risco ou presença de sangramento, no estado do volume intravascular e na suscetibilidade a complicações decorrentes da oxigenação inadequada143. Os indivíduos com anemia sintomática devem receber transfusão para um valor de hemoglobina que leve à melhora dos seus sintomas.
Deve-se ter em mente que uma unidade de concentrado de eritrócitos aumenta a taxa de hemoglobina em aproximadamente 1 g/dl e o hematócrito em 3%. A taxa ótima de administração do concentrado de glóbulos vermelhos deve ser guiada pela situação clínica. A maioria dos pacientes pode receber uma unidade de concentrado de hemácias em 1 a 2 horas. Pacientes com risco de sobrecarga de volume deveriam receber 1 ml/kg/h. Após cada unidade transfundida o paciente deve ser reavaliado e o nível de hemoglobina, determinado138 .
Recomendações para transfusão de concentrados de hemácias no perioperatório
Grau de Recomendação I
Pacientes com hemoglobina < 7 g/dl assintomáticos e sem doença cardíaca isquêmica de base devem receber concentrados de hemácias; nível de evidência A.
Nos casos de insuficiência coronariana aguda não há evidência disponível para limites de hemoglobina, portanto recomenda-se manter a hemoglobina entre 9 e 10 g/dl; nível de evidência C.
5. Quando o risco cardiovascular é muito elevado - operar ou não operar?
A mudança do perfil epidemiológico da população tem levado indivíduos cada vez mais idosos (e com mais comorbidades) para as salas cirúrgicas. Esta situação é ainda mais comum entre os pacientes que serão submetidos a intervenções vasculares. A conjunção da doença vascular com patologias como diabetes, hipertensão, insuficiência renal e, não raramente, insuficiência cardíaca congestiva e insuficiência coronária resulta no risco elevado de complicações cardiovasculares associado à operação proposta. Complicações como edema agudo dos pulmões, infarto do miocárdio ou AVC têm natureza abrupta e um enorme impacto a curto prazo (e portanto independentes do prognóstico da doença de base) sobre a mortalidade e a morbidade dos pacientes submetidos a intervenções cirúrgicas.
A avaliação objetiva do risco de complicações deve ser contraposta ao risco intrínseco da doença de base com fundamento nas informações obtidas do cirurgião (grau de recomendação I, nível de evidência C). Quando esta análise comparativa indicar objetivamente que o risco de complicações cardiovasculares graves como morte cardíaca, infarto não fatal e AVC supera o risco de morte pela doença de base, o médico que elabora a avaliação pode recomendar a não realização da operação (grau de recomendação IIa, nível de evidência C).
6. Monitorização perioperatória
A detecção precoce de eventos cardiovasculares é fundamental para a redução da mortalidade após operações não cardíacas. O IAM pode ocorrer na ausência de dor torácica, tornando-se necessária a realização de estratégias de monitorização para o seu diagnóstico144. Os métodos mais utilizados são: monitorização do segmento ST, ECG de 12 derivações seriado e dosagem de troponinas.
A acurácia da monitorização do segmento ST depende do tipo de eletrodo utilizado (unipolar ou bipolar), do número de derivações utilizadas, da combinação de derivações utilizadas (V4 é a derivação mais sensível das precordiais e a combinação de DII, V4 e V5 tem sensibilidade de 96%), da análise visual ou computadorizada, da prevalência de doença coronariana na população estudada, da definição de isquemia e de eventos e do momento no qual foi detectada a isquemia145. Amonitorização do segmento ST deve ser feita somente com a análise automatizada, uma vez que a análise visual do médico que assiste o paciente só detecta 20% dos episódios de isquemia146. A importância dos achados de isquemia intraoperatória depende da probabilidade de o paciente ter doença arterial coronária (DAC). No caso de pacientes submetidos a operações vasculares que apresentam alta probabilidade de DAC, estes achados devem ser valorizados, porque provavelmente estão relacionados com eventos cardiovasculares147. Além das limitações clássicas para a interpretação do ECG (sobrecarga ventricular esquerda, bloqueio de ramo esquerdo, Wolf-Parkinson-White), existem limitações do perioperatório que prejudicam a avaliação de isquemia, como hipotermia, distúrbios eletrolíticos, artefatos (campo cirúrgico, bisturi elétrico) ou mudanças na ventilação. Landesberg et al. demonstraram que a ocorrência de isquemia miocárdica pós-operatória > 30 minutos foi relacionada com uma redução de sobrevida após cinco anos em 447 pacientes submetidos a operações vasculares (p = 0,008), concluindo que a ocorrência de isquemia pós-operatória tem implicação prognóstica148. Portanto, apesar de a utilização da monitorização do segmento ST não estar recomendada de rotina para a detecção de isquemia miocárdica, ela pode ser útil em pacientes de alto risco, sempre com análise automatizada.
