Open-access Checklist das esponjas do Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil

Checklist of Porifera from Mato Grosso do Sul State, Brazil

RESUMO

O filo Porifera, representado no Estado do Mato Grosso do Sul somente por esponjas de água doce, conta atualmente a nível mundial com cerca de 230 espécies em ambientes dulcícolas, das quais 53 são conhecidas para o Brasil e 11 para o Estado. Destacam-se os depósitos fósseis de espículas (espongilitos) produzidos por 6 espécies dessas esponjas em ambientes lênticos quaternários de água doce em todo Estado, representando um importante recurso mineral. Um registro novo é aqui produzido para o Mato Grosso do Sul, o de Sterrastrolepis brasiliensis. Os Biomas Pantanal, Cerrado, Chaco e Mata Atlântica não foram até agora levantados para essa fauna aquática no Estado. Nesse sentido deve ser concedida prioridade ao Pantanal, considerado atualmente dos biomas mais ameaçados do planeta.

PALAVRAS-CHAVE Esponjas continentais; registros; espongilitos; Sterrastrolepis brasiliensis; Programa Biota-MS

ABSTRACT

The phylum Porifera, represented in the state of Mato Grosso do Sul (MS) solely by freshwater sponges, counts worldwide with around 230 species in freshwater habitats, of which 53 are presently known for Brazil and 11 for the MS. Remarkable is the fossil deposits of spicules (spongillites) produced by 6 species of these sponges in lentic quaternary freshwater habitats throughout the State and as such an important mineral resource. A new record is now produced for Mato Grosso do Sul, that of Sterrastrolepis brasiliensis. The Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica and Chaco Biomes have not up to now been surveyed for this aquatic fauna in the State. Priority should be focused into the Pantanal, presently considered one of the world most endangered biomes.

KEYWORDS Continental sponges; records; spongillites; Sterrastrolepis brasiliensis; Biota-MS Program

O estado do Mato Grosso do Sul não apresenta ambientes marinhos atuais, no entanto dispõe de representantes do filo Porifera nos seus diversificados ambientes de água doce. Essas esponjas, mais apropriadamente denominadas esponjas continentais (Volkmer-Ribeiro, 2007; Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2010 ) são encontradas em águas de ambientes não alterados, sejam lóticas ou lênticas, constituindo uma fauna abundante e diversificada. Conta-se atualmente, em nível mundial, com cerca de 230 espécies dessas esponjas. As 53 espécies continentais até agora registradas para o Brasil contribuem de modo significativo para que a fauna sul-americana desses animais seja a mais rica do planeta (Volkmer-Ribeiro, 2007). Para o Estado do Mato Grosso do Sul tem-se registro de 11 espécies, todas já conhecidas para outras regiões do país.

Devido à dependência de ambientes em condições naturais, esses animais são excelentes indicadores de qualidade da água, não devendo ser excluídos em levantamentos de avaliações de impactos, nem desconsiderados em projetos de recuperação de ambientes aquáticos, particularmente quando se constatou seu desaparecimento. Nesse sentido, levantamentos extensivos desses animais em bacias hidrográficas nos distintos estados do país assinalam recursos hídricos que devem merecer proteção integral, para fins, sobretudo, de abastecimento humano, constituindo lucro concorrente a manutenção da biodiversidade que tais águas abrigam (Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2010). Sendo animais sésseis, necessitam de substratos permanente ou temporariamente imersos e que podem ser naturais, como macrofitais e porções da vegetação ripária mergulhadas nas águas, além de substratos rochosos de todo tipo, ou ainda aqueles colocados por ação humana, como pilastras de pontes, ancoradouros, condutos de estações de piscicultura, barramentos de rios, e todo sistema de circulação de água de pequenas e grandes hidrelétricas (Volkmer-Ribeiro et al., 2010).

