Open-access Adequação do Consumo de Ácidos Graxos entre Pacientes em Prevenção Cardiovascular Secundária

Resumo

Fundamento:  A adesão à uma alimentação adequada em macronutrientes é fundamental para a prevenção secundária de doenças cardiovasculares.

Objetivo:  Avaliar a prevalência de adesão às recomendações de consumo de ácidos graxos para prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares, e estimar se a presença de determinados fatores de risco cardiovascular estaria associada à adesão.

Métodos:  Estudo transversal com os dados de linha de base de 2358 participantes do estudo "Brazilian Cardioprotective Nutritional Program Trial". Dados de consumo alimentar, e fatores de risco cardiovascular foram avaliados. Foi considerada, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia, uma ingestão adequada de ácidos graxos poli-insaturados (AGPI) ≥10% do consumo total de energia diária, para ácidos graxos monoinsaturados (AGM), 20% e para ácidos graxos saturados (AGS), <7%. Na análise estatística foi considerando nível de significância de 5%.

Resultados:  Nenhum participante aderiu a todas as recomendações de forma simultânea e mais da metade (1482 [62,9%]) não aderiu a nenhuma recomendação. A adesão exclusivamente à recomendação de AGS foi a mais prevalente, sendo cumprida por 659 (28%) dos participantes, seguida da adesão exclusivamente à recomendação de AGP (178 [7,6%]) e de AGM (5 [0,2%]). Não houve associação entre o número de comorbidades e a adesão às recomendações nutricionais (p =0,269). Os participantes da região Nordeste do país apresentaram maior proporção de adesão às recomendações para consumo de AGS (38,42%), e menor para ingestão de AGPI (3,52%) (p <0,001) em comparação às demais.

Conclusões:  Na amostra avaliada, evidenciou-se baixa adesão às recomendações nutricionais para consumo de ácidos graxos.

Palavras-chave: Ácidos Graxos; Dieta; Doenças Cardiovasculares; Prevenção Secundária

Background:  Adhering to a diet adequate in macronutrients is crucial for the secondary prevention of cardiovascular diseases.

Objective:  To assess the prevalence of adherence to recommendations for the consumption of dietary fatty acids for the prevention and treatment of cardiovascular diseases and to estimate whether the presence of certain cardiovascular risk factors would be associated with adherence.

Methods:  Cross-sectional study using baseline data from 2,358 participants included in the "Brazilian Cardioprotective Nutritional Program Trial". Dietary intake and cardiovascular risk factors were assessed. Adequate intake of polyunsaturated fatty acids (PUFA) was considered as ≥10% of total daily energy intake; for monounsaturated fatty acids (MUFA), 20%; and for saturated fatty acids (SFA), <7% according to the Brazilian Society of Cardiology. A significance level of 5% was considered in the statistical analysis.

Results:  No participant adhered to all recommendations simultaneously, and more than half (1,482 [62.9%]) did not adhere to any recommendation. Adherence exclusively to the SFA recommendation was the most prevalent, fulfilled by 659 (28%) participants, followed by adherence exclusively to the PUFA (178 [7.6%]) and MUFA (5 [0.2%]) recommendations. There was no association between the number of comorbidities and adherence to nutritional recommendations (p = 0.269). Participants from the Brazilian Northeast region showed a higher proportion of adherence to SFA consumption recommendations (38.42%) and lower adherence to PUFA intake (3.52%) (p <0.001) compared to other regions.

Conclusions:  Among the evaluated sample, there was low adherence to nutritional recommendations for dietary fatty acid consumption.

