Open-access Associação entre condições de trabalho da enfermagem e ocorrência de eventos adversos em Unidades Intensivas neopediátricas*

Asociación entre las condiciones de trabajo en enfermería y la ocurrencia de eventos adversos en Unidades Intensivas neonatales y pediátricas

RESUMO

Objetivo  Investigar a associação entre as condições de trabalho da equipe de enfermagem intensivista e a ocorrência de eventos adversos nos pacientes atendidos.

Método  Pesquisa avaliativa e documental realizada em seis Unidades de Terapia Intensiva neopediátricas públicas de hospitais estaduais do Paraná, de abril de 2017 a janeiro de 2018. As variáveis preditoras, referentes ao dimensionamento de pessoal e ambiente de trabalho, foram mensuradas por meio dos instrumentos Nursing Activities Score e Brazilian Nursing Work Index-Revised. Os 30 eventos adversos corresponderam à variável de desfecho e foram detectados utilizando-se os instrumentos Pediatric e Neonatal Trigger Tool.

Resultados  Participaram da pesquisa 203 profissionais. Verificou-se que o dimensionamento do pessoal de enfermagem estava adequado. As condições de trabalho mostraram-se favoráveis e o valor do Alfa de Cronbach foi 0,90 (IC= 0,87 – 0,92). Os eventos mais frequentes detectados nos pacientes foram infecção e lesão de pele. A análise estatística de correlação e ocorrência de evento adverso demonstrou não haver significância.

Conclusão  Apesar de não ser evidenciada associação estatística entre as variáveis, os resultados demonstram comprometimento da gestão pública e dos profissionais com a segurança do paciente e qualidade da assistência.

Enfermagem de Cuidados Críticos; Condições de Trabalho; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal; Enfermagem Pediátrica; Segurança do Paciente

RESUMEN

Objetivo  Investigar la asociación entre las condiciones de trabajo del equipo de enfermería de cuidados intensivos y la ocurrencia de eventos adversos en los pacientes atendidos.

Método  Evaluación e investigación documental realizada en seis Unidades de Cuidados Intensivos públicas neonatales y pediátricas de hospitales estatales de Paraná, desde abril de 2017 hasta enero de 2018. Las variables predictoras, referidas al tamaño del personal y al ambiente de trabajo, se midieron utilizando el puntaje de las actividades de los instrumentos Nursing Activities Score y Brazilian Nursing Work Index-Revised. Los 30 eventos adversos correspondieron a la variable de resultado y se detectaron utilizando los instrumentos Pediatric y Neonatal Trigger Tool.

Resultados  203 profesionales participaron en el estudio. Se verificó que el dimensionamiento del personal de enfermería era adecuado. Las condiciones de trabajo fueron favorables y el valor Alfa de Cronbach fue de 0,90 (CI = 0,87 - 0,92). Los eventos más frecuentes detectados en los pacientes fueron la infección y la lesión de la piel. El análisis estadístico de la correlación y la ocurrencia del evento adverso no mostró ninguna significación.

Conclusión  Aunque no se evidencia una asociación estadística entre las variables, los resultados demuestran el compromiso de la administración pública y los profesionales con la seguridad del paciente y la calidad de la atención.

Enfermería de Cuidados Críticos; Condiciones de Trabajo; Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal; Enfermería Pediátrica; Seguridad del Paciente

ABSTRACT

Objective  To investigate the association between intensive nursing staff’s work conditions and the occurrence of adverse events in patients.

Method  Evaluative documentary study conducted in six public neonatal and pediatric Intensive Care Units from hospitals in Paraná state, from April 2017 to January 2018. The predictive variables concerning staff sizing and work environment were measured through the instruments Nursing Activities Score and Brazilian Nursing Work Index-Revised. The thirty adverse events corresponded to the outcome variable and were detected using the instruments Pediatric and Neonatal Trigger Tool.