Todas as esponjas continentais conhecidas produzem esqueleto de sustentação constituído por elementos não degradáveis de sílica amorfa (opala) - as espículas, unidas por filamentos de colágeno - a espongina. Tais espículas, por morte da esponja e degradação da espongina, depositam-se nos sedimentos, particularmente os de ambientes lênticos de idade quaternária, constituindo valiosas ferramentas em interpretações paleoambientais (Almeida et al., 2009; Machado et al., 2012; 2013; 2014). Além disso, podem formar depósitos biosilicosos de reconhecido valor econômico: os espongilitos, com ampla ocorrência em depósitos fósseis de lagoas no Mato Grosso do Sul (Volkmer-Ribeiro & Motta, 1995; Volkmer-Ribeiro et al., 1998; Silva et al., 2003; Silva, 2004). Essas lagoas, com ocorrência típica no Bioma Cerrado (Volkmer-Ribeiro et al., 1998) continuam mantendo viva a comunidade de esponjas que produziu os referidos depósitos fósseis.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram considerados para a elaboração da lista os registros de materiais oriundos do MS depositados na coleção de Porifera do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN-POR); os respectivos números de catálogo constam nas referências pertinentes a cada espécie da lista. Adicionalmente, foi consultada e citada toda bibliografia referente a testemunhos sedimentares com conteúdo de espículas amostrados no MS. Consideram-no, no entanto, não pertinentes os resultados do estudo de uma coluna de sedimentos holocênicos recuperada no leque fluvial do rio Nabileque (Kuerten et al., 2013). Além de não conterem novos registros, configuram um depósito com alta probabilidade de carreamento de montante, tanto do leito do rio mesmo, quanto de lagoas marginais invadidas pelas cheias, impedindo a indispensável citação geográfica de suas origens. Insere-se ainda correção zoogeográfica indispensável referernte à menção da ocorrência de Heterorotula fistula na Nova Zelândia e Austrália (Kuerten et al., 2013). O texto a que os autores aludem (Volkmer-Ribeiro & Motta, 1995) explicita que Heterorotula tinha, até então, ocorrência na Nova Zelândia e Austrália, constituindo a descrição da nova espécie o primeiro registro desse gênero fora da Região Australiana. Heterorotula fistula mantém-se como endêmica de lagoas do Cerrado Brasileiro. Constituição, formas, cores e as características, inclusive dos conjuntos de espículas, de quase todas as esponjas aqui listadas, podem ser apreciadas em Volkmer-Ribeiro (1992) e Volkmer-Ribeiro & Parolin (2010), visando o reconhecimento em campo, a preservação de exemplares coletados e a preparação laboratorial necessária para identificação taxonômica e mesmo o ensino dessa fauna tão particular.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Onze espécies de esponjas continentais das três famílias ocorrentes no Brasil e Região Neotropical têm registros atestados no Estado, seja por exemplares ou por espículas, compondo sedimentos fósseis recuperados de ambientes lênticos.

Classe Demospongiae

SPONGILLIDAE

Corvospongilla seckti Bonetto & Ezcurra de Drago, 1966

Registros. Três Lagoas, Rio Paraná, jusante da represa de Jupiá (20°48’S; 51°40’W): Fusari et al. (2008), Roque et al. (2004; 2010), Roque & Trivinho-Strixino (2005): as esponjas abrigavam larvas de Chironomidae (Diptera) ou, Corbi et al. (2005), de oligoquetos; Taquarussú, rio Esperança (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2007), espículas em sedimentos lacustres datados do final do Pleistoceno, início do Holoceno.

Corvospongilla seckti é comum nos substratos rochosos do leito de todos os grandes rios do Brasil, formando crostas esbranquiçadas, extensas e no mais das vezes delgadas. No entanto, como acontece com algumas esponjas de fundos rochosos de rios, que também colonizam ambientes lênticos, ela pode formar exemplares robustos, ainda que delicados, aderidos à vegetação de macrófitas, como se constatou no lago de Itaipú (Volkmer-Ribeiro et al., 2010; Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2010).

