Open-access Carga de trabalho de enfermagem em transplante de células-tronco hematopoiéticas: estudo de coorte*

Carga del trabajo de enfermería en trasplante de células madre hematopoyéticas: estudio de cohorte

RESUMO

Objetivo  Mensurar a carga de trabalho de enfermagem requerida por pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), autólogo e alogênico e analisar as atividades do Nursing Activities Score (NAS) executadas pela equipe de enfermagem durante a internação para o TCTH.

Método  Coorte prospectiva realizada de janeiro/2013 a abril/2014 com 62 pacientes internados na unidade de TCTH de um hospital universitário de Campinas/SP, Brasil. Mediu-se a carga de trabalho por meio do NAS e analisaram-se os dados utilizando os testes Qui-quadrado ou Exato de Fisher, Mann-Whitney e o coeficiente de correlação de Spearman; considerou-se nível de significância de 5%.

Resultados  A média da carga de trabalho de enfermagem foi de 67,3% (DP 8,2) em pacientes de TCTH autólogo e de 72,4% (DP 13,0) no TCTH alogênico (p=0,1380). O item Monitorização e controles apontou, em mais de 50% das observações, que os pacientes demandaram intensificação deste cuidado, exigindo duas horas ou mais em algum turno de trabalho por motivos de segurança, gravidade ou terapia.

Conclusão  A carga de trabalho de enfermagem e os itens do NAS mais pontuados refletem a magnitude, complexidade e especificidade dos cuidados demandados pelos pacientes submetidos ao TCTH.

Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas; Equipe de Enfermagem; Carga de Trabalho; Cuidados de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva

RESUMEN

Objetivo  Medir la carga de trabajo de enfermería requerida por los pacientes sometidos al trasplante de células madre hematopoyéticas (TCTH), autólogo y alogénico, analizando actividades del Nursing Activities Score (NAS) emprendidas por equipo de enfermería en la internación para el TCTH.

Método  Cohorte prospectiva realizada entre enero/2013 y abril/2014 con 62 pacientes internados en la unidad de TCTH de hospital universitario en la ciudad de Campinas/SP (BR). En el análisis se utilizaron las pruebas Chi-cuadrado o test Exacto de Fisher, las no paramétricas Mann-Whitney o Kruskal-Wallis y el coeficiente de correlación de Spearman, conforme apropiado. Fijos los niveles de significación en 5%.

Resultados  La media de la carga de trabajo fue de 67,3% (DP 8,2) para los pacientes de TCTH autólogo y de 72,4% (DP 13,0) para los de TCTH alogénico (p=0,1380). El ítem Monitorización y controles apuntó que los pacientes, en más 50% de las observaciones, demandaban intensificación del cuidado por dos horas o más en algunos turnos de trabajo por cuestiones de seguridad, gravedad o terapia.

Conclusión  La carga de trabajo en enfermería y los ítems del NAS puntuados reflejan la magnitud, complejidad y especificidad de los cuidados demandados por los pacientes sometidos al TCTH.

Trasplante de Células Madre Hematopoyéticas; Grupo de Enfermería; Carga de Trabajo; Atención de Enfermería; Unidades de Cuidados Intensivos

ABSTRACT

Objective  Measure nursing workload required by patients submitted to autologous and allogeneic hematopoietic stem cell transplantation (HSCT) and analyze the Nursing Activities Score (NAS) of the nursing team during the hospitalization period for HSCT.

Method  A prospective cohort study conducted from January 2013 to April 2014 with 62 patients hospitalized in the HSCT unit of a university hospital in Campinas, São Paulo, Brazil. The workload was measured through NAS and data analysis was through chi-square test or Fisher’s exact test, Mann-Whitney test and Spearman’s correlation coefficient; with 5% significance level.

Results  Mean nursing workload was 67.3% (SD of 8.2) in autologous HSCT patients and 72.4% (SD of 13.0) in allogeneic HSCT patients (p=0.1380). Monitoring and titration showed, in more than 50% of the time, patients demanded intensified care, requiring two hours or more in a nursing shift for reasons of safety, severity or therapy.

