Resumos
Este estudo estimou a validade de constructo pelo teste de grupos conhecidos do Instrumento para Mensuração do Impacto da Doença no Cotidiano do Valvopata (IDCV) quanto a sinais e sintomas, função ventricular sistólica, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) em 153 coronariopatas em seguimento ambulatorial. Os dados foram obtidos pela aplicação do IDCV e das versões brasileiras do The Medical Study 36-item Short Form Health Survey – SF-36 e MacNew Heart Disease Health-related Quality of Life Questionnair e. Foi utilizado o teste de Mann-Whitney para verificar a capacidade do IDCV em discriminar o impacto quanto a sinais e sintomas, FEVE e disfunção sistólica ventricular, bem como o teste de Kruskal-Wallis para verificar seu poder de discriminação em relação à QVRS. Constatou-se que o IDCV discriminou o impacto entre aqueles que pontuaram nos quartis (≤Q1, Q1-Q3, ≥Q3) de QVRS. Os achados deste estudo contribuem para o refinamento do IDCV na mensuração do impacto da doença entre coronariopatas.
Doença das coronárias; Qualidade de vida; Perfil de impacto da doença; Estudos de validação
Este estudio tuvo como objetivo estimar la validez de constructo por medio de pruebas en grupos conocidos del Instrumento para Medición del Impacto de la Enfermedad en la vida diaria del paciente con valvulopatía, relacionado a la búsqueda de signos y síntomas, función ventricular sistólica, fracción de eyección ventricular izquierda (FEVI) y la calidad de vida relacionada con la salud (CVRS). Fue ejecutado en 153 pacientes con enfermedad coronaria que realizaban control regular en los consultorios externos. La recolección de los datos fue a través de la aplicación del instrumento específico y de las versiones brasileñas del The Medical Study 36-item Short Form Health Survey – SF-36 y MacNew Heart Disease Health-related Quality of Life Questionnair e. Fue utilizado la prueba de Mann-Whitney para verificar la capacidad del Instrumento para Medición del Impacto de la Enfermedad en la vida diaria del paciente con valvulopatía y discriminar el impacto en relación con los signos y síntomas, la fracción de eyección ventricular izquierda (FEVI) y la disfunción sistólica ventricular izquierda; así como la prueba de Kruskal-Wallis para comprobar el poder de discriminación en relación con la CVRS. Fue constatado que el IDCV fue capaz de discriminar el impacto entre los sujetos que puntuaron en los cuartiles (≤Q1, Q1-Q3, ≥Q3) de la CVRS. Los resultados del estudio contribuyen para el perfeccionamiento del IDCV en la medición del impacto de la enfermedad en pacientes con enfermedad coronaria.
Enfermedad coronaria; Calidad de vida; Perfil de impacto de enfermedad; Estudios de validación
This study estimated the known groups construct validity for the Instrument to Measure the Impact of Coronary Disease on Patient’s Everyday Life (IDCV) related to signs and symptoms, ventricular systolic function, left ventricular ejection fraction (LVEF) and health-related quality of life (HRQoL) in 153 outpatients with coronary artery disease. Data was obtained through application of IDCV and Brazilian versions of the instruments The Medical Study 36-item Short Form Health Survey – SF-36 and the MacNew Heart Disease Health-related Quality of Life Questionnaire . Mann-Whitney test was used to verify the ability of IDCV in discriminating impact of signs and symptoms, LVEF and ventricular systolic dysfunction. Also, the Kruskal-Wallis test was used to verify the discrimination power of the IDCV in relation to HRQoL. It was observed that the IDCV discriminated the impact between variables scored in HRQOL quartiles (≤Q1, Q1-Q3, ≥Q3). The study findings contribute for improvement of IDCV in measurement of disease impact in coronary artery disease patients.
Coronary disease; Quality of life; Sickness impact profile; Validation studies
INTRODUÇÃO
A doença arterial coronariana (DAC) é a maior causa de mortes em adultos nos países desenvolvidos ( 1 ) . No ano de 2010, dados preliminares do DATASUS evidenciaram que a DAC foi responsável por 99.408 óbitos, o que representa 8,8% do total das mortes no Brasil ( 2 ) .