Dosilia pydanieli Volkmer-Ribeiro, 1992

Registros. Paranaíba, Lagoa Araré (19°39’15”S; 51°03’52”W): Volkmer-Ribeiro & Motta (1995); Taquarussú, Lagoa Samambaia (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2008); Três Lagoas, Lagoa do Meio (20°46’57”S; 51°43’06”W): Silva et al. (2003) , Silva (2004).

Trochospongilla repens (Hinde, 1888)

Registros. Taquarussú, Lagoa Samambaia, próxima do rio Paraná (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2007), 2008).

Trochospongilla variabilis Bonetto & Ezcurra de Drago, 1973

Registros. Taquarussú, Lagoa Samambaia, próxima do rio Paraná (22°36’S; 53°23’W): Parolin, et al. (2007; 2008); Três Lagoas, Lagoa do Meio (20°46’57”S; 51°43’06”W): Silva, et al. (2003) , Silva (2004).

Radiospongilla amazonensis Volkmer-Ribeiro & Maciel, 1983

Registros. Taquarussú, Lagoa Samambaia, próxima do rio Paraná (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2007, 2008); Três Lagoas, Lagoa do Meio (20°46’57”S; 51°43’06”W): Silva et al. (2003) , Silva (2004).

Heterorotula fistula Volkmer-Ribeiro & Motta, 1995

Registros. Taquarussú, Lagoa Samambaia, próxima do rio Paraná (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2007, 2008).

POTAMOLEPIDAE

Oncosclera navicella (Carter, 1881)

Registros. Três Lagoas, Rio Paraná, a jusante da Represa de Jupiá (20°45’S; 51°40’W): Corbi et al. (2005), Fusari et al. (2008), Roque et al. (2004, 2010), Roque & Trivinho-Strixino (2005).

Os registros baseiam-se em espécimes coletados pelos autores citados, com vistas ao estudo de larvas de chironomídeos e oligoquetos associados. Assim como C. seckti e T. repens, O. navicella é esponja comum em substratos rochosos da maioria dos grandes rios sul-americanos.

Sterrastrolepis brasiliensis Volkmer-Ribeiro & De Rosa-Barbosa, 1987

Registro inédito. MCN-POR 8850: Nova Andradina, ilha Eunice, rio Ivinhema, L. C. Gurken & S. Gurken leg. 1976. Esponja formando crosta dura e íntegra, com cerca de 12 cm de diâmetro, sobre seixo de basalto.

Esse constitui o primeiro registro da espécie para o estado do Mato Grosso do Sul. O material foi enviado em 2011 à autora sênior por L. C. Gurken, para fins de identificação e doado para a coleção de Porifera do MCN da FZB. Foram também solicitadas maiores informações sobre a coleta, realizada há quase quatro décadas, tendo em vista novas prospecções na região. O Sr. L. C. Gurken forneceu a seguinte comunicação escrita: “pedra encontrada numa praia de cascalho, em uma ilha do rio Ivinhema, município de Nova Andradina. Tomando a rodovia presidente Epitácio, quando chegar à cidade de Nova Andradina, não seguir até a cidade de Ivinhema, mas entrar à esquerda, para as fazendas e algumas plantações à margem do rio, em local então chamado Porto Sucurita, na barranca do rio. O local tinha três ou quatro casas e era utilizado para abastecimento de combustível por pequenos barcos com motor de popa. Esse porto encontrava-se distante uns 40 metros de uma ilha denominada localmente de ilha Eunice. Tal ilha ficava muito abaixo da cidade de Ivinhema, a uns 40 minutos de barco da entrada do rio Guiraí”.

Sterrastrolepisbrasiliensis foi descrita com base em material sem data de coleta, proveniente do rio Turvo, município de Paraúna, Goiás e do rio Itararé, município de Carlópolis, Paraná. Em data recente, a esponja foi registrada em substrato rochoso no leito do rio Piquiri no município de Campina da Lagoa, Paraná, permitindo a ampliação da descrição da espécie com fotos do material vivo (Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2005) e, mais recentemente novamente no Rio Piquirí, município de Santa Maria do Oeste, Paraná (Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2010). O presente registro mantém essa espécie restrita à bacia do rio Paraná, ocupando substratos rochosos em águas rápidas e em condições naturais.

