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Importância Diagnóstica e Prognóstica da Capacidade Funcional nas Diversas Formas Evolutivas da Doença De Chagas

Palavras-chave
Doença de Chagas; Exercício; Cardiopatia Chagasica; Teste de Esforço/métodos; Insuficiência Cardíaca/complicações; Tromboembolia; Trypanosoma Cruzi

O estudo publicado por Silva et al.,11 Silva WT, Costa HS, Figueiredo PH, Oliveira MM, Lima VP, Costa FS, Ávila MR et al. Determinantes da Capacidade Funcional em Pacientes com Doença de Chagas. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):934-941. nesta edição nos traz uma reflexão importante sobre a evolução das diversas formas da doença de Chagas (DC), ao demonstrar que os pacientes com a forma indeterminada (FI) possuem capacidade funcional, medida através do consumo de oxigênio de pico (VO2pico), semelhante a indivíduos saudáveis sem DC. Por outro lado, pacientes com cardiopatia chagásica sem disfunção ventricular apresentaram capacidade funcional semelhante aos pacientes com disfunção ventricular.11 Silva WT, Costa HS, Figueiredo PH, Oliveira MM, Lima VP, Costa FS, Ávila MR et al. Determinantes da Capacidade Funcional em Pacientes com Doença de Chagas. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):934-941.

A FI da DC vem sendo estudada sob diversos aspectos há vários anos. Alguns estudos em pacientes assintomáticos e que se incluem na definição da FI por não apresentarem alterações eletrocardiográficas e na radiografia de tórax, demonstraram alterações incipientes em exames complementares que podem sugerir a possibiliade de evolução para as formas mais graves de DC ao longo dos anos. Avaliações feitas através da ecocardiografia apresentaram alterações em variáveis como Doppler tecidual e estudo da deformidade miocárdica através do strain bidimensional.22 Cianciulli TF, Saccheri MC, Papantoniou A, Méndez RJ, Gagliardi JA, Prado NG et al. Use of tissue doppler imaging for the early detection of myocardial dysfunction in patients with the indeterminate form of Chagas disease. Rev Soc Bras Med Trop. 2020;53:e20190457.,33 Cianciulli TF, Albarracín GA, Napoli Llobera M, Prado NG, Saccheri MC, et al. Speckle tracking echocardiography in the indeterminate form of Chagas disease. Echocardiography. 2021;38(1):39-46. Já houve demonstração também de alterações do sistema nervoso autônomo, principalmente no ramo parassimpático, que podem ser potenciais vias de piora no estágio clínico da doença no decorrer dos anos.44 Ribeiro ALP, Moraes RS, Ribeiro JP, Ferlin EI, Torres RM, Oliveira E, et al. Parasympathetic dysautonomia precedes left ventricular systolic dysfunction in Chagas disease. Am Heart J. 2001;141(2):260-5.,55 Molina RBG, Matsubara BB, Hueb JC, Zanati SG, Meira DA, Cassolato JL, et al. Dysautonomia and ventricular dysfunction in the indeterminate form of Chagas disease. Int J Cardiol. 2006; 113:188-193 Estudos feitos com ressonância magnética demonstraram presença de fibrose miocárdica em 12% de pacientes com a FI da doença.66 Torreão JA, Ianni BM, Mady C, Naia E, Rassi CH, Nomura C, et al. Myocardial tissue characterization in Chagas’ heart disease by cardiovascular magnetic resonance. J Cardiovasc Magn Reson; 2015; 17:97. No entanto, apesar dessas pequenas alterações, a evolução a longo prazo desses pacientes tem se mostrado favorável e semelhante à de indivíduos saudáveis sem DC. Ianni et al.,77 Ianni BM, Arteaga E, Frimm CC, Barretto ACO, Mady C. Chagas’ heart disease: Evolutive evaluation of eletrocardiographic and echocardiographic parameters in patients with the indeterminate form. Arq Bras Cardiol. 2001;77(1): 59-62. estudaram pacientes com a FI com base nos achados do eletrocardiograma (ECG) por 8 anos e concluíram que a FI da DC representa uma condição benigna com prognóstico favorável em longo prazo.77 Ianni BM, Arteaga E, Frimm CC, Barretto ACO, Mady C. Chagas’ heart disease: Evolutive evaluation of eletrocardiographic and echocardiographic parameters in patients with the indeterminate form. Arq Bras Cardiol. 2001;77(1): 59-62. No entanto, em um pequeno grupo de pacientes pode haver evolução para cardiopatia chagásica crônica (CCC) ou doença do aparelho digestivo em cerca de 10 a 20 anos após a infecção aguda. Sabino et al.,88 Sabino EC, Ribeiro AL, Salemi VM, Di Lorenzo Oliveira C, Antunes AP, Menezes MM, et al. Ten years incidence of Chagas cardiomyopathy among asymptomatic Trypanosoma cruzi-seropositive former blood donors. Circulation. 2013;127(10):1105-45. em um estudo de coorte retrospectivo de 10 anos, sugeriram uma taxa de progressão para cardiomiopatia de 1,85% ao ano em pacientes com a FI da doença.88 Sabino EC, Ribeiro AL, Salemi VM, Di Lorenzo Oliveira C, Antunes AP, Menezes MM, et al. Ten years incidence of Chagas cardiomyopathy among asymptomatic Trypanosoma cruzi-seropositive former blood donors. Circulation. 2013;127(10):1105-45. Portanto, são necessários estudos que identifiquem marcadores que possam predizer a possibilidade desta evolução e a avaliação da capacidade funcional destes pacientes é importante neste aspecto.

