Resumos
O teor de N disponível em solos tratados com lodo de esgoto é um dos fatores restritivos à aplicação do resíduo em grandes volumes na agricultura, e deve ser utilizado nas normas que regulamentam seu uso agrícola com o fim de evitar a contaminação ambiental do solo e corpos d'água com nitrato. Quando se aplica o resíduo pela primeira vez em um solo, a disponibilização de N mineral a partir de compostos orgânicos naturais do solo não é diretamente considerada no cálculo da taxa de aplicação máxima, e este procedimento é comum também nas recomendações de adubação mineral. Porém, a aplicação continuada desses resíduos pode causar efeitos residuais acumulativos na geração de N mineral, o que implicaria recomendações específicas para reaplicações em uma mesma área. O objetivo deste trabalho foi avaliar a disponibilidade potencial de N mineral em um Latossolo previamente tratado com lodos de esgoto e com quatro cultivos sucessivos de milho. Amostras de solo da camada de 0-20 cm foram coletadas em subparcelas de um experimento realizado em campo, entre 1999 e 2002, em Jaguariúna (SP), onde foram aplicados 0, 14.716, 29.432, 58.864 e 117.728 kg ha-1 de lodo de origem urbana (Franca, SP) e 0, 22.700, 45.400, 90.800 e 181.600 kg ha-1 de lodo produzido a partir de esgotos urbanos e industriais (Barueri, SP). As doses foram parceladas em quatro aplicações anuais consecutivas. Em laboratório, essas amostras foram incubadas durante 15 semanas. As análises iniciais dos solos evidenciaram que houve efeito residual das aplicações prévias dos lodos sobre o acúmulo de N orgânico e de nitrato. No final da incubação, houve acúmulo de N inorgânico no solo e diminuição do pH em função da maior geração de nitrato com as doses crescentes dos lodos de esgoto. O potencial de mineralização estimado pelo modelo exponencial simples foi de 28 mg kg-1 de N no tratamento sem lodo, e crescente, de 28 para 100 mg kg-1 de N, nos tratamentos com lodo de Franca, e de 40 para 113 mg kg-1 de N tratamentos com lodo de Barueri. Concluiu-se que os efeitos residuais acumulados no solo devem ser considerados quando se pretender fazer novas aplicações de lodos de esgoto num mesmo local. Os potenciais de mineralização de compostos de N do solo e do lodo que será utilizado, além do acúmulo de nitrato no perfil do solo, devem ser determinados e considerados para o cálculo da dose da próxima aplicação.
biossólido; nitrato; amônio; efeito residual; pH; N mineralizável
The available N in sewage sludge-amended soils is one of the restrictive factors for residue application in great amounts. This criterion must be considered in regulations for agricultural use of sewage sludge to avoid environmental pollution of soil and water bodies. The availability of mineral N from native soil organic-N is not considered in the calculation of the maximum rate of sewage sludge application, when these residues are applied for the first time, and this procedure is usual in the mineral fertilizer recommendations. Continuous sewage-sludge applications to soils may however cause cumulative residual effects on mineral N generation, which would imply in specific regulations for re-applications in the same area. The purpose of this study was to verify the potential availability of mineral N in a Latossol under corn previously treated with sewage sludge. The soil samples (0-0.20 m) for this study were collected in a field experiment in Jaguariúna (São Paulo State, Brazil), between 1999 and 2002, where the treatments consisted of four consecutive applications, with a total application of 0; 14,716; 29,432; 58,864 and 117,728 kg ha-1 of urban sludge from the Franca sewage treatment plant Franca and 0; 22,700; 45,400; 90,800 and 181,600 kg ha-1 of industrial and urban sludge from the Barueri sewage treatment plant. After sampling, the treatments were incubated for 15 weeks in a laboratory. At the beginning of incubation, a residual effect of previous applications was observed on organic N and nitrate accumulation. At the end of the incubation period, the net inorganic N accumulation increased in the soil and pH had decreased, both proportional to the rates of organic N applied previously as sludge in the field. The N mineralization potential estimated by the single exponential model was 28 mg kg-1 for soil without sludge, and ranged from 28 to 100 mg kg-1 for soil treated with Franca sludge, and from 40 to 113 mg kg-1 for soil treated with Barueri sludge. It was concluded that N residual effects must be considered prior to sewage sludge re-application to a same soil. The N mineralization potential of soil and sewage sludge as well as nitrate accumulation in the soil profile have to be determined to calculate adequate sludge rates.
biosolid; nitrate; ammonium; residual effect; pH; N mineralization potential
SEÇÃO IX - POLUIÇÃO DO SOLO E QUALIDADE AMBIENTAL
Mineralização de compostos nitrogenados após aplicações de lodos de esgoto em quatro cultivos de milho
Nitrogen mineralization after sewage sludge applications to four corn crops
Rita Carla BoeiraI; Viviane Cristina Bettanin MaximilianoII
IPesquisadora da Embrapa Meio Ambiente. Caixa Postal 69, CEP 13820-000 Jaguariúna (SP). E-mail: rcboeira@cnpma.embrapa.br IIAssistente da Embrapa Meio Ambiente. E-mail: viviane@cnpma.embrapa.br
RESUMO
O teor de N disponível em solos tratados com lodo de esgoto é um dos fatores restritivos à aplicação do resíduo em grandes volumes na agricultura, e deve ser utilizado nas normas que regulamentam seu uso agrícola com o fim de evitar a contaminação ambiental do solo e corpos d'água com nitrato. Quando se aplica o resíduo pela primeira vez em um solo, a disponibilização de N mineral a partir de compostos orgânicos naturais do solo não é diretamente considerada no cálculo da taxa de aplicação máxima, e este procedimento é comum também nas recomendações de adubação mineral. Porém, a aplicação continuada desses resíduos pode causar efeitos residuais acumulativos na geração de N mineral, o que implicaria recomendações específicas para reaplicações em uma mesma área. O objetivo deste trabalho foi avaliar a disponibilidade potencial de N mineral em um Latossolo previamente tratado com lodos de esgoto e com quatro cultivos sucessivos de milho. Amostras de solo da camada de 0-20 cm foram coletadas em subparcelas de um experimento realizado em campo, entre 1999 e 2002, em Jaguariúna (SP), onde foram aplicados 0, 14.716, 29.432, 58.864 e 117.728 kg ha-1 de lodo de origem urbana (Franca, SP) e 0, 22.700, 45.400, 90.800 e 181.600 kg ha-1 de lodo produzido a partir de esgotos urbanos e industriais (Barueri, SP). As doses foram parceladas em quatro aplicações anuais consecutivas. Em laboratório, essas amostras foram incubadas durante 15 semanas. As análises iniciais dos solos evidenciaram que houve efeito residual das aplicações prévias dos lodos sobre o acúmulo de N orgânico e de nitrato. No final da incubação, houve acúmulo de N inorgânico no solo e diminuição do pH em função da maior geração de nitrato com as doses crescentes dos lodos de esgoto. O potencial de mineralização estimado pelo modelo exponencial simples foi de 28 mg kg-1 de N no tratamento sem lodo, e crescente, de 28 para 100 mg kg-1 de N, nos tratamentos com lodo de Franca, e de 40 para 113 mg kg-1 de N tratamentos com lodo de Barueri. Concluiu-se que os efeitos residuais acumulados no solo devem ser considerados quando se pretender fazer novas aplicações de lodos de esgoto num mesmo local. Os potenciais de mineralização de compostos de N do solo e do lodo que será utilizado, além do acúmulo de nitrato no perfil do solo, devem ser determinados e considerados para o cálculo da dose da próxima aplicação.