Sterrastrolepis brasiliensis, que integrava a lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção (Amaral et al., 2008), foi suprimida da recente lista (DO, 2014), expondo a espécie a real perigo de extinção, tendo em vista os projetos de construções de pequenos barragens no Rio Piquiri, PR (http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1451979). Sterrastrolepis brasiliensis já se configurava como rara, além de constituir gênero monotípico endêmico do Brasil, só contando com registros atuais em dois locais desse rio (Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2005; 2010). Salienta-se-se que essa espécie foi descrita sobre material sem data de coleta, não se verificando novos registros para os rios Turvo, GO e Itararé, PR, enquanto o presente registro para o rio Ivinhema configura material carreado pelo rio, portanto sem localização geográfica precisa e com data de 5 décadas passadas.

METANIIDAE

Drulia uruguayensis Bonetto & Ezcurra de Drago, 1968

Registros. Três Lagoas, Rio Paraná, a jusante da Represa de Jupiá (20°45’S; 51°40’W): Fusari et al. (2008), Roque et al. (2010), exemplares que continham larvas de chironomídeos associadas.

Aplicam-se para essa espécie as considerações expostas para O. navicella.

Metania spinata (Carter, 1881)

Registros. Paranaíba, Lagoa Araré (19°39’15”S; 51°03’52”W): Volkmer-Ribeiro & Motta (1995); Taquarussú, Lagoa Samambaia, próxima ao rio Paraná (22°36’S; 53°23’W): Parolin et al. (2008); Três Lagoas, Lagoa do Meio (20°46’57”S; 51°43’06”W): Silva et al. (2003) ; Silva (2004). As espículas são as mais abundantes em depósitos de espongilitos (Volkmer-Ribeiro & Motta, 1995). Suas aguçadas e microscópicas microscleras penetram a pele e aderem aos tecidos de quem trabalhar nessas jazidas ou entra em águas de lagoas onde a esponja vive, por isso mesmo denominadas lagoas da coceira.

Corvomeyenia thumi (Traxler, 1895)

Registros. Paranaíba, Lagoa Araré (19°39’15”S; 51°03’52”W): Volkmer-Ribeiro & Motta (1995).

As amostragens dessa fauna são, portanto, raras no Mato Grosso do Sul e se devem a coleta de entomólogos, interessados no conhecimento das larvas de Chironomidae associadas a essas esponjas ou, ainda, a biólogos associados a geólogos, visando as identificações das espículas silicosas dessas esponjas integrando colunas de sedimentos, particularmente lacustres, fósseis, a maioria constituindo jazidas de espongilitos. No conjunto, essas explorações incidiram, as primeiras, em alguns pontos do leito do rio Paraná e, as segundas, em lagoas em região de Cerrado, também próxima ao leito do grande rio. Metania spinata, D. pydanieli, R. amazonenses, T. variabilis, C. thumi e H. fistula só foram detectadas no Estado, ao presente, através de espículas, particularmente as das gêmulas, em colunas de sedimentos recuperados de lagoas, alguns desses constituindo depósitos de espongilitos.

Justamente essa última modalidade de registro incide numa riqueza de caráter econômico, ligada a um quadrilátero na Região Centro-Oeste do país (Volkmer-Ribeiro, et al., 1998) e, em particular, ao estado do Mato Grosso do Sul, onde essas jazidas ocorrem com abundância, tanto no que se refere à espessura das camadas do espongilito, quanto à distribuição espacial dos ambientes de deposição, situados sempre em lagoas no Bioma Cerrado. Representam, no entanto, uma fauna atual composta por uma associação, de todas ou algumas, das seis espécies de esponjas (Volkmer-Ribeiro, 1992; Volkmer-Ribeiro & Motta, 1995), cujas espículas contribuíram para esses depósitos, em ambiente pretérito favorável a uma produção excepcional desses animais. Essas lagoas são conhecidas pelo nome popular de “lagoas da coceira”, devido à irritação e mesmo reações alérgicas que, reconhecidamente as espículas depositadas no fundo ou em suspensão nas águas, causam ao penetrarem na pele (Magalhães et al., 2011).