Keywords: Fatty Acids; Diet; Cardiovascular Disease; Secondary Prevention


Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são consideradas a principal causa de morbimortalidade no Brasil e no mundo, sendo responsáveis por cerca de sete milhões de mortes por ano, principalmente em grupos vulneráveis, como idosos, pessoas de menor renda e baixa escolaridade.1,2

Os fatores de risco para as DCV são alvo de prevenção para a ocorrência dessas doenças. Porém, atenção maior ao tratamento deve ser dada aos indivíduos em prevenção cardiovascular secundária, uma vez que é estabelecido maior risco para recorrência de eventos nesta população.3,4 Esses fatores de risco podem ser modificáveis ou não. Os fatores modificáveis incluem hiperlipidemia, tabagismo, consumo de álcool, hiperglicemia, obesidade, sedentarismo, hipertensão arterial sistêmica (HAS) e má qualidade da dieta.5

Diretrizes clínicas referentes a abordagem nutricional são desenvolvidas por sociedades médicas para orientar o consumo de nutrientes e padrões alimentares relacionados a proteção e ao risco para o desenvolvimento de DCV.6 Uma das recomendações nutricionais em destaque nas diretrizes é referente à importância da proporção da ingestão de diferentes ácidos graxos: saturados (AGS), monoinsaturados (AGM), poli-insaturados (AGPI) e trans-insaturados (AGT).7-9 As diretrizes recomendam que os profissionais de saúde orientem seus pacientes a terem um consumo alimentar seguindo padrões dietéticos saudáveis incluindo uma proporção adequada de ácidos graxos; entretanto, não descrevem como essa orientação deve ser realizada. Além disso, é necessário adaptar essas orientações para o contexto cultural e financeiro nos quais o indivíduo se encontra.10,11

A relação entre o consumo de diferentes ácidos graxos, principalmente AGS, com a ocorrência de eventos cardiovasculares na população em geral ainda não está estabelecida.12,13 No que diz respeito à prevenção cardiovascular secundária, pouco se sabe sobre o consumo desses nutrientes14,15 e informações nacionais em grande escala sobre a adesão desses pacientes da comunidade (não hospitalizados) às recomendações de consumo de ácidos graxos não são conhecidas. Assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar, na linha de base de um ensaio clínico randomizado multicêntrico nacional, a prevalência de adesão às recomendações de consumo de ácidos graxos, bem como estimar se a presença de determinados fatores de risco cardiovascular (dislipidemia, HAS ou diabetes mellitus tipo 2 [DM2]) estaria associada à adesão.

Métodos

Trata-se de uma análise exploratória dos dados de linha de base dos participantes do estudo "Brasilian Cardioprotective Nutritional Program Trial - (BALANCE Program Trial. ClinTrials: NCT01620398). Este foi um estudo multicêntrico, com a participação de 2534 indivíduos em prevenção secundária para doenças cardiovasculares provenientes de 35 centros distribuídos entre as 5 regiões brasileiras.16 O objetivo do ensaio clínico randomizado foi avaliar a efetividade de uma intervenção nutricional educativa, pautada nas recomendações nutricionais preconizadas pelas diretrizes brasileiras para prevenção das DCV, sobre a prevenção de novos eventos cardiovasculares.16

Todos os critérios de elegibilidade estão relatados no protocolo do estudo.17 Foram incluídos participantes com 45 anos ou mais que apresentaram um ou mais dos indicadores de DCV estabelecida nos últimos 10 anos: doença coronariana, acidente vascular cerebral, e doença vascular periférica. Todos os voluntários leram e assinaram o termo de consentimento antes de sua seleção final como sujeitos de pesquisa. O protocolo do estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética locais.

Coleta de dados

Entrevistadores treinados aplicaram um questionário estruturado contendo questões sobre características sociodemográficas18 e clínicas. Os participantes foram classificados como fumantes atuais, não fumantes ou ex-fumantes, e o nível de atividade física foi classificado de acordo com o questionário International Physical Activity Questionnaire (IPAQ) versão curta.19 O índice de massa corporal (IMC) foi calculado de acordo com a fórmula massa corporal (kg)/altura (m2). A pressão arterial foi obtida por um profissional treinado, seguindo as recomendações da American Heart Association,20 e os dados referentes ao uso de medicações foram obtidos a partir de prescrições médicas. Os diagnósticos de DM2, HAS e dislipidemia foram obtidos dos prontuários. Todos os dados foram registrados em um formulário eletrônico de relato de caso (case report form).

