RESUMO
Objetivo: Identificar barreiras organizacionais para disponibilização do DIU nos serviços de Atenção Básica à Saúde na perspectiva dos coordenadores da área de saúde da mulher.
Método: Estudo quantitativo realizado com responsáveis pela área técnica de Saúde da Mulher dos municípios da macrorregião Sul de Minas Gerais, com preenchimento on-line de instrumento estruturado e análise descritiva dos dados.
Resultados: Participaram do estudo 79 trabalhadores responsáveis pela área técnica. Dentre os municípios, 15,2% não disponibilizam DIU e 8,3% não referenciam a mulher para outros serviços, 53,7% não disponibilizam o DIU nas unidades básicas de saúde. Dentre os que disponibilizam o DIU, 68,7% não possuem protocolo específico e 10,5% não adotam a gravidez como condição que impossibilita a inserção do DIU, e 80,6% adotam condições desnecessárias, como infecção vaginal. Como critério para acesso ao DIU, 86,5% referiram prescrição médica, 71,6% realização de exames, 44,6% idade acima de 18 anos e 24,4% participação em grupos, todos sem base em evidências científicas. Apenas o médico inseria o DIU.
Conclusão: Foram identificados problemas no acesso ao DIU, por meio de barreiras organizacionais para sua disponibilização e inserção, como a não disponibilização do método ou o excesso dos critérios desnecessários para disponibilizá-lo.
DESCRITORES Dispositivos Intrauterinos; Planejamento Familiar; Saúde Sexual e Reprodutiva; Enfermagem de Atenção Primária; Saúde da Mulher
ABSTRACT
Objective: To identify organizational barriers to IUD availability in Primary Health Care services from the perspective of women's health coordinators.
Method: This is a quantitative study carried out with women's health officials from the municipalities of the southern macro region of Minas Gerais, Brazil, with an on-line completion of a structured instrument and a descriptive data analysis.
Results: 79 technicians participated in the study. Among the municipalities, 15.2% do not provide IUDs and 8.3% do not refer women to other services, 53.7% do not provide IUDs at basic health units. Among those who provide the IUD, 68.7% do not have a specific protocol and 10.5% do not adopt pregnancy as a condition that makes it impossible to insert the IUD, and 80.6% adopt unnecessary conditions, such as vaginal infection. As a criterion for IUD access, 86.5% referred to a medical prescription, 71.6% required exams, 44.6% were over 18 years of age and 24.4% participation in groups, none based on scientific evidence. Only the doctor inserted the IUD.
Conclusion: Problems in the access to the IUD were identified due to organizational barriers to its availability and insertion, such as the lack of availability of the method or the excess of unnecessary criteria to make it available.
DESCRIPTORS Intrauterine Devices; Family Planning; Sexual and Reproductive Health; Primary Cary Nursing; Women's Health
RESUMEN
Objetivo: Identificar barreras organizativas para facilitación del DIU en los servicios de Atención Básica de Salud desde la perspectiva de los coordinadores del área de salud de la mujer.
Método: Estudio cuantitativo realizado con responsables del área técnica de Salud de la Mujer de los municipios de la macrorregión Sur de Minas Gerais, con relleno en línea de instrumento estructurado y análisis descriptivo de los datos.
Resultados: Participaron en el estudio 79 trabajadores responsables del área técnica. Entre los municipios, el 15,2% no facilitan el DIU y el 8,3% no derivan a la mujer a otros servicios, el 53,7% no facilitan el DIU en las unidades básicas de salud. Entre los que facilitan el DIU, el 68,7% no cuentan con protocolo específico y el 10,5% no adoptan el embarazo como condición que imposibilita la implantación del DIU, y el 80,6% adoptan condiciones innecesarias, como infección vaginal. Como criterio para acceso al DIU, el 86,5% relataron prescripción médica, el 71,6%, realización de exámenes, el 44,6%, edad superior a 18 años y el 24,4%, participación en grupos, todos sin base en evidencias científicas. Solamente el médico implantaba el DIU.
Conclusión: Fueron identificados problemas en el acceso al DIU, por medio de barreras organizativas para su facilitación e implantación, como la no facilitación del método o el exceso de criterios innecesarios para facilitarlo.