A maioria dos eventos cardiovasculares ocorre até o terceiro dia de pós-operatório. A utilização do ECG de 12 derivações seriado durante este período é um método simples e eficaz para a detecção de eventos. Em um estudo com 3.564 pacientes com idade superior a 50 anos, sinais de isquemia no ECG pós-operatório foram preditores independentes de eventos cardiovasculares. Entretanto o ECG negativo para isquemia não diminuiu o risco de eventos149. Em outro estudo que comparou o ECG seriado com o Holter de 3 derivações em 55 pacientes submetidos a operações vasculares, os dois exames foram efetivos para detectar isquemia miocárdica relacionada com o evento150. A dosagem de troponina associada à realização do ECG seriado até o terceiro dia pós-operatório é a melhor estratégia para o diagnóstico de IAM151.
A elevação de troponina sem evidência clínica de isquemia miocárdica ou alterações eletrocardiográficas detectadas com a monitorização não deve ser encarada como um resultado falso positivo, mas sim como um fator prognóstico. Pacientes com elevação isolada de troponina apresentam maior taxa de eventos cardiovasculares e menor sobrevida a longo prazo, merecendo uma avaliação cardiológica adicional antes da alta hospitalar148, 152-154. Entretanto, sempre que o paciente apresentar elevação isolada de troponina, devem ser afastados diagnósticos alternativos que podem apresentar aumento da troponina e são frequentes no perioperatório, como tromboembolismo pulmonar, pericardite aguda, insuficiência cardíaca descompensada, miocardite, sepse, choque ou insuficiência renal155. Recentemente, o estudo VISION, uma coorte prospectiva internacional envolvendo 15.133 pacientes submetidos a operações não cardíacas nos quais foi realizada a dosagem da troponina T, revelou que elevações desta troponina (dosada até o terceiro dia de pós-operatório) estão relacionadas à maior mortalidade em 30 dias. Além disso, confirmou os achados de estudos prévios, revelando que, quanto maior o pico de troponina, maior a mortalidade em 30 dias156. Em um estudo recente que avaliou 337 pacientes submetidos a operações vasculares arteriais, foi demonstrado que elevações de troponina I pós-operatórias estavam relacionadas à maior mortalidade após 1 ano da operação157. Entretanto ainda não sabemos qual o valor prognóstico da elevação das novas troponinas ultrassensíveis no perioperatório de operações não cardíacas. Em uma subanálise do estudo VISION com 325 pacientes nos quais foi dosada a troponina T ultrassensível pré-operatória e nos três primeiros dias de pós-operatório, os autores demonstraram que 21% dos pacientes apresentaram elevação de troponina > 14 ng/l (o valor de referência atual) no pré-operatório e 45% apresentaram esta elevação no pós-operatorio158. Outro estudo recente demonstrou que a troponina T ultrassensível pode estar elevada em até 31% dos pacientes de maior risco no pré-operatório, se considerarmos o valor de referência atual derivado de uma população saudável159. Portanto, até que estudos específicos para avaliação de qual o valor de elevação de troponina T ultrassensível perioperatória relacionado com eventos cardiovasculares ou mortalidade sejam realizados, valores muito próximos ao valor de referência devem ser analisados com cautela.
Recomendações
Grau de recomendação I
Pacientes com estimativa de risco cardíaco perioperatório intermediário a alto de natureza isquêmica devem permanecer monitorizados em unidades semi-intensivas ou de terapia intensiva, realizando ECG (nível de evidência B) e troponina (nível de evidência A) diariamente até o terceiro dia pós-operatório.
Se a dosagem de troponina não estiver disponível, recomenda-se a substituição por curva de CKMB/CPK de 8/8 h; nível de evidência B.
Grau de Recomendação IIb
Monitorização do segmento ST automatizada no perioperatório de pacientes de alto risco; nível de evidência C.
7. Síndromes coronarianas agudas no perioperatório
O IAM é a complicação cardíaca mais temida no período perioperatório, e a sua incidência varia de acordo com o tipo de operação e o risco individual de cada paciente. Os pacientes que serão submetidos a operações vasculares têm maior risco para desenvolver IAM perioperatório, uma vez que já têm aterosclerose conhecida44, 160. Em 577 pacientes idosos submetidos a operações vasculares, a incidência de IAM perioperatório foi de 9,7%161, e em 570 pacientes submetidos à correção de aneurisma de aorta abdominal esta incidência foi de 8,9%70. Mesmo a realização de procedimentos endovasculares para correção de aneurisma de aorta apresenta incidência de IAM de 7%162. Em pacientes de alto risco submetidos a operações vasculares, a incidência de IAM pode chegar a 33%112, 113. Em estudos brasileiros com pacientes que foram submetidos a operações vasculares arteriais, a incidência de IAM perioperatório variou de 9 a 11%63, 163. Em outro estudo nacional com 120 pacientes consecutivos que apresentaram IAM pós-operatório, 38% haviam sido submetidos a operações vasculares arteriais164.O IAM perioperatório apresenta elevados índices de mortalidade (40 - 50% em algumas séries)165, provavelmente relacionados com a existência de comorbidades, a dificuldade diagnóstica e a limitação do arsenal terapêutico antitrombótico e antiplaquetário classicamente utilizado nas síndromes coronarianas agudas fora do contexto perioperatório. A instabilização de placas ateroscleróticas coronarianas e o desequilíbrio entre oferta e consumo de oxigênio são os mecanismos fisiopatológicos implicados na origem dos eventos isquêmicos perioperatórios, o que deve ser levado em consideração não só na definição de estratégias de prevenção, mas também no manejo dos pacientes que sofrem IAM perioperatório164.