Results  Two-hundred and three professionals participated in this research. The nursing staff sizing was verified to be appropriate. Work conditions were favorable and Cronbach’s Alpha was 0.90 (IC= 0.87 – 0.92). The most frequently detected events in patients were infection and skin lesion. The statistical analysis of correlation and adverse event occurrence was not significant.

Conclusion  Despite the lack of evidence on statistical significance between the variables, the results reveal commitment by the public sector and professionals with patient safety and assistance quality.

Critical Care Nursing; Working Conditions; Intensive Care Units Neonatal; Pediatric Nursing; Patient Safety

INTRODUÇÃO

Profissionais satisfeitos, em número adequado e atuantes em ambiente com comunicação eficaz e clima de segurança satisfatórios são fatores de alta importância para a qualidade da assistência de enfermagem e da segurança do paciente(1). Esta é definida como a redução do risco de danos desnecessários relacionados aos cuidados em saúde ao mínimo aceitável(2). Incidentes decorrentes da assistência em saúde que atingem o paciente são denominados Eventos Adversos (EA)(2) e a análise de seus fatores associados é relevante por sua morbimortalidade.

Estudo realizado em 16 hospitais nos EUA analisou 3.790 prontuários de pacientes pediátricos internados entre 2007 e 2012 e identificou 414 EA. Desses, 210 foram considerados evitáveis(3). No Brasil, investigação realizada em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital universitário confirmou 324 EA em 115 pacientes e verificou aumento médio do tempo de internação em 19 dias, bem como aumento da mortalidade(4). Contudo, a subnotificação prejudica o reconhecimento do problema nas instituições.

Para preencher essa lacuna, o Institute of Healthcare Improvement (IHI) desenvolveu, em 2002, a metodologia Global Trigger Tool (GTT) para identificação de EA(5). Tal estratégia visa à busca por rastreadores, denominados gatilhos, para a detecção de possíveis EAs e fornece instruções aos investigadores para coletar os dados necessários durante revisão retrospectiva de prontuários(5). O National Health Service (NHS), do Reino Unido, com objetivo de aplicar a metodologia GTT em pacientes pediátricos, desenvolveu e disponibiliza publicamente instrumentos para uso em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN)(6-7), os quais foram aplicados e aprovados para uso em pediatria(8).

Esses pacientes, quando em estado crítico e hospitalizados em UTI, estão mais suscetíveis a erros frente à multiplicidade de intervenções e complexidade no tratamento. Neste contexto, a equipe de enfermagem, que representa a maioria dos profissionais em saúde, atua com alta demanda de atividades, exigência de ações rápidas e observação contínua. Sua frequente sobrecarga de trabalho é fator de risco para a segurança do paciente(9).

No Brasil, o Dimensionamento de Pessoal de Enfermagem (DPE) em UTI é normatizado pela RDC 26/2012, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e pela Resolução 543/2017 do Conselho Federal de Enfermagem. No entanto, essas determinações não consideram a demanda de cuidados, que é variável relevante, independentemente da gravidade do paciente. Neste contexto, o Nursing Activities Score (NAS) é o instrumento mais utilizado para determinar o tempo despendido pela equipe, de acordo com o cuidado exigido, e mensurar a carga de trabalho(10).

Referente a essas variáveis, estudo realizado na Coreia do Sul concluiu que dimensionamento, ambiente de trabalho e razão paciente/enfermeiro estão associados à mortalidade de pacientes e, quando adequados, contribuem para a redução de mortes evitáveis(11). Outro estudo, realizado em 300 hospitais em nove países europeus, demonstrou que o aumento na carga de trabalho elevou a probabilidade de um paciente internado morrer dentro de 30 dias em 7%. O mesmo estudo comprovou que o aumento em 10% no quantitativo de enfermeiros diminuiu essa probabilidade em 7%(12).