DESCRIPTORES Dispositivos Intrauterinos; Planificación Familiar; Salud Sexual y Reproductiva; Enfermería de Atención Primaria; Salud de la Mujer
INTRODUÇÃO
O acesso e o uso de métodos contraceptivos têm efeitos positivos nos níveis de saúde sexual e reprodutiva de mulheres e homens, pois atua na prevenção de gestações não planejadas e, consequentemente, na redução de morbimortalidade materna e abortos inseguros(1). O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza diversos tipos de métodos contraceptivos, incluindo aqueles reversíveis de longa duração, como o dispositivo intrauterino (DIU) de cobre. Trata-se de um método seguro, altamente eficaz, com taxas de falhas extremamente baixas, semelhantes às observadas na esterilização cirúrgica feminina (0,5%)(2-4). É o método reversível mais usado em todo o planeta(1,5), porém, permanece subutilizado em algumas regiões do mundo (América do Norte, Sul da Ásia, Oceania, África subsaariana(6-7) e América Latina)(8).
No Brasil, o uso de DIU é pouco frequente, tendo sido referido por apenas 1,5% das mulheres entrevistadas na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2006(9), provavelmente devido às questões de acesso aos serviços de saúde e utilização destes. O acesso aos serviços de saúde pode estar centrado nas características dos indivíduos (aquele que procura cuidados e aquele que o conduz dentro do sistema de saúde); nas características da oferta; em ambas as características; ou na relação entre eles (indivíduos e oferta)(10). Dessa forma, nosso pressuposto é que o acesso à utilização dos serviços de saúde pode apresentar graus diferentes de facilidades ou dificuldades, dependendo da organização dos serviços de saúde, dos recursos disponíveis (como os métodos contraceptivos) e das características da oferta, determinando a resposta às necessidades de saúde de uma população, ou seja, há diversas barreiras organizacionais e individuais que permeiam o acesso das mulheres ao DIU no país.
São consideradas barreiras organizacionais para o acesso ao DIU os critérios desnecessários para sua inserção, como o condicionamento à participação em grupos educativos; a oferta insuficiente e descontinuada do método; o conhecimento inadequado de profissionais de saúde sobre seus mecanismos de ação; a falta de profissionais habilitados – somada à exclusividade do profissional médico para sua inserção; e, finalmente, ausência de protocolos simplificados(2,11-13). Por sua vez, dentre as barreiras individuais, destacam-se o baixo nível de conhecimento das mulheres e dos casais sobre o método; mitos e tabus acerca do DIU, como a crença na possibilidade de provocar câncer, de ser abortivo e de ser pouco eficaz; receio dos efeitos colaterais, como o aumento do fluxo menstrual, tanto em número de dias como em volume; e crença de não ser apropriado para as mulheres nulíparas, jovens ou solteiras(2,13-18).
Ambas as barreiras são vivenciadas nos serviços de Atenção Básica à Saúde (ABS) no país(12) e impedem o pleno acesso ao DIU, contribuindo para a baixa frequência de seu uso e constituindo-se como um entrave ao pleno exercício dos direitos sexuais e reprodutivos(12).
No Brasil, são escassos os estudos recentes que exploram detalhadamente as barreiras organizacionais enfrentadas pelas mulheres para acessar métodos contraceptivos, incluindo o DIU, segundo a sua região de residência. Assim, nosso objetivo foi identificar as barreiras de acesso das mulheres aos serviços de ABS para a introdução do DIU, na perspectiva dos trabalhadores das áreas técnicas dos municípios de uma macrorregião de saúde.
MÉTODO
Estudo quantitativo, transversal e descritivo, conduzido nas coordenadorias da área técnica de saúde da mulher das Secretarias Municipais de Saúde das Superintendências Regionais de Saúde (SRS) da macrorregião Sul de Minas Gerais, realizado de março a maio de 2016. Os respondentes da pesquisa foram os coordenadores da área técnica de saúde da mulher de cada município, escolhidos pelo critério de serem os responsáveis por esta área técnica ou, na ausência destes, os trabalhadores que sabiam responder pela disponibilização do DIU.
Foi solicitada autorização, por ofício, aos superintendentes regionais de saúde das quatro regionais, para realização da pesquisa. Apesar de as respostas terem sido positivas, foi requerido que a pesquisadora também fizesse contato com os gestores de saúde dos municípios, para que tomassem conhecimento da pesquisa e concedessem a autorização. A pesquisadora solicitou autorização a todos os gestores de saúde do total de municípios (n=153): 86 autorizaram a coleta de dados (56,2%), 64 municípios não responderam (41,8%) e 3 se recusaram a participar (2,0%).