A presença de alterações eletrocardiográficas sugestivas de comprometimento cardíaco, características da DC, em um indivíduo sintomático ou assintomático, caracteriza a forma cardíaca crônica da DC. Este grupo de pacientes pode se apresentar apenas com o ECG alterado, porém sem sintomas ou presença de disfunção ventricular ou apresentar-se com sintomas de insuficiência cardíaca e disfunção sistólica ventricular esquerda de grau até importante. Estudos com ressonância magnética demonstraram presença de até 94% de fibrose miocárdica em pacientes com ECG alterado, mesmo sem disfunção ventricular.66 Torreão JA, Ianni BM, Mady C, Naia E, Rassi CH, Nomura C, et al. Myocardial tissue characterization in Chagas’ heart disease by cardiovascular magnetic resonance. J Cardiovasc Magn Reson; 2015; 17:97. Estes achados sugerem que este grupo de pacientes, deve ter um acompanhamento clínico rigoroso e a avaliação da capacidade funcional também se enquadra neste espectro.

Por outro lado, pacientes com CCC e grave disfunção ventricular representam um grupo de pacientes que têm um prognóstico pior do que outras etiologias de miocardiopatias. Mady et al.,99 Mady C, Cardoso RH, Barretto AC, da Luz PL, Belloti G, Pileggi F. Survival and predictors of survival in patients with congestive heart failure due to Chagas’ cardiomyopathy. Circulation.1994;90(6):3098-102. demonstraram que a capacidade funcional, assim como a fração de ejeção, é um importante preditor de sobrevida neste grupo de pacientes.99 Mady C, Cardoso RH, Barretto AC, da Luz PL, Belloti G, Pileggi F. Survival and predictors of survival in patients with congestive heart failure due to Chagas’ cardiomyopathy. Circulation.1994;90(6):3098-102. Além disto, o treinamento físico e a reabilitação cardíaca são importantes componentes de melhora clínica destes pacientes e o VO2pico é também importante nesta monitorização.1010 Improta-Caria AC, Aras-Junior R. Treinamento com Exercício Físico e Doença de Chagas: Função Potencial dos MicroRNAs. Arq Bras Cardiol; 117(1):132-41.

Todos estes aspectos sugerem que o estudo da DC necessita abordar cada vez mais temas que busquem preditores de sua evolução tão variável de indivíduo para indivíduo e o estudo da capacidade funcional é importante neste contexto.

  • Minieditorial referente ao artigo: Determinantes da Capacidade Funcional em Pacientes com Doença de Chagas

Referências

  • 1
    Silva WT, Costa HS, Figueiredo PH, Oliveira MM, Lima VP, Costa FS, Ávila MR et al. Determinantes da Capacidade Funcional em Pacientes com Doença de Chagas. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(5):934-941.
  • 2
    Cianciulli TF, Saccheri MC, Papantoniou A, Méndez RJ, Gagliardi JA, Prado NG et al. Use of tissue doppler imaging for the early detection of myocardial dysfunction in patients with the indeterminate form of Chagas disease. Rev Soc Bras Med Trop. 2020;53:e20190457.
  • 3
    Cianciulli TF, Albarracín GA, Napoli Llobera M, Prado NG, Saccheri MC, et al. Speckle tracking echocardiography in the indeterminate form of Chagas disease. Echocardiography. 2021;38(1):39-46.
  • 4
    Ribeiro ALP, Moraes RS, Ribeiro JP, Ferlin EI, Torres RM, Oliveira E, et al. Parasympathetic dysautonomia precedes left ventricular systolic dysfunction in Chagas disease. Am Heart J. 2001;141(2):260-5.
  • 5
    Molina RBG, Matsubara BB, Hueb JC, Zanati SG, Meira DA, Cassolato JL, et al. Dysautonomia and ventricular dysfunction in the indeterminate form of Chagas disease. Int J Cardiol. 2006; 113:188-193
  • 6
    Torreão JA, Ianni BM, Mady C, Naia E, Rassi CH, Nomura C, et al. Myocardial tissue characterization in Chagas’ heart disease by cardiovascular magnetic resonance. J Cardiovasc Magn Reson; 2015; 17:97.
  • 7
    Ianni BM, Arteaga E, Frimm CC, Barretto ACO, Mady C. Chagas’ heart disease: Evolutive evaluation of eletrocardiographic and echocardiographic parameters in patients with the indeterminate form. Arq Bras Cardiol. 2001;77(1): 59-62.
  • 8
    Sabino EC, Ribeiro AL, Salemi VM, Di Lorenzo Oliveira C, Antunes AP, Menezes MM, et al. Ten years incidence of Chagas cardiomyopathy among asymptomatic Trypanosoma cruzi-seropositive former blood donors. Circulation. 2013;127(10):1105-45.
  • 9
    Mady C, Cardoso RH, Barretto AC, da Luz PL, Belloti G, Pileggi F. Survival and predictors of survival in patients with congestive heart failure due to Chagas’ cardiomyopathy. Circulation.1994;90(6):3098-102.
  • 10
    Improta-Caria AC, Aras-Junior R. Treinamento com Exercício Físico e Doença de Chagas: Função Potencial dos MicroRNAs. Arq Bras Cardiol; 117(1):132-41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Nov 2021
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