Hipertensão; Anti-Hipertensivos; Tratamento Farmacológico; Estilo de Vida; Exercício; Perda de Peso; Adesão à Medicação
O tratamento da hipertensão arterial (HA) envolve diversas opções medicamentosas, o que pode dificultar a uniformização de condutas, contribuindo assim para o insucesso terapêutico.1 Nos últimos anos, entretanto, diversos estudos e diretrizes de HA de várias sociedades sugeriram classes medicamentosas preferenciais para o tratamento da HA.2 - 6 Com base nessas evidências, o presente artigo tem como objetivo propor um algoritmo de tratamento medicamentoso simples e prático que possa ser utilizado em pacientes que tenham desde HA estágio 1 até HA refratária ( Figura 1 ).
– O octeto medicamentoso para tratamento da hipertensão arterial.
TIAZ: diurético tiazídico/tipo tiazídico; iSRA: inibidor do sistema renina-angiotensina; BCC: bloqueador do canal de cálcio; βB: betabloqueador; α2A: agonista alfa-2 central; α1B: bloqueador alfa-1 adrenérgico; VD: vasodilatador arterial direto. *Caso não haja controle da pressão arterial com TIAZ, iSRA e BCC, e o TIAZ for hidroclorotiazida, substituir o TIAZ por clortalidona ou indapamida. Se a taxa de filtração glomerular for <30 mL/min, substituir TIAZ por diurético de alça, como furosemida. †Se não houver tolerância à espironolactona, especialmente por efeitos antiandrogênicos, considerar substituir esta medicação por amilorida. ‡βB está indicado como escolha inicial caso existam indicações específicas, tais como angina, pós-infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmia ou controle da frequência cardíaca.
O tratamento combina mudanças no estilo de vida (incluindo a redução da ingestão de sódio, controle do peso, realização de atividade física, moderação no consumo de álcool e abolição do tabagismo), descontinuação de substâncias que desencadeiam hipertensão e adição sequencial de anti-hipertensivos.2 - 4 , 7 , 8 De acordo com as diretrizes atuais de HA, as classes anti-hipertensivas a serem preferencialmente iniciadas no tratamento do paciente hipertenso incluem o chamado trio de ouro: 9 um inibidor do sistema renina-angiotensina (iSRA) (inibidor da enzima conversora de angiotensina ou um bloqueador do receptor de angiotensina II), um bloqueador do canal de cálcio (BCC) ou um diurético tiazídico/tipo tiazídico (TIAZ).2 - 4 O início do tratamento na maioria dos pacientes compreende dois medicamentos, com o intuito de otimizar a eficiência e a previsibilidade do controle da pressão arterial (PA). Por outro lado, a monoterapia está reservada para pacientes de baixo risco com HA em estágio 1, pacientes pré-hipertensos de alto risco ou pacientes idosos frágeis.2 , 4 As combinações de dois medicamentos habitualmente preferidas são um iSRA com um BCC ou um iSRA com um TIAZ,4 embora em pacientes com alto risco cardiovascular a combinação de iSRA com BCC pareça ser superior à combinação de iSRA com TIAZ na redução de desfechos cardiovasculares.10 Caso a meta pressórica preconizada não seja atingida com dois medicamentos, o uso de três fármacos deve compreender preferencialmente os componentes do trio de ouro. Se a PA não for controlada com o uso dessas 3 classes, sendo a hidroclorotiazida o TIAZ utilizado, o controle pode ser melhorado substituindo-se a hidroclorotiazida por outro TIAZ de longa ação mais potente (clortalidona ou indapamida).1 , 11 Além disso, um diurético de alça, como a furosemida, deve substituir o TIAZ se a taxa de filtração glomerular for <30 mL/min.11
Os betabloqueadores (βB), que no passado eram considerados classes iniciais preferenciais,12 , 13 perderam espaço como primeira escolha no tratamento da HA de acordo com as diretrizes mais recentes. Assim, os βB estão indicados como monoterapia ou em combinação com outras medicações quando existirem indicações específicas, tais como angina, pós-infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca, arritmia ou controle da frequência cardíaca.2 - 4
O controle inadequado da PA mesmo com o uso de 3 classes de fármacos deve ser confirmado pela medida ambulatorial da PA (MAPA) ou medida residencial da PA (MRPA) e após exclusão de causas de HA pseudorresistente (principalmente baixa adesão à medicação e posologia inadequada).1 , 11 , 14 Pacientes que estão com PA não controlada usando doses máximas de 3 ou mais classes de medicações, incluindo iSRA, BCC e TIAZ, em quem a pseudorresistência foi excluída, são considerados portadores de HA resistente. Além disso, aqueles tomando 4 classes de medicações, incluindo iSRA, BCC e TIAZ, e que estejam com PA controlada, são considerados como hipertensos resistentes controlados. Já aqueles com PA não controlada usando doses máximas de 5 ou mais classes de medicações, incluindo TIAZ de longa ação e espironolactona, são considerados portadores de HA refratária. Nos casos de HA resistente ou refratária, é necessária a realização de exames complementares para investigação de lesão em órgãos-alvo e causas secundárias de HA e, se necessário, estabelecer um tratamento específico para a causa secundária.