Embora as consequências clínicas do infarto perioperatório sejam gravíssimas, seu diagnóstico na maioria das vezes não é evidente e requer alto grau de suspeita clínica. A maioria dos eventos isquêmicos perioperatórios ocorre nos primeiros três dias após o procedimento cirúrgico, sendo que o quadro clínico clássico de dor precordial está ausente em mais da metade dos pacientes164-166, o que é em parte explicado pelo efeito residual de analgésicos ou sedativos utilizados nesse período. Além disso, quando presente, a dor torácica é frequentemente atribuída a outras etiologias mais óbvias, como dores incisionais ou relacionadas à posição do paciente. Outras manifestações como dispneia e náuseas têm explicações alternativas neste período (atelectasias, efeito de medicamentos), fazendo que a hipótese de IAM perioperatório seja frequentemente subvalorizada pela equipe médica. Portanto, devido à dificuldade de interpretação dos achados clínicos, a análise de exames complementares é fundamental para o diagnóstico de isquemia miocárdica perioperatória.
Em relação à análise do ECG, a maioria dos infartos apresenta alterações compatíveis, porém não patognomônicas de isquemia miocárdica149. Esses achados, apesar de frequentes, carecem de especificidade no período perioperatório, quando é comum a presença de distúrbios eletrolíticos, hipotermia e efeitos de drogas que podem justificar achados eletrocardiográficos que mimetizam isquemia miocárdica. Além desse fato, também deve ser levado em consideração, na análise do ECG, o seu padrão evolutivo, sendo importante a comparação das alterações obtidas em relação a traçados subsequentes e anteriores ao evento.
Entre os marcadores de necrose miocárdica, sem dúvida a troponina é o mais utilizado, pela alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico de injúria miocárdica. No entanto cabe a ressalva de que esse marcador se eleva em outras situações de lesão miocárdica, além da causada por doença coronariana obstrutiva. Outras complicações comumente presentes no pós-operatório de cirurgias não cardíacas, como embolia pulmonar, insuficiência cardíaca e sepse, também elevam marcadores e devem ser consideradas no diagnóstico diferencial155. A dosagem CKMB é menos útil para o diagnóstico de IAM perioperatório, devido às suas menores sensibilidade e especificidade em comparação com a troponina. Este marcador pode se elevar após lesão do músculo esquelético durante a cirurgia e sua relação com CPK tem baixa confiabilidade na identificação de lesão miocárdica no período perioperatório148.
O ecocardiograma também é útil no diagnóstico. Apesar de o achado de exame normal não excluir o diagnóstico, a presença de uma nova alteração da contratilidade segmentar em pacientes com suspeita de isquemia miocárdica corrobora o diagnóstico. Além disso, também pode fornecer dados indiretos para diagnósticos alternativos, com embolia pulmonar e insuficiência cardíaca de origem não isquêmica.
Nenhum dado analisado isoladamente é capaz de confirmar ou excluir o diagnóstico de isquemia miocárdica perioperatória. Apesar de publicações recentes definirem muito claramente os critérios para o diagnóstico de IAM, elas não contemplam o IAM perioperatório, o qual permanece sem critérios diagnósticos bem definidos167. Mesmo assim, os critérios diagnósticos da definição universal de IAM (revisados em 2012) devem ser respeitados para se estabelecer o diagnóstico de IAM perioperatório - elevação e queda dos marcadores de necrose miocárdica acima do percentil 99 associadas a pelo menos um dos seguintes critérios: sintomas de isquemia; alterações eletrocardiográficas indicativas de isquemia (alterações do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo novos); desenvolvimento de ondas Q no ECG; alteração de contratilidade segmentar nova ao ecocardiograma; identificação de trombo intracoronariano na cineangiocoronariografia ou na necropsia168.
Apesar da frequência e da importância prognóstica, os dados na literatura são limitados em relação ao tratamento da isquemia miocárdica perioperatória. A maior parte das intervenções utilizadas é composta por extrapolações do que já é bem consolidado nas síndromes coronárias agudas não relacionadas a procedimentos cirúrgicos. Porém todas as estratégias terapêuticas requerem medidas que levam ao aumento do risco de sangramento pós-operatório, fato que confere a necessidade de medidas individualizadas e interação constante com a equipe cirúrgica144.