Termos de indexação: biossólido, nitrato, amônio, efeito residual, pH, N mineralizável.
SUMMARY
The available N in sewage sludge-amended soils is one of the restrictive factors for residue application in great amounts. This criterion must be considered in regulations for agricultural use of sewage sludge to avoid environmental pollution of soil and water bodies. The availability of mineral N from native soil organic-N is not considered in the calculation of the maximum rate of sewage sludge application, when these residues are applied for the first time, and this procedure is usual in the mineral fertilizer recommendations. Continuous sewage-sludge applications to soils may however cause cumulative residual effects on mineral N generation, which would imply in specific regulations for re-applications in the same area. The purpose of this study was to verify the potential availability of mineral N in a Latossol under corn previously treated with sewage sludge. The soil samples (0-0.20 m) for this study were collected in a field experiment in Jaguariúna (São Paulo State, Brazil), between 1999 and 2002, where the treatments consisted of four consecutive applications, with a total application of 0; 14,716; 29,432; 58,864 and 117,728 kg ha-1 of urban sludge from the Franca sewage treatment plant Franca and 0; 22,700; 45,400; 90,800 and 181,600 kg ha-1 of industrial and urban sludge from the Barueri sewage treatment plant. After sampling, the treatments were incubated for 15 weeks in a laboratory. At the beginning of incubation, a residual effect of previous applications was observed on organic N and nitrate accumulation. At the end of the incubation period, the net inorganic N accumulation increased in the soil and pH had decreased, both proportional to the rates of organic N applied previously as sludge in the field. The N mineralization potential estimated by the single exponential model was 28 mg kg-1 for soil without sludge, and ranged from 28 to 100 mg kg-1 for soil treated with Franca sludge, and from 40 to 113 mg kg-1 for soil treated with Barueri sludge. It was concluded that N residual effects must be considered prior to sewage sludge re-application to a same soil. The N mineralization potential of soil and sewage sludge as well as nitrate accumulation in the soil profile have to be determined to calculate adequate sludge rates.
Index terms: biosolid, nitrate, ammonium, residual effect, pH, N mineralization potential.
INTRODUÇÃO
O grande crescimento das cidades tem conduzido muitas prefeituras à implantação de estações de tratamento de esgoto, onde o descarte do lodo de esgoto representa custos de até 50 % do orçamento operacional do sistema. Por essa razão, é compreensível que as empresas de tratamento de esgoto estejam preocupadas com o destino desse material, gerado cada vez em maior quantidade, e que sua utilização na agricultura, torne-se tentadora, pois esta prática é aplicada em alguns países há mais de 20 anos (Saito, 2007). No entanto, nesses países há preocupação crescente com a complexidade de substâncias antropogênicas inseridas no solo, juntamente com os nutrientes, através dos lodos. Pesquisas mostram que problemas ambientais também podem surgir se houver adição de excesso de N no solo, de patógenos, de metais pesados (Silva et al., 2001, 2006), ou ainda se o resíduo apresentar potencial de acidificação (Boeira & Souza, 2007) ou de salinização de solos agrícolas (Oliveira et al., 2002).
Por essas razões, há necessidade de critérios para uso agrícola desse lodo visando evitar que aplicações intensivas tornem um problema ambiental, que é pontual e de responsabilidade das companhias saneadoras, em diversos outros problemas ambientais difusos, como contaminação de solos, águas e cadeias alimentares, de difíceis detecção e controle. No Brasil, a norma para utilização de lodo de esgoto na agricultura é recente (Conama, 2006) e baseada na norma americana (Usepa, 1996), que é específica para a agricultura em clima temperado.
Há poucas pesquisas sobre os efeitos ambientais desses resíduos em condições tropicais, embora pesquisas brasileiras mostrem que o lodo de esgoto pode elevar a produtividade das culturas a patamares superiores aos obtidos com fertilização química. Esses resultados, no entanto, muitas vezes estão relacionados a aplicações de doses elevadas, como 20.000 a 36.000 kg ha-1 para milho (Silva et al., 2002; Martins et al., 2003; Barbosa et al., 2007), 37.000 kg ha-1 para eucalipto (Rocha et al., 2004); 30.000 kg ha-1 para cana-de-açúcar (Silva et al., 1998a) e 30.000 kg ha-1 ano-1 para pupunheira (Bovi et al., 2007). Considerando-se apenas o N, quantidades dessa ordem podem ser inadequadas para uso agrícola ambientalmente seguro, em função dos elevados teores de N total em lodos de esgoto, que podem chegar a 60 g kg-1 (Tsutiya, 2001) ou mais. Assim, quantidades moderadas do resíduo podem suprir esse nutriente no solo em quantidade suficiente para a nutrição das culturas, como observaram Lemainski & Silva (2006). Esses autores aplicaram 3.000 kg ha-1 de biossólido em Latossolo e obtiveram 21 % a mais de eficiência agronômica na produtividade de dois cultivos de milho do que o fertilizante mineral. Nem sempre ocorre aumento de produção com aplicação de doses iguais ou superiores às recomendadas. Foi o que observaram Galdos et al. (2004) aplicando em Latossolo a dose recomendada de 10.800 kg ha-1 de lodo de esgoto, calculada segundo os critérios estabelecidos por CETESB (1999) para o Estado de São Paulo, ou o dobro da mesma (21.600 kg ha-1). Não houve aumento de produção de milho em relação às plantas com fertilização química no primeiro cultivo, e não houve diferença entre as duas doses. Também Marques et al. (2007) não observaram aumentos na produtividade de cana-de-açúcar ao aplicarem doses crescentes até 40.000 kg ha-1 de lodo de esgoto. Segundo Jonsson & Maia (2007), o uso dos lodos de esgoto de Franca e de Barueri, nas taxas de aplicação agronômica recomendadas atualmente ou superiores a essas, constitui algum risco para os sistemas aquáticos adjacentes.