Principais grupos de pesquisa. Prof. Dra. Cecilia Volkmer Ribeiro, atuando como pesquisadora independente, participando de projetos de pesquisa, orientações/co-orientações de dissertações de mestrado e teses de doutorado em colaboração com equipes de distintas universidades do país.

Dra. Maria da Conceição Marques Tavares Frigo, Setor de Porifera, Seção de Zoologia de Invertebrados, Museu de Ciências Naturais, Fundação Zoobotânica do RGS, atual curadora da coleção do Museu.

Dra. Inés Ezcurra de Drago, Instituto Nacional de Limnología, INALI, Santa Fé, Argentina.

Principais acervos. O acervo de esponjas continentais instituído pela autora sênior no Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica, com a colaboração de inúmeros ex-orientados, bolsistas e funcionários, pela abundância de exemplares, inclusive material-tipo, e cobertura geográfica, é único no país e na América do Sul, constituindo a coleção de referência nacional e mesmo sul-americana para esse grupo. O número de exemplares já chegou à casa dos cinco mil. Integram essa coleção, além dos exemplares preservados a seco, dispostos em armários de aço, catalogados e especificamente identificados, os livros-tombo e os armários laminários, que abrigam as caixas-gavetas com as lâminas permanentes, contendo as espículas dissociadas desses exemplares. A coleção preserva ainda diversos suportes da Microscopia de Varredura, com as preparações utilizadas nas ilustrações dos inúmeros trabalhos publicados.

Merece consideração também, pela representatividade regional, a coleção de esponjas continentais da Amazônia Brasileira instituída recentemente no INPA, Manaus, AM, com identificações específicas feitas pela autora sênior.

Principais lacunas de conhecimento. A lista aqui apresentada revela uma cobertura mínima do espaço geográfico do Estado no que tange a levantamentos da fauna de esponjas. Dá-se destaque a dois fatos: (1) o Mato Grosso do Sul constitui uma unidade da Federação que, mesmo não dispondo de ambientes marinhos conta, entretanto, no seu patrimônio de biodiversidade, com representantes de Porifera, e (2) detém uma área geográfica que abriga extensões de duas das maiores bacias hidrográficas do continente - a do Paraguai que drena o Estado a oeste e a do a Paraná a leste, ambas com nascentes em situação de proximidade, tanto com a bacia amazônica venezuelana-brasileira, quanto com a do São Francisco. Talvez indicativa de contatos da biota de esponjas continentais entre essas grandes bacias seja a ocorrência de Drulia brownii (Bowerbank, 1863) em todas essas bacias (Volkmer-Ribeiro, 2003) e até agora não registrada no MS. A área até aqui explorada e que contribuiu com espécimes de esponjas, restringe-se a poucos locais no leito mesmo do rio Paraná. Por sua vez os registros apoiados nos sedimentos pretéritos de lagoas, apontam para ambientes típicos do Bioma Cerrado, mas ainda nas proximidades do grande rio. Os quatro grandes Biomas ocorrentes no estado, quais sejam, o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica e o Chaco, mostram-se isentos de conhecimento no que se refere a essa fauna aquática, privando os gestores de um elemento indicador importante de setores da rede hidrográfica dignos de preservação da qualidade de suas águas. Recente pesquisa realizada no rio Araguaia evidenciou cabalmente o desaparecimento dessa fauna e sua substituição por espécies invasoras, devido à poluição de origem antrópica incidente no local. Os resultados relacionaram ainda a danos específicos à saúde pública decorrentes da dizimação da fauna de esponjas no local (Volkmer-Ribeiro et al., 2008).

