Open-access A implementação de um programa de visitas domiciliárias com foco na parentalidade: um relato de experiência*

La implantación de un programa de visitas domiciliarias con enfoque en la parentalidad: un relato de experiencia

RESUMO

Objetivo  Relatar a experiência de implementação do Programa de visita domiciliar Jovens Mães Cuidadoras.

Método  O programa enfoca a relação mãe-criança como objeto do cuidado com vistas ao desenvolvimento da parentalidade e adota a teoria do apego, a teoria da autoeficácia e a teoria bioecológica como referenciais. A construção desse programa ocorreu a partir de materiais de programas de visitação internacionais, por meio da tradução do material, elaboração e validação do conteúdo teórico.

Resultados  As visitas realizadas pelas enfermeiras tiveram duração média de 1 hora, nas quais foram abordados junto às adolescentes assuntos referentes aos cuidados com saúde, saúde ambiental, projeto de vida, parentalidade, família e rede social, além das demandas das adolescentes. Evidenciou-se que as enfermeiras encontraram dificuldades na implementação do programa.

Conclusão  Ao adotar a visita domiciliar como ferramenta de cuidado com foco na parentalidade, a experiência de implementação do programa demonstrou ser uma tecnologia inovadora, com grande potencial e relevância para a promoção do cuidado à adolescente e ao desenvolvimento infantil.

Visita Domiciliar; Família; Adolescente; Desenvolvimento Infantil; Enfermagem Pediátrica; Enfermagem Familiar

RESUMEN

Objetivo  Relatar la experiencia de implantación del Programa de visita domiciliaria Jóvenes Madres Cuidadoras.

Método  El programa enfoca la relación madre-niño como objeto del cuidado con vistas al desarrollo de la parentalidad y adopta la teoría del apego, la teoría de la autoeficacia y la teoría bioecológica como marcos de referencia. La construcción de ese programa ocurrió a partir de materiales de programas de visitación internacionales, mediante la traducción del material, la elaboración y la validación del contenido teórico.

Resultados  Las visitas realizadas por las enfermeras tuvieron duración media de una hora, en las que fueron abordados con las adolescentes temas referentes a los cuidados con la salud, salud ambiental, proyecto de vida, parentalidad, familia y red social, además de las demandas de las adolescentes. Se evidenció que las enfermeras encontraron dificultades en la implantación del programa.

Conclusión  Al adoptar la visita domiciliaria como herramienta de cuidado con foco en la parentalidad, la experiencia de implantación del programa demostró ser una tecnología innovadora, con gran potencial y relevancia para la promoción del cuidado a la adolescente y al desarrollo infantil.

Visita Domiciliaria; Familia; Adolescente; Desarrollo Infantil; Enfermería Pediátrica; Enfermería de la Familia

ABSTRACT

Objective  To report the experience of implementing Home Visits as part of the Young Mothers Caregiver Program.

Method  The program focuses on the mother-child relationship as an object of care for developing parenting using the attachment theory, the self-efficacy theory and the bioecological theory as references. The construction of this program was centered on materials of international visitation programs, based on the translation of the material, elaboration and validation of the theoretical content.

Results  The home visits performed by the nurses lasted an average of 1 hour, where issues related to health care, environmental health, life project, parenting, family and social network, in addition to the adolescents’ demands were discussed. It was shown that nurses encountered difficulties in implementing the program.

Conclusion  By adopting Home Visits as a care tool with a focus on parenting, the experience of implementing the program proved to be an innovative technology, with great potential and relevance for promoting adolescent care and child development.

House Calls; Family; Adolescent; Child Development; Pediatric Nursing; Family Nursing

INTRODUÇÃO

Diversas iniciativas de programas de Visitação Domiciliar (VD) têm sido implementadas com a finalidade de promover o desenvolvimento e o cuidado infantil. A maioria desses programas prioriza famílias e mães com maior vulnerabilidade social e econômica, e dessa forma se constituem em um mecanismo importante para a equidade(1). A VD é escolhida como estratégia de intervenção por ser um instrumento potente para a identificação das necessidades de saúde que famílias vulneráveis com crianças pequenas enfrentam(2-3).