O teor de N é um dos fatores mais restritivos para a definição da dose de lodo de esgoto não contaminante a ser utilizada em solos agrícolas. As normas agronômicas determinam que as taxas de aplicação devem satisfazer as necessidades de N das plantas, sem gerar nitrato em quantidades excessivas que venham a lixiviar no perfil do solo, com risco de poluição de águas subsuperficiais. Este critério está estabelecido na norma brasileira (CONAMA, 2006) somente para solos que não receberam o resíduo anteriormente. No caso de aplicações sucessivas de lodos de esgoto, o N orgânico permanece no local da aplicação de um ano para o outro, com pouca ou nenhuma movimentação no perfil do solo (Oliveira et al., 2001; Boeira & Souza, 2007). Conhecendo-se o potencial de mineralização de N nessa camada podem-se definir taxas para aplicações consecutivas de lodo de esgoto, por modelagem, quando não se dispõe de dados obtidos em campo (Corrêa et al., 2005). Assim, sabe-se que cerca de um terço do N que se encontra na forma orgânica em lodos de esgoto é potencialmente mineralizável durante um cultivo agrícola (Cetesb, 1999; Boeira et al., 2002), tornando-se disponível à absorção pelas plantas ou à participação em outros processos dinâmicos no solo. O material orgânico restante que permanece no solo apresenta taxas anuais de mineralização de N decrescentes (USEPA, 1995). Segundo Pratt et al. (1973), a liberação de N dos resíduos orgânicos no solo diminui para 10 % no segundo ano, 6 % no terceiro ano e 5 % no quarto ano. Isto ocorre porque a fração residual no solo é incorporada à matéria orgânica em formas mais resistentes à biodegradação (Ryan et al., 1973), causando alterações no solo que podem afetar a quantidade de N de resíduos mineralizados em aplicações sucessivas numa mesma área. Assim, se ao N orgânico remanescente de uma primeira aplicação se soma o que é adicionado na safra seguinte, e assim sucessivamente, origina-se um processo acumulativo (Inman et al., 1982; Oliveira et al., 2001) cujos efeitos sobre a mineralização de resíduos com N são ainda pouco estudados em solos tropicais. Por essa razão, a forma de cálculo de doses agronômicas de lodos de esgoto a serem utilizados em sistemas de manejo de solo com aplicações sequenciais do resíduo numa mesma área ainda não está adequadamente regulamentada no Brasil.
Experimentos de longa duração em regiões de clima temperado demonstram que aplicações anuais de esterco aumentam as perdas de N por lixiviação devido à mineralização da fração residual de N orgânico (Johnston et al., 1989). No Brasil, há poucas pesquisas referentes a esse potencial poluente do resíduo, quando ele é utilizado em aplicações repetidas. Oliveira et al. (2001) constataram riscos de poluição das águas subterrâneas com nitrato após aplicação superficial no solo de 70.000 kg ha-1 de lodo de esgoto (quantidade parcelada em duas vezes: no plantio e na primeira soqueira de cana-de-açúcar). Dynia et al. (2006), cultivando milho, mostraram que a incorporação anual ao solo de cerca de 13.000 kg ha-1 de lodo de esgoto causou intensa lixiviação de nitrato no segundo ano. Com a incorporação anual de quantidades menores (cerca de 7.000 kg ha-1 de lodo de esgoto), estes autores observaram o mesmo efeito, mas somente no terceiro ano. E, com a incorporação anual de doses próximas às estimadas (ou recomendadas) para suprir as necessidades do milho em N (cerca de 3.600 kg ha-1 de lodo de esgoto), o solo atingiu o limite de carga de lodo no quarto ano. Esses resultados confirmam que o N deve permanecer como um dos fatores restritivos para a definição de quantidade quando se almeja aplicar lodo de esgoto sequencialmente numa mesma área agrícola.
Neste trabalho, teve-se por objetivo determinar o potencial de mineralização de N em um Latossolo após quatro cultivos de milho com aplicações consecutivas de doses de dois lodos de esgoto.
MATERIAL E MÉTODOS
Origem das amostras de solo estudadas
As amostras de solo utilizadas neste trabalho foram retiradas de subparcelas experimentais de um estudo que vem sendo desenvolvido no campo experimental da Embrapa Meio Ambiente, desde 1999. A área situa-se em Jaguariúna, SP, latitude 22°41' sul, longitude 47°00' oeste e altitude 570 m, em solo classificado como Latossolo Vermelho distroférrico de textura argilosa (Typic Haplustox). Neste estudo, o delineamento experimental foi de blocos casualizados, com três repetições com tratamentos (dois tipos de lodo de esgoto x cinco doses) distribuídos em parcelas subdivididas. Nas parcelas e subparcelas foram alocados os tipos de lodo e suas doses, respectivamente. A área de cada subparcela foi de 10 x 20 m. Os tratamentos foram aplicados ao solo antes de cada plantio de milho, em cultivos sucessivos, visando a avaliação do uso agrícola do lodo de esgoto a longo prazo. Alguns resultados referentes ao impacto ambiental desse estudo são relatados em Dynia et al. (2006), Boeira & Souza (2007) e Silva et al. (2006), que apresentam dados obtidos tanto antes quanto depois da coleta do solo para execução deste trabalho. Os lodos de esgoto utilizados foram provenientes das estações de tratamento de esgotos sanitários das cidades de Franca (de origem doméstica) e de Barueri (de origem urbano-industrial), Estado de São Paulo (Quadro 1). O sistema de tratamento nas duas estações foi a digestão anaeróbia dos lodos ativados, sem utilização de cal. As doses de cada lodo de esgoto foram: 0N, 1N, 2N, 4N e 8N. No tratamento 0N, não foi aplicado lodo de esgoto ao solo. No primeiro cultivo, o tratamento 1N representou a dose máxima recomendada de cada lodo de esgoto, calculada segundo Cetesb (1999) para aplicação no solo original do experimento (sem aplicação prévia dos resíduos). Os tratamentos 2N, 4N e 8N representaram duas, quatro e oito vezes a dose 1N, respectivamente.