Conclusion  The nursing workload and the NAS items with the highest scores reflect the magnitude, complexity and specificity of care required by patients submitted to HSCT.

Hematopoietic Stem Cells Transplantation; Nursing, Team; Workload; Nursing Care; Intensive Care Units

INTRODUÇÃO

As evidências acerca da influência do trabalho da equipe de enfermagem na qualidade do cuidado e na segurança dos pacientes são bem documentadas(1-2), sendo a excessiva carga de trabalho um dos fatores contribuintes para a ocorrência de desfechos negativos, especialmente em pacientes gravemente enfermos(3-4).

Estudo conduzido em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) apontou associação entre alta carga de trabalho e aumento da mortalidade, com elevação de 7% no risco de morte para cada paciente adicional por enfermeiro(3). Pesquisadores observaram, também, relação inversa entre tempo de hospitalização e quadro de pessoal de enfermagem, sugerindo que a adequação quantitativa desta equipe de profissionais reduz o período de internação(2). Em UTI, a melhor relação enfermeiro: paciente mostrou menores taxas de infecção(5).

Revisão acerca da aferição da carga de trabalho em enfermagem aponta que este indicador é frequentemente definido em termos de proporção equipe/paciente (staffing ratios)(2). Todavia, o staffing ratios, para demonstrar a real dimensão do trabalho, requer complementação de outras ferramentas que incluam, nesta medida, as necessidades de cuidado a partir da condição clínica do paciente. Nesta perspectiva, o Nursing Activities Score – NAS mostra-se um instrumento útil, pois mensura a carga de trabalho de enfermagem, entendida como o tempo de assistência gasto pelo profissional no atendimento às necessidades de cuidado do paciente(6-7).

Criado em 2003 por Miranda(6) e, posteriormente, validado para a cultura brasileira(7) para medir as horas de assistência de enfermagem em UTI, o NAS é um dos instrumentos mais abrangentes para mensurar as atividades de enfermagem em face de pacientes gravemente enfermos, aos moldes daqueles submetidos ao transplante de células tronco-hematopoiéticas (TCTH).

No Brasil, na área de TCTH, apesar do grande número e da complexidade das atividades de enfermagem na fase do condicionamento, no dia da infusão e no pós-TCTH, as quais podem contribuir de modo substancial com o aumento da carga de trabalho e afetar tanto a qualidade do cuidado quanto a segurança do paciente, ainda não existe nos serviços um sistema formal de medida de carga de trabalho de enfermagem.

Tendo em vista o status clínico complexo e dinâmico do paciente, a necessidade frequente de assistência intensiva, a compreensão da carga de trabalho de enfermagem como indicador importante no dimensionamento de pessoal no serviço e a inexistência de estudos na literatura, a aplicação do NAS na unidade de TCTH torna-se fundamental. Os objetivos foram mensurar a carga de trabalho de enfermagem requerida por pacientes submetidos ao TCTH, alogênico e autólogo, e analisar as atividades do NAS executadas pela equipe de enfermagem durante a internação para o TCTH.

MÉTODO

Local e tipo de estudo

Coorte prospectiva realizada em unidade de TCTH de hospital universitário da cidade de Campinas/SP, Brasil. Trata-se de um serviço de referência no qual, considerando os transplantes realizados de 1993 a 2013, a média de TCTH alogênico e autólogo/ano foi de 33 (DP 7,0) e de 19 (DP 10,5) procedimentos/ano, respectivamente. Esta unidade possui nove leitos, com a relação enfermeiro-paciente em 1:4 e a relação técnicos/auxiliares de enfermagem por paciente estabelecida em 1:2.

Participantes e coleta de dados

A amostra consecutiva foi composta por todos os pacientes submetidos ao TCTH no período de 01 de janeiro de 2013 a 30 de abril de 2014, os quais totalizaram 62 indivíduos. Utilizou-se para a coleta de dados uma ficha constituída por variáveis demográfico-clínicas, a saber: sexo, idade, diagnóstico, intervalo diagnóstico-TCTH, estágio da doença, tipo de TCTH, tipo de condicionamento, comorbidades, hipertensão arterial sistêmica (HAS), infecção da corrente sanguínea, falência respiratória, uso de drogas vasoativas, número de medicamentos/dia, índice de gravidade Simplified Acute Physiology Score II – SAPS II(8), tempo de permanência, condição de saída e causas de óbito.