Além do impacto econômico que a DAC representa, a ocorrência de um evento isquêmico traz importantes repercussões na vida do sujeito. O impacto nos aspectos físicos tem sido associado à presença dos sintomas, especialmente precordialgia, dispneia e fadiga ( 3 - 5 ) . Os sentimentos de insegurança, ansiedade e depressão, associados ao medo de um novo evento, refletem o comprometimento dos aspectos emocionais. As dificuldades enfrentadas para o retorno ao trabalho e as preocupações financeiras são exemplos do impacto social da coronariopatia na vida do sujeito ( 3 - 4 ) .
As consequências de um evento isquêmico podem levar as diferentes concepções sobre a doença e o tratamento e, consequentemente, as diferentes formas de adaptação do sujeito à nova condição de vida. Compreender a percepção do paciente sobre sua doença é fundamental para intervir no modo como lida com o adoecer, com o tratamento proposto, bem como com sua capacidade em se apropriar do curso de sua doença. Acredita-se que as crenças sobre a doença e suas repercussões medeiam a construção da percepção do sujeito sobre o impacto da doença e do tratamento em sua vida ( 6 ) .
Pressupondo que o impacto da doença é resultado da ponderação entre a percepção do sujeito sobre as consequências da doença nas diferentes dimensões de sua vida e a avaliação (boa ou ruim) que faz dessas consequências, é provável que aqueles que considerem um impacto muito negativo da doença tenham pior avaliação de sua qualidade de vida ( 7 ) .
Em 2007 foi criado e validado na cultura brasileira um instrumento para avaliação do impacto da doença no cotidiano do paciente valvopata, denominado Instrumento para Mensuração do Impacto da Doença no cotidiano do Valvopata (IDCV), que apresentou propriedades de medidas satisfatórias quando aplicado em valvopatas ( 7 ) . Embora tenha sido desenvolvido para mensurar o impacto entre valvopatas, o refinamento de seus itens resultou na seleção de questões pertinentes para medida do impacto em outras afecções cardíacas com sintomatologia similar ( 8 ) .
Estudo prévio mostrou evidências de validade e confiabilidade do IDCV quando aplicado em pacientes coronariopatas ( 8 ) . No entanto, a validade de constructo do IDCV por meio da abordagem de grupos conhecidos ainda não foi estimada. A validade de grupos conhecidos constitui um subtipo de validade de constructo baseada no princípio de que em determinados grupos de sujeitos são esperadas pontuações diferentes comparadas a outros e o instrumento deve ser sensível a esta diferença. Assim, uma escala com evidências de validade seria aquela capaz de discriminar a diferença entre os grupos na direção prevista ( 9 ) .
Considerando a importância de disponibilizar para comunidade científica um instrumento que possibilite avaliar o impacto da coronariopatia no cotidiano desses pacientes, este estudo teve como objetivo geral estimar a validade de constructo de grupos conhecidos do IDCV em coronariopatas em seguimento ambulatorial. Seus objetivos específicos foram estimar a capacidade do IDCV em discriminar o impacto da doença em relação a sinais e sintomas, disfunção ventricular esquerda, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), geral e específica.
Os achados deste estudo contribuem para o refinamento psicométrico de um instrumento construído na cultura brasileira com vistas a mensurar o impacto da cardiopatia na vida dos sujeitos, especialmente no que se refere à sensibilidade na detecção do impacto em diferentes situações de gravidade da coronariopatia.
MÉTODO
Tipo e local do estudo
Trata-se de estudo transversal do tipo metodológico que investiga os métodos de obtenção, organização e análise de dados destinados a elaboração e validação de instrumentos e técnicas de pesquisa ( 10 ) . Destaca-se que os dados do presente estudo derivam de estudo mais amplo ( 8 ) , cujo objetivo foi avaliar a validade convergente do IDCV e as medidas genéricas de QVRS geral ( Medical Study 36-Item Short Form Health Survey- SF-36) e específica ( MacNew Heart Disease Health-related Quality of Life Questionnaire – MacNew), quando aplicado em pacientes coronariopatas em acompanhamento ambulatorial. Foi desenvolvido no Ambulatório de Cardiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas.
Sujeitos
Fizeram parte deste estudo 153 coronariopatas em seguimento ambulatorial no referido serviço. Foram incluídos nesta pesquisa os pacientes com idade superior a 18 anos, com história de manifestação clínica de infarto do miocárdio (IM) ou angina com tempo superior a seis meses e que concordaram em participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos os que apresentaram incapacidade para comunicação verbal efetiva.