Para avaliar as características do ambiente de trabalho, pesquisadoras brasileiras traduziram, adaptaram o validaram o Nursing Work Index-Revised (NWI-R), denominado Brazilian Nursing Work Index-Revised (B-NWI-R). Este instrumento permite avaliar o ambiente geral e as variáveis autonomia, controle sobre o ambiente, relação entre médicos e enfermeiros e suporte organizacional. Sua aplicação subsidia iniciativas que asseguram melhor qualidade da assistência oferecida ao paciente e melhor satisfação profissional(13).

No contexto dos cuidados intensivos, o paciente neopediátrico, internado em unidades neonatais, pediátricas ou mistas, como as Unidades Intensivas neopediátricas, está na categoria de pacientes vulneráveis a riscos durante a assistência. Essa afirmação justifica a importância de pesquisas que identifiquem lacunas e contribuam para a promoção da segurança e qualidade do cuidado a esta população.

Mediante este contexto, esta pesquisa objetivou investigar se há associação entre as condições de trabalho da equipe de enfermagem intensivista neopediátrica e a ocorrência de EA em pacientes.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Pesquisa avaliativa e documental de delineamento transversal.

CENÁRIO

Pesquisa realizada em seis UTIs localizadas em cinco hospitais públicos do Estado do Paraná, sendo quatro neonatais, uma pediátrica e uma neopediátrica.

As unidades foram identificadas por numerais de um a seis, de modo a preservar a identificação das instituições. Entre as quatro unidades neonatais, uma possui vinte leitos, duas possuem dez e uma possui sete. A unidade pediátrica e a neopediátrica possuem dez leitos cada. Um dos hospitais é de grande porte e os demais, de médio porte.

POPULAÇÃO

Os participantes da pesquisa foram organizados em dois grupos. O Grupo I foi composto por enfermeiros e técnicos em enfermagem constantes na escala de trabalho do mês relativo à coleta de dados e em atividade em pelo menos um dia no período. Cada profissional participante recebeu um envelope com o instrumento B-NWI-R e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos aqueles que não devolveram os instrumentos de coleta de dados.

O Grupo II foi dividido em dois subgrupos. No subgrupo A, para aplicação do NAS, foram considerados os pacientes internados por mais de 24 horas na unidade no período de sete dias de coleta prospectiva de dados. Deste grupo, foram coletados apenas os dados contidos em seus prontuários e, em caso de dúvida, o profissional de enfermagem responsável pelo cuidado foi consultado. O subgrupo B, em que foram aplicados os instrumentos Neonatal Trigger Tool e Paediatric Trigger Tool, foi formado pelos prontuários de pacientes que receberam alta, transferência ou foram a óbito no mês da coleta.

COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada entre abril de 2017 e janeiro de 2018, sempre na última semana de cada mês, e a ordem cronológica se deu por conveniência de proximidade entre os hospitais. Foram utilizados os instrumentos B-NWI-R, NAS, Neonatal Trigger Tool e Paediatric Trigger Tool.

Os dados referentes ao ambiente de trabalho foram obtidos e avaliados por meio do instrumento B-NWI-R. Seus valores variam de um a quatro: quando <2,5, representam ambientes favoráveis e >2,5, desfavoráveis(14). Nesta pesquisa, o ambiente foi considerado favorável quando <2,5 e desfavorável quando ≥2,5.

O NAS foi aplicado prospectiva e diariamente, durante os sete dias de coleta de dados na respectiva UTI em cada hospital participante, sempre às 14 horas, considerando-se os pacientes internados. Os dados foram obtidos por meio da consulta aos registros diários de enfermagem e, em caso de dúvidas, o profissional responsável pela assistência foi indagado para elucidação.

Este instrumento é composto por 23 itens, divididos em sete áreas de cuidado; para cada atividade, são atribuídos entre 1,2 e 32,0 pontos. Cada um equivale a 14,4 minutos para o atendimento do paciente e o total corresponde à porcentagem de tempo de assistência de enfermagem dispendido ao paciente nas 24 horas(10). A média do escore NAS (µNAS) por paciente foi obtida pela aplicação da seguinte fórmula(10): µNAS X 14,40 = horas de cuidado/24h/UTI.