De posse das autorizações, obtiveram-se informações sobre os coordenadores nas Secretarias Municipais de Saúde. Eles foram contatados por telefone, quando foram esclarecidos sobre os objetivos e procedimentos do estudo. Além disto, foram solicitados o endereço eletrônico e a autorização para envio do questionário. Por mensagem eletrônica, além do questionário, também foram enviados um convite e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para adesão e participação voluntária do estudo.
Dentre os municípios que autorizaram a pesquisa, foram obtidas 80 respostas, o que corresponde a 93% do total de autorizações, sendo que uma resposta foi excluída, pois foram recebidas duas respostas do mesmo município (neste caso, foi considerada a resposta do coordenador da área técnica de Saúde da Mulher do município). Assim, foram incluídas 79 respostas (91,8% das autorizações) de trabalhadores (15 municípios da SRS de Alfenas, 11 municípios da SRS de Passos, 29 municípios da SRS de Pouso Alegre e 24 municípios da SRS de Varginha).
Logo depois do aceite da sua participação, os participantes do estudo responderam on-line a um questionário semiestruturado, autopreenchível, desenvolvido pela própria pesquisadora no aplicativo Google forms. O questionário foi dividido em cinco blocos: 1) informações sobre características da SRS; 2) perfil do profissional participante da pesquisa; 3) atividades de atenção à saúde da mulher em relação ao DIU; 4) atividades educativas em relação ao planejamento familiar; e 5) considerações dos respondentes a respeito da existência de dificuldades e facilidades para as mulheres obterem o DIU.
O banco de dados foi originado a partir do Google forms. A análise estatística foi realizada pelo software Stata, versão 14.2, em três etapas. Na etapa 1, foi analisada a caracterização dos profissionais entrevistados, pelas variáveis: idade, sexo, grau de escolaridade, tipo de especialização, profissão e tempo de atuação no cargo. Na etapa 2, caracterizou-se a atenção à disponibilização/inserção do DIU. Para tanto, as variáveis utilizadas foram aquelas relacionadas à disponibilização/inserção do DIU: disponibilização do DIU (não ou sim); existência de protocolo específico para disponibilização do DIU (não ou sim); condições que podem impossibilitar a inserção do DIU (anemia, HIV, infecção vaginal, aborto espontâneo ou induzido recente, história anterior de Doença Inflamatória Pélvica – DIP, gravidez, história anterior de gravidez ectópica, estar amamentando, diabetes, hipertensão, execução de trabalho físico pesado e outro); profissional que insere o DIU (médico ginecologista/obstetra, médico generalista, enfermeiro obstetra, enfermeiro generalista e outro); agendamento para inserção do DIU (não ou sim); tempo médio esperado pela mulher, entre o dia da consulta ou o dia que ela comunica seu interesse em usar o DIU até a sua inserção (menos de 1 semana, entre 1 e 4 semanas ou mais de 1 mês); encaminhamento da mulher, no caso de o município não disponibilizar o DIU (não encaminha, encaminha para outro município ou outro); local para aquisição do DIU (Unidade Básica de Saúde (UBS)/Estratégia Saúde da Família (ESF), ambulatório de especialidade, farmácia central, hospital, setor de saúde da mulher, secretaria de saúde, outro município e outro); critérios necessários para a mulher ter acesso ao DIU (não há critérios, ter prescrição somente do ginecologista, ter prescrição somente de médico, ter prescrição somente de enfermeiro, com prescrição de ginecologista, médico ou enfermeiro, realizar exames, ser casada, ter idade acima de 18 anos, participar previamente de grupo educativo ou outro). Na etapa 3, foram analisadas as variáveis relacionadas às considerações dos respondentes: existência de dificuldades para as mulheres obterem o DIU (não ou sim); existência de facilidades para as mulheres obterem o DIU (não ou sim).
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Número do Parecer: 1.212.779), em observância às determinações da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a ética em pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil.
RESULTADOS
Participaram do estudo 79 trabalhadores responsáveis pela área técnica de Saúde da Mulher. A maioria dos trabalhadores respondentes tinha idade entre 24 e 34 anos (50,6%), era do sexo feminino (97,5%) e enfermeiros (89,9%), com tempo de atuação no cargo entre 1 e 5 anos (59,5%), com especialização (62,0%), mestrado (2,5%) ou doutorado (1,3%). Dentre os pós-graduados, apenas 26,9% tinham obtido a titulação na área de Saúde da Mulher.