O Nurse Family Partnership (NFP) é um exemplo desse tipo de intervenção em saúde e tem oferecido muitas contribuições teóricas e práticas para os resultados desses programas de visitação domiciliar na qualificação da interação mãe-criança e no fortalecimento da rede de proteção social da família. Baseado na entrevista de ajuda, o NFP tem como população-alvo adolescentes na sua primeira gravidez e se propõe a “encorajar” essas adolescentes a protagonizarem um cuidado responsivo aos seus bebês e a construírem um projeto de vida autônomo para elas próprias. Os resultados das pesquisas relativas à implantação do NFP demonstram melhora na responsividade da mãe e no desenvolvimento mental, cognitivo e social das crianças, assim como uma melhor inserção da adolescente na sociedade(4).

Outra contribuição para a efetividade de programas de VD que toma como foco os cuidados “parentais” para o desenvolvimento infantil é programa Minding the Baby (MTB)(5). Este é desenvolvido nos Estados Unidos, e foi construído pela escola de enfermagem da Universidade de YALE. O MTB enfoca a construção da capacidade reflexiva das mães para que estas possam melhorar os cuidados oferecidos aos seus bebês(5).

O NFP e o MTB têm em comum o fato de serem protagonizados por enfermeiras, inscreverem suas ações no âmbito da promoção da saúde e dos cuidados parentais e tomarem como finalidade de sua intervenção o desenvolvimento cognitivo e social das crianças.

Estudos recentes apontam que desenvolver a parentalidade dos pais amplia a responsividade materna/paterna às necessidades da criança, e isso consequentemente impactará de forma positiva o desenvolvimento infantil. A “parentalidade” é entendida como o conjunto de atividades desenvolvidas no sentido de assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, em um ambiente seguro, de modo a torná-la mais autônoma e prepará-la para situações físicas, econômicas e psicossociais que surgirão ao longo da vida(6).

A relevância de um processo de cuidado que tome como finalidade a construção da parentalidade positiva se assenta nas recentes descobertas do campo da epigenética e do neurodesenvolvimento, que apontam dois aspectos-chaves no desenvolvimento de uma criança: os processos biológicos e as experiências vivenciadas. Segundo essas teorias, o desenvolvimento do cérebro apresenta uma etapa biológica e de formação acelerada de sinapses nos primeiros anos de vida. Este desenvolvimento biológico é complementado pelas experiências cotidianas, assim, a interação entre bio e ambiente influenciam as estruturas neuronais permanentes no cérebro(6). Com isso, depreende-se que o processo de desenvolvimento infantil acontece naturalmente, no entanto, é possível atuar a favor desse desenvolvimento na primeira infância por meio da família e das experiências que ela pode propiciar à criança, e essa atuação se dá pela construção da parentalidade positiva(6).

Destaca-se que é comum a ocorrência de gravidez indesejável na adolescência, e tal circunstância pode trazer sérias complicações maternais e fetais, entre as quais citam-se: doença hipertensiva específica da gestação, prematuridade e baixo peso ao nascer. Ademais, em alguns casos, as repercussões da gestação precoce podem ir além do impacto na saúde da mãe e bebê, afetando as dimensões biopsicossociais dessa díade, tornando-os vulneráveis ao comprometimento de seu pleno desenvolvimento(7).

Inspirado nas experiências citadas e sensibilizado pelo impacto social que a gravidez na adolescência acarreta, um grupo de pesquisadores da Escola de Enfermagem e do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo construiu o Programa de Visitação Jovens Mães Cuidadoras (PJMC). Este programa tem como objetivos: promover o desenvolvimento da primeira infância, melhorando os resultados da saúde (na mãe e na criança); promover relações sensíveis e responsivas da mãe para com a criança (parentalidade positiva); estimular interações cognitivas e emocionais entre mães e bebês (apego); melhorar e aprimorar a rede de apoio familiar e social; e melhorar as capacidades individuais para o alcance de uma melhor inserção no trabalho e na vida das adolescentes (autoeficácia).

O PJMC foi desenvolvido para ser parte e está sendo testado e implementado na pesquisa “Os efeitos do programa de visitação para jovens gestantes sobre o desenvolvimento infantil: um estudo-piloto”, com financiamento do Programa Saving Brains/Grand Challenges Canada. Essas instituições tradicionalmente aportam financiamento para projetos inovadores que visem solucionar problemas que impactem no desenvolvimento das crianças.