Para calcular o quantitativo de profissionais de enfermagem necessário, foi utilizada a fórmula pE = [E. (µ NAS/100)] + 15%, desenvolvida por pesquisadoras brasileiras(15). Nesta, pE = número de profissionais de enfermagem necessários; E = número de turnos de trabalho; µNAS = média de pontos do NAS; acrescentando-se 15% relativo ao Índice de Segurança Técnica (IST). O número de profissionais de enfermagem disponível, no mês relativo à coleta de dados, foi obtido por meio das informações constantes na escala de trabalho do setor e registros da chefia da unidade, quanto às ausências.

A busca por EA se deu pela consulta retrospectiva aos registros nos prontuários dos pacientes internados na respectiva unidade, no mês da coleta de dados, e limitada aos 30 dias anteriores à alta, transferência ou óbito. Foram utilizados os instrumentos Neonatal Trigger Tool e Paediatric Trigger Tool disponibilizados pelo NHS(6-7). De acordo com a metodologia, na presença de gatilhos, que são rastreadores positivos, os prontuários foram separados para posterior busca de possíveis EAs e analisados por médico pediatra com domínio da temática segurança do paciente para confirmação diagnóstica.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Os dados obtidos foram digitados em planilha Excel e analisados estatisticamente. O dimensionamento de pessoal e o ambiente representaram as condições de trabalho e foram considerados variáveis preditoras; os EAs, a variável de desfecho.

Dimensionamento adequado e inadequado foi considerado após comparação entre o resultado obtido pela aplicação do NAS (considerado como o mínimo necessário) e o efetivo registrado na escala de trabalho de cada UTI.

Os resultados de variáveis quantitativas foram descritos por média, máxima, mínima e desvio padrão. A análise estatística de associação foi realizada por regressão logística, calculando-se a Razão de Chances (RC), ou odds ratio (OR), do inglês. Para inferir a associação, foi avaliado o dimensionamento de pessoal da unidade/EA e o ambiente de trabalho/EA. A confiabilidade do B-NWI-R foi testada pelo coeficiente Alpha (α) de Cronbach, cuja faixa normal fica entre 0,00 e 1,00; quanto maior o coeficiente, mais precisa é a medição(16). Valores acima de 0,80 foram considerados excelentes; os abaixo de 0,50, inaceitáveis(17).

ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná (CEP/SD/UFPR) sob o Parecer n. 1.790.695/2016 e CEP/HT/SESA sob o Parecer 1.837.653/2016, de acordo com a Resolução n. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Os participantes do Grupo I (profissionais) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; para o subgrupo A (pacientes), o termo foi dispensado, por se tratar de consulta aos prontuários e aos profissionais. Todos os participantes foram codificados.

RESULTADOS

Dos 203 profissionais elegíveis, 143 (70,44%) participaram da pesquisa, sendo 34 (23,77%) enfermeiros e 109 (76,22%) técnicos em enfermagem. No período da coleta de dados, foram considerados, para a aplicação do NAS, os 80 pacientes internados, cuja média de idade foi de 11,25 a 30,79 dias de vida entre os pacientes neonatais e de oito meses a 3 anos entre os pediátricos. Os diagnósticos predominantes foram prematuridade e doenças congênitas e do sistema respiratório. Houve baixa taxa de ocupação nas UTIs 4 e 6, o que resultou em menor frequência de aplicação do NAS e, consequentemente, menor escore em comparação com os valores máximos.

O NAS foi aplicado 412 vezes e o escore médio variou entre 55,7% e 93,9%. Este indica a percentagem de tempo gasto com a assistência de enfermagem ao paciente em 24 horas (Figura 1).

