Open-access Comportamento de dípteros muscóides frente a substratos de oviposição, em laboratório, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Behavior of caliptrate diptera in relation to the choose of oviposition substrates under laboratory conditions in Rio de Janeiro, RJ, Brazil

Resumo

How adult females of calyptrate Diptera recognize the appropriate breeding substrate is a matter of controversy. Among holometabolic insects, the feeding opportunities of immature stages are generally determined by the adult female choice of an oviposition site. The ovipositional and larvipositional substrate preference for the synanthropic flies (Chrysomya megacephala, C. putoria, Phaenicia cuprina: Calliphoridae; Atherigona orientalis, Synthesiomyia nudiseta: Muscidae; Ravinia belforti, Parasarcophaga ruficornis, Peckia chrysostoma: Sarcophagidae) is presented in this work. The substrate used for testing were the following: bovine minced meat, fish (sardine), bovine liver, shrimp, squid, human faeces and banana. Bovine minced meat was the ovipositional and larvipositional substrate preferred by seven species. Human faeces were preferred by R. belforti.

Diptera; ovipositional substrates; synanthropic flies


Diptera; ovipositional substrates; synanthropic flies

GENERAL BIOLOGY

Comportamento de dípteros muscóides frente a substratos de oviposição, em laboratório, no Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Behavior of caliptrate diptera in relation to the choose of oviposition substrates under laboratory conditions in Rio de Janeiro, RJ, Brazil

José Mario d'AlmeidaI; Rubens Pinto de MelloII

ILaboratório de Biologia e Controle de Insetos Vetores, Departamento de Biologia

IIDepartamento de Entomologia, Instituto Oswaldo Cruz, Av. Brasil 4365, 21045-900 Rio de Janeiro, RJ, Brasil

ABSTRACT

How adult females of calyptrate Diptera recognize the appropriate breeding substrate is a matter of controversy. Among holometabolic insects, the feeding opportunities of immature stages are generally determined by the adult female choice of an oviposition site.

The ovipositional and larvipositional substrate preference for the synanthropic flies (Chrysomya megacephala, C. putoria, Phaenicia cuprina: Calliphoridae; Atherigona orientalis, Synthesiomyia nudiseta: Muscidae; Ravinia belforti, Parasarcophaga ruficornis, Peckia chrysostoma: Sarcophagidae) is presented in this work. The substrate used for testing were the following: bovine minced meat, fish (sardine), bovine liver, shrimp, squid, human faeces and banana. Bovine minced meat was the ovipositional and larvipositional substrate preferred by seven species. Human faeces were preferred by R. belforti.

Key words: Diptera - ovipositional substrates - synanthropic flies

Os mecanismos que levam um muscóide a ovipor ou larvipor em determinados substratos ainda causam controvérsias. Alguns pesquisadores sugerem que os odores exalados estimulam as fêmeas a ovipor, enquanto outros afirmam que o comportamento de oviposição se relaciona diretamente com a capacidade das moscas de reconhecer os alimentos larvares (Zucolloto 1991). A teoria da "dupla discriminação" sustenta que tanto o valor nutricional dos meios para as larvas, como o odor exalado, agem, conjuntamente, na escolha do substrato de ovipostura pelas fêmeas (Kennedy & Both 1951). Bay e Pitts (1976) assinalam que em Musca autumnalis para ovipor é necessário, além do odor captado pelas antenas, o contato dos palpos com o substrato, entretanto, Barton-Browne (1960), estudando o comportamento de Phormia regina, observou que para a oviposição basta o estímulo olfatório.

São raros os estudos sobre a preferência de muscóides por substratos de oviposição (Laake et al. 1931, Thomson & Hammer 1936, Clift & Mac Donald 1976), apesar da ampla literatura existente sobre a morfologia e a fisiologia dos órgãos olfativos e táteis das moscas (Cragg 1956a, b, Barton-Browne 1960, Bay & Pitts 1976, Quattro & Wasti 1978 ).

Considerando-se a relevância que esses insetos assumem em Saúde Pública, como potenciais vetores de agentes etiológicos de doenças (Greenberg 1971), com o objetivo de estudar o comportamento de alguns dípteros muscóides sinantrópicos, na escolha dos substratos de oviposição, sob condições de laboratório, apresentamos este trabalho em continuidade a outros sobre criadouros de moscas, iniciada em ambientes naturais do Rio de Janeiro (d'Almeida 1986, 1988, 1989, 1993).