Dessa forma, este estudo teve como objetivo relatar a experiência de implementação do Programa de visita domiciliar Jovens Mães Cuidadoras. A seguir, serão descritas as bases teóricas e conceituais do PJMC, a maneira como ele foi construído e validado, a experiência de sua implantação (nos itens método e resultados) e os aspectos que têm facilitado e dificultado a implementação dessa tecnologia para a enfermagem (no item conclusão).

MÉTODO

O PJMC é uma tecnologia para ser utilizada pela enfermeira, principalmente na Atenção Básica (AB) e enfoca a relação mãe-criança como objeto do cuidado, buscando como finalidade desse cuidado a parentalidade positiva ou a construção de competências de cuidado familiares para a criança(3,6). No Brasil, não existem tecnologias sistematizadas para “a construção de cuidados parentais” a serem utlizadas pela enfermeira na AB, e essa é a inovação do PJMC.

O PJMC utiliza como referencial teórico para fundamentar sua estrutura de cuidado três grandes abordagens, quais sejam: 1) Teoria do Apego, que reconhece a importância crítica de bebês recém-nascidos desenvolverem ligações seguras com suas mães para seu desenvolvimento posterior(8); 2) a Teoria da Autoeficácia, que fornece uma estrutura para as enfermeiras visitadoras compreenderem como as mulheres tomam decisões para si e para seu filho(9); e 3) a Teoria Bioecológica, que destaca a importância do contexto social, comunitário e familiar da mãe em influenciar suas decisões, comportamentos e as formas de cuidar dos filhos(10). Esses fundamentos teóricos traduzem-se em cinco eixos de assistência: a) cuidados com a saúde, b) saúde ambiental, c) parentalidade positiva, d) rede social e família e e) projeto de vida. Os eixos de assistência do PJMC devem compor e perpassar as VD realizadas.

Para ser construído, o PJMC passou por três etapas: 1) tradução do material público relativo ao NFP e ao MTB, pois eles foram as “fontes” inspiradoras da abordagem tecnológica; 2) elaboração da estrutura e conteúdo teórico instrucional das VD do PJMC; e 3) validação do conteúdo do PJMC, por experts da área.

A etapa 1 foi realizada por enfermeiros sob a supervisão de profissionais de saúde com reconhecida experiência e conhecimento em programas de desenvolvimento infantil como o NFP e MTB, para a análise do material traduzido.

A etapa 2 foi realizada por meio de grupo focal, com a participação de uma equipe multiprofissional composta de enfermeiras (4), médico pediatra (1), psicólogos (2) e psiquiatras infantis (2), num total de nove pessoas. Foram realizados oito encontros desse grupo de pesquisadores para a discussão de temas relativos ao conteúdo do programa de visitação, como diretrizes gerais, resultados, população-alvo, cronograma de visitas, temas a serem abordados junto às gestantes, puérperas e mães, instrumentos de avaliação e intervenção a serem utilizados nas VD, ações a serem executadas durante as VD de pré-natal, ações a serem executadas durante as VD de puerpério e treinamento das enfermeiras para o teste do programa de VD. As discussões oriundas desse grupo focal consideraram os aspectos a serem utilizados nas diferentes fases da primeira infância, a relevância, a clareza, a objetividade, o nível de complexidade e a aplicabilidade dos instrumentos de avaliação e intervenção.

A etapa 3 foi realizada por acadêmicos especialistas na área de saúde mental, saúde pública e saúde materno-infantil e da prática em serviços de AB. Adotou-se a técnica de Delphi para a coleta de dados, por meio de um intrumento de caracterização e por um questionário tipo Likert, o qual foi composto por blocos temáticos com pontuação máxima de 4 pontos, e foi tido como aprovado quando a concordância fosse maior que 75%. Esta etapa compôs a tese de doutorado intitulada “Validação de conteúdo de um programa de visita domiciliar para a díade mãe-criança”.

ASPECTOS ÉTICOS

Ressalta-se que a pesquisa seguiu as normas da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São Paulo, com registro sob o CAAE de número 41573015.0.0000.0065 e com número de parecer 1.397.051/2016.