Consumo alimentar

Os dados de consumo alimentar foram obtidos por meio de dois recordatórios alimentares de 24 horas, sendo a média entre os dois recordatórios utilizada para a análise proposta. Participantes com relato de consumo alimentar >4000 kcal/dia ou < 500 kcal/dia (separar kcal/dia de 500) foram excluídos da análise por representarem possível relato inconsistente. O método de passagem múltipla (Multiple Pass Method) foi usado para padronizar a coleta de dados de consumo alimentar e permitir a captura do máximo de informações sobre os alimentos consumidos.21 Os dados de consumo alimentar foram registrados no programa Vivanda (São Paulo, SP, Brasil), software brasileiro que prioriza tabelas brasileiras e americanas de composição de alimentos.22,23 Um álbum de fotos contendo imagens de porções padronizadas de alimentos, especificamente preparado pelo BALANCE Program Trial, foi utilizado para auxiliar na avaliação da ingestão alimentar. Todos os pesquisadores envolvidos na coleta dos dados foram treinados tanto para a obtenção das informações quanto para a utilização do software.

Para verificar se o participante atingiu a recomendação de AGPI, foi considerada uma ingestão maior ou igual a 10% do consumo total de energia diária (CTE).7,8 O participante foi considerado como ter atingido a recomendação de ingestão de AGM caso tivesse reportado consumo maior ou igual a 20% do CTE.8 Por fim, para verificar se o sujeito atingiu a recomendação de AGS, foi considerada uma ingestão menor ou igual a 7% do CTE.8,9

Análise estatística

Os dados foram apresentados em frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas e estatísticas de posição (média ou mediana) e de dispersão (desvio padrão e intervalos interquartis) para as variáveis contínuas, conforme normalidade dos dados avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. As comparações entre os participantes que atingiram ao menos uma das recomendações foram realizadas através do teste qui-quadrado de Pearson ou teste exato de Fisher quando apropriado, para as variáveis categóricas e teste t-student não pareado para as variáveis contínuas. Para a ingestão de macronutrientes os pacientes que atingiram uma determinada recomendação (ingestão de AGS, AGM e AGPI) foram comparados por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. O diagrama de Venn foi utilizado para representar graficamente a ocorrência da adesão simultânea das recomendações de ingestão dos ácidos graxos. Todas as análises consideraram um alfa bicaudal de 5% e foram realizadas com o auxílio do software R (R foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria).

Resultados

No estudo BALANCE, 2534 indivíduos em prevenção secundária para doença cardiovascular foram incluídos; porém, para a presente análise, foram considerados apenas aqueles com registro alimentar completo. Participantes com relato de consumo alimentar >4000kcal ou < 500kcal/dia foram excluídos por representarem possível relato inconsistente do participante. Assim, a amostra total do estudo foi composta por 2358 indivíduos. Destes, 144 (6,1%) eram da região Norte do país, 169 (7,2%) da região Centro-Oeste, 596 (25,3%) da região Nordeste, 639 (27,1%) da região Sul e 810 (34,5%) da região Sudeste (Figura 1).

Figura 1
Distribuição dos participantes incluídos no estudo BALANCE por estado nacional.

Com relação às porcentagens medianas de ingestão dos ácidos graxos, identificou-se 8,7% (intervalo interquartil 6,6 - 10,7) de AGS, 7,8% (6,1 - 9,7) de AGM e 6,3% (4,9 – 8,0) de AGPI. Nenhum indivíduo aderiu totalmente as recomendações de consumo de ácidos graxos e mais da metade (1482 [62,9%]) não aderiu a nenhuma recomendação (Figura Central). A adesão exclusivamente à recomendação de AGS foi a mais prevalente, sendo cumprida por 659 (28%) participantes, seguida da adesão exclusivamente à recomendação de AGPI (178 [7,6%]) e de AGM (5 [0,2%]). Ainda, 30 indivíduos (1,3%) adeririam às recomendações de AGPI e AGS de forma concomitante, três indivíduos à recomendação de AGPI e AGM (0,1%) e apenas um indivíduo (0,04%) à recomendação de AGM e AGS simultaneamente.

Na Tabela 1 estão descritas as características dos participantes que aderiam a pelo menos uma recomendação (AGPI, AGM ou AGS) e daqueles que não aderiam a nenhuma das recomendações. Destaca-se que indivíduos de classes sociais inferiores pelo critério ABEP e com menor escolaridade apresentaram maior adesão às recomendações.