MATERIAIS E MÉTODOS

Colônias de Chrysomya megacephala (Towsend, 1935), Chrysomya putoria (Wiedemann, 1819), Phaenicia cuprina (Wiedemann, 1830) (Calliphoridae); Atherigona orientalis (Schiner, 1860), Synthesiomyia nudiseta (Wulp, 1830) (Muscidade); Parasarcophaga ruficornis (Fabricius, 1794), Peckia chrysostoma (Wiedemann, 1830) e Ravinia belforti (Prado & Fonseca, 1932) (Sarcophagidae) foram estabelecidas a partir de exemplares capturados com redes entomológicas no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, atraídas por peixe em decomposição.

As posturas das moscas recém-capturadas foram semeadas em carne bovina, para iniciar as colônias. Após as emergências, os insetos de primeira geração foram acondicionados em gaiolas de madeira, revestidas de tela de "nylon", de 30cm X 30cm, e alimentados até o quarto dia de vida, com fígado cru e uma mistura de leite em pó, açúcar refinado e levedura de cerveja (2:1:1), trocados diariamente, além de água ad libitum. Do quinto dia de vida até o início das experiências no décimo dia, era fornecida apenas a mistura de leite para evitar posturas antecipadas.

Para os experimentos, efetuados sob condições de laboratório (22-28°C, 80 ± 10% UR), usaram-se dois machos para cada fêmea.

Os ensaios foram efetuados com seis substratos: peixe (sardinha), fígado (bovino), carne (bovina moída), camarão (sem casca), lula, banana fermentada, retirados do freezer e deixados em exposição ao meio ambiente por 32 horas e fezes humanas frescas. Esses substratos, eram moídos e acondicionados em potes de polietileno (3,5cm de altura por 5,0cm de diâmetro), aproximadamente 10 gramas por recipiente. Nas gaiolas de experimentação eram apresentados concentricamente e simultâneamente para as fêmeas efetuarem as escolhas. Para cada espécie foram realizadas seis repetições, conforme o desenho experimental da Tabela I; em cada uma delas, os substratos foram expostos, simultânea-mente durante quatro dias, com a primeira exposição no 10° dia após a emergência, e as demais em dias alternados. Obtidas as posturas, as larvas e os ovos eram contados, sendo que os ovos somente após a dissociação do cemento, pela imersão em hipoclorito de sódio a 2%.

As experiências foram desenvolvidas de maio a setembro de 1992, no Laboratório de Biologia e Controle de Insetos Vetores do Departamento de Biologia do Instituto Oswaldo Cruz.

Os resultados obtidos foram analisados estatísticamente, usando-se o teste de aderência do χ2 ( qui - quadrado ), ao nível de 1% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSÃO

Para efetuar esta pesquisa, utilizaram-se algumas das espécies que obtiveram altos índices de sinantropia, em trabalhos efetuados no Brasil, portanto, insetos de importância sanitária (Ferreira 1978, Linhares 1979, d' Almeida 1983, Dias et al. 1984).

Na Tabela II observa-se o número total de ovos e larvas depositados nos substratos, assim como a média de ovos/fêmea/substrato. A análise estatística da preferência das espécies pelos diferentes meios, de acordo com o número de ovos e larvas, é apresentada na Tabela III. A Tabela IV permite visualizar a frequência com que os meios eram utilizados pelas moscas para larvipor e ovipor.

De um modo geral, a carne foi o substrato onde as fêmeas depositaram o maior número de ovos e larvas, como também, foi o meio mais freqüen-temente procurado para as posturas (60,9 % das exposicões) (Tabela IV). Fezes e banana não exerceram estímulo para a oviposição nos califorídeos, entretanto, foram procuradas pelos muscídeos e sarcofagídeos. Coffey (1966) pesquisando moscas criadas em diversos substratos, dentre os quais banana, fezes humanas e de variados animais, em Washington, EUA, observou que as fezes de carnívoros estritos são as que funcionam melhor como criadouros de califorídeos. Lopes (1973) assinala que as fezes humanas exercem forte atração sobre os Sarcophagidae, não só para a alimentação, mas também para a criação, e, segundo ainda esse autor (Lopes 1973), algumas espécies dos gêneros Oxysarcodexia e Oxyvinia se criam apenas nas fezes.

Com exceção da A. orientalis, o achado de ovos e larvas em banana, sugere que os muscóides foram apenas estimulados a ovipor, pelos odores exalados pelo substrato, já que esses insetos necessitam de proteína animal para o desenvolvimento larvar (d' Almeida 1988, 1989).

A carne foi o substrato preferido para a oviposição de P. cuprina (Tabelas II e III) pois 55,11 % dos ovos foram depositados nesse meio. Foram também efetuadas posturas em 75% da totalidade de exposições deste substrato, indicando que em carne as oviposições são mais constantes (Tabela IV). Para as espécies do gênero Phaenicia (P. cuprina, P. eximia e P. sericata), o fígado tem se mostrado eficiente, não só como substrato de criação, mas também como isca de atração (Quattro & Wasti 1978, d' Almeida & Lopes 1983, d' Almeida 1989, Delves & Browne 1989). Entretanto, no presente trabalho, apenas 15% dos ovos de P. cuprina foram depositados em fígado, daí concluir-se que este substrato, quando apresentado simultaneamente com outros mais atrativos, estimula pouco a oviposição.

