NECROLÓGIO
José Henrique Guimarães (08.10.1937 14.10.2008)
Carlos José Einicker LamasI; Silvio Shigueo NiheiII; Nelson Papavero I
IMuseu de Zoologia da Universidade de São Paulo, Avenida Nazaré, 481, CEP: 04263-000, Ipiranga, São Paulo, SP, Brasil
IIDepartamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, Rua do Matão, Travessa 14, n. 101, 05508-900, Cidade Universitária, São Paulo, SP, Brasil
José Henrique nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 8 de outubro de 1937, filho de José Soares Guimarães e Beatriz Augusta Guimarães. Realizou sua formação primária e secundária (atuais Ensinos Fundamental e Médio), na Escola Agrotécnica Ildefonso Simões Lopes, situada no KM 47 da antiga Rodovia Rio - São Paulo, no município de Itaguaí no Rio de Janeiro. Ali permaneceu de 1951 a 1957 tendo concluído o curso de Mestre Agrícola. Em 1958, transferiu-se para a Escola Agrotécnica Diaulas de Abreu, em Barbacena, Minas Gerais, onde permaneceu por um ano, regressando em seguida à Escola Agrotécnica Ildefonso Simões Lopes, onde concluiu o curso de Técnico em Horticultura.
Em 1959 ingressou na Escola Nacional de Agronomia e Veterinária da Universidade Rural do Brasil, atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Do primeiro ao quarto ano da Faculdade de Medicina Veterinária, estagiou na cadeira de Zoologia Médica e Parasitologia sob orientação do Professor Dr. Hugo de Souza Lopes (na época Catedrático na área de Parasitologia da UFRRJ) e ainda neste período, a convite do mesmo Dr. Hugo, começou a estagiar no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), na cidade do Rio de Janeiro, estudando dípteros da família Tachinidae e vindo a publicar seus primeiros trabalhos com este grupo, principalmente com o gênero Archytas e com as tribos Cuphoceratini e Juriniini. Formou-se em Medicina Veterinária no ano de 1962.
Em janeiro de 1963, a convite do Dr. Lindolfo Rocha Guimarães, foi admitido como biologista no então Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (atual Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo - MZUSP), ocupando a vaga do Professor Messias Carrera que havia se aposentado. Nesta época, o então Departamento de Zoologia contava ainda com os seguintes entomólogos: Ernesto Xavier Rabello, Pe. Francisco Silvério Pereira, Hans Reichardt Filho, Henrique Moisés Canter, John Lane, Karol Lenko, Lauro Travassos Filho, Maria Aparecida Vulcano, Messias Carrera, Nelson Papavero, Therezinha de Jesus Heitzmann Fontenelle e Ubirajara Ribeiro Martins de Souza.
Em 1966 foi contemplado com uma bolsa de estudo da "John Simon Guggenheim Memorial Foundation", para fazer uma especialização em Entomologia na Smithsonian Institution, sob orientação do Dr. Curtis Sabrosky. Ali passou o ano de 1967, principalmente elaborando o catálogo dos Tachinidae neotropicais, publicado em 1971 (a família contava, então, com 2864 espécies e 944 gêneros), com 333 páginas. Anos antes (1967) havia já publicado os catálogos neotropicais de Gasterophilidae, Oestridae e Cuterebridae. Estendeu sua estada nos Estados Unidos, como bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA), e começou seu Mestrado na Universidade da California (U.C. Riverside), por sugestão do Dr. Sabrosky, dando seqüência aos estudos com as espécies neárticas do gênero Winthemia, sob orientação do Dr. Lauren D. Anderson. Recebeu o título de Mestre em dezembro de 1969 e estiveram fazendo parte de sua banca examinadora: Prof. Dr. Evert Schlinger, Prof. Dr. Lauren D. Anderson e o Prof. Dr. W. M. Ewart.
Regressou ao Brasil em 1970, reassumindo de imediato sua posição no Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo e, nesse mesmo ano, iniciou seu doutoramento no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua tese intitulava-se "Sistemática, morfologia e evolução da família Mesembrinellidae, stat. nov. (Diptera, Cyclorrapha)" e foi desenvolvida sob orientação do Prof. Dr. Cláudio G. Froehlich, tendo sido defendida e aprovada com grau máximo e distinção, em 1973, pela comissão examinadora composta por: Prof. Dr. Cláudio G. Froehlich (Orientador), Prof. Dr. Oswaldo Paulo Forattini, Pe. Jesus Santiago Moure, Prof. Dr. Nelson Papavero e Prof. Dra. Tagea Kristina Bjönberg.