Figura 1
– Média, Máxima e Mínima do Nursing Activities Score por Unidade de Terapia Intensiva – Curitiba, PR, Brasil, 2017-2018.

O escore médio do NAS, quando convertido em horas de cuidado no período de 24 horas, resultou entre 13,38 (DP=2,16) e 22,53 (DP=2,87) horas (Figura 2).

Figura 2
– Média do Nursing Activities Score e conversão em horas de cuidado, por Unidade de Terapia Intensiva – Curitiba, PR, Brasil, 2017-2018.

A média de pontos do NAS variou de 225 a 1658. Ao ser aplicada a fórmula para o cálculo do dimensionamento de pessoal, o número de profissionais necessários variou entre 10 e 76. A Tabela 1 apresenta a média de pontos do NAS e o comparativo entre este dimensionamento e o existente em cada unidade, de acordo com a escala de trabalho de enfermagem. À exceção da UTI 1, o dimensionamento foi considerado adequado.

Tabela 1
– Média de pontos e dimensionamento de profissionais de enfermagem pelo Nursing Activities Score e o presente na Unidade de Terapia Intensiva – Curitiba, PR, Brasil, 2017-2018.

Os resultados relativos ao ambiente de trabalho estão apresentados na Figura 3 e indicam ambiente favorável, à exceção das UTIs 5 e 6 (média ≥2,5). O Teste de Cronbach mostrou excelente consistência interna do B-NWI-R, com α=0,90 (IC= 0,87 – 0,92).

Figura 3
– Distribuição do B-NWI-R por Unidade de Terapia Intensiva – Curitiba, PR, Brasil, 2017-2018.

Na busca por EA, 79 prontuários foram analisados e 32 (40,5%) apresentaram 86 gatilhos (63 em neonatos e 23 em crianças). Os gatilhos predominantes em 26 neonatos foram: Infecção nosocomial (17,5%); Lesões por pressão ou lesões de pele em geral (14,3%); Cultura de sangue positiva (14,3%); Irregularidade medicamentosa (9,5%); e Extubação acidental ou piora aguda no bebê em ventilação mecânica (6,3%). Em seis pacientes pediátricos, os gatilhos identificados foram: Danos nos tecidos ou lesão por pressão (17,4%); Hipóxia, com saturação de O2 < 85% (17,4%); Transfusão (13,1%); e Cultura de sangue positiva (8,7%).

Após a análise dos casos, foram confirmados 30 EAs em 22 pacientes: infecção (12), lesão de pele (9), extubação (2), reintubação (3), perda de cateter (1), infiltração em cateter (1), erro na medicação (1), transfusão (1).

A análise da associação entre dimensionamento de pessoal e ambiente de trabalho e EA, em cada UTI, está apresentada na Tabela 2, com o valor considerado de cada variável, a RC da análise individual para medir a associação de cada um desses fatores prognósticos com EA, o respectivo intervalo de confiança de 95% e o valor p. Os resultados da análise estatística para associação demonstraram não haver significância nos resultados.

Tabela 2
– Valor considerado de cada fator prognóstico por local, razão de chances, respectivo intervalo de confiança 95% e valor p – Curitiba, PR, Brasil, 2017-2018.

DISCUSSÃO

Os resultados revelaram que a carga de trabalho, obtida pelo escore NAS, apresentou variação de 56 a 94%, o que corresponde, respectivamente, a 13,38 e 22,53 horas de assistência de enfermagem ao paciente no período de 24 horas. Outros estudos realizados no Brasil apresentaram média da carga de trabalho em UTI infantil de 50%(18-19).

Foi comprovado que o dimensionamento adequado de profissionais contribui para a segurança do paciente e prevenção de EA(11-12). O aumento no quantitativo de profissionais de enfermagem é diretamente proporcional à diminuição de horas extras, incidentes(11) e percentual de óbitos(12). A carga de trabalho de enfermagem foi considerada fator contribuinte para a ocorrência de EA em unidades neonatais de um hospital pediátrico em Cincinnati, EUA. No entanto, os autores defendem que sejam realizadas mais pesquisas nesse campo, por serem escassas na área pediátrica(20).