Barreiras organizacionais relacionadas à disponibilização do DIU
As barreiras organizacionais relacionadas à disponibilização do DIU estão descritas na Figura 1. Observou-se que alguns municípios não disponibilizam o método (15,2%). Destes, 58,4% encaminham ou referenciam para outro município e 33,3% utilizam outras formas de encaminhamentos, como rede particular, especialista ou para o Centro Viva Vida (Programa de Redução da Mortalidade Infantil e Materna do Governo de Minas Gerais). É interessante notar que 8,3% dos municípios, além de não disponibilizarem DIU, também não encaminham as mulheres com interesse em usá-lo. Dentre os municípios que disponibilizam (84,8%), a maioria não possui protocolo específico para sua disponibilização (68,6%).
A Figura 2 mostra as barreiras organizacionais relacionadas aos critérios estabelecidos pelos serviços de saúde para disponibilização do DIU, sendo que a maioria dos municípios o disponibiliza somente mediante: prescrição médica (86,5%), realização de exames (71,6%) e/ou participação em grupo educativo (25,4%). Além disso, quase metade dos municípios não disponibiliza DIU para adolescentes (44,8%). Outra barreira importante é que mais da metade dos municípios referiu não disponibilizar o DIU nas UBS/ESF (53,7%); 79,2% disponibilizam em outras unidades de saúde, como farmácia central, setor Saúde da Mulher, ambulatório de especialidades, secretaria de saúde e hospital.
Critérios estabelecidos pelos serviços de saúde para disponibilização do DIU, dentre os municípios que o disponibilizam – Macrorregião Sul de Minas Gerais, 2016.
*Ser casada, ter ao menos um filho, estar menstruada, preventivo atual de 6 meses.
Barreiras organizacionais associadas à inserção do DIU
A Tabela 1 mostra as barreiras relacionadas às rotinas para a inserção do DIU. Observou-se que a inserção centra-se em um único profissional de saúde, que é o médico. Outra barreira verificada, em quase todos os municípios, foi a necessidade de agendamento prévio para inserção do DIU. O tempo médio esperado pela mulher para ter o DIU inserido, também considerado uma barreira, é de 1 a 4 semanas (62,7%) – em quase um terço, o tempo ultrapassa 1 mês.
Rotinas para inserção do DIU, segundo a existência de protocolo de disponibilização do DIU do município - Macrorregião Sul de Minas Gerais, 2016.
A maior parte dos municípios adota condições clínicas que impedem a inserção do DIU: infecção vaginal (80,6%), história anterior de DIP (40,3%), aborto espontâneo ou induzido recente (40,3%), anemia e história anterior de gravidez ectópica (29,8%), HIV (26,9%), estar amamentando e execução de trabalho físico pesado (4,5%), diabetes e hipertensão (3%). Chama a atenção que 10,5% dos municípios não adotam a gravidez como condição que pode impossibilitar a inserção do DIU.
Condições que podem impossibilitar a inserção do DIU, segundo protocolo de disponibilização do DIU - Macrorregião Sul de Minas Gerais, 2016.
Os participantes foram questionados sobre a existência de dificuldades e facilidades para as mulheres obterem o DIU (Tabela 3). A grande maioria reportou não haver dificuldades, mas sim facilidades para obtenção do DIU (86,1%). A taxa de participantes que reportou dificuldades é maior entre os municípios que não disponibilizam o DIU (66,6%). O inverso acontece com relação às facilidades; ou seja, foram reportadas mais facilidades entre os municípios que disponibilizam DIU (94,0%).
Considerações de trabalhadores de saúde responsáveis pela área técnica de Saúde da Mulher que reportaram dificuldades ou facilidades para as mulheres obterem o DIU – Macrorregião Sul de Minas Gerais, 2016.
DISCUSSÃO
Barreiras organizacionais relacionadas à disponibilização do DIU
Disponibilização do DIU
Apenas pequena parcela de municípios não disponibiliza o DIU e, em alguns municípios, além da não disponibilização, não há qualquer opção de referência das mulheres a outros serviços. A não disponibilização do DIU e o não referenciamento para sua colocação, por qualquer que seja o motivo (burocrático, logístico ou por falta de decisão do município em disponibilizá-lo), constitui-se em barreira organizacional, muitas vezes, intransponível às mulheres. Em ambos os casos, a mulher pode ficar sem acesso ao DIU, tendo em vista que pode enfrentar problemas que a impossibilite de ir para outros serviços, ou ficar desprovida de meios para ter sua necessidade atendida. Estudos internacionais mostram que, quando o DIU é ofertado mediante adequado aconselhamento contraceptivo, a maioria das mulheres tende a optar por ele(13), o que nos leva a concluir que há falhas na implementação dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, pois a assistência em contracepção prevê a oferta de todas as alternativas de métodos contraceptivos(19), cujo financiamento, compra e distribuição cabe ao Ministério da Saúde(20), garantindo à mulher autonomia no controle da sua fecundidade e na escolha do método ao qual melhor se adapte(3,12).