Durante este período, além de publicar sua tese de Mestrado (1972), publicou também trabalhos em outros grupos taxonômicos. Em agosto de 1985, 16 anos depois do antigo Departamento de Zoologia da Secretaria de Agricultura ter sido incorporado (1969) à Universidade de São Paulo como Museu de Zoologia, transferiu-se para o Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB/USP), ocupando o cargo de Professor Assistente Doutor, onde além de lecionar parasitologia, também ampliou o foco de seus estudos para as áreas de Entomologia Urbana e Entomologia Veterinária. Em 1979 tornou-se bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, atingindo o nível mais alto desta modalidade (Pesquisador 1A) em 1988. Por vários anos seguidos participou da Coordenadoria de Pós-graduação do Departamento de Parasitologia, tendo ainda atuado junto à diretoria da Sociedade Brasileira de Entomologia, na época sediada na cidade de São Paulo, como segundo vice-presidente (1985-1987) e como primeiro vice-presidente (1987-1988). Em 1993 defendeu, pelo Departamento de Parasitologia (ICB/USP), sua tese de livre-docência, revisando as espécies neotropicais de Cuterebridae (Diptera). Aposentou-se em 18 de agosto de 1993 e, alguns anos depois, regressou ao MZUSP, dando continuidade a suas atividades de pesquisa, curadoria e orientação. O professor Guimarães durante seus últimos anos trabalhou como pesquisador associado do Instituto Biológico do Estado de São Paulo.
J. H. Guimarães publicou um total de 96 trabalhos científicos, entre artigos originais, capítulos de livro, livros e artigos de divulgação científica, a grande maioria versando sobre a família Tachinidae, grupo no qual se tornou mundialmente reconhecido como uma autoridade. Deixa ainda, dois outros artigos, já entregues para publicação na revista Neotropical Diptera e um livro sobre Helmintologia Veterinária, já concluído, porém ainda não enviado para publicação. A relação completa de táxons descritos e das suas publicações foi divulgada em Lamas et al. (2008).
Pode ser considerado, com todos os méritos, o primeiro brasileiro nato a estudar Tachinidae que, juntamente com Raúl Cortés (Chile) e Everardo Blanchard (Argentina), foram os primeiros sul-americanos estudiosos do grupo. Em relação a Raúl Cortés, vale destacar que, a convite de José Henrique Guimarães e Nelson Papavero, este visitou a coleção do MZUSP por duas vezes em 1979 e em 1982, ambas subsidiadas com auxílios obtidos junto à FAPESP. Guimarães descreveu ao todo 185 novos táxons (16 gêneros e 163 espécies) em Tachinidae (165), Calliphoridae (11), Oestridae (5) e Rhinotoridae (4). Foi o principal responsável pela formação e organização da coleção de Tachinidae do MZUSP, além de ter contribuído com a curadoria de toda a coleção de Diptera do museu por vários anos. Assim, o principal depositório de seu material-tipo foi o próprio MZUSP, onde está grande parte dos exemplares-tipo por ele designados, assim como o Museu Nacional (Rio de Janeiro MNRJ), Coleção de Entomologia Pe. J.S.Moure, Departamento de Zoologia (Curitiba DZUP), Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro IOC), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro UFRRJ), National Museum of Natural History (Washington USNM), California Academy of Sciences (San Francisco CAS), Canadian National Collection (Ottawa CNC), American Museum of Natural History (New York AMNH), Carnegie Museum (Pittsburgh CM), University of California (Berkeley UCB), University of California (Davis UCD), University of Kansas (Lawrence KU), Museum of Comparative Zoology (Cambridge MCZ), Cornell University (Ithaca CU), Natural History Museum (London BMNH), entre outros.
Sua contribuição ao conhecimento dos Tachinidae neotropicais pode ser comparada à altura da de Charles H. T. Townsend, não pelo volume de táxons descritos, mas pela abrangência e pelo grau de detalhamento com que se ateve no estudo de grandes grupos de Tachinidae. Bem diferente do caráter splitter de Townsend, Guimarães teve como preocupação constante a comparação morfológica minuciosa das espécies componentes de um gênero e das unidades genéricas entre si. Sobre Townsend chegou a afirmar que "Because of Townsend was an extreme "splitter", he affected drastically the taxonomy of the Neotropical fauna." (Guimarães, 1971, p.2). Sua preocupação torna-se evidente logo nos primeiros trabalhos, um dos quais iniciado da seguinte forma: "A limitação dos gêneros na família Tachinidae é uma das questões mais controvertidas, tendo cada pesquisador sua concepção própria, a maioria das vezes discordantes. Embora ninguém se tenha igualado a Townsend, no conhecimento desta família, torna-se difícil julgar a significância dos caracteres empregados por este autor em suas definições genéricas. Alguns gêneros estão bem estabelecidos, razoavelmente limitados, porém, o número de espécies conhecidas é pequeno. Infelizmente, Townsend ao estabelecer a maioria de seus gêneros, o fez baseando-se quase sempre na espécie tipo, sem estudar o comportamento de tais caracteres em um maior número de espécies." (Guimarães, 1963, p.341). E, em trabalho no ano seguinte (Guimarães, 1964, p.174), argumenta "... somente uma análise criteriosa e extensa dos caracteres propostos em tais tribos, baseada em estudos cuidadosos dos diversos gêneros, nos colocaria em situação favorável para estabelecer um limite satisfatório de tribos e gêneros." Foi com esta consciência e lucidez que passou grande parte de seu tempo acadêmico "arrumando" o grupo, ou seja, examinando e revisando inúmeros gêneros e agrupamentos supra-genéricos. E, mesmo diante de um grupo que o próprio assumia como " one of the largest, most difficult, and the most challenging of the families of the Oestroidea complex." (Guimarães, 1971, p.1), Guimarães deixou-nos um legado grandioso, fruto de um trabalho incrivelmente cuidadoso e criterioso.