O índice de gravidade SAPSII(8) foi aplicado em dias específicos: condicionamento dia (D)-3, infusão (D0) de células progenitoras hematopoiéticas (CPH) e em dois momentos do pós-TCTH (D+7), além do dia referente à enxertia de cada paciente.

A carga de trabalho de enfermagem foi mensurada pelo NAS validado para a cultura brasileira(7) o qual foi aplicado diariamente, de modo prospectivo, pelos enfermeiros da unidade de TCTH que reavaliavam a pontuação, caso houvesse necessidade. Os turnos de trabalho (manhã, tarde e noite) participaram do preenchimento dos itens 1, 4, 6, 7 e 8 do instrumento, os quais apresentam subitens. Para o cálculo do NAS, consideraram-se as maiores pontuações dos subitens observadas nas 24 h, conforme orientação do instrumento original. Os demais itens foram preenchidos uma vez a cada 24 h pelos enfermeiros do plantão da tarde. A somatória da pontuação do instrumento foi realizada posteriormente.

Realizou-se o NAS desde o dia da internação até a alta hospitalar ou óbito do paciente. Nos casos em que houve readmissão para a realização de um novo TCTH, o paciente foi contado como um novo sujeito.

O NAS encontra-se dividido em sete grandes categorias: Atividades Básicas (itens 1 ao 8), Suporte Ventilatório (itens 9 ao 11), Suporte Cardiovascular (itens 12 ao 15), Suporte Renal (itens 16 e 17), Suporte Neurológico (itens 18), Suporte Metabólico (itens 19 ao 21) e Intervenções Específicas (itens 22 e 23)(6). Este instrumento apresenta, portanto, 23 itens e o escore final pode alcançar uma pontuação máxima de 176,8%, que representa a porcentagem de tempo dispensado por enfermeiro, por turno, na assistência ao paciente(6). No cálculo do NAS, cada ponto expresso em porcentagem pode ser convertido para 0,24 horas de trabalho da equipe de enfermagem(9).

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE/USP) e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM/UNICAMP) sob os pareceres 222.565 e 256.642, respectivamente.

Análise dos dados

Para a análise dos itens do NAS realizou-se frequência absoluta e relativa. Utilizou-se Mann-Whitney na comparação dos grupos de pacientes de TCTH autólogo e alogênico quanto às médias e medianas de idade. Para identificar associações dos grupos de pacientes (de TCTH autólogos e alogênicos) com relação às variáveis demográfico-clínicas qualitativas utilizou-se o Qui-quadrado ou exato de Fisher, conforme apropriado. A correlação entre idade e NAS foi estimada por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Utilizou-se o software estatístico Statistical Analysis System®, versão 9.2 e nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Houve predomínio do sexo masculino (53,2%) e do TCTH alogênico (61,3%). A média de idade foi de 51,9 anos (DP 12,1) e os pacientes de TCTH autólogo apresentaram maior média de idade (p=0,0198). Os pacientes utilizaram, em média, 11,7 (DP 2,6) medicamentos; os submetidos ao TCTH autólogo ficaram internados em média 34,7 dias (DP 19,5) e os de TCTH alogênico 34,3 dias (DP 14,1). Os diagnósticos mais frequentes foram os linfomas (32,3%) e as leucemias (30,6%).

A Tabela 1 aponta que houve diferença estatística significante entre os grupos autólogo e alogênico quanto às variáveis diagnóstico que indicou o TCTH (p<0,0001), presença de comorbidades (p=0,0443), hipertensão arterial sistêmica (HAS; p=0,0471) e estágio da doença por ocasião do TCTH (p=0,0002).

Tabela 1
Distribuição de pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas segundo tipo de procedimento e variáveis demográfico-clínicas - Campinas, SP, Brasil, 2014.