Nos cultivos seguintes, a dose para o tratamento 1N foi determinada como se o solo fosse, ainda, o original (sem considerar as aplicações anteriores de lodo), razão pela qual do segundo cultivo em diante não se pode considerar a dose aplicada no tratamento 1N como recomendada, pois, para o seu cálculo, não se consideraram os efeitos residuais das aplicações anteriores. As doses aplicadas encontram-se no quadro 2. As diferenças observadas nas quantidades de um mesmo lodo, nos quatro cultivos, são devidas a variações nas concentrações de N dos lotes de lodos. Os lodos úmidos foram distribuídos a lanço antes de cada cultivo, e incorporados com enxada rotativa à camada arável do solo, três a quatro dias antes de cada semeadura. Os tratos culturais foram os padrões utilizados para milho, retirando-se restos culturais antes da aplicação dos lodos. Após a segunda e terceira colheitas, foi feita correção da acidez do solo das subparcelas experimentais do campo com calcário dolomítico. Após a quarta colheita, ou cinco meses após a quarta aplicação dos lodos, selecionaram-se as subparcelas experimentais que apresentavam pH em água acima de 5,5 para compor este experimento. Nessas subparcelas, coletaram-se amostras de solo compostas por 10 subamostras da profundidade 0-20 cm, correspondentes aos tratamentos dos dois lodos (Franca e Barueri) com as cinco doses (0N, 1N, 2N, 4N e 8N). As amostras foram secas ao ar e passadas em peneira com malha de 5 mm, e mantidas em capacidade de campo durante 43 dias, até o início do experimento de mineralização.
Experimento em laboratório
O experimento de incubação aeróbia foi instalado em temperatura ambiente (média de 23 °C), em local sem iluminação para impedir o desenvolvimento de vegetais e de fungos, em delineamento experimental em blocos casualizados, com três repetições. Os tratamentos foram nove: testemunha (0N) e solo com aplicação anterior de quatro doses (1N, 2N, 4N e 8N) dos dois lodos (Franca e Barueri), os quais foram avaliados em sete épocas de incubação: 0, 14, 28, 42, 63, 84 e 105 dias. Utilizaram-se microcosmos com 500 g de solo mantidos em capacidade de campo por meio de pesagens, permitindo-se trocas gasosas. Em cada época de avaliação, amostras foram coletadas nos microcosmos, após homogeneização do solo (processo não destrutivo), determinando-se pH em relação solo:água 1:2,5 (Camargo et al., 1986) e os teores de N-(NO3- + NO2-) e de N-NH4+ após extração com KCl 1 mol L-1 (Tedesco et al., 1995), com os quais foram calculados os valores de N mineral acumulado em seis períodos (de 0 a 14 dias até 0 a 105 dias).
No início e no final do experimento, foi determinado o teor de N-Kjeldahl (Tedesco et al., 1995). Quando indicado pela análise de variância, utilizaram-se análise de correlação dos dados, o teste de Tukey para comparação de médias dos nove tratamentos, e análise de regressão linear para verificar efeitos das doses em cada tipo de lodo de esgoto. Os dados foram transformados em logaritmo neperiano (exceto pH). Os dados de N mineralizado nos seis períodos de incubação foram ajustados ao modelo proposto por Stanford & Smith (1972), descrito pela equação: Nm = No (1-e-kt), em que Nm (mg kg-1 de N no solo) representa o valor estimado de N mineral gerado e acumulado em dado tempo t de incubação (dias) e k representa a constante de primeira ordem da taxa de mineralização de N orgânico (dia-1). As variáveis No (N orgânico potencialmente mineralizável no solo; mg kg-1 de N no solo) e k foram estimadas por análise de regressão não-linear (Smith et al., 1980).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As amostras do solo utilizado neste estudo apresentaram baixa acidez, baixos teores disponíveis de Ca, Mg, P e K, e valores médios de saturação por bases no solo (Quadro 3). Estas condições favorecem a mineralização de compostos com N e indisponibilizam metais pesados na solução do solo. Os teores iniciais de Ca, de P e de C orgânico no solo aumentaram nos tratamentos com doses de lodos, em função dos teores presentes nos lodos (Quadro 1) e das duas calagens efetuadas nas subparcelas experimentais de onde foram coletados. Houve maior acúmulo de P no solo tratado com o lodo de Barueri. Os teores de K encontravam-se mais elevados que os da testemunha, pois em todos os tratamentos com lodo houve complementação mineral com KCl.
Os teores medidos de N-NH4+ e N-(NO3- + NO2-) durante a incubação encontram-se nos quadros 4 e 5, respectivamente. No início da incubação (Quadro 4), no solo previamente tratado com os lodos, encontraram-se baixos teores de amônio, não diferindo da testemunha. O nitrato foi encontrado em teores crescentes em relação às doses de lodo aplicadas, tanto utilizando-se o material de Franca quanto o de Barueri (Quadro 5). No entanto, as modificações no solo induzidas pelo tratamento Barueri 8N causaram maior disponibilidade de nitrato que o tratamento Franca 8N. Isto pode ser observado comparando-se os lodos de esgoto das duas localidades (Quadro 5). Essa tendência também foi observada no ano anterior, após três aplicações e três cultivos (Boeira & Souza, 2007). O acúmulo de nitrato na camada de 0 a 0,2 m de profundidade mostra o efeito residual das doses crescentes dos lodos aplicados anteriormente no experimento em campo, prontamente disponível para o próximo cultivo. Esses resultados tornam-se mais relevantes ao se considerar que o solo aqui estudado foi coletado após o período chuvoso, no qual houve intensa lixiviação (Dynia et al., 2006), e após o cultivo de uma cultura exigente em N, o milho.