Procedimento de amostragem
A amostra foi constituída pelos pacientes atendidos no referido serviço que atenderam a todos os critérios de inclusão e a nenhum dos de exclusão, arrolados para a pesquisa no período de dezembro de 2007 a janeiro de 2009. Como se trata de recorte de um estudo mais amplo, o tamanho da amostra foi estimado por meio dos coeficientes de correlação entre os instrumentos ( 11 ) , isto é, entre os escores do IDCV e dos domínios do SF-36 e MacNew, com base em amostra de estudo piloto (n=74). Considerando-se coeficientes de correlação entre 0,30 e 0,40, bem como valores de α=0,05 e beta=0,10, foi estimado tamanho amostral de 113 sujeitos. Foi adotado um percentual de perdas de 35%, sendo o tamanho da amostra final ampliado para 153 sujeitos.
Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada por uma das pesquisadoras, de forma individual, em ambiente privativo após a obtenção do TCLE. Foi utilizado o método de registro de dados disponíveis para obtenção de dados de caracterização sociodemográfica e clínica: nome, número de registro hospitalar, data de nascimento, idade, sexo, procedência, data do diagnóstico de IM ou angina, presença de IM prévio, parede acometida, tipo de tratamento, dados relacionados aos fatores de risco e condições clínicas associadas. Também foram considerados dados relacionados ao desempenho ventricular esquerdo (FEVE) e disfunção ventricular sistólica (definida como a presença isolada ou associada das anormalidades da movimentação da parede ventricular: acinesia, hipocinesia, discinesia ou FEVE <0,58), obtidos por meio da ecocardiografia – método Teichholz, até um ano prévio à coleta de dados. A técnica de entrevista foi empregada para obtenção de dados sociodemográficos e clínicos não disponíveis no prontuário hospitalar (escolaridade, situação conjugal, situação de trabalho antes e após o IM e renda familiar e individual, sinais e sintomas no último mês prévio à entrevista), bem como para avaliação do impacto da doença (IDCV) e da QVRS genérica (SF-36) e específica (MacNew).
Instrumentos de Coleta de dados
Instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica: foi utilizado instrumento construído e validado para obtenção dos dados sociodemográficos e clínicos ( 12 ) ;
Instrumento para Mensuração do Impacto da Doença no Cotidiano do Valvopata (IDCV): trata-se de instrumento construído na cultura brasileira para avaliar o impacto da valvopatia no cotidiano do valvopata ( 7 ) . O conceito de que o impacto resulta do produto das repercussões da doença pela avaliação de cada consequência levou ao desenvolvimento de duas partes (A e B), cada uma com 14 itens. A parte A destina-se a medir o grau do impacto percebido pelo sujeito nas diferentes dimensões da vida, enquanto a Parte B foi desenvolvida para considerar a avaliação (boa ou ruim) para cada uma das consequências assinaladas na parte A. Na parte A, o paciente responde a cada um dos itens utilizando uma escala Likert de cinco pontos, que varia de 1 – descordo totalmente a 5 – concordo totalmente. Na parte B, uma escala tipo Likert é utilizada para cada um dos itens, com respostas que variam de 1 – muito ruim a 5 – muito bom. Os itens são agrupados em quatro fatores ou domínios: Impacto físico da doença – sintomas (itens 11, 12 e 13), Impacto da doença nas atividades cotidianas (5, 7, 9, 10 e 14), Impacto social e emocional da doença (itens 2, 3, 4 e 6) e Adaptação à doença (1 e 8). Para determinar o escore final do IDCV, todos os itens da parte B são invertidos. Os itens 1, 5 e 8 da Parte A, que correspondem a percepções relacionadas ao impacto favorável, também têm seus escores invertidos. Para calcular o escore, cada item corresponde ao produto dos escores obtidos nas Partes A e B do IDCV, gerando um escore mínimo de 1 e máximo de 25 para cada afirmativa avaliada. Quanto mais próximo de 1, menor o impacto percebido pelo sujeito; quanto mais próximo de 25, maior o impacto percebido. O escore total é calculado pela soma de todos os produtos obtidos, com variação entre 14 a 350. Pontuações elevadas significam que o paciente percebe as consequências negativas da doença em sua vida e que estas consequências são, de fato, interpretadas como negativas. Pontuações menores significam que o paciente não percebe as consequências da doença e do tratamento em sua vida e, caso elas ocorram, não são avaliadas como consequências ruins. Embora esse instrumento tenha sido desenvolvido para avaliação de crenças de pacientes valvopatas ( 7 ) , constatou-se que o IDCV também pode ser utilizado para avaliar o impacto da cronicidade imposta pelas cardiopatias ( 7 ) . Estudo prévio evidenciou sua confiabilidade e validade para avaliação do impacto da doença entre coronariopatas ( 8 ) . No presente estudo foi evidenciado coeficiente alfa de Cronbach satisfatório para o escore total (0,85) e para a maioria das dimensões – Impacto físico da doença - sintomas (0,71), Impacto da doença nas atividades cotidianas (0,72) e Impacto social e emocional da doença (0,78). Não foi avaliada a consistência interna do domínio Adaptação à doença pelo fato de ser composto por dois itens.