Outra barreira organizacional identificada foi relativa ao uso de protocolos, pois se evidenciou que, dentre os municípios que disponibilizam DIU, a grande maioria não possui protocolo específico para disponibilização do método. A falta ou a não utilização de um protocolo com detalhes operacionais pode causar desencontro de informações e variabilidade das ações entre os profissionais ou entre os profissionais de saúde e a mulher, provocando um processo de trabalho desorganizado e sem respaldo legal(21) – o que pode sinalizar que mulheres que tenham interesse em usar DIU podem estar sendo impedidas de fazê-lo.
Critérios para disponibilização do DIU
Quanto aos critérios para disponibilização do DIU, os achados deste estudo mostraram a existência de vinculação do acesso ao DIU à consulta com especialista, à realização de exames, muitas vezes desnecessários, e à participação em grupo educativo de planejamento reprodutivo, implicando barreiras organizacionais. Tais achados são relevantes, pois, em muitos municípios, o acesso a consultas, exames e grupos não é simples – e nem rápido. Além disto, quanto aos critérios preditos nos manuais da Organização Mundial da Saúde(17) e do Ministério da Saúde(3), o DIU pode ser inserido por um profissional de saúde treinado e habilitado; pode ser usado com segurança e eficácia pela maioria das mulheres, sem quaisquer exames de sangue ou testes preventivos para câncer cervical, bastando o uso dos Critérios Clínicos de Elegibilidade; e, na impossibilidade de a mulher participar de grupos educativos, ela pode ser orientada individualmente sobre o DIU(3,17). A literatura mostra que as dificuldades e os contratempos organizacionais, como horários para atendimento, lentidão nos resultados de exames e dias e horários da realização dos grupos, limitam o acesso das mulheres ao DIU, que podem optar por outro método contraceptivo que não atende às suas necessidades contraceptivas ou enfrentar uma gravidez não planejada ou indesejada(12).
Outra barreira identificada está no fato de que metade dos municípios não disponibiliza DIU para adolescentes. Situação semelhante foi observada no município de São Paulo, onde apenas um terço das UBS referiu colocação de DIU em adolescentes(22). As adolescentes são vulneráveis à gravidez não planejada e/ou indesejada e não há contraindicação ao uso de DIU nesse grupo, o que fundamenta sua indicação em política de saúde pública(4,23).
Em relação ao local de disponibilização do DIU, este estudo mostrou que a maioria dos municípios referiu não disponibilizá-lo nas UBS/ESF, sendo geralmente centralizada a sua disponibilização. A organização da atenção em contracepção deve se dar, inicialmente, pela UBS – sendo a colocação do DIU um procedimento totalmente praticável no nível primário da atenção(3). É preciso reconhecer que sua disponibilização, quando ocorrer em qualquer outro lugar que não seja o mais próximo possível das residências das mulheres, pode representar uma barreira ao acesso, pois distância e burocracia podem se constituir como elementos obstaculizadores(2).
Barreiras organizacionais associadas à inserção do DIU
A limitação da atuação de outros profissionais de saúde – que não o médico – na inserção do DIU pode se constituir em barreiras para inserção do DIU, pelo fato que esse profissional nem sempre está capacitado ou disponível para inserir o DIU(22). No Brasil, a inserção do DIU pode ser realizada por outros profissionais de saúde treinados e capacitados(3,17) e enfatiza-se que enfermeiro(a) treinado(a) e capacitado(a) tem competência legal para inserir e retirar o DIU(24-26). Nossos achados mostraram que a inserção do DIU foi realizada apenas pelo médico, o que não se justifica, principalmente porque há evidências de que não existe diferença no desempenho de enfermeiros e obstetrizes em comparação com o desempenho de médicos nessa ação(27).
Portanto, a utilização de protocolos específicos e a ampliação da atuação de outros profissionais de saúde, treinados e capacitados, na disponibilização/inserção do DIU, por meio de Task Shifting(26), podem representar ações eficazes e seguras para diminuir barreiras ao DIU, melhorar o acesso e evitar transtorno legal e ético ao profissional de saúde(28).