Foi autor de dezenas de trabalhos importantes em outros grupos taxonômicos, além de haver escrito artigos e livros relevantes nas áreas de controle de pragas, parasitologia e entomologia médica e veterinária, áreas do conhecimento em que atuou com freqüência, ministrando vários cursos e palestras e orientando vários estudantes de Mestrado e Doutorado ao longo de sua carreira. Seus últimos trabalhos com Tachinidae foram justamente resultantes da orientação/co-orientação de teses de doutoramento (Ronaldo Toma - UFPR e Enio Nunez - MNRJ) e estágio de pós-doutoramento (Ronaldo Toma - MZUSP).
Esteve credenciado em três cursos de pós-graduação, orientando estudantes e ministrando disciplinas: no Programa de Pós-graduação em Entomologia da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" da Universidade de São Paulo (Piracicaba), no Programa de Pós-graduação em Entomologia do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Paraná (Curitiba) e no Programa de Pós-graduação em Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (São Paulo).
Sua esposa, Sra. Gred Girid Koster Mueller Guimarães, colega de turma na Faculdade de Medicina Veterinária da UFRRJ, contribuiu de modo significativo nos estudos do marido, seja na tradução de publicações em alemão, seja nas coletas de dípteros realizadas pelo casal no distrito de Muri, município de Nova Friburgo, na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Interessantemente, várias espécies novas, tendo Muri como localidade-tipo, foram descritas por Guimarães.
Dono de uma gargalhada inconfundível, o sempre bem-humorado Zé Taquina, como era carinhosamente chamado pelos seus colegas, deixou, além de muita saudade, uma grande obra, relativa ao conhecimento de um dos grupos com maior diversidade entre as moscas, que será eternamente referência para os dipteristas que almejem se enveredar pela densa floresta que é a taxonomia de Tachinidae.
Agradecimentos. Ao Prof. Dr. Cláudio José Barros de Carvalho (Presidente da Sociedade Brasileira de Entomologia) e à Profa. Dra. Lúcia Massutti de Almeida (Editora Chefe da Revista Brasileira de Entomologia) pelo honroso convite a nós formulado para escrever o necrológio do Dr. José Henrique Guimarães. A Henrique Evaldo Koster Guimarães, Ubirajara Ribeiro Martins de Souza, Cláudio José Barros de Carvalho e Enio Nunez pelas informações fornecidas durante a elaboração do texto, e, também, às bibliotecárias do MZUSP, Dione Seripierri e Marta Zamana, respectivamente, pelo levantamento da bibliografia do Dr. Guimarães e auxílio na aquisição de uma cópia do Memorial, apresentado em 1989 ao Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, quando da realização do concurso de Professor Livre-Docente do Departamento de Parasitologia.
Recebido em 15/10/2008; aceito em 15/11/2008
Referências bibliográficas
- Guimarães, J. H. 1963. Primeira contribuição ao conhecimento da tribu Juriniini Townsend. Gênero Euempheremyia Townsend, 1927 (Diptera, Tachinidae). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 61: 341-349.
- Guimarães, J. H. 1964. Segunda contribuição ao conhecimento da tribo Cuphoceratini Townsend. (Diptera, Tachinidae). Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 16: 173-189.
- Guimarães, J. H. 1971. 104. Family Tachinidae ( Larvaevoridae). In: N. Papavero (ed.) A catalogue of the Americas South of the United States. São Paulo, Departamento de Zoologia, Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, 333 p.
- Lamas, C. J. E.; S. S. Nihei & N. Papavero. 2008. José Henrique Guimarães. Arquivos de Zoologia 39: XI-XVIII.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
12 Mar 2009 -
Data do Fascículo
2008