Evidências crescentes sugerem que, na ausência de controle de PA com uso otimizado e concomitante de iSRA, BCC e TIAZ, a quarta classe anti-hipertensiva a ser utilizada deve envolver o bloqueio da aldosterona por meio do uso de baixas doses de um antagonista de receptor mineralocorticoide, como a espironolactona 25 ou 50 mg/dia, conforme mostrado em diversos estudos e em metanálises.5 , 15 - 17 Contudo, nem todos os pacientes toleram a espironolactona devido especialmente a efeitos colaterais antiandrogênicos, resultando em sensibilidade mamária ou ginecomastia, disfunção erétil nos homens e irregularidades menstruais nas mulheres. Nesse contexto, resultados do estudo PATHWAY-2 sugerem que a amilorida, um diurético poupador de potássio, na dose de 10 ou 20 mg/dia, é tão eficaz quanto a espironolactona na redução da PA, podendo constituir uma opção terapêutica em substituição à espironolactona nos pacientes com HA resistente.15 Entretanto, é válido ressaltar que a amilorida, de forma isolada e na dosagem citada, não é disponível atualmente no Brasil.
O estudo ReHOT comparou os efeitos da espironolactona com um agonista alfa-2 central (clonidina) em hipertensos resistentes. Embora não tenham sido encontradas diferenças no desfecho primário (taxa de controle da PA no consultório ou da MAPA) entre a espironolactona e a clonidina, resultados de análises secundárias mostraram reduções maiores na PA de 24 horas com a espironolactona, reforçando a opção da espironolactona como o quarto fármaco preferencial no tratamento da HA resistente.6 Contudo, as reduções de PA com clonidina também foram substanciais, e colocam esta medicação também como uma boa opção a ser acrescentada à espironolactona caso não haja controle da PA.
O estudo PATHWAY-2 também investigou o uso de um βB (bisoprolol) ou um bloqueador alfa-1 adrenérgico (doxazosina) como alternativas à espironolactona. Essas medicações não foram tão eficazes quanto a espironolactona, mas reduziram significativamente a PA versus o placebo quando adicionadas ao tratamento de base na HA resistente.5 Deste modo, devem ser acrescentadas posteriormente à espironolactona. Como o estudo ALLHAT havia mostrado que a monoterapia com doxazosina foi substancialmente inferior à monoterapia com clortalidona na prevenção de eventos cardiovasculares, especialmente insuficiência cardíaca,18 consideramos que um bloqueador alfa-1 adrenérgico deva ser uma das últimas escolhas para o tratamento do hipertenso resistente.
Por fim, poucos estudos avaliaram o impacto anti-hipertensivo de vasodilatadores diretos, como hidralazina ou minoxidil, na HA resistente. No entanto, como esta classe pode provocar retenção de líquidos e taquicardia de forma muitas vezes exuberante, também fica habitualmente reservada como uma das últimas escolhas a ser considerada no tratamento da HA resistente.11
Em resumo, com base nas evidências supracitadas, propomos um octeto medicamentoso estruturado para tratamento da HA ( Figura 1 ). Na base do tratamento de todo o paciente hipertenso estão as mudanças no estilo de vida e os componentes do trio de ouro (iSRA, BCC e TIAZ). A espironolactona deve ser preferencialmente utilizada como quarta substância, caso não haja controle com as medicações anteriores. Posteriormente, podem ser acrescentados agonistas alfa-2 centrais e βB, sendo que as últimas medicações a serem acrescentadas seriam os vasodilatadores e os bloqueadores alfa-1 adrenérgicos.
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Vinculação AcadêmicaEste artigo é parte de tese de Doutorado de Audes D. M. Feitosa pela Universidade Federal de Pernambuco.
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Fontes de FinanciamentoO presente estudo foi parcialmente financiado pelo CNPq (306154/2017-0).
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Ago 2020 -
Data do Fascículo
Ago 2020
Histórico
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Recebido
06 Nov 2019 -
Revisado
22 Jan 2020 -
Aceito
09 Mar 2020