O tratamento do IAM sem supradesnivelamento do segmento ST (maioria dos casos de IAM perioperatório) requer, inicialmente, correção de fatores desencadeantes e que possam perpetuar o processo isquêmico. Portanto, correção da anemia, hipovolemia e oscilações pressóricas são as medidas primordiais a serem adotadas nessa situação. Aspirina e terapêutica anticoagulante devem ser iniciadas, caso não haja contraindicação. Apesar de não existir estudo comparando os diversos meios de anticoagulação no período perioperatório, é prudente dar preferência ao uso da heparina não fracionada, uma vez que sua meia-vida é menor e seus efeitos podem ser rapidamente revertidos caso ocorra sangramento. De forma análoga ao tratamento do evento isquêmico fora do contexto perioperatório, aconselha-se analgesia com nitratos e/ou morfina, além do uso de betabloqueadores, inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECAs) e estatinas. Esses pacientes devem ser tratados agressivamente, preferencialmente com estratificação de risco invasiva (cateterismo cardíaco) e precoce, necessariamente antes da alta hospitalar1. Tal prática é fundamental para o controle da alarmante morbimortalidade a curto e longo prazos.
O IAM com supradesnivelamento do segmento ST ocorre numa minoria dos casos e pressupõe oclusão da artéria coronária, requerendo intervenção imediata. Diferentemente do IAM não relacionado a intervenções cirúrgicas, a terapia trombolítica é fortemente contraindicada no contexto perioperatório devido ao risco proibitivo de sangramento. Dessa forma, a angiografia coronária com angioplastia primária é o tratamento de escolha para estes pacientes, sendo uma estratégia segura e factível169.
8. Avaliação do risco cardiovascular em situações especiais
8.1. Operações de aorta: convencional versus endovascular
Pacientes portadores de AAA apresentam alta prevalência de DAC e de outras comorbidades que contribuem para um alto risco cirúrgico, sendo o IAM a principal causa de mortalidade pós-operatória, responsável por até 40% dos óbitos170.
A cirurgia endovascular teve início na década de 1990171 e foi desenvolvida, em princípio, para pacientes considerados de alto risco e desfavoráveis para cirurgia aberta. Atualmente, com a evolução técnica das endopróteses e da cirurgia, sua utilização se expandiu. Em serviços com grande volume de intervenções e nas mãos de cirurgiões experientes, é considerada um procedimento minimamente invasivo, que apresenta menor perda sanguínea, com menos instabilidade hemodinâmica e estresse cardíaco, acarretando menor tempo de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e de permanência hospitalar172. Está associada ainda a menor incidência de complicações cardíacas no perioperatório, como arritmias, elevação de troponina, isquemia miocárdica, IAM e mortalidade geral162, 173, 174.
Sendo assim, na última diretriz de avaliação perioperatória publicada pela Sociedade Europeia de Cardiologia, a correção endovascular de aneurisma de aorta foi considerada um procedimento cirúrgico de risco moderado, enquanto a cirurgia de aorta via aberta é considerada um procedimento de alto risco3, 6.
Três estudos randomizados prospectivos compararam as duas técnicas cirúrgicas para o tratamento de AAA: endovascular vs. cirurgia aberta, em pacientes com condições clínicas para as duas propostas cirúrgicas. Os estudos Endovascular Aneurysm Repair 1 (EVAR 1) 175, Dutch Randomized Endovascular Aneurysm Management (DREAM)176 e Open Versus Endovascular Repair (OVER)177 mostraram resultados semelhantes: a mortalidade perioperatória em 30 dias foi menor no grupo endovascular quando em comparação com a cirurgia aberta. A mortalidade em 30 dias registrada nos estudos foi, para técnica endovascular e correção cirúrgica aberta, respectivamente de 1,7% vs. 4,7% no EVAR 1175, de 1,2% vs. 4,6% no DREAM176 e de 0,5% vs. 3% no OVER. A mortalidade no grupo endovascular foi menor no estudo OVER provavelmente porque houve, com o tempo, melhora do aprendizado da técnica endovascular, utilização de stents mais avançados e também melhor seleção dos pacientes para tratamento com técnica endovascular177.
Os resultados desses três estudos sugerem que a correção endovascular de aneurisma de aorta abdominal pode ser preferível à cirurgia convencional no grupo de pacientes classificados como de alto risco cirúrgico e clinicamente desfavoráveis para correção cirúrgica via aberta, devido à menor mortalidade perioperatória.
Dois estudos procuraram avaliar os resultados de tratamento percutâneo nos pacientes com perfil clínico desfavorável à cirurgia aberta. No estudo EVAR 2178, os pacientes classificados como de alto risco (idade > 60 anos, aneurisma com diâmetro > 5,5 cm e portadores de pelo menos uma comorbidade - cardíaca, pulmonar ou renal) foram randomizados para tratamento endovascular ou clínico conservador. Em 30 dias, a mortalidade dos pacientes submetidos ao procedimento endovascular foi de 9%, semelhante à daqueles do grupo de tratamento clínico. A principal crítica a este estudo é que a alta taxa de mortalidade no braço de intervenção pode ser atribuída ao tempo prolongado entre randomização e intervenção, pois 52% dos óbitos neste grupo ocorreram no pré-operatório. Em uma análise retrospectiva de dados compilados de estudos que avaliaram eficácia de próteses endovasculares vs. cirurgia convencional para correção de aneurisma de aorta, em 30 dias, os pacientes de alto risco submetidos à correção de aneurisma de aorta apresentaram mortalidade de 2,9% para o grupo endovascular e de 5,1% para a cirurgia aberta179, taxas muito menores em relação aos resultados do estudo EVAR 2.