Pode-se esperar que grande parte destas quantidades de nitrato ainda estarão no solo no próximo plantio, na próxima estação das águas. Nessa situação, o solo tratados com as menores doses, como 1N (Quadro 5), continha quantidades significativamente superiores de N (21 mg kg-1) em relação às da testemunha (10,7 mg kg-1). Nas doses maiores (4N e 8N), o teor de nitrato já presente na camada arável do solo era suficiente, ou até excedente, para a nutrição do próximo cultivo, desconsiderando-se possíveis perdas de N no período de entressafra.
Além do N mineral inicialmente presentes no solo, o estoque de N orgânico contido no solo também contribuirá para a geração de N em formas disponíveis para absorção durante a próxima cultura agrícola em campo. Neste trabalho, a variável N-Kjeldahl (N orgânico + N-NH4+) foi considerada representativa da quantidade de N orgânico presente no solo, uma vez que os teores de amônio foram baixos e não diferiram entre os tratamentos (Quadro 4). Na figura 1, são mostrados os teores de N-Kjeldahl no início e no final da incubação de 105 dias de acordo com as doses de lodo. Não se observaram diferenças significativas nessa variável quando se aplicaram as mesmas doses dos dois tipos de lodo, mas houve efeito linear significativo das doses, para os dois tipos de lodo de esgotos. O acúmulo de N orgânico com o incremento das doses dos lodos foi crescente, sendo de 1.064 mg kg-1 na testemunha a 2.258 mg kg-1 no tratamento Franca 8N e a 2.482 mg kg-1 no tratamento Barueri 8N, acréscimos correspondentes a 112 e 133 %, respectivamente, do tratamento testemunha. É oportuno observar que o solo da testemunha continha cerca de 1 g kg-1 de N, com predominância de N na forma orgânica (99 %), e que os tratamentos 8N aumentaram em mais de duas vezes esse teor, alcançando 2 g kg-1, o que causou redução na relação C:N (Quadro 3). Este resultado deve-se, possivelmente, à presença de frações orgânicas ainda não humificadas, em virtude das grandes quantidades aplicadas e da alta umidade do solo desde a última aplicação dos resíduos em campo, feita no início do período chuvoso. Os efeitos residuais observados neste trabalho, com acúmulo de N nas formas mineral e orgânica, também foram observados no ano anterior, após a terceira aplicação anual dos resíduos (Boeira & Souza, 2007). Nesse ano, os acréscimos de N-Kjeldahl em relação à testemunha foram de 132 % para Franca e de 56 % para Barueri, na camada de 0-10 cm de profundidade. Em outro experimento, de mais curta duração, Oliveira et al. (2001) também relatam o potencial de acúmulo de N em aplicações sucessivas de lodo de esgoto. Os autores observaram aumentos de até 38 % nos teores de N orgânico após a primeira aplicação, e de 51 % após a segunda aplicação de doses de 33 a 99 t ha-1 de lodo de esgoto de Barueri em Latossolo.
A quantidade de N que será mineralizada a partir dessa matéria orgânica acumulada em determinado tempo pode ser estimada pelo potencial de mineralização do N orgânico presente no solo, medindo-se os teores de N-NH4+ e N-NO3- gerados em condições otimizadas e que minimizem as perdas por desnitrificação ou por volatilização. No decorrer da incubação do solo em estudo, observou-se que os teores de N-NH4+ mantiveram-se estáveis e em baixas concentrações, com pouca influência dos tratamentos (Quadro 4). Tal comportamento em solo coletado cinco meses após a última incorporação dos lodos de esgoto e após o último cultivo de milho em época quente e chuvosa indica certa estabilização da matéria orgânica adicionada via lodos de esgoto aos solos, com possível predominância de formas mais recalcitrantes de N (Lindemann & Cardenas, 1984; Banerjee et al, 1997).
Considerando-se a geração de nitrato, houve acúmulo ao longo da incubação (Quadro 5), evidenciando a nitrificação em todo o período e em todos os tratamentos avaliados. Esses resultados indicam que o solo apresentava condições adequadas para o processo de decomposição dos resíduos, formando nitrato.
Os teores de N-NO3- acumulados durante a mineralização foram proporcionais às doses de lodo, nos diversos períodos de incubação, em parte devido aos teores iniciais crescentes de nitrato no solo (Quadro 5). Mas também contribuiu para isso a mineralização líquida em cada um dos tratamentos (Quadro 6). Esta variável foi calculada deduzindo-se os teores iniciais de N mineral no solo dos teores de N mineral acumulados no solo ao final de cada período de avaliação. Os dados referem-se às quantidades líquidas de N da mineralização, e refletem o balanço entre os processos de imobilização e de mineralização de resíduos com N. Apenas no tratamento Franca 8N, observou-se imobilização líquida de N (2,7 mg kg-1), ocorrida no primeiro período de observação (0-14 dias). De forma geral, houve pouco efeito dos tratamentos nas semanas iniciais da incubação (até 42 dias) sobre a variação líquida de N mineral, observando-se as mesmas taxas iniciais de mineralização. A partir de 63 dias, porém, houve efeitos significativos das doses, para os dois tipos de lodos (Quadro 6), e, em geral, a mineralização estabilizou-se a partir de 84 dias nos tratamentos, verificando-se perdas de N na avaliação seguinte.
Na descrição da mineralização de N orgânico em solos, pode-se utilizar o modelo matemático de Stanford & Smith (1972), pressupondo-se que a taxa de mineralização de N (mg kg-1 d-1) é proporcional à quantidade de substrato mineralizável no solo. Os dados da variação líquida de N mineral correlacionaram-se significativamente tanto com os teores iniciais de N orgânico quanto com os de N-Kjeldahl, a partir dos 42 dias após o início da incubação, permitindo que se fizesse o ajuste dos dados ao modelo (Quadro 6). Nesse modelo, a quantidade de N orgânico potencialmente mineralizável presente no solo, ou No, é estimada e representa o teor de N que será mineralizado após decorrido certo tempo. Considera-se este período de tempo, em geral, como o ciclo de uma cultura anual.