Neste estudo, 21% dos pacientes morreram. Destes, a maioria (76,9%) realizou TCTH alogênico e as causas atribuídas ao óbito foram: infecção bacteriana (5; 38,4%), recorrência da doença (5; 38,4%), infecção fúngica (2; 15,4%) e doença do enxerto contra hospedeiro – DECH (1; 7,7%). A gravidade do grupo óbito (SAPS II) foi, em média, de 34,6 pontos no condicionamento.

Quanto ao regime de condicionamento observou-se que metade dos pacientes de TCTH alogênico foi submetida ao condicionamento mieloablativo (MAC) e a outra metade realizou o regime não mieloablativo (NMA) ou de reduzida intensidade (RIC). Os agentes antineoplásicos mais utilizados foram fludarabina (n=24; 63,1%) e bussulfano (n=23; 60,5%). No caso dos pacientes de TCTH autólogo, o regime de condicionamento prevalente foi constituído pelo melfalano (n=13; 54,2%).

Em relação à evolução clínica, cerca de um quarto (24,2%) dos pacientes apresentou falência respiratória, com necessidade de suporte ventilatório, e 25,8% apresentou hipotensão, requerendo o uso de drogas vasoativas (DVA).

No que tange à gravidade medida pelo SAPS II, o grupo de autólogos apresentou pontuação média que variou de 30,7 pontos (DP 6,5) no condicionamento a 41,7 pontos (DP 7,5) no D+7. No grupo de TCTH alogênico, o SAPS II médio oscilou de 29,5 pontos (DP 10,5) no condicionamento a 36,4 pontos (DP 23,5) no D0. Os pacientes de TCTH autólogo e alogênico foram semelhantes quanto à gravidade (SAPS II) no condicionamento (p=0,1434), no dia da infusão (p=0,7894) e por ocasião da enxertia (p=0,1809). Entretanto, no D+7 os transplantados autólogos apresentaram maior gravidade (41,7 pontos) em relação aos alogênicos (33,5 pontos), com diferença estatística significante (p=0,0004).

A média da carga de trabalho de enfermagem durante todas as fases do TCTH foi de 69,7% (DP 17,4). Para o grupo de autólogos, a média do NAS foi de 67,3% (DP 8,2) e, para o de alogênicos, foi de 72,4% (DP 13,0). Não houve diferença entre os grupos (p=0,1380) e a idade não apresentou correlação com o NAS (p=0,7588).

Na análise dos valores médios do NAS nas distintas fases do TCTH não observou-se diferença estatística significante entre os tipos de TCTH (Tabela 2).

Tabela 2
Estatística descritiva do Nursing Activities Score dos pacientes submetidos ao transplante de células-tronco hematopoiéticas, por tipo e fase do procedimento - Campinas, SP, Brasil, 2014.

No período do estudo foram realizadas 2193 observações relativas às atividades do NAS. A Tabela 3 mostra que o grupo de Atividades Básicas do NAS (itens de 1 a 8, exceto pelo item 5) e o item relativo à medida quantitativa do débito urinário (item 17) foram realizadas diariamente, para 100% dos pacientes. Os itens Monitorização e controles e Procedimentos de higiene foram pontuados, em mais da metade das vezes, respectivamente nos subitens 1b e 1c, bem como nos subitens 4b e 4c. As atividades Monitorização do átrio esquerdo e Medida da pressão intracraniana não foram pontuadas para nenhum paciente.

Tabela 3
Frequência da pontuação do Nursing Activities Score obtida pelos pacientes durante o período de internação para o transplante de células-tronco hematopoiéticas -Campinas, SP, Brasil, 2014.