Nos últimos anos, com o aprimoramento da técnica endovascular, esta abordagem cirúrgica também tem sido a técnica preferencial para correção de AAA em pacientes idosos, inclusive em octogenários. Num estudo publicado em 2012, os autores analisaram dados de pacientes submetidos à correção de AAA divididos em duas categorias: < 80 anos e > 80 anos. Na casuística de 7.936 pacientes do estudo, a técnica endovascular foi utilizada em 70,4% dos casos, sendo que entre os idosos > 80 anos a preferência por técnica endovascular representou mais de 80%. Na análise geral, a morbidade geral e a mortalidade cirúrgica foram menores no grupo de pacientes operados com técnica endovascular, especialmente no grupo acima de 80 anos. A morbidade geral encontrada nos pacientes > 80 anos foi de 33,2% no grupo aberto vs. 13,6% no endovascular (p < 0,001), enquanto a mortalidade registrada foi de 6,1% na cirurgia aberta e 1,8% na endovascular (p < 0,001)180. Estes resultados sugerem que a utilização de técnica endovascular nos pacientes com idade avançada, grandes aneurismas e de alto risco cirúrgico é segura e eficaz.
Entretanto a vantagem da sobrevida perioperatória da correção endovascular não se sustentou no seguimento pós-operatório e está associada a maior necessidade de reintervenções e a maior custo181,182. Nos estudos de seguimento EVAR 1, DREAM e OVER, não se observou diferença na mortalidade geral entre os pacientes dos dois grupos. No EVAR 1, no seguimento médio de 4 anos, houve apenas redução significativa da mortalidade relacionada ao aneurisma no grupo endovascular (4% vs. 7%; p = 0,04)181. No seguimento de estudo DREAM, foram observados resultados semelhantes aos do EVAR 1. No seguimento médio de dois anos, a sobrevida sem eventos foi semelhante nos dois grupos, enquanto os pacientes de correção endovascular apresentaram taxa de reintervenções três vezes superior quando em comparação com os pacientes submetidos à correção aberta182. No seguimento de 1,8 ano do OVER, não houve diferença de reintervenções no seguimento dos dois grupos, mas neste estudo os autores incluíram as correções de hérnias como complicações de correção de aneurisma via aberta177.
Em 2010 foram publicados seguimentos clínicos de longo prazo dos estudos EVAR 1 e 2 e DREAM183-185. No seguimento de longo prazo do EVAR 1 (mediana de 6 anos, intervalo de 5-10 anos), o benefício de menor mortalidade perioperatória no grupo endovascular não se sustentou. Não houve diferença também na taxa de mortalidade entre os dois grupos no final do seguimento (hazard ratio 1,03, IC 95% 0,86-1,23, p = 0,72). Entretanto o grupo de correção endovascular apresentou maior taxa de complicações e necessidade de reintervenção relacionadas com endoprótese, elevando consideravelmente os custos hospitalares183.
No seguimento dos pacientes do estudo EVAR 2, com mediana de 3,1 anos (mínimo de cinco e máximo de 10 anos), a mortalidade operatória em 30 dias foi de 7,3% no grupo endovascular e a taxa de ruptura de aneurisma no grupo sem intervenção foi de 12,4 por 100 pessoas/ano. No final do seguimento do estudo, a mortalidade relacionada com o aneurisma foi menor no grupo tratado com técnica endovascular (hazard ratio, 0,53; IC 95% 0,32 -0,89, p = 0,02), mas não houve diferença na taxa de mortalidade geral entre os dois grupos. Cerca de 48% dos pacientes tratados com correção endovascular apresentaram complicações relacionadas com a endoprótese e os custos foram muito mais elevados no grupo endovascular em comparação ao grupo conservador184.
No seguimento dos pacientes do estudo DREAM, com mediana de 6,4 anos (mínimo de 5,1 e máximo de 8,2 anos), a taxa de sobrevida foi semelhante nos dois grupos: 68,9% vs. 69,9%, respectivamente endovascular e correção aberta (p = 0,97). A taxa cumulativa da necessidade de reintervenções foi maior no grupo endovascular, cerca de 11,5% a mais que no grupo de cirurgia aberta (95% IC, 2-21; p = 0,03). As reintervenções mais encontradas foram de correção de hérnia incisional no grupo dos pacientes submetidos à cirurgia aberta e correção das complicações da endoprótese no grupo endovascular185.