Os valores estimados para No nos tratamentos testemunha (28 mg kg-1), Franca 1N (28 mg kg-1), Barueri 1N (40 mg kg-1) e Barueri 2N (63 mg kg-1) podem ser considerados baixos, e encontram-se na faixa observada por Silva et al. (1999) para Latossolos. Essas estimativas foram próximas daquelas feitas para a mineralização líquida medida após 105 dias de incubação (Quadro 6), indicando que nesses tratamentos houve rápida mineralização, uma vez que o valor potencial estimado (No) foi quase todo mineralizado nesse período. Esse comportamento é previsto no modelo pelos valores mais elevados da constante da taxa de mineralização, k (Parker & Sommers, 1983). Houve tendência de aumento de No com o aumento das doses dos dois tipos de lodos, estimando-se liberações de 28 a 113 mg kg-1 de N no solo estudado (equivalentes a 68 e 270 kg ha-1 de N, respectivamente, considerando-se a camada de 0-20 cm de profundidade do solo com densidade 1,2 kg dm-3).
Considerando-se a necessidade de critérios para o estabelecimento de doses que possam ser utilizadas em aplicações sucessivas de lodos de esgoto, a avaliação do potencial de mineralização deve ser conjugada ao monitoramento de camadas mais profundas do solo, visando conhecer os efeitos das aplicações anteriores sobre a carga de nitrato no perfil do solo. Este monitoramento foi feito por Dynia et al. (2006) na área experimental onde se coletaram amostras do solo aqui avaliado. Durante o quarto cultivo de milho em campo (antes da coleta do solo aqui estudado), esses autores coletaram semanalmente amostras da solução do solo a 1 m de profundidade, para avaliarem a lixiviação de nitrato. Obtiveram evidências de que a quarta aplicação das menores doses dos lodos, ou 1N, (3.600 kg ha-1 ano-1 de lodo de Franca e 5.600 kg ha-1 ano-1 de lodo de Barueri) atingiu e ultrapassou o limite de carga desse solo para os dois tipos de lodos. Além disso, os dados de mineralização nesse solo obtidos neste trabalho indicam que a situação de risco observada durante a quarta safra, nas doses 1N, tende a continuar por, pelo menos, mais um ciclo de cultivo, mesmo que não se faça nova aplicação de lodos, devido aos efeitos residuais das aplicações anteriores, pois os solos Franca 1N e Barueri 1N apresentaram 100 % mais de nitrato disponível (Quadro 5), e Barueri 1N apresentou 43 % mais de N potencialmente mineralizável, em relação à testemunha. Com essas informações, a recomendação técnica seria a de cessação nos aportes de lodo nas doses 1N a partir da terceira aplicação no solo, e posterior monitoramento da recuperação do solo, no caso de haver algum interesse em futuras reaplicações dos resíduos, uma vez que a quarta aplicação dessa dose foi excessiva e causou intensa lixiviação de nitrato além da camada de exploração de raízes. Verifica-se que, nessas condições, a aplicação máxima dos resíduos não poderia ultrapassar três aplicações sucessivas de 3.600 kg ha-1 ano-1 e 5.600 kg ha-1 ano-1 para os lodos de Franca e de Barueri, respectivamente. Para as doses maiores, a cessação dos aportes provavelmente já deveria ter ocorrido anteriormente, ou mesmo ter se limitado a uma única aplicação. Quanto ao lodo de Barueri, deve-se observar que a norma brasileira (CONAMA, 2006), em seu Artigo 3º, não permite a aplicação nos solos agrícolas de lodos de estação de tratamento de efluentes de processos industriais, mas, em seu Artigo 2º, define o esgoto sanitário como o despejo líquido constituído de esgotos predominantemente domésticos e, assim, fica aberta a possibilidade ou não de seu uso agrícola.
Quando se aplicaram doses mais elevadas que a dose 1N, verificou-se que apenas uma parte de No foi mineralizada durante os 105 dias da incubação, indicando que o processo de geração de N mineral tende a perdurar por mais tempo nesses solos, com baixa geração de N mineral. A meia-vida estimada pelo modelo (t½, Quadro 6) mostra quão longo pode ser este tempo, verificando-se maior ordem de grandeza para este parâmetro nos tratamentos com o lodo de Franca em relação aos tratamentos com o lodo de Barueri, em função da variação nas estimativas da constante da taxa de mineralização (k).
Os dados obtidos mostraram, assim, haver efeito residual em todos os tratamentos, afetando o estoque de N na forma mineral e, ou, na forma orgânica, e esta última influenciou a geração potencial de N mineral (No). A fração potencial de mineralização do N orgânico presente no solo (No/N orgânico x 100) dos tratamentos testemunha, Franca 1N, Barueri 1N e Barueri 2N foi estimada em cerca de 3 %, valor frequentemente observado em frações de N orgânico estáveis em solos (USEPA, 1995). Para os tratamentos com doses maiores, esta fração praticamente duplicou para cerca de 6 %.
Considerando-se o pH, o solo apresentava-se inicialmente com valores acima de 5,5 (Quadro 7) em função de ter sido feita uma segunda correção da acidez após a terceira aplicação dos lodos de esgoto, pois ocorreu intensa acidificação das subparcelas em campo (Boeira & Souza, 2007). No entanto, no decorrer da incubação, em termos gerais, observou-se aumento nos valores de pH ao término do período de 105 dias (Quadro 7). Este efeito, contrário ao observado em campo, possivelmente advém da baixa intensidade dos processos de mineralização, com geração máxima de 50 e de 80 mg kg-1 de N mineral, no período de 105 dias para os lodos de Franca e de Barueri, respectivamente, e do efeito residual da segunda aplicação de calcário dolomítico (4 a 6 t ha-1) feita no experimento em campo seis meses antes da coleta do solo utilizado na incubação, com ação neutralizante sobre os íons H+ produzidos nos processos de nitrificação, os quais são acidificantes (Silva et al., 1999). Porém, considerando-se separadamente o efeito de cada lodo de esgoto sobre o pH, a análise estatística permitiu inferir que houve acidificação crescente com o aumento das doses (Quadro 7), e esta acidificação foi mais bem explicada pelos aumentos das doses quando se aplicou o lodo de Franca, que apresentou maiores coeficientes de determinação, especialmente nos últimos períodos de incubação.