MacNew Heart Disease Health-related Quality of Life Questionnaire – MacNew: consiste em instrumento modificado a partir do Quality of Life after Myocardial Infarction (QLMI) Questionnaire , que foi originalmente desenvolvido na língua inglesa para pacientes que sobreviveram ao IM e que tinham indicação para participar de programa de reabilitação cardíaca ( 12 ) . É composto por 27 itens distribuídos em três domínios, sendo que um mesmo item faz parte de mais de um domínio: Limitação Física (13 itens – 6, 9, 12, 14, 16, 17, 19, 20, 21, 24, 25, 26 e 27), Função Emocional (14 itens – 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 13, 15, 18, 23) e Função Social (13 itens – 2, 11, 12, 13, 15, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26). O escore máximo possível em qualquer domínio é sete (melhor QVRS) e o mínimo é um (pior QVRS). Respostas perdidas não contribuem para o escore e o item 27 (relação sexual) pode ser excluído sem alterar o escore do domínio. Os escores dos domínios são calculados por meio da média das respostas naquele domínio. Destaca-se que, se mais de 50% dos itens para um domínio são perdidos, o escore para aquele domínio não é calculado. O instrumento também tem um escore total, calculado por meio da média de todos os itens contados, a menos que um dos domínios seja completamente perdido ( 13 ) . O instrumento foi adaptado para a língua portuguesa do Brasil ( 14 ) e seu desempenho psicométrico na cultura brasileira foi avaliado em estudo pregresso ( 10 ) . No presente estudo foram constatadas evidências de confiabilidade para o escore total (alfa de Cronbach=0,91) e para os domínios – Função Física(0,84), Função Emocional (0,90) e Função Social(0,84).
The Medical Study 36-item Short Form Health Survey – SF-36 : questionário auto-administrável, multidimensional, constituído por 36 itens divididos em oito escalas ou componentes: Capacidade Funcional (10 itens), Aspectos Físicos (4 itens), Dor (2 itens), Estado Geral de Saúde (5 itens), Vitalidade (4 itens), Aspectos Sociais (2 itens), Saúde Mental (5 itens) e mais uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e a de um ano atrás. Apresenta um escore final de 0 a 100, no qual zero corresponde ao pior estado geral de saúde e cem ao melhor estado de saúde ( 15 ) . Foi utilizada a versão adaptada para a cultura brasileira ( 16 ) . No presente estudo foram constatadas evidências de confiabilidade para a maioria dos domínios do SF-36 (o coeficiente alfa de Cronbach oscilou entre 0,64 e 0,92).
Análise dos dados
Os dados foram inseridos em uma planilha eletrônica no software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.0 para Windows ; e então transferidos para o programa Statistical Analysis System for Windows , versão 9.2 ( Statistical Analysis System InstituteInc., Cary, NC, USA, 2008), para realização das análises estatísticas. Foi realizada análise descritiva, com confecção de tabelas de frequência, medidas de posição e dispersão para os dados de caracterização sociodemográfica e clínica e domínios do IDCV, MacNew e SF-36.