Em 2012 foram publicados os dados do seguimento a longo prazo do estudo OVER e os autores encontraram resultados semelhantes aos relatados nos estudos prévios. Num seguimento médio de 5,2 anos, a mortalidade geral encontrada foi semelhante entre os dois grupos (32,8% endovascular vs. 33,4% cirurgia aberta; p = 0,81). A taxa de ruptura de aneurisma foi maior no grupo endovascular, sendo que nenhum caso de ruptura de aneurisma foi registrado no grupo de cirurgia aberta (p = 0,03)186. Finalmente, recente coorte observacional de 45.660 pacientes submetidos à correção de AAA (metade via aberta e metade endovascular) evidenciou melhores resultados no perioperatório dos pacientes submetidos à correção endovascular. Foram observados menor mortalidade perioperatória (1,2% vs. 4,8%, p < 0,001), menos IAM (7% vs. 9,4%; p < 0,001) e menor tempo de internação (3,4 ± 4,7 vs. 9,3 ± 8,1; p < 0,001) no grupo endovascular. Entretanto tais vantagens da técnica endovascular se mantiveram por três anos de seguimento pós-operatório e, após este período, a sobrevida é semelhante nos dois grupos. A partir do quarto ano de seguimento, a taxa de ruptura de endoprótese foi três vezes superior no grupo endovascular (1,8% vs. 0,5%, p < 0,001), assim como também a necessidade de reintervenção (9% no grupo endovascular vs. 1,7% no grupo de cirurgia aberta; p < 0,001)162.
Na avaliação do potencial benefício da utilização da técnica endovascular em uma população de menor risco cirúrgico, foi realizado o estudo ACE, publicado em 2011. Este foi um estudo multicêntrico e randomizado que comparou a mortalidade geral e a ocorrência de eventos maiores após a correção endovascular ou cirúrgica de AAA em 300 pacientes de risco cirúrgico baixo ou intermediário. Os autores não encontraram diferença na mortalidade intra-hospitalar (0,6% vs. 1,3%, p = 1) nem no seguimento médio de três anos entre os dois grupos. Por outro lado, no grupo endovascular houve maior taxa de reintervenções (16% vs. 2,4%; p < 0,0001) no seguimento. Estes dados mostram que a cirurgia aberta para esta população pode ser mais vantajosa devido à baixa taxa de mortalidade perioperatória e à menor necessidade de reintervenções posteriores. Entretanto este estudo apresenta algumas ressalvas importantes: 99% da população estudada era do sexo masculino, tendo sido incluída apenas metade do tamanho amostral calculado inicialmente (600 pacientes), o que compromete o poder estatístico do estudo187.
Concluindo, as evidências de estudos existentes sugerem que a técnica de correção endovascular de AAA pode ser uma boa alternativa à cirurgia convencional via aberta para pacientes de alto risco devido à menor mortalidade perioperatória. No entanto, o benefício conferido pela técnica endovascular se perde no seguimento clínico destes pacientes, uma vez que eles têm maior necessidade de reintervenções e de um contínuo acompanhamento por método de imagem para vigilância de complicações da endoprótese. A cirurgia aberta convencional também está relacionada com maior taxa de laparotomias e cirurgias abdominais, sendo que não há diferença de mortalidade entre as duas técnicas cirúrgicas no seguimento tardio.
Devemos lembrar ainda que, muitas vezes, a anatomia e/ ou a localização de aneurisma não permitem a correção por via percutânea. Sendo assim, a escolha da técnica cirúrgica deve ser definida pela equipe cirúrgica, levando em consideração as variáveis anatômicas do aneurisma, de risco clínico e cirúrgico do paciente e a própria opção do paciente.
Recomendação
Grau de recomendação IIa
Em pacientes considerados de alto risco cirúrgico e anatomia favorável a tratamento percutâneo, a correção endovascular de aneurisma de aorta é preferível à cirurgia aberta devido à menor mortalidade perioperatória; nível de evidência B.
Nota: para os pacientes de alto risco cirúrgico aos quais não está indicada a cirurgia de urgência/emergência, deve ser considerada a possibilidade de manutenção do tratamento clínico; nível de evidência B.
8.2. Operações de carótida: endarterectomia versus angioplastia
A doença cerebrovascular representa uma das principais causas de mortalidade no mundo e a principal responsável por incapacidades físicas188. Estima-se que o custo anual envolvendo pacientes com acidente vascular encefálico (AVE) nos Estados Unidos seja superior a 57 bilhões de dólares, direta ou indiretamente188. A estenose de artéria carotídea é uma das mais importantes bases fisiopatológicas da sua ocorrência. Devido a isso, muitos esforços têm sido empregados na otimização do tratamento com vistas a diminuir suas possíveis complicações. Considera-se que cerca de 15% dos AVEs são precedidos por ataque isquêmico transitório (AIT)188. O risco de AVE após um AIT é de cerca de 20% nos primeiros 90 dias, sendo este risco maior nos primeiros 30 dias188, 189. Logo, a identificação dos pacientes com maior risco de apresentarem AVE pós-AIT é essencial. O tratamento precoce e intensivo desses casos com aspirina, anti-hipertensivos, estatinas e, caso necessário, abordagem da lesão culpada se mostrou benéfica, com redução de até 80% no número de AITs e AVEs menores e de 50% em todos os AVEs190.