Os critérios para definir recomendações específicas para reaplicações de lodos de esgoto, em função de N, devem levar em consideração um conjunto de fatores acerca da situação atual do solo: (a) avaliação do potencial de mineralização do N do solo onde se pretende reaplicar o resíduo para que seja estimada a quantidade de nitrato que será disponibilizada durante o próximo cultivo; (b) avaliação dos teores de N mineral prontamente disponíveis na camada de solo a ser explorada pelas raízes das plantas no próximo cultivo; (c) monitoramento de nitrato em camadas abaixo da profundidade explorada pelas raízes, que permite verificar o efeito das aplicações anteriores (lixiviação); (d) avaliação da quantidade de N orgânico potencialmente mineralizável no lodo de esgoto que será aplicado. Esses critérios não são considerados na atual norma brasileira para aplicações sucessivas de lodos de esgoto (CONAMA, 2006), em razão da carência de estudos locais sobre o efeito residual a longo prazo. Considerando-se os critérios a e b, os resultados obtidos neste trabalho, após quatro aplicações anuais de lodo de esgoto, confirmaram a hipótese de que a aplicação continuada de lodos de esgoto em solos agrícolas causa efeitos residuais significativos na geração e no acúmulo de N mineral. Esse efeito deve ser considerado na definição da possibilidade ou não de colocação de doses subsequentes a fim de se evitar impacto ambiental negativo. De fato, dados obtidos na mesma área durante a condução desse experimento mostraram que as lixiviações acumuladas de nitrato foram intensas e atingiram grandes profundidades no solo (Dynia et al., 2006; Boeira & Souza, 2007). Conclui-se que deve haver uma limitação do número de aplicações sucessivas de lodos de esgoto no mesmo solo, visando diminuir ao máximo os riscos possíveis de contaminação ambiental com nitrato, considerando-se os critérios anteriores. Fatores poluentes como compostos orgânicos e inorgânicos, patógenos e vetores de doenças também devem ser avaliados além do N, para uma recomendação técnica completa e segura da dose de lodo em aplicações consecutivas.
CONCLUSÕES
1. Houve efeito residual de aplicações prévias dos lodos de esgoto sobre o potencial de mineralização de N do solo estudado, e as quantidades de N mineral geradas foram proporcionais às quantidades aplicadas. Doses elevadas dos lodos de esgoto causaram acúmulo de nitrato no solo, com risco de impacto ambiental negativo.
2. O potencial de mineralização de N no solo foi similar com os dois lodos estudados, quando aplicados em doses equivalentes para adubação de milho.
3. A regulamentação da norma brasileira deve ser revista no aspecto referente a cálculos de doses agronômicas de lodos de esgoto a serem utilizadas em sistemas de manejo do solo agrícola com aplicações sequenciais desses resíduos, passando a levar em consideração o efeito residual desse material na liberação de N.
4. O número de aplicações sequenciais de doses de lodos de esgoto deve ser limitado, adotando-se critérios técnicos para minimização de riscos ambientais relativos ao N.
LITERATURA CITADA
Recebido para publicação em março de 2008 e aprovado em dezembro de 2008.
Referências bibliográficas
- BANERJEE, M.R.; BURTON, D.L. & DEPOE, S. Impact of sewage sludge application on soil biological characteristics. Agric. Ecosyst. Environ., 66:241-249, 1997.
- BARBOSA, G.M.C.; TAVARES FILHO, J.T.; BRITO, O.R. & FONSECA, I.C.B. Efeito residual do lodo de esgoto na produtividade do milho safrinha. R. Bras. Ci. Solo, 31:601-605, 2007.
- BOEIRA, R.C.; LIGO, M.A.V. & DYNIA, J.F. Mineralização de nitrogênio em solo tropical tratado com lodos de esgoto. Pesq. Agropec. Bras., 37:1639-1647, 2002.
- BOEIRA, R.C. & SOUZA, M.D. Estoques de carbono orgânico e de nitrogênio, pH e densidade de um Latossolo após três aplicações de lodos de esgoto. R. Bras. Ci. Solo., 31:581-590, 2007.
- BOVI, M.L.A.; GODOY JÚNIOR, G.; COSTA, E.A.D.; BERTON, R.S.; SPIERING, S.H.; VEGA, F.V.A.; CEMBRANELLI, M.A.R. & MALDONADO, C.A.B. Lodo de esgoto e produção de palmito em pupunheira. R. Bras. Ci. Solo., 31:153-166, 2007.
- CAMARGO, O.A.; MONIZ, A.C.; JORGE, J.A. & VALADARES, J.M.A.S. Métodos de análise química, mineralógica e física de solos do Instituto Agronômico de Campinas. Campinas, Instituto Agronômico de Campinas, 1986. 95p. (IAC. Boletim Técnico, 106).
- COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL - CETESB. Aplicação de lodos de sistemas de tratamento biológico em áreas agrícolas: Critérios para projeto e operação. São Paulo, 1999. 32p. (Manual Técnico, p.4230)
- CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - CONAMA. Resolução n. 375, de 29 de agosto de 2006. Brasília, Ministério do Meio Ambiente, 2006.
- CORRÊA, R.S.; WHITE, R.E. & WEAYHERLEY, A.J. Modelling the risk of nitrate leaching from two soils amended with five different biosolids. R. Bras. Ci. Solo, 29:619-626, 2005.
- DYNIA, J.F.; SOUZA, M.D. & BOEIRA, R.C. Lixiviação de nitrato em Latossolo cultivado com milho após aplicações sucessivas de lodo de esgoto. Pesq. Agropec. Bras., 41:855-862, 2006.
- GALDOS, M.V.; DE MARIA, I.C. & CAMARGO, O.A. Atributos químicos e produção de milho em um Latossolo Vermelho eutroférrico tratado com lodo de esgoto. R. Bras. Ci. Solo, 28:569-577, 2004.
- INMAN, J.C.; McINTOSH, M.S.; FOSS, J.E. & WOLF, D.C. Nitrogen and phosphorus movement in compost-amended soils. J. Environ. Qual., 11:529-532, 1982.