DISCUSSÃO

A pontuação média da carga de trabalho de enfermagem, medida pelo NAS, foi de 69,7% (16,7 h de assistência) na amostra geral e semelhante entre os grupos de TCTH autólogo e alogênico (p=0,1380). A priori, o esperado seria que, pelo tipo de enxerto, o grupo de TCTH autólogo demandasse menor carga de trabalho. Entretanto, inúmeros aspectos podem ter contribuído com este achado, tais como a semelhança no status clínico dos pacientes desses grupos, que apresentaram similaridade quanto à gravidade (SAPS II) no condicionamento (p=0,1434), no dia da infusão (p=0,7894) e por ocasião da enxertia (p=0,1809). Além disso, outros fatores podem ter contribuído para aproximar a demanda de cuidados entre os grupos. No período do pós-TCTH (D+7) a gravidade do grupo autólogo suplantou a do alogênico (p=0,0004). O grupo do TCTH autólogo também apresentou maiores médias das variáveis idade e comorbidade. A idade é considerada preditor universal para desfechos adversos(10) e, no âmbito da onco-hematologia, é um fator de risco pré-TCTH(11). Adicionalmente, metade dos pacientes de TCTH alogênico recebeu, no condicionamento, o regime NMA ou RIC, que são potencialmente menos tóxicos e, em geral, reduzem as complicações pós-TCTH.

O número de horas de trabalho de enfermagem geradas pelos pacientes de TCTH autólogo (16,1 h) e, principalmente, alogênico (17,4 h), foi muito próximo às requeridas na assistência intensiva. Pela Resolução 293/2004 do Conselho Federal de Enfermagem(12), na assistência semi-intensiva o paciente requer, no mínimo, 9,4 horas de enfermagem e, na intensiva, requer a partir de 17,9 horas. Este cômputo de horas pode ser respaldado pela gravidade dos pacientes, cujos valores médios de SAPS II (TCTH autólogo – SAPS II 30,7 – 41,7 pontos; TCTH alogênico – SAPS II 29,5 – 36,4 pontos) foram similares aos descritos em UTI(13-14).

O tipo de transplante representa um indicador importante para a evolução clínica do paciente, com impacto na carga de trabalho, aspecto que parece subsidiar as diretrizes do Ministério da Saúde, que aponta que os pacientes de TCTH alogênico demandam cuidados intensivos(15). Entretanto, neste estudo, aspectos como condição clínica de base dos autólogos e tipo de condicionamento nos alogênicos (50% NMA ou RIC) parecem ter contribuído para que os grupos de transplante fossem semelhantes quanto à gravidade e necessitassem de número de horas semelhante e próximo ao estabelecido para a assistência intensiva.

Estabelecer um paralelo entre os achados relativos às horas de trabalho de enfermagem exigidas pelos pacientes de TCTH com estudos prévios(16-17) não é simples. No Instituto Nacional do Câncer (INCA) o uso da metodologia das “onze etapas para a adequada previsão de pessoal”(16), mostrou que foram necessárias 18,2 h de assistência de enfermagem no pré-TCTH, e 19,7 h no pós-TCTH, independente do tipo de transplante. É possível que esta demanda de horas encontrada no INCA, superior à deste estudo, esteja relacionada a diferenças no processo de trabalho.

Pesquisa recente a partir da utilização do NAS, em hematologia e TCTH, mostrou que no grupo de TCTH autólogo o NAS foi 39,7% (9,5 h) e, no alogênico, dependendo do tipo de doador, variou de 46,2% (11,1 h; aparentado) a 50,8% (12,2 h; não aparentado)(17). O maior número de horas requeridas identificado para os pacientes transplantados, no presente estudo, pode ser explicado pelo perfil da amostra: maior média de idade (51,9 versus 42,0 anos), maior tempo médio de internação (33 versus 16 dias) e maior número de pacientes com comorbidades (54,8% versus 34,6%). Estas variáveis podem indicar diferença nas condições clínicas e explicar a maior demanda de horas de assistência de enfermagem. Adicionalmente, os pacientes da unidade de TCTH, campo do estudo, ainda que requeiram tratamento intensivo não são transferidos para UTI.

A totalidade da amostra pontuou os itens Monitorização e controles, Investigações laboratoriais, Medicação, Procedimentos de higiene, Mobilização e posicionamento, Suporte e cuidados a familiares/pacientes, Tarefas administrativas/gerenciais e Medida quantitativa do débito urinário. Excetuando-se o item sobre medida do débito urinário, que compõe a categoria denominada Suporte Renal, os demais itens constituem a categoria Atividades Básicas, que foi responsável, no estudo original do NAS, por 81% do tempo gasto por enfermeiros em UTI(6), uma vez que são atividades da prática diária do enfermeiro e/ou equipe de enfermagem.