ESTRUTURAÇÃO DO PROGRAMA

As VD realizadas pelas enfermeiras estão baseadas em premissas que servem como diretrizes para a abordagem a mães, pais e famílias, descritas no Quadro 1.

Quadro 1
– Premissa, objetivos e intervenções do PJMC – São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Apesar de as VD serem baseadas nessas premissas, o planejamento das visitas e o plano de cuidados a ser executado junto a cada família são desenvolvidos de forma personalizada e individualizada pelas enfermeiras visitadoras, tomando como referência as dificuldades do cotidiano das adolescentes. Sendo assim, para cada adolescente existe um plano de cuidados específico e individual, e sua intervenção sempre tem o foco no fortalecimento das competências maternas para o cuidado amoroso e sensível à criança.

A todo momento a enfermeira visitadora avalia e reavalia suas intervenções frente às condições de saúde, segurança, rede social e ao curso de vida da adolescente. Assim, a enfermeira visitadora tem acesso a um grupo de temas imprescindíveis para a intervenção, mas a gradação da intensidade e frequência com que cada um será abordado dependerá das decisões que esta tomar frente à realidade que encontrar.

No intuito de nortear o conteúdo das VD, foi elaborado um Protocolo de Visitação baseado nas premissas do programa e tomando como referência os manuais de acompanhamento de Pré-natal e puerpério e Saúde da Criança. Os temas abordados na primeira visita da gestação são: identificação pessoal, dados socioeconômicos, antecedentes familiares e pessoais, anamnese, exame físico e gestação atual. Nas visitas subsequentes, são levantados queixas, hábitos e rotinas, exame físico, as premissas do programa e anotações de enfermagem (impressões da visitadora e plano para visitas futuras). Também são aplicadas a Escala de Autoeficácia Geral Percebida, a Escala de Apego Materno-Fetal e a Escala de Edimburgo.

No puerpério, além dos dados sobre o parto e o nascimento, também são realizados o exame físico da puérpera e do bebê e as premissas do programa, bem como aplicada a Escala de Depressão Pós-parto de Edimburgo e o Exame Neurológico da criança.

As visitas dos 02 aos 12 meses de vida do bebê abordam o exame físico completo, os marcos do desenvolvimento infantil, alimentação e higiene, premissas do programa e dúvidas da mãe em relação aos cuidados do bebê.

O PJMC conta com uma equipe de supervisores composta de enfermeira, psicóloga e aluno de pós-graduação que realizam uma supervisão clínica semanal com as enfermeiras visitadoras para promover uma discussão de casos e atender às demandas relativas às adolescentes, ao filho e à família, e juntos buscar solucionar a demanda trazida na supervisão.

RESULTADOS

IMPLEMENTAÇÃO DO PJMC

O PJMC teve início em agosto do ano de 2015, quando foram selecionadas adolescentes primigestas entre 14 e 19 anos de vida, pertencentes às classes sociais C, D e E, residentes em regiões de vulnerabilidade social da cidade de São Paulo/SP, Brasil, acompanhadas nas Unidades de Saúde da região oeste e que aceitaram participar do programa. Foram excluídas do programa adolescentes gestantes acompanhadas no pré-natal de alto risco, multíparas, com qualquer comorbidade e que tinham comprometimento cognitivo. Nessa etapa, 40 adolescentes foram selecionadas para serem assistidas pelo PJMC. As adolescentes ingressaram no programa a partir da 8º-16º semana de gestação e deveriam permanecer até a criança completar 18 meses de idade. A partir daí, considera-se “concluída” a intervenção.

O esquema de visitas proposto pelo PJMC possui uma média de 58 a 63 visitas para cada adolescente, com frequência quinzenal. A quantidade média de visitas a ser realizada por período é assim distribuída: durante a gravidez − 10 a 15 VD; no puerpério − 4 a 6; e dos 2 meses aos 18 meses da criança, em torno de 40 VD.