As indicações gerais de tratamento devem se basear na presença de sintomas neurológicos, grau de estenose, comorbidades, anatomia vascular e morfologia da placa191. Nos pacientes sintomáticos (aqueles que tiveram AIT ou AVE não incapacitante nos últimos seis meses), a endarterectomia de carótida (EAC) firmou-se como tratamento padrão ouro com o qual outras abordagens devem ser comparadas. Uma vez feito o diagnóstico de doença carotídea sintomática e optando-se por tratamento cirúrgico, este deve ser feito em menos de duas semanas, pois há diminuição de eventos cerebrovasculares de maneira significativa em curto prazo192.
Posteriormente, estudos avaliando o papel da angioplastia de carótida começaram a ser publicados, mas foram incapazes de mostrar superioridade da ATC com stent quando em comparação com a EAC. O estudo EVA-3S foi interrompido precocemente devido à superioridade do tratamento cirúrgico com taxas de mortalidade ou AVE de 3,9% vs. 9,6% em 30 dias e 6,1% vs. 11,7% em seis meses24. No seguimento de quatro anos os resultados foram semelhantes, com probabilidade de 6,2 vs. 11,1 em favor da EAC193. O estudo Stent-Protected Angioplasty versus Carotid Endarterectomy (SPACE) não foi capaz de provar a não inferioridade do stent com relação à cirurgia em 30 dias e em dois anos houve uma tendência a menor ocorrência de eventos nos pacientes cirúrgicos194, 195. O International Carotid Stenting Study (ICSS) mostrou que, nos primeiros 30 dias após o tratamento da carótida, a endarterectomia foi superior ao tratamento percutâneo, tendo sido este dado corroborado por metanálise dos principais estudos (Endarterectomy versus Angioplasty in Patients with Symptomatic Severe Carotid Stenosis [EVA-3S], Stent-Protected Angioplasty versus Carotid Endarterectomy [SPACE] e ICSS) com odds ratio de 1,73 (1,29-2,32) para a ocorrência de complicações em pacientes submetidos à angioplastia196.
O estudo Stent Placement Performed with the Aid of an Embolic Protection device in Hight-Risk Population (SAPPHIRE) representa uma particularidade entre os trabalhos, uma vez que avaliou pacientes com alto risco de complicações para endarterectomia que haviam sido excluídos dos primeiros estudos sobre a segurança da EAC em comparação com o tratamento clínico somente. O desfecho primário que incluía morte, AVE e IAM 30 dias depois do procedimento ou morte e AVE ipsilateral entre 31 dias e 1 ano foi alcançado por 12,2% dos pacientes submetidos à angioplastia com stent e por 20,1% daqueles submetidos a EAC, com p = 0,004 para não inferioridade197. Entretanto mais de 70% dos pacientes eram assintomáticos e estes resultados não foram reproduzidos no seguimento de três anos198.
Um dos mais aguardados estudos envolvendo a comparação entre os dois principais métodos de tratamento foi o Carotid Revascularization Endarterectomy vs. Stenting Trial (CREST), no qual houve recrutamento de pacientes sintomáticos e assintomáticos randomizados para um dos dois braços. Não houve diferença quanto ao desfecho primário de AVE, IAM ou morte ou AVE ipsilateral após quatro anos. O estudo sugere ainda que pacientes com idade < 70 anos podem se beneficiar de angioplastia, enquanto os > 70 têm melhor prognóstico se submetidos à cirurgia. Com relação às complicações pós-procedimento, foi observada maior incidência de AVE com stent e de IAM com eAc199. Especificamente para os pacientes assintomáticos, foi observado, no CREST, maior incidência de óbito ou AVE nos pacientes submetidos à angioplastia quando em comparação com os pacientes submetidos à EAC.
Em recente metanálise envolvendo mais de 7 mil pacientes sintomáticos foi evidenciado um aumento de complicações perioperatórias em 30 dias após angioplastia quando em comparação com a endarterectomia, principalmente à custa de AVE, IAM e morte200. Apesar de essas complicações estarem aparentemente associadas a pacientes idosos, estes resultados corroboram a manutenção da indicação da EAC como procedimento padrão para, a não ser que condições clínicas desfavoráveis contraindiquem um procedimento cirúrgico197, 200. Mais estudos são necessários para a determinação dos resultados em médio prazo.