A atividade relativa à Monitorização e controles foi pontuada em mais da metade das observações nos itens 1b e 1c. Em um dos turnos de trabalho foram necessárias duas horas ou mais (1b), ou quatro horas ou mais (1c) de observação contínua por razões de segurança, gravidade ou terapia. O monitoramento intensivo pode ter ocorrido em função da necessidade de avaliar o paciente acerca de diferentes eventos adversos, sobretudo quanto às reações infusionais relacionadas a medicamentos e hemocomponentes, que podem ocorrer em qualquer fase do TCTH.

Na presente investigação, devido à especialidade, diversos medicamentos e tratamentos exigiram administração, que foi acompanhada de um incremento no item monitorização e controles. São eles: agentes antineoplásicos, globulina anti-timocítica (ATG), ganciclovir, anfotericina, foscarnet, fenitoína e hemocomponentes(18). Logo, tais situações contribuíram para aumentar a carga de trabalho de enfermagem na unidade de TCTH.

Na fase pré-TCTH, a reação infusional a agentes antineoplásicos é bem conhecida(19). O bussulfano, por exemplo, é um medicamento frequentemente utilizado nos regimes de condicionamento(19), com potencial para causar crise convulsiva. Neste estudo, aproximadamente 40,0% da amostra usou bussulfano.

A categoria Investigações laboratoriais foi pontuada por 100% dos pacientes, aspecto que pode ser justificado pela coleta diária de exames. No TCTH esta prática é motivada pela necessidade de monitorar bioquimicamente o paciente e dosar medicamentos, os quais podem ocasionar eventos adversos, especialmente em fígado e rins.

Em consonância com estudo que aponta a complexidade da terapia medicamentosa no TCTH(20), a atividade relativa à medicação foi pontuada para a totalidade da amostra. Nestes pacientes, os medicamentos são administrados quase que exclusivamente pela via intravenosa (IV) e, somente na troca de equipos, o enfermeiro pode gastar, em média, 11,95 minutos(21). Além disso, a administração de agentes antineoplásicos, pontuada neste item, é uma atividade altamente complexa em função da toxicidade e dos eventos adversos agudos. O enfermeiro dispende, em média, 3,3 horas de trabalho nas atividades relativas à quimioterapia(22). Há, ainda, que considerar que a média de medicamentos usada foi alta (11,7; DP 2,6), aspecto que também contribui para onerar a carga de trabalho de enfermagem.

Procedimentos de higiene pontuaram em 53% das vezes nos itens 4b e 4c. Isto significa que, em um dos turnos de trabalho, foram necessárias duas horas ou mais (4b), ou quatro horas ou mais (4c) para a realização de tais procedimentos. Nesta investigação, eventos adversos como diarreia e mucosite, foram responsáveis por elevar a pontuação da carga de trabalho(23). Soma-se às questões de higiene a necessidade de quantificar de maneira precisa os episódios de diarreia, visando um rigoroso balanço hídrico deste paciente(18).

A mucosite oral é um importante foco do cuidado de enfermagem em centros de TCTH e envolve desde a avaliação da mucosa oral, bem como o uso de protocolos de cuidado que incluem crioterapia, higiene oral, lubrificação labial e o manejo da dor(24). A crioterapia oral é um reconhecido protocolo para reduzir mucosite em pacientes que recebem altas doses de melfalano(25) e, na unidade em que os dados foram coletados, foi atividade sempre executada pelos enfermeiros.

O item Mobilização e posicionamento obteve pontuação de 100%. Durante o período de plaquetopenia, a equipe de enfermagem auxilia o paciente na deambulação e em qualquer outra atividade que implique em risco de queda e sangramento(26). Em alguns casos, a maior pontuação do item mobilização e posicionamento (6b e 6c) pode ter ocorrido pelo fato de que 25% dos pacientes necessitaram de suporte respiratório e de DVA. Nessas situações, o paciente exige banho no leito e mudança de decúbito periódica, situações que justificam uma maior pontuação.