A proposta inicial do PJMC contou com uma equipe formada por três enfermeiras visitadoras, porém, atualmente a equipe está composta de duas enfermeiras, uma delas está desde o início do projeto, e a outra entrou na etapa de acompanhamento do puerpério das adolescentes. Apesar da importância do vínculo enfermeira-mãe para o sucesso da intervenção, no decorrer da implementação ocorreram desistências de profissionais.

Depois da seleção realizada inicialmente, o grupo-intervenção ficou composto de 34 adolescentes, entre 14 e 19 anos, e no decorrer houve algumas desistências por motivos de mudança de cidade ou falta de interesse em continuar no programa. Atualmente, o programa se encontra na fase de acompanhamento das crianças de 06 meses a 12 meses, tendo um total de 28 adolescentes.

O número de VD realizadas às adolescentes variou, devido à disponibilidade de cada uma em receber as visitas e da idade gestacional em que se iniciou o acompanhamento. Durante a gestação, a adolescente poderia receber no máximo 17 VD, e a maioria delas recebeu apenas 11 VD, devido ao nascimento do bebê. No período de puerpério, a maioria das adolescentes recebeu em média seis visitas, o que era esperado pelo programa, porém houve algumas adolescentes que, por falta de adesão à VD, receberam um número menor de VD no puerpério.

As VD da gestação e puerpério tiveram duração média de 1 hora, e durante esse tempo com as adolescentes as enfermeiras visitadoras abordavam as premissas propostas pelo PJMC que constam nos protocolos de visita, além das demandas das adolescentes. Foram realizados um levantamento dos principais assuntos abordados nas premissas das VD de gestação e puerpério e o tempo médio de duração da discussão dos assuntos (Quadro 2).

Quadro 2
– Assuntos abordados em cada premissa do PJMC – São Paulo, SP, Brasil, 2017.

No início, o PJMC não encontrou dificuldade em realizar as VD às adolescentes, pelo contrário, elas foram receptivas e acolhedoras. As enfermeiras visitadoras conseguiam contato com as adolescentes por meio de ligação telefônica, mensagens pelo whatsapp e/ou redes sociais. As famílias das adolescentes também foram receptivas, e algumas até participativas durante a realização das VD, participação valorizada pelo PJMC. Os pais dos bebês também tinham livre acesso e podiam participar das VD, pois o projeto entende a importância da presença da figura paterna para o desenvolvimento do bebê.

Contudo, atualmente algumas dificuldades são enfrentadas pelo PJMC em manter a “dosagem/número” das VD propostas pelo programa, por exemplo, há casos de mães que começaram a trabalhar, e as VD não estão sendo realizadas por incompatibilidade de dia e horário para a realização. Outra dificuldade é que a maioria das crianças já está completando 12 meses e sendo matriculadas nas creches, 18 adolescentes estão com os filhos matriculados nas creches, e as enfermeiras visitadoras estão conseguindo realizar a VD com apenas 10 adolescentes.

As dificuldades das enfermeiras visitadoras são com transporte público, por conta do tempo que demanda ir de uma casa a outra, da falta de estrutura, como banheiro e local para realizar as anotações e as refeições, falta de segurança ao andar nas zonas de perigo, desgaste físico (carregar o peso dos protocolos das visitas do dia e exposição constante a alterações climáticas), adolescente que desmarca em cima da hora e necessita remarcar uma nova data para a VD, famílias que são contestadoras da orientação da enfermeira, falta de cooperação e contato com a UBS e demais serviços de saúde da região para encaminhar as demandas tanto de saúde quanto sociais.

DISCUSSÃO

Muitos fatores podem influenciar a ocorrência da gravidez durante o período da adolescência e o seu bom andamento. Jovens grávidas são um grupo de risco que demandam cuidados de pré-natal e parto qualificados, o que pode ser negligenciado por início tardio do acompanhamento, barreiras financeiras, estigma, desrespeito ou uma combinação desses fatores(11).

Milhões de meninas entre 15 e 19 anos e com idade inferior a 15 anos engravidam e têm filhos todos os anos, a maioria vive em países de baixa e média renda. Dessa forma, muitas dessas adolescentes estão vulneráveis à ocorrência de aborto inseguro, resultando em mortes que poderiam ser evitadas(11).