Pacientes submetidos a EAC de carótida ou ATC de carótida estão sujeitos a outras complicações no período pós-operatório, além dos classicamente relatados (AVE, IAM e morte). A manipulação na região próxima ao seio carotídeo traz alterações intra e pós-operatórias, com grande risco para os pacientes. Ambos os procedimentos podem evoluir com instabilidade hemodinâmica, entretanto na EAC esta alteração tende a se reverter em pouco tempo, enquanto na angioplastia sua duração é geralmente maior, persistindo por 12 a 24 horas201, mas ocasionalmente podendo durar vários dias202. Nestes, além da hipotensão, é comum a ocorrência de bradicardia em cerca de 10%203 dos pacientes, embora níveis próximos a 50% tenham sido relatados204-208. Há vários possíveis fatores de risco associados a esta complicação, entre eles idade avançada, hipotensão e bradicardia intraoperatórios, fração de ejeção (FE) diminuída, estenose envolvendo a bifurcação de carótida, freqüência cardíaca de base diminuída, calcificação e ulceração da placa e dilatação com balão após liberação do stent204-208, enquanto EAC prévia, diabetes melitus e tabagismo podem estar associados a menor instabilidade hemodinâmica, provavelmente por interferência no funcionamento dos barorreceptores204, 205, 208.
Vários estudos mostraram relação entre a ocorrência de instabilidade hemodinâmica e eventos cardiovasculares maiores205. Consequentemente, alguns autores passaram a sugerir a administração de atropina previamente à insuflação do balão como medida para diminuir a ocorrência de bradicardia209. Entretanto deve-se ter cuidado ao interpretar estes trabalhos, uma vez que todos eles são retrospectivos e envolvem uma população, em sua maioria, de alto risco de complicações. Além disso, a administração de atropina a pacientes coronariopatas é capaz de aumentar excessivamente a frequência cardíaca e o consumo de oxigênio pelo coração, podendo precipitar eventos isquêmicos.
Recomendações gerais
Grau de recomendação IIa
Todos os pacientes submetidos à angioplastia de carótida devem permanecer com monitor de ECG contínuo por pelo menos 12-24 horas após o procedimento devido ao risco de bradicardia e hipotensão; nível de evidência C.
Grau de recomendação IIb
Uso rotineiro de atropina antes da insuflação do balão pode ser considerado, levando-se em conta o risco-benefício individualmente; nível de evidência C.
Recomendações para pacientes sintomáticos
Grau de recomendação IIb
Pacientes sintomáticos de alto risco para cirurgia com estenose > 50% podem ser considerados elegíveis para angioplastia; nível de evidência B.
Recomendações para pacientes assintomáticos
Grau de recomendação I:
A endarterectomia de carótida deve ser preferida à angioplastia em pacientes assintomáticos com estenose carotídea acima de 70%; nível de evidência B.
Nota: para os pacientes de alto risco cardiovascular deve ser considerada a possibilidade de manutenção do tratamento clínico; nível de evidência B.
9. Cuidados na alta hospitalar
9.1. Manejo da antiagregação plaquetária
Nas cirurgias vasculares de extremidades (convencionais ou endovasculares), a conduta sugerida para o uso de antiplaquetários no pós-operatório segue as linhas gerais sugeridas pelo 9º Consenso em TerapiaAntitrombótica e Prevenção de Tromboses do American College of Chest Physicians210. Para pacientes submetidos à angioplastia arterial infrainguinal com ou sem stents e aqueles que passaram por cirurgia de revascularização arterial periférica é recomendada a terapia antiplaquetária de longa duração com AAS 75-100 mg/dia ou clopidogrel 75 mg/ dia. Recomendamos o uso de uma única droga em vez de regimes de dupla antiagregação.
Os dados científicos comparativos sobre distintos regimes de antiagregação após o implante de stents ou endarterectomia das artérias carótidas são bastante limitados. Observa-se nos ensaios randomizados a clara recomendação para o uso de aspirina (81 a 325 mg/dia) ou clopidogrel (75 mg/dia), além de citarem o uso concomitante de ambos em parte dos indivíduos estudados24, 96, 195-197, 199 Porém as evidências de risco e benefício para o uso de dupla antiagregação são restritas a estudos de pequena casuística98, 211, 212
Recomendações para prescrição de antiagregantes no pósoperatório de cirurgias vasculares
Grau de recomendação I
Manter o uso contínuo de aspirina 75-100 mg/dia ou clopidogrel 75 mg/dia; nível de evidência A.
Grau de recomendação IIb
Prescrição de dupla antiagregação (aspirina + clopidogrel); nível de evidência C.
9.2. Manejo dos fatores de risco
Embora a avaliação perioperatória tenha como enfoque principal o controle da morbimortalidade nos 30 dias após a intervenção, cabe lembrar que este é também um oportuno momento para otimização do controle dos fatores de risco. A internação para a operação vascular deve ser aproveitada para enfatizar a importância da prevenção cardiovascular, pois sabemos que portadores de vasculopatia periférica são menos conscientes da gravidade de sua doença do que pacientes com doença coronária, sendo que este fato tem impacto direto sobre a efetividade das medidas preventivas213. Na ocasião da alta hospitalar, os pacientes devem receber orientação nutricional, incentivo e instrução para a prática de atividade física, além de medidas para cessação de tabagismo, quando apropriado. Estas medidas estão relacionadas com melhor evolução da doença vascular periférica e são de inquestionável importância na prevenção cardiovascular.
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Correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Nov 2013 -
Data do Fascículo
Out 2013