O item Suporte e cuidados aos pacientes/familiares foi sempre pontuado. Os pacientes da unidade de TCTH, em decorrência da neutropenia e do maior risco para adquirir infecções, não possuem acompanhantes em tempo integral. Exceções quanto a acompanhantes são concedidas em situações especiais, como gravidade do paciente e risco iminente de morte. Estas particularidades do TCTH podem exigir maior disponibilidade da equipe de enfermagem para dar suporte ao paciente. Estudo mostrou que transplantados podem demandar atenção diferenciada da equipe de enfermagem em virtude da ausência da família, medo da morte, espaço físico restrito e mudanças na rotina de vida(27).

Quanto ao item referente a Tarefas administrativas e gerenciais, estas estão relacionadas a rotinas próprias do serviço, tais como passagem de plantão, visita clínica multiprofissional, aprazamento das prescrições médicas, elaboração do processo de enfermagem, bem como relacionadas à realização de auditorias, preparo e encaminhamento de exames e a situações de óbito. Tais atividades são semelhantes às realizadas em UTI, contudo, no que tange à condição de admissão e alta em TCTH, podem exigir maior demanda de atividades administrativas e gerenciais, tendo em vista que, nestes períodos, muitas orientações devem ser transmitidas detalhadamente para o paciente e seus familiares. Essas particularidades do TCTH contribuíram para que 77,1% das observações fossem atribuídas ao item 8b, exigindo do enfermeiro cerca de 2 horas em algum plantão para realização dessas tarefas administrativas e gerenciais.

Na admissão destacam-se as orientações sobre risco e prevenção de infecção, necessidade de balanço hídrico rigoroso e que exigem a colaboração do paciente e/ou familiar, bem como sobre eventos adversos (EA) decorrentes da toxicidade dos medicamentos que serão utilizados durante todo o período da terapia. Mesmo após a alta, o paciente deve ser orientado quanto ao retorno ambulatorial periódico e sobre a ocorrência de complicações.

Estudo americano sobre gerenciamento de enfermagem em TCTH mostrou semelhança com a unidade pesquisada ao apontar as responsabilidades gerenciais do enfermeiro, como participação em visitas clínicas multiprofissionais, agendamento de exames específicos pré-transplante, participação em todas as atividades que envolvam a educação do paciente e da família nos processos de admissão e alta(28-29).

A Medida quantitativa do débito urinário é atividade que ocorre diariamente em todos os plantões do TCTH, tendo em vista a necessidade de rigoroso balanço hídrico. Esta atividade deve ser uma prática rigorosa principalmente durante a fase de condicionamento, com o intuito de diminuir riscos para cistite hemorrágica(26).

A infecção de corrente sanguínea pode ter influenciado mais da metade (53,8%) dos óbitos registrados. Nesse sentido, 24,2% dos pacientes evoluiu com falência respiratória, necessitando de ventilação invasiva e, destes, 86,7% evoluíram para óbito. O resultado da presente investigação assemelha-se ao da literatura, que aponta as complicações pulmonares como uma das principais causas de admissão de pacientes de TCTH em UTI e a necessidade de ventilação mecânica como causa do aumento de mortalidade(30). No período de condicionamento, a gravidade do grupo óbito (SAPS II) foi de 34,6 pontos, similar a de pacientes de UTI(13). Tais complicações exigem cuidados de enfermagem com as vias respiratórias artificiais, como aspiração endotraqueal e terapia inalatória, além de causar um incremento em outros itens como o de Monitorização e controles, dada a gravidade do paciente. Além disso, outras atividades, como as relativas ao item Mobilização e posicionamento dos pacientes que necessitam de ventilação invasiva, tornam-se mais complexas e demandam mais de um profissional para a sua execução.

CONCLUSÃO

No âmbito do TCTH a carga de trabalho foi de 69,7% (16,7 h), muito próxima à identificada em UTI, apontando a semelhança entre estes pacientes em termos de gravidade e demandas de cuidados. Este aspecto é reforçado pelos itens do NAS mais pontuados, os quais refletem a magnitude e complexidade dos cuidados prestados pela equipe de enfermagem nas distintas fases do procedimento.

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  • Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Projeto n. 480388/2012-1O. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
  • Este documento possui uma errata: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2024-ER13pt

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2015
  • Aceito
    28 Jul 2015
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