Nesse sentido, o PJMC vem sendo implementado com foco na parentalidade, na busca de impactar os resultados da gravidez e o desenvolvimento das novas gerações. Embasado em programas internacionais, como o NFP e o MTB, o PJMC tem uma proposta de visitação domiciliária para atingir seus objetivos.

Em relação ao acompanhamento pré-natal das adolescentes pelo PJMC, estas tiveram a possibilidade de ingressar no programa a partir da 8ª−16ª semana de gestação. A este respeito, estudo aponta que, embora grande porcentagem de mulheres use alguns cuidados pré-natais em sua primeira gravidez, o acompanhamento começa tardiamente, e essas mulheres são privadas da melhor assistência possível. Contudo, os governos devem garantir que os cuidados de gravidez acessados pelas mães adolescentes sejam de alta qualidade e adaptados para atender às suas necessidades(12), deste modo, o tempo de início de acompanhamento pelo PJMC se mostra adequado.

O atual esquema de visitas proposto pelo PJMC possui uma média de 58 a 63 visitas para cada adolescente, com frequência quinzenal, distribuídas entre os períodos de pré-natal, puerpério e dos 02 aos 18 meses da criança, porém, por diversos motivos, em alguns casos essa meta não é alcançada. Na tentativa de minimizar problemas dessa ordem, o NFP desenvolve um rigoroso método de classificação dos riscos das famílias, bem como de seus pontos fortes, que fornecem orientação para enfermeiros e supervisores ajustarem a frequência de visitas, com o objetivo de melhorar a eficácia e eficiência do programa, realizando o número necessário de visitas previsto para todas as famílias(13), e que pode auxiliar o PJMC a reavaliar o atual esquema.

Sobre o número de visitas “ideal” durante o acompanhamento pré-natal, as novas orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam um mínimo de oito visitas de rotina para mulheres primigestas, com o contato inicial no primeiro trimestre, dois contatos no segundo trimestre, e cinco contatos agendados no terceiro trimestre. E embora essa aspiração de cuidados adicionais seja bem-vinda, seria necessário um enorme investimento para alcançar esse aumento no número de visitas pré-natais para todas as mulheres(14), portanto, talvez isso tenha de ser priorizado para as jovens/adolescentes, visto serem o grupo mais vulnerável de mulheres grávidas(11). Nesse sentido, a realização de VD pelo PJMC supera o número de visitas pré-natal proposto pela OMS, visto que as adolescentes acompanhadas receberam uma média de 11 VD durante esse período.

Destaca-se que a atuação do enfermeiro na consulta pré-natal possibilita o acolhimento, o vínculo e a interação, a prática de educação em saúde e o comprometimento profissional do enfermeiro com a gestante e sua família. O impacto positivo de suas ações na consulta pré-natal é evidente, particularmente no que se refere ao reconhecimento das necessidades das mulheres e no esforço à integralidade das ações em saúde(15).

Os resultados da aplicação do NFP em famílias americanas mostraram melhora na sensibilidade e responsividade da mãe às necessidades da criança, e melhora no desenvolvimento mental dos filhos(4). Os estudos de seguimento mais longo de programas de visitação domiciliar de cuidados pré-natais e infantis mostram redução nos problemas de comportamento dos filhos, diminuição de comportamentos antissociais graves e de abuso de substâncias durantes os primeiros 15 anos de vida. Esses estudos também indicam diminuição de abuso e negligência por parte dos pais(16).

Pesquisas sugerem que existe associação entre estilos de pais e uso de drogas entre adolescentes, sendo que os adolescentes de pais negligentes são mais propensos ao uso de drogas, indicando que as atividades para reduzir negligência parental devem ser incluídas na prevenção do uso de drogas(17).

Citam-se também os resultados de mulheres que participaram do MTB e que descreveram que seus filhos tiveram melhores comportamentos com o acompanhamento do programa(18), e os estudos que mostram que o Family Nursing Partnership (FNP), implantado em 2007 na Inglaterra, baseado no NFP, conta com resultados benéficos decorrentes da implantação desse programa no Reino Unido(19-21).