Outra barreira importante para a inserção do DIU é a rotina do agendamento prévio, o que nos faz refletir sobre algumas consequências, por exemplo, de gravidez não planejada ou indesejada e de oportunidade perdida para colocação do DIU. É importante ressaltar que, até a data da consulta subsequente para colocação do DIU, a mulher pode engravidar ou encontrar diversas dificuldades que a impossibilite de voltar. Estudos mostram que a inserção do DIU deve ocorrer durante a própria consulta, pois vários retornos das mulheres para obtenção do DIU podem diminuir as possibilidades de adesão ao método(2). Somada ao agendamento prévio, outra barreira importante que contribui para a dificuldade da inserção do DIU é o tempo médio esperado pela mulher para ter o contraceptivo inserido – que ultrapassou 1 mês em mais de um terço dos municípios avaliados na pesquisa. O projeto CHOICE, conduzido nos Estados Unidos, revelou que existe associação entre a diminuição de barreiras e o aumento do uso do DIU. Por meio da inserção imediata do método logo após o manifesto desejo de usá-lo, sem custo para a mulher, o CHOICE quebrou algumas barreiras de acesso (tempo de espera e custo) e aumentou o seu uso, de 3% para 56%(13). Tal processo de trabalho, como a inserção imediata do DIU, é considerado factível no Brasil, tendo em vista a alta cobertura da população pela ESF (64,6%)(29).
A adoção de determinadas condições clínicas da mulher como impeditivas para usar o DIU constitui, sem dúvida, uma barreira para sua inserção. Condições clínicas foram citadas, por muitos dos municípios, como elementos que impossibilitam a inserção do DIU (infeção vaginal, história anterior de DIP e aborto espontâneo ou induzido recente, HIV e estar amamentando). A adoção de muitas dessas condições clínicas é infundada ou desnecessária e dificulta o acesso ao método. Infecção vaginal ou estar amamentando, por exemplo, não se constituem, por si só, limitações para inserção do DIU, sendo necessária uma avaliação clínica antes de impedir a mulher de usar o método(3,17).
É curioso notar que, apesar das inúmeras barreiras de acesso ao DIU apontadas no estudo, a maioria dos entrevistados considerou não haver dificuldades para as mulheres. A opinião desses trabalhadores não condiz com nossos achados e mostra mais uma possível barreira: o não reconhecimento que as barreiras existem. Adotar a perspectiva de que não existem barreiras os impossibilita tomar ações para saná-las, contribuindo ainda mais para a baixa utilização do método. É fundamental, pois, a identificação de tais barreiras nos serviços de ABS para planejar a ampliação do acesso ao método e avançar na implementação dos direitos sexuais e reprodutivos(22).
Como limitação deste estudo, destaca-se que a amostra não é representativa, não sendo possível generalizar os achados a todos os municípios brasileiros nem aos municípios da macrorregião Sul de Minas Gerais. No entanto, os resultados obtidos são similares àqueles obtidos em estudos nacionais conduzidos há mais tempo(11-12), o que denota que as fragilidades na atenção à contracepção no país ainda persistem. São similares também aos achados de outros contextos, em que o acesso ao DIU também é permeado por barreiras organizacionais(2,13). Como potencialidades, nosso estudo possibilita a reflexão e avaliação indireta dos serviços prestados, o que poderá subsidiar a melhoria e ampliação da atenção à saúde da mulher em outros municípios brasileiros, garantindo às mulheres o exercício pleno dos seus direitos sexuais e reprodutivos.
CONCLUSÃO
Este estudo fornece uma visão geral do acesso ao DIU, ao abordar as barreiras organizacionais para sua disponibilização nos serviços de ABS, relativamente à oferta do método e aos critérios adotados para disponibilizá-lo. Foram identificadas barreiras organizacionais relativas à ausência ou não utilização de protocolos para disponibilização e inserção do DIU; barreiras organizacionais, como a não disponibilização do método ou o excesso nos critérios – muitas vezes, desnecessários – estabelecidos pelos serviços de saúde para disponibilizá-lo; barreiras organizacionais associadas à inserção do DIU, tais como limitação da atuação do enfermeiro e agendamento prévio para realização do procedimento, e a adoção de determinadas condições clínicas da mulher que podem impossibilitar a inserção do DIU, condições sem respaldo nas mais recentes evidências científicas.
As barreiras organizacionais são um dos muitos motivos para que as mulheres não acessem o DIU. Portanto, mais esforços devem ser empreendidos para que sejam removidas e as diretrizes sejam respeitadas.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2017
Histórico
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Recebido
11 Jan 2017 -
Aceito
20 Jul 2017