Para testar a validade de constructo do IDCV pelo método de grupos conhecidos partiu-se da hipótese que os coronariopatas com sinais e sintomas (precordialgia, dispneia, lipotímia, palpitação e edema) ou com FEVE rebaixada (≤0,58, valor adotado pelo serviço), ou com disfunção ventricular sistólica, ou com maior comprometimento da QVRS (aqueles que pontuaram ≤ primeiro quartil da QVRS) apresentariam impacto da doença significativamente mais elevado que aqueles sem sintomas, com FEVE preservada, sem disfunção sistólica e com menor comprometimento da QVRS (que pontuaram ≥ terceiro quartil de QVRS), respectivamente. Dessa forma, os escores das medidas de QVRS genérica e específica foram considerados como variáveis categóricas e os grupos foram formados utilizando como ponto de corte os escores do primeiro e do terceiro quartil, a exemplo de estudo pregresso ( 17 ) . Portanto, foram comparados pacientes com escores de QVRS ≤ Q1, entre Q1 e Q3 e ≥ Q3. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para testar a diferença entre os dois grupos (pacientes com ou sem sinais/sintomas - precordialgia, dispneia, palpitação e edema; com FEVE normal ou ≤0,58 e com ou sem disfunção ventricular sistólica) e o teste de Kruskal-Wallis, seguido pelo teste pos hoc de Dunn, para identificar e comparar diferenças entre três grupos, isto é, entre coronariopatas que pontuaram nos quartis das medidas geral e específica de QVRS (≤ Q1, Q1-Q3, ≥Q3). As diferenças dois a dois foram menores que 0,05 (valor-p<0,05). Foram utilizados testes não paramétricos nas análises de comparação devido à ausência de distribuição normal das variáveis de interesse. Para testar a normalidade foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk. Foi adotado nível de significância ≤0,05.
Aspectos Éticos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas e homologado na VIII Reunião Ordinária em 24 de agosto de 2010 (Parecer nº 370/2007). Todos os pacientes arrolados assinaram o TCLE.
RESULTADOS
Caracterização sociodemográfica e clínica
Constatou-se predomínio de homens (69,9%), com média de idade de 62,2 (10,1) anos, tempo médio de estudo de 4,9 (3,9) anos, casados (66,7%), inativos (70,0%), renda média individual de 2,3 (1,9) salários mínimos (SM) /mês e renda familiar média de 3,8 (2,8) SM/mês.
A maioria dos pacientes (91,5%) era portadora de IM (isolado ou associado à angina pós IM), com média de 1,2 (0,8) IM prévios e 2,9 (1,1) condições clínicas e/ou fatores de risco associados. Todos relataram sintomas no mês anterior à entrevista, com média de 1,3 (1,2) sintomas associados. Foi constatado uso médio de 5,8 (1,7) medicamentos ao dia. Foi encontrada FEVE rebaixada em 43,7% dos 64 pacientes com a informação disponível no prontuário hospitalar e disfunção sistólica em 57,8% dos sujeitos.
Validade de constructo pelo teste de grupos conhecidos
Os dados relativos a comparação dos escores do IDCV entre os coronariopatas em relação as variáveis clínicas estão apresentados na Tabela 1.
Os resultados apresentados na Tabela 1 evidenciam que as dimensões e o IDCV total não discriminaram o impacto da doença entre os coronariopatas em relação à presença de sinais e sintomas, bem como em relação a FEVE e função sistólica de VE. Dessa forma, os pacientes com FEVE rebaixada (≤0,58) ou com disfunção sistólica pontuaram de forma semelhante aos coronariopatas assintomáticos, com FEVE normal e sem alteração da função sistólica ventricular.
O teste Kruskal-Wallis foi utilizado para verificar a capacidade do IDCV total e de suas dimensões em discriminar o impacto da coronariopatia entre os quartis de QVRS geral e específica. Os dados relativos à comparação dos escores total e das dimensões IDCV segundo os quartis (≤Q1, Q1-Q3, ≥Q3) de medida genérica de QVRS, obtida por meio da aplicação do SF-36, estão apresentados na Tabela 2.
Exceto para o domínio Adaptação à doença , foi observada menor pontuação nos demais domínios e IDCV total nos Q≥3 em todas as dimensões do SF-36, o que evidencia que quanto menor o impacto da doença percebido pelo paciente coronariopata, melhor a QVRS.