Ao ter a abordagem de vários assuntos em cada premissa, percebe-se que as adolescentes e as crianças estão sendo beneficiadas, visto que, durante o tempo de 1 hora de VD, os assuntos mais abordados dizem respeito a cuidados com a saúde, seguidos de assuntos sobre parentalidade, família, projeto de vida, rede social e saúde ambiental, temas estes que possibilitam o empoderamento da adolescente e família, proporcionando melhores resultados para si e para as crianças.

Os programas de VD estão sendo cada vez mais reconhecidos como uma estratégia de serviço para reduzir a pobreza e atenuar suas consequências, sendo uma parte importante dos cuidados à primeira infância, possibilitando o atendimento às necessidades das famílias jovens e vulneráveis(2).

O investimento em programas com essa abordagem mostrou eficácia em vários domínios, incluindo autossuficiência econômica familiar, melhores resultados durante o parto, na saúde materna, no desenvolvimento infantil e nas práticas positivas de parentalidade, ao promover o aumento do conhecimento e habilidade dos pais(2).

Nesse contexto, as premissas do PJMC buscam atender as jovens mães de forma holística, para que desenvolvam as competências parentais de forma positiva. Além de realizar ações que outros programas de atenção pré-natal abrangem, como intervenções nutricionais, maternas, avaliação fetal, medidas preventivas, intervenções para sintomas comuns da gravidez e incentivo ao uso do sistema de saúde para melhorar a qualidade dos cuidados(14), o PJMC utiliza evidências de que o cuidado amoroso e responsivo aumenta os resultados positivos em todas as dimensões da vida da criança.

Dessa forma, para alcançar os objetivos do programa, é importante a participação da família, o que está acontecendo na implementação. Ademais, o cuidado pré-natal envolve um comprometimento pessoal e profissional dos trabalhadores de saúde, uma vez que os desafia a superar dificuldades do cotidiano e buscar dentro das possibilidades um atendimento humanizado e integral às gestantes. Para isso, é necessário o reconhecimento do outro, ver a gestante como alguém marcado por uma história de vida e familiar, e ter sua cultura como norteadora dos cuidados(22).

Enfim, é importante a clareza de que atingir as crianças nos primeiros anos de vida é um pré-requisito para o desenvolvimento da sociedade(23). A saúde infantil inspira grande preocupação e exige intervenções parentais eficazes e apropriadas.

CONCLUSÃO

A implementação do projeto-piloto demonstrou que o PJMC é uma tecnologia de intervenção inovadora e de grande relevância na AB, com capacidade de aprimorar a assistência materno-infantil e de apoiar o desenvolvimento da parentalidade de mães adolescentes, no intuito de torná-las mais responsivas e afetivas, fortalecendo o vínculo mãe-criança.

Como aspecto que tem facilitado a implementação dessa tecnologia na enfermagem, destaca-se a VD, que demonstrou ser uma importante ferramenta para a efetivação dos objetivos do programa, por possibilitar maior tempo para cuidados complexos, centrados nas particularidades e história da família. Como desafios, evidenciam-se a necessidade de investimentos contínuos em ações de supervisão e educação continuada das enfermeiras visitadoras e a interlocução com os serviços de assistência social e saúde disponíveis na região.

A falta de estrutura para a realização das visitas apresentou-se como limitação do PJMC. Ademais, há a necessidade de repensar as estratégias de acompanhamento das adolescentes que trabalham e têm filhos que frequentam creches, para que seja realizado o número adequado de visitas, garantindo a eficácia do programa.

Os resultados promissores do PJMC indicam que essa tecnologia de intervenção pode ser expandida na atenção primária, para que se tenha maior impacto na saúde e qualidade de vida das adolescentes, seus filhos e famílias atendidas, promovendo o desenvolvimento das gerações futuras e da sociedade. Para isso, são necessários o apoio de órgãos públicos e investimentos na capacitação e educação continuada de enfermeiras visitadoras, o que se daria a partir das premissas do PJMC, para que estas profissionais desenvolvam cada vez mais suas competências no cuidado à primeira infância, por meio da parentalidade.

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  • Apoio financeiro Programa Saving Brains/Grand Challenges Canada.
  • *
    Extraído do programa implementado na pesquisa: “Os efeitos do programa de visitação para jovens gestantes sobre o desenvolvimento infantil: um estudo-piloto”, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2017
  • Aceito
    26 Mar 2018
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