A diferença entre os escores mínimo e máximo, obtidos pela aplicação do NAS, são expressivos, com destaque para as UTI 1 (48,9-125,3%), UTI 3 (42-151,8%) e UTI 5 (50,3-142,7%). Esses intervalos se explicam frente à melhora no quadro crítico entre uns pacientes e maior criticidade em outros. Ainda, observa-se que alguns dos pacientes internados nessas UTIs poderiam ser classificados como pacientes de cuidados semi-intensivo e intermediário, uma vez que somente um hospital dispõe de Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal. Deste modo, os pacientes somente saem da UTI quando sua condição permite a transferência para uma unidade de internação clínica.

Estudo italiano, realizado em nove UTINs, apontou que 39% das crianças internadas foram classificadas como de cuidados semi-intensivos(21). No Brasil, os resultados encontrados em hospital universitário da região sul demonstrou que 51,3% dos 641 pacientes avaliados foram classificados como de cuidado semi-intensivo, o que demonstra a necessidade de reflexão quanto à oferta de leitos nas instituições(22). Esse cenário contribui para a permanência de pacientes semi-intensivos, tanto em unidades de internação como em UTIs, e dificulta o estabelecimento do melhor parâmetro para o DPE em UTI.

Os resultados desta pesquisa, em relação ao quantitativo de profissionais de enfermagem obtidos pela aplicação do NAS, demonstraram que o DPE nas UTIs participantes estava adequado, exceto a UTIN 1, que apresentou déficit. A classificação de pacientes, que possibilita o encaminhamento à unidade de internação correta, e o DPE estão diretamente relacionados, sendo indispensáveis para a conformação do quadro de pessoal necessário para assistir pacientes críticos e com alto grau de dependência. Utilizar tecnologias de gestão, como o NAS, permite a avaliação da carga de trabalho e o dimensionamento da equipe, contribuindo para a assistência segura e com qualidade(23).

Conforme os resultados verificados após a aplicação do B-NWI-R, a maioria dos profissionais julgou o ambiente de trabalho satisfatório, com exceção das UTIs 5 e 6. A aplicação desse instrumento entre 745 enfermeiros de 40 hospitais públicos de São Paulo demonstrou que, quanto piores as condições do ambiente de trabalho, maior a exaustão emocional. Os autores inferem que os resultados podem decorrer do modelo de gestão, padrões de assistência e perfil dos pacientes atendidos nos serviços públicos(24). Em hospital pediátrico de São Paulo, concluiu-se que ambiente favorável à prática de enfermagem contribui para a redução de EA e da permanência hospitalar(25).

O uso da ferramenta de gatilho Trigger Tool permitiu investigar os EAs que acometeram os pacientes pediátricos e neonatais em UTI. Verificou-se que os eventos mais frequentes foram infecção e lesão de pele, semelhantemente aos resultados de outras investigações realizadas no Brasil. Em revisão sobre o perfil dos incidentes em UTIN, pesquisadores confirmaram que incidentes, com ou sem dano aos pacientes, foram relacionados a erros ou falhas no uso de medicamentos, no uso de ventilação mecânica e de cateteres intravasculares, infecções associadas ao cuidado em saúde e lesão cutânea(26).

O uso da metodologia de gatilhos fornece base para detectar danos de maneira rigorosa e sistemática e proporciona melhor entendimento da epidemiologia do dano em crianças hospitalizadas, bem como permite o rastreamento de mudanças advindas após as intervenções, com foco na segurança do paciente(27). A eficácia do Trigger Tool serve de motivação para a comunidade pediátrica obter melhor compreensão das causas de EA e prosseguir com investigações para reduzir danos(28).