Tabela 1
Característica dos participantes que aderiam a alguma recomendação nutricional para consumo de ácidos graxos e daqueles que não aderiam a nenhuma recomendação

Apesar de não se tratar de uma amostra representativa das cinco regiões brasileiras, avaliamos a hipótese de que a adesão às recomendações poderia ser diferente entre as regiões do país. Como é possível ver na Figura 2, em todas as regiões a adesão a uma dieta com reduzida concentração de AGS foi maior que a adesão às demais recomendações. Entretanto, é observada uma associação entre adesão às recomendações e as regiões brasileiras, isto é, a adesão diferiu entre as regiões (p< 0,001). Na região Nordeste do país, observou-se uma maior proporção de pacientes que aderiram às recomendações de consumo de AGS quando comparada com as outras regiões. Por outro lado, a adesão às recomendações do consumo de AGPI foi menor.

Figura 2
Distribuição da adesão às recomendações de ingestão de ácidos graxos de acordo com as regiões brasileiras.

Uma vez que recomendações nutricionais podem ser orientadas a partir da presença dos fatores de risco para DCV, verificou-se se a presença de múltiplas comorbidades poderia estar associada à adesão dessas recomendações, uma vez que o indivíduo pode ter recebido orientações para cada uma das comorbidades de forma individualizada ou ela foi intensificada pela presença de mais de um fator de risco. Na Figura 3 observamos, porém, que que não houve associação entre o número de comorbidades e a adesão às recomendações nutricionais (p = 0,269).

Figura 3
Representação gráfica da adesão às recomendações nutricionais de consumo de ácidos graxos de acordo com o número de fatores de risco cardiovascular.

Considerando que alguma comorbidade poderia ter maior impacto na adesão às recomendações em detrimento à outra, foi avaliada a adesão segundo a presença de cada um dos fatores de risco separadamente (DM2, HAS e dislipidemia). Os resultados (dados não publicados) confirmam que a presença de qualquer comorbidade não influenciou a adesão, sendo ela igual à dos indivíduos sem alguma comorbidade específica.

Nas Tabelas 2, 3 e 4 está descrito o consumo alimentar dos participantes de acordo com a adesão às recomendações dos diferentes ácidos graxos. Aqueles que atingiram as orientações de ingestão para AGS apresentaram menor consumo energético total da dieta, maior consumo de carboidratos e fibra alimentar e menor ingestão de sódio e colesterol dietético; por outro lado, aqueles que atingiram as recomendações de AGPI apresentaram menor consumo de carboidratos e maior consumo de sódio e fibras. Já entre os participantes com consumo adequado de AGM, observou-se menor ingestão de carboidratos e maior ingestão de colesterol na dieta.

Tabela 2
Distribuição da ingestão de macronutrientes de acordo com a adesão (sim ou não) às recomendações de ácidos graxos saturados
Tabela 3
Distribuição da ingestão de macronutrientes de acordo com a adesão (sim ou não) às recomendações de ácidos graxos poli-insaturados
Tabela 4
Distribuição da ingestão de macronutrientes de acordo com a adesão (sim ou não) às recomendações de ácidos graxos monoinsaturados

Discussão

Neste estudo, a adesão às recomendações para ingestão de diferentes ácidos graxos dietéticos foi avaliada entre 2358 indivíduos em prevenção secundária para DCV com idade média de 63,2 ± 9 oriundos das cinco regiões brasileiras. Observou-se que nenhum indivíduo apresentou adesão a recomendação da ingestão dos três ácidos graxos (AGS, AGM e AGPI) de forma concomitante. A adesão às recomendações de ingestão do AGS foi a mais prevalente (27,95%) e a presença de diversas comorbidades não influenciou na adesão às recomendações.