O teste de Kruskal-Wallis evidenciou que a maioria dos domínios e IDCV total discriminaram diferenças no impacto da doença entre os quartis de medida genérica de QVRS, exceto o domínio Adaptação à doença .
Constata-se que todos os domínios e escore total do IDCV discriminaram o impacto da doença nos domínios Dor e Estado Geral de Saúde do SF-36, sendo constatadas diferenças estatisticamente significativas em todos os quartis desses domínios (≤Q1≠≥Q3 e Q1-Q3≠≥Q3 e Q1-Q3≠≤Q1; p-valor<0,0001).
No entanto, o domínio Impacto das doenças nas atividades cotidianas e o IDCV total discriminaram diferenças no impacto no domínio Aspecto emocional somente entre os coronariopatas que pontuaram nos quartis extremos de QVRS (≤Q1≠≥Q3).
Os dados relativos à comparação dos escores do IDCV total e de suas dimensões, segundo os quartis de medida específica de QVRS obtida por meio da aplicação do MacNew estão apresentados na Tabela 3.
Os dados da Tabela 3 mostram, a exemplo do que foi evidenciado em relação à medida genérica de QVRS, menor pontuação do IDCV total e dimensões no Q≥3 em todos os domínios e escore total do MacNew , com exceção do domínio Adaptação à doença , o que significa que, quanto melhor a QVRS, menor o impacto da doença percebido pelo sujeito.
Além disso, constatou-se que a maioria dos domínios e escore total do IDCV discriminou o impacto da doença entre todos os quartis de todos os domínios avaliados do MacNew , exceto o domínio Adaptação à doença(p<0,0001; Kruskal-Wallis; ≤Q1≠≥Q3 e Q1-Q3≠≥Q3 e Q1-Q3≠≤Q1).
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo estimar a validade de constructo de grupos conhecidos do IDCV em coronariopatas em seguimento ambulatorial. Foi estimada a capacidade do IDCV em discriminar o impacto da doença em relação a sinais e sintomas, disfunção ventricular esquerda, FEVE e QVRS (geral e específica). A hipótese prévia foi que o IDCV discriminaria maior impacto da doença entre pacientes coronariopatas sintomáticos, com FEVE rebaixada e disfunção ventricular sistólica (avaliada pela presença de acinesia, hipocinesia e discinesia e/ou FEVE rebaixada) e entre aqueles que pontuaram no Q≤1 das medidas genérica e específica de QVRS, quando comparado aos coronariopatas assintomáticos, com FEVE e função ventricular preservadas e que pontuaram no Q≥3 de QVRS genérica e específica. No entanto, tal hipótese foi confirmada parcialmente, uma vez que o IDCV não foi capaz de discriminar o impacto da doença em relação a sintomas, FEVE e disfunção ventricular sistólica.
A constatação de que o IDCV não distinguiu o impacto da doença em relação aos sinais e sintomas pode ser explicada pelo fato de terem sido investigados valvopatas crônicos, em acompanhamento ambulatorial, sem manifestação aguda da doença, cuja convivência com a valvopatia ao longo de tempo pode ter contribuído para a adaptação às repercussões clínicas impostas pela doença e, consequentemente, para menor percepção do impacto dos sintomas no cotidiano. A ausência de diferenças na medida do impacto entre os grupos sintomáticos e assintomáticos pode ser explicada ainda pelo fato das medidas do impacto e da avaliação dos sintomas terem ocorrido em diferentes momentos no tempo. Enquanto a avaliação do impacto ocorreu no momento da coleta de dados, o levantamento dos sinais e sintomas por meio de autorrelato levou em consideração o relato de sintomas até um mês prévio à aplicação do IDCV. Destaca-se ainda a possibilidade desses resultados decorrerem de diferenças no tamanho da amostra entre os grupos, que se caracterizaram por maior número de pacientes assintomáticos.