Perspectivas de pesquisa para o grupo nos próximos 10 anos. Três linhas de atuação devem ser contempladas visando o conhecimento da fauna espongológica do estado do Mato Grosso do Sul e, sobretudo, a aplicação desse conhecimento.

A primeira consistiria em direcionar amostragens na rede hidrográfica do estado, no presente restritas a alguns pontos do leito do Rio Paraná e a um local do rio Ivinhema, esse necessitando uma busca para confirmação da existência atual de S. brasiliensis. A expectativa será de obter-se, o quanto antes, através da existência de esponjas, indicação dos mananciais que apresentam águas em condições naturais, visando a sustentabilidade da biota, onde se incluem os contingentes humanos e a economia que geram.

No curso superior do rio Paraná as últimas amostragens realizadas (Fusari et al., 2008) mostraram que áreas extensas do leito, cobertas por esponjas no início da década, foram substituídas por bancos do mexilhão invasor Limnoperna fortunei (Dunker, 1857). Já existem evidências da competição por substrato entre esses dois componentes dos bentos, em alguns momentos as esponjas levando vantagem (Pereira et al., 2010; Volkmer-Ribeiro & Parolin, 2010). As esponjas estão se mostrando também colonizadoras de todo tipo de substrato disponível nos lagos formados para geração de energia elétrica, essa ocupação ocorrendo a partir das espécies existentes no fundo dos rios barrados (Volkmer-Ribeiro et al., 2010). Essa colonização apresenta dois aspectos conflitantes. Um positivo, no sentido de que esses animais são filtradores e assim sendo, contribuem para a melhoria da qualidade da água no reservatório. O outro, oneroso, uma vez que essa colonização progride no sentido de serem ocupados todos os substratos no percurso da água dentro das UHEs, inclusive as paredes das turbinas, necessitando paradas do processo de geração para limpeza dessas superfícies.

A segunda recomenda esforços de amostragem no sentido de distinguirem-se componentes diferenciados dessa fauna, com eventual aporte de novas entidades taxonômicas, tanto nos contribuintes do Paraguai-Paraná, quanto nos quatro Biomas ocorrentes no estado: Mata Atlântica, Cerrado, Chaco e, sobretudo o Pantanal, até aqui desprovido de pesquisas para o grupo no Mato Grosso do Sul. A ocorrência de distintas espécies comuns à fauna amazônica de esponjas (Batista et al., 2003) é previsível no Bioma Pantanal no Mato Grosso do Sul, com destaque para D. browni, que ocorre com abundância em ambientes pantaneiros da região de Poconé, MT.

A terceira viria incidir sobre os ambientes de lagoas ainda não exploradas para extração do espongilito e que, certamente, ainda contém elementos vivos daquela associação de seis espécies produtoras das jazidas de espongilitos. Lagoas semelhantes, no que toca a sua geomorfologia e, até aqui, localizadas sempre no Bioma Cerrado, evidenciaram que algumas, ou a maioria dessas espécies, ocorrem vivas, constituindo uma fauna espongológica típica desse Bioma (Volkmer-Ribeiro, 1992).

Estima-se registros de, no mínimo, mais 12 espécies para o Estado, com base no número atual existente para o Estado do Rio Grande do Sul, onde o levantamento dessa fauna vem sendo feito desde 1959.

Agradecimentos

À Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciências e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) e à Superintendência de Ciências e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (SUCITEC/MS) pelo convite de participação neste fascículo especial da Iheringia, Série Zoologia. A autora sênior agradece aos especialistas em Chironomidae, Drs. Fabio Roque, Lívia Maria Fusari, Neuza Hamada, Susana Trivinho-Strixino e ao especialista em Oligochaeta, Dr. Juliano J. Corbi, pelo envio dos exemplares de esponjas para identificação. Agradece também ao Sr. L. C. Gurken pelo envio e posterior doação à coleção do MCN da FZB, do excelente exemplar de Sterrastrolepis brasiliensis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2016
  • Aceito
    06 Fev 2017
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