Nesta pesquisa observou-se que C. megacephala depositou praticamente todos os ovos em carne (99,9 % do total). Fezes e banana não estimularam a oviposição; contudo, alguns autores relatam que as fezes são eficientes criadouros de C. megacephala (Thomas 1951, Norris 1965). Os resultados obtidos no presente trabalho, somados aos de outros levantamentos, indicam que este califorídeo não é atraído pelas fezes e, muito menos estimulado a ovipor (Coffey 1966, d' Almeida 1988, 1989).

C. putoria depositou seus ovos em três dos sete substratos (Tabela II), dentre os quais, a carne foi o preferido (Tabela III), embora não com tanta intensidade como o fez C. megacephala . Segundo Greenberg (1971), C. putoria se alimenta e ovipõe em diversos tipos de materiais orgânicos em decomposição, principalmente carnes e raramente fezes; esta afirmação corrobora os achados da presente pesquisa.

R. belforti demonstrou nítida preferência pelas fezes como substrato de larviposição (Tabelas II e III), depositando 90% do total das larvas neste meio. Convém ressaltar que este sarcofagídeo larvipôs em 95,5% dos potes de fezes apresentados (Tabela IV). Estes resultados, associados aos de outras pesquisas, onde fezes humanas e de animais foram os melhores criadouros de R. belforti (Lopes 1973, d' Almeida 1988, 1989), ressaltam a íntima relação deste inseto com fezes, enaltecendo a sua importância como potencial vetor de enteropatógenos.

Dentre os muscóides avaliados, apenas S. nudiseta e P. ruficornis depositaram ovos e larvas em todos os meios expostos, entretanto, a carne foi o substrato preferido (Tabelas II e III). Segundo d' Almeida (1988 e 1989), o fígado foi o substrato de criação mais eficiente para S. nudiseta na área urbana e no Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Comparando-se os achados sobre oviposição com os de criação de S. nudiseta, chega-se a uma conclusão semelhante àquela obtida para P. cuprina.

Em P. chrysostoma além da carne, o peixe também exerceu forte estímulo para a larviposição (Tabelas II e III), o que está de acordo com os resultados obtidos por d' Almeida (1986 e 1988) nas áreas rural e urbana, respectivamente. Lopes (1973) também criou esta espécie em peixe na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.

Convém ressaltar que apenas em A. orientalis não ocorreram diferenças significativas, ao nível de 1% de probabilidade, entre o número de ovos depositados na carne e na lula, outro substrato muito procurado por este muscídeo; isto sugere que os dois meios estimulam igualmente a oviposição (Tabela III). Segundo Morón e Terrón (1984), a lula é uma boa isca de atração por apresentar decomposição rápida e fetidez perdurável. Esta espécie foi a que utilizou com maior regularidade os substratos expostos, em especial a carne, onde efetuou posturas em 95,5% dos recipientes. d' Almeida (1989) afirma que A. orientalis se desenvolve intensamente na matéria orgânica vegetal em decomposição, entretanto, em levantamentos faunísticos é também atraída com freqüência por matéria orgânica animal em decomposição (Linhares 1979, d' Almeida 1983).

Comparando-se os resultados das Tabelas II e IV pode-se notar que a maioria das espécies, apesar de demonstrar nítida preferência por determinados substratos, não fez regularmente posturas nestes meios. Entretanto R. belforti e A. orientalis distribuiram com mais regularidade as larvas e ovos nos substratos. Essas constatações possivelmente podem estar associadas à fatores como potencial reprodutivo e estratégia de sobrevivência, dentre outros, como já foi verificado com R. belforti (d'Almeida, entregue para publicação), que demostrou baixo potencial reprodutivo como estratégia de sobrevivência.

De acordo com os resultados obtidos, as seguintes conclusões podem ser apresentadas: a carne foi o substrato preferido por sete das oito espécies de dípteros muscóides estudados; fezes humanas foi o substrato preferido pela R. belforti, o que exalta a possível importância sanitária desta espécie; C. megacephala praticamente só ovipôs em carne (99,90%); S. nudiseta e P. ruficornis fizeram oviposições e larviposições, respectivamente, em todos os substratos apresentados.

Recebido em 21 de março de 1995

Aceito em 7 de Junho de 1995

Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Fev 1996

Histórico

  • Recebido
    21 Mar 1995
  • Aceito
    07 Jun 1995
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