A adesão à recomendação de ingestão inferior a 7% das calorias diárias proveniente de AGS, apesar de ser maior que a adesão às demais recomendações, ainda foi baixa na população avaliada. A recomendação de consumo de AGS para a população geral é de até 10% do CET diário. Nos Estados Unidos, observa-se que mais de 60% da população não atinge essa recomendação.24 No Brasil, o consumo médio de AGS pela população geral é de 8,9% do CET (intervalo de incerteza (UI) de 95% 7,5 a 10,3),25 percentual considerado adequado quando comparado às recomendações. Entretanto, o presente estudo mostra que a população brasileira especificamente em prevenção secundária para DCV apresenta um consumo médio de AGS superior ao esperado. Resultados similares foram identificados em outros estudos transversais com pacientes pós síndrome coronariana aguda nos quais o consumo médio de AGS foi de 9,3%14 e o percentual de indivíduos com consumo considerado adequado foi de aproximadamente 23%.15 Estima-se que limitar o consumo deste tipo de ácido graxo entre a população em geral esteja associado com a redução de 21% (risco relativo [RR] de 0,79; Intervalo de confiança de 95% [IC 95%] de 0,66 a 0,93) de eventos cardiovasculares combinados.13

Ao reduzir o consumo de AGS, outro macronutriente deve proporcionalmente aumentar para substitui-lo. Revisões sistemáticas com metanálises frequentemente apresentam resultados discrepantes referente ao efeito da redução do AGS na prevenção cardiovascular, por agregar artigos que diferem com relação à fonte dos nutrientes que substitui o AGS.26 Recomenda-se que a substituição seja feita por um ácido graxo insaturado;25 porém, como visto neste estudo, a população brasileira em prevenção cardiovascular secundária parece reduzir o AGS substituindo-o por carboidrato. A substituição do AGS por carboidrato não confere aumento no risco e ainda alguns autores discutem o tipo de carboidrato que estes estudos referem estar substituindo o AGS, podendo ter um efeito quando substituído por fontes alimentares ricas em fibras e outro quando substituído por fontes alimentares ricas em açúcares simples.13 A substituição do AGS por AGPI parece reduzir em 22% (RR =0,78; IC 95% 0,62 a 0,97) e o benefício da substituição por AGM ainda não está claro;13,26 destaca-se que na amostra avaliada o pequeno percentual de indivíduos que atingiu as recomendações de ingestão de AGM só o fez em detrimento do aumento global da ingestão de gorduras totais, inclusive ultrapassando a recomendação de AGS.

Na população avaliada, AGPI foi consumido muito aquém ao esperado, reflexo do baixo consumo de alimento fonte desta gordura como peixes e óleos vegetais, como também é visto em outras populações (brasileiras e não) em prevenção secundária para DCV.14,27 O efeito pelo qual o AGPI confere proteção cardiovascular estaria associado à sua participação na redução do LDL-colesterol e na inflamação.28 Em 2010, o consumo inadequado de AGPI contribuiu com 711.800 (95% UI 680.700 a 745.000) mortes por causa cardiovascular, representando 10,3% (95% UI 9,9% a 10,6%) da mortalidade global, e o consumo inadequado de AGS contribuiu com 250.900 (95% UI 236.900 a 265.800), representando 3,6%, (95% UI 3,5% a 3,6%) da mortalidade global.24

Devido à interação in vivo dos macronutrientes na saúde, a avaliação dos componentes dietéticos por si só pode não ser um bom indicador de saúde. Concentrar-se nos padrões alimentares e considerar todos os aspectos da ingestão alimentar de um indivíduo fornece mais precisão para determinar o risco de doença. Com base em estudos anteriores, o padrão alimentar `ocidental’ foi associado a um maior risco de DCV e padrões alimentares como a dieta do Mediterrâneo e a dieta DASH vem sendo destacados e ganhando mais destaque nas diretrizes clínicas de prevenção cardiovascular.29,30 Exatamente por terem uma composição reduzida de AGS e alto em AGPI e AGM, além de outras características nutricionais como alto teor de fibras, antioxidantes e compostos bioativos, estes padrões alimentares saudáveis devem ser fortemente recomendados. Além disso, a orientação desses padrões de forma global parece ser mais factível para a compreensão do paciente (e consequentemente para a adesão) em comparação a simples recomendação para redução do consumo de alimentos fonte de AGS.25 Destaca-se que no momento da alta para o domicílio, entre indivíduos hospitalizados por um evento cardiovascular agudo, as orientações referentes a ingestão de nutrientes e de padrões alimentares parecem diferir de acordo com o sistema de saúde hospitalar: no Sistema Único de Saúde (realidade da maioria dos participantes alocados no estudo BALANCE) parecem prevalecer orientações para redução de gorduras, frituras e de sódio dietético; já no sistema privado, além dessas recomendações, prevalecem também orientações com relação ao consumo de lácteos, preparações culinárias grelhadas e cozidas no vapor, peixes, azeite de oliva extra virgem, frutas e verduras, e grãos integrais.31