Considerando a associação previamente relatada entre FEVE e QVRS em coronariopatas ( 18 ) , a hipótese era que coronariopatas com FEVE reduzida apresentariam pior impacto da doença. Assim, era esperado que o IDCV discriminasse esse impacto entre grupos de pacientes com FEVE reduzida e aqueles com FEVE mantida. No entanto, o IDCV não discriminou o impacto em relação a alterações na FEVE e função ventricular sistólica. Esses achados corroboram os resultados de estudo pregresso de validação de instrumento específico de QVRS para coronariopatas ( 8 ) , no qual o instrumento em validação também não discriminou QVRS entre sujeitos com FEVE normal ou rebaixada, embora tenha sido capaz de discriminar QVRS entre sujeitos com ou sem disfunção sistólica do ventrículo esquerdo. Esse achado também pode ser atribuído ao tempo díspar na obtenção dos dados de impacto (coletado no momento da entrevista) e do desempenho ventricular esquerdo, obtido até um ano prévio à coleta de dados. Também deve ser considerada a ausência de consenso na literatura ( 19 ) para estabelecimento do ponto de corte do valor da FEVE; no presente estudo foi utilizado o valor de 0,58, o que não exclui a possibilidade de viés na seleção dos grupos.
Além disso, estudos recentes que investigaram a associação entre QVRS na insuficiência cardíaca e índices de desempenho ventricular apontam para a falta de consenso em relação à associação entre pior QVRS e FEVE reduzida; os resultados mostram pior QVRS em ambas as situações, isto é, em pacientes com FEVE normal e naqueles com FEVE reduzida ( 19 - 20 ) . No entanto, os dados sugerem que o IDCV é suficientemente sensível para detectar diferenças no impacto da doença entre pacientes que pontuaram em diferentes quartis das medidas genérica e específica de QVRS.
Estes achados refletem em parte a multidimensionalidade do constructo de qualidade de vida e, consequentemente, do conceito de QVRS, que se refere em particular a efeitos, repercussões e impacto da doença na vida cotidiana das pessoas ( 21 ) . A relação entre QVRS e o impacto da doença tem sido demonstrada em estudos que buscam mensurar o quanto a doença cardíaca impede ou dificulta o paciente viver como gostaria, evidenciando forte relação entre esses constructos ( 22 ) .
Com exceção do domínio Adaptação à doença , os demais domínios do IDCV e o escore total discriminaram o impacto da doença entre aqueles que pontuaram nos quartis de medida genérica de QVRS, ou seja, o IDCV discriminou menor percepção de impacto da doença nos coronariopatas com melhor QVRS e maior percepção de impacto naqueles com pior QVRS. O fato do domínio Adaptação à doença não ter discriminado diferenças entre os grupos foi atribuído a sua composição, com apenas dois itens não correlacionados, como evidenciado em estudos prévios ( 7 - 8 ) .
Este estudo tem como limitação o período relativamente longo entre a obtenção das medidas de impacto e os dados relativos a sinais e sintomas e desempenho ventricular esquerdo, o emprego de ponto de corte relativamente elevado para os valores de FEVE, além de considerar apenas duas variáveis do ecocardiograma (FEVE e anormalidade da contratilidade) para definir a disfunção ventricular sistólica. No entanto, a sensibilidade do IDCV na detecção de diferenças de impacto entre grupos com QVRS distintas, evidenciada no presente estudo, sugere que o instrumento pode ser responsivo, ou seja, capaz de medir mudanças no impacto da doença ao longo do tempo.
Recomenda-se a realização de novos estudos com inclusão de escalas de fadiga auto-relatada e dispneia para avaliação mais acurada dos sintomas, bem como o emprego de outros índices na avaliação do desempenho ventricular, com vistas a aprofundar a investigação da capacidade do IDCV em discriminar o impacto em diferentes níveis de gravidade da coronariopatia. Estudos com desenho longitudinal são recomendados com a finalidade de avaliar a responsividade do IDCV.
CONCLUSÃO
Os achados deste estudo permitiram concluir que o IDCV total e a maioria de seus domínios discriminaram o impacto da doença entre grupos de pacientes que pontuaram em diferentes quartis das medidas geral e específica de QVRS. No entanto, o IDCV não discriminou o impacto da doença em relação a sinais e sintomas (edema, dispneia, angina e arritmia), FEVE e função sistólica do ventrículo esquerdo. Estudos futuros com a inclusão de medidas mais acuradas das variáveis clínicas são recomendados com vistas a contribuir para o refinamento da medida fornecida pelo IDCV.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Ago 2013
Histórico
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Recebido
11 Nov 2012 -
Aceito
21 Fev 2013