Contudo, pesquisadores afirmam que lacunas nos registros em prontuário e na notificação de incidentes são limitações à identificação de EA. Neste contexto, as condições de trabalho e ocorrência de EA são considerados indicador da qualidade da assistência que necessitam de educação permanente, com objetivo de sensibilizar os colaboradores para a notificação, capacitando-os quanto aos protocolos e monitoramento(26).

O impacto dos erros pode ser reduzido quando a verificação das causas ocorre pela análise minuciosa das consequências, que subsidia a adoção de medidas de prevenção. Deste modo, profissionais de saúde devem se familiarizar com a linguagem de segurança do paciente, implementar as melhores práticas e apoiar a cultura de segurança, somando os esforços para reduzir os erros(29).

Os testes estatísticos aplicados para verificar a associação das condições de trabalho da equipe de enfermagem com a ocorrência de EA demonstraram que tais condições não foram significativas. Os resultados refletem um fator positivo, visto existir comprometimento da gestão pública e dos profissionais com a segurança do paciente e com a qualidade da assistência prestada nas UTIs aos pacientes pediátricos e neonatos.

Esta pesquisa teve como limitações o tempo de coleta atribuído a cada UTI participante, visto o período restrito para conclusão e a logística de deslocamentos dos pesquisadores devida à distância entre as cidades, bem como a baixa ocupação de leitos em algumas UTIs durante o período de investigação.

Quanto às contribuições para o exercício da enfermagem, provou-se a eficácia dos instrumentos para mensurar as horas requeridas de trabalho e o dimensionamento de pessoal (NAS), bem como o nível de satisfação dos profissionais em relação ambiente de trabalho (B-NWI-R), e investigar a ocorrência de EA (Trigger Tool) com foco na análise das causas e prevenção. Tais instrumentos permitem estabelecer um diagnóstico com vistas à melhoria dos processos de trabalho e da qualidade da assistência.

CONCLUSÃO

O dimensionamento do pessoal de enfermagem e a carga de trabalho foram estimados por meio da aplicação do NAS, mostrando que este instrumento é aplicável e prático para uso em UTI pediátrica e neonatal. Os resultados contribuem para incentivar gestores de enfermagem em relação ao uso do NAS para mensurar a carga de trabalho.

A excelente consistência interna do B-NWI-R expressa sua confiabilidade para medir o ambiente de trabalho. A maioria dos profissionais de enfermagem que participaram desta pesquisa considerou o ambiente de trabalho favorável à prática profissional; porém, o fato de duas unidades apresentarem avaliação negativa merece atenção e faz presumir lacunas nestes serviços quanto à valorização da enfermagem e participação destes profissionais nas decisões cotidianas.

O uso da metodologia do Trigger Tool, durante a revisão retrospectiva de prontuários, permitiu a identificação de gatilhos como rastreadores positivos de possíveis EAs, os quais foram posteriormente analisados e diagnosticados. Detectaram-se danos ocasionados ao paciente durante a prestação de cuidados em saúde e a possibilidade de mensuração destes eventos, que possibilitam elaborar estratégias para prevenção.

Não foi evidenciada associação entre as condições de trabalho e a ocorrência de EA, pois as variáveis preditoras avaliadas foram consideradas, majoritariamente, satisfatórias. Apesar de parecer contraditório, o resultado geral desta pesquisa foi considerado positivo para a segurança do paciente neopediátrico internado em UTI, pois mostrou serviços brasileiros, que prestam atendimentos exclusivos pelo Sistema Único de Saúde, com elevado grau de excelência e qualidade, dado que se comprova pela baixa incidência de EA e o adequado dimensionamento da equipe de enfermagem.

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  • *
    Extraído da tese: “Condições de trabalho da enfermagem e ocorrência de eventos adversos em UTI neopediátricas: estudo de associação”, Universidade Federal do Paraná, 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2019
  • Aceito
    11 Out 2019
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