Os resultados deste estudo enfatizam a baixa adesão dos participantes às recomendações estabelecidas para a ingestão de nutrientes. Podemos levantar a hipótese de que os pacientes em prevenção cardiovascular secundária enfrentam os seguintes desafios: a) acesso limitado a informações, devido à dificuldade para agendamento com profissionais de saúde especializados, à falta de orientações adequadas por parte dos profissionais de saúde devido à alta demanda (pouco tempo para atendimento) ou à falta de atualização; b) dificuldade de compreensão das orientações, pois traduzir as diretrizes em orientações práticas e compreensíveis não é uma tarefa simples; e c) dificuldade na adesão influenciada por questões financeiras, econômicas ou pela falta de acesso a alimentos frescos e minimamente processados. Independentemente das razões, é crucial entender esse cenário e propor estratégias para superar os desafios na mudança de comportamento alimentar. Nesse contexto, o BALANCE Trial buscou traduzir as recomendações nutricionais das diretrizes da SBC em orientações práticas que respeitassem os hábitos e a cultura alimentar regional. Essa estratégia foi publicada pelo Ministério da Saúde (Alimentação Cardioprotetora: Manual de orientações para profissionais de Saúde da Atenção Básica) e está amplamente disponível.32 No estudo BALANCE,16 após um seguimento de três anos, observou-se melhora na qualidade global da dieta, representada pelo aumento no consumo de vegetais e redução significativa no consumo de AGS. Essas recomendações, entretanto, não refletiram na redução de novos eventos cardiovasculares no período.

Nosso estudo possui algumas limitações como a não inclusão de uma amostra representativa por estado brasileiro, além do método de inquérito alimentar (recordatório alimentar de 24h) apresentar vieses como de memória e de sub relato. Além disso, trata-se de uma análise exploratória que não estava prevista originalmente no protocolo de pesquisa. Não coletamos informações específicas referentes a orientações nutricionais previamente recebidas pelos participantes; porém, acreditamos que os dados apresentados em nosso estudo destacam a importância de que, mesmo que tal orientação tenha sido realizada por algum profissional de saúde, ela pode não ter sido suficiente para mudar o comportamento alimentar do indivíduo. Nosso estudo também tem pontos fortes, como o tamanho amostral desta análise transversal e o cuidado metodológico como o treinamento minucioso para a coleta de dados oferecido às equipes de pesquisa de cada centro participante.

Conclusão

Na amostra de brasileiros em prevenção secundária avaliada, identificou-se uma adesão insuficiente às recomendações nutricionais para o consumo de diferentes ácidos graxos. É importante ressaltar que nenhum dos participantes demonstrou adesão às recomendações de ingestão para os diversos ácidos graxos simultaneamente, reforçando a importância da implementação de estratégias de sensibilização para promover mudanças no estilo de vida nessa população.

  • Fontes de financiamento
    O presente estudo foi financiado pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Sáude – PROADI/SUS.
  • Vinculação acadêmica
    Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.
  • Aprovação ética e consentimento informado
    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do HCor sob o número de protocolo CAAE 03218512.0.1001.0060. Todos os procedimentos envolvidos nesse estudo estão de acordo com a Declaração de Helsinki de 1975, atualizada em 2013. O consentimento informado foi obtido de todos os participantes incluídos no estudo.
  • Editor responsável pela revisão: Gláucia Maria Moraes de Oliveira

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2023
  • Revisado
    12 Nov 2023
  • Aceito
    13 Dez 2023
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