- JOHNSTON, A.E.; MCGRATH, S.P.; POULTON, P.R. & LANE, P.W. Accumulation and loss of nitrogen from manure, sludge and compost: Long-term experiments at Rothamsted and Woburn. In: HANSE, J.A. & HENRIKSEN, K., eds. Nitrogen in organic wastes applied to soils. London, Academic Press, 1989. p.126-139.
- JONSSON, C.M. & MAIA, A.H.N. Avaliação da toxicidade do lodo de esgoto de duas estações de tratamento para o invertebrado aquático Daphnia similis Pesticidas: R. Ecotoxicol. Meio Amb., 17:1-8, 2007.
- LEMAINSKI, J. & SILVA, J.E. Utilização do biossólido da Caesb na produção de milho no Distrito Federal. R. Bras. Ci. Solo, 30:741-750, 2006.
- LINDEMANN, W.C. & CARDENAS, M. Nitrogen mineralization potential and nitrogen transformations of sludge-amended soil. Soil Sci. Soc. Am. J., 48:1072-1077, 1984.
- MARQUES, M.O.; BELLINGIERI, P.A.; MARQUES, T.A. & NOGUEIRA, T.A.R. Qualidade e produtividade da cana-de-açúcar cultivada em solo com doses crescentes de lodo de esgoto. Biosci. J., 23:111-122, 2007.
- MARTINS, A.L.C.; BATAGLIA, O.C.; CAMARGO, O.A. & CANTARELLA, H. Produção de grãos e absorção de Cu, Fe, Mn e Zn pelo milho em solo adubado com lodo de esgoto, com e sem calcário. R. Bras. Ci. Solo, 27:563-574, 2003.
- OLIVEIRA, F.C.; MATTIAZZO, M.E.; MARCIANO, C.R. & MORAES, S.O. Lixiviação de nitrato em um latossolo amarelo distrófico tratado com lodo de esgoto e cultivado com cana-de-açúcar. Sci. Agric., 58:171-180, 2001.
- OLIVEIRA, F.C.; MATTIAZZO, M.E.; MARCIANO, C.R. & ROSSETTO, R. Efeitos de aplicações sucessivas de lodo de esgoto em um Latossolo amarelo distrófico cultivado com cana-de-açúcar: Carbono orgânico, condutividade elétrica, pH e CTC. R. Bras. Ci. Solo, 26:505-519, 2002.
- PARKER, C.F. & SOMMERS, L.E. Mineralization of nitrogen in sewage sludges. J. Environ. Qual., 12:150-156, 1983.
- PRATT, P.F.; BROADBENT, F.E. & MARTIN, J.P. Using organic wastes as nitrogen fertilizer. Calif. Agric., 27:10-13, 1973.
- ROCHA, G.N.; GONÇALVES, J.L.M. & MOUTA, I.M. Mudanças da fertilidade do solo e crescimento de um povoamento de Eucalyptus grandis fertilizado com biossólido. R. Bras. Ci. Solo, 28:623-639, 2004.
- RYAN, J.A.; KEENEY, D.R. & WALSH, L.M. Nitrogen transformations and availability of anaerobically digested sewage sludge in soil. J. Environ. Qual., 2:240-273, 1973.
- SAITO, M.L. O uso do lodo de esgoto na agricultura: Precauções com os contaminantes orgânicos. Jaguariúna, Embrapa Meio Ambiente, 2007. 36p. (Embrapa Meio Ambiente. Documentos, 64).. Disponível em: <http://www.cnpma.embrapa.br/download/documentos_64.pdf>. Acesso em 15 jan. 2008.
- SILVA, C.A.; RANGEL, O.J.P.; DYNIA, J.F.; BETTIOL, W. & MANZATTO, C.V. Disponibilidade de metais pesados para milho cultivado em Latossolo sucessivamente tratado com lodos de esgoto. R. Bras. Ci. Solo, 30:353-364, 2006.
- SILVA, C.A.; VALE, F.R.; ANDERSON, S.J. & KOBAL, A.R. Mineralização de nitrogênio e enxofre em solos brasileiros sob influência da calagem e fósforo. Pesq. Agropec. Bras., 34:1679-1689, 1999.
- SILVA, F.C.; BOARETTO, A.E.; BERTON, R.S.; ZOTELLI, H.B.; PEXE, C A. & BERNARDES, E.M. Cana-de-açúcar cultivada em solo adubado com lodo de esgoto: Nutrientes, metais pesados e produtividade. Pesq. Agropec. Bras., 33:1-8, 1998a.
- SILVA, F.C.; BOARETTO, A.E.; BERTON, R.S.; ZOTELLI, H.B.; PEXE, C.A. & BERNARDES, E.M. Efeito de lodo de esgoto na fertilidade de um argissolo vermelho-amarelo cultivado com cana-de-açúcar. Pesq. Agropec. Bras., 36:831-840, 2001.
- SILVA, F.C.; EIRA, P.A.; BARRETO, W.D.O.; PÉREZ, D.V. & SILVA, C.A. Manual de métodos de análises químicas para avaliação da fertilidade do solo. Rio de Janeiro, Embrapa-CNPS, 1998b. 56p. (Documentos, 3)
- SILVA, J.E.; RESCK, D.V.S. & SHARMA, R.D. Alternativa agronômica para o biossólido produzido no Distrito Federal: I. Efeito na produção de milho e na adição de metais pesados em Latossolo no Cerrado. R. Bras. Ci. Solo, 26:487-495, 2002.
- SMITH, J.L.; SCHNABEL, R.R.; MCNEAL, B.L. & CAMPBELL, G.S. Potential errors in the first-order model for estimating soil nitrogen mineralization potentials. Soil Sci. Soc. Am. J., 44:996-1000, 1980.
- STANFORD, G. & SMITH, S.J. Nitrogen mineralization potentials of soils. Soil Sci. Soc. Am. J., 36:465-471, 1972.
- TEDESCO, M.J.; GIANELLO, C.; BISSANI, C.A.; BOHNEN, H. & VOKWEISS, S.J. Análise de solo, plantas e outros materiais. 2.ed. Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1995. 174p. (Boletim Técnico, 5)
- TSUTIYA, M.T. Características de biossólidos gerados em estações de tratamento de esgotos. In: TSUTIYA, M.T.; COMPARINI, J.B.; SOBRINHO, A.P.; HESPANOL, I.; CARVALHO, P.C.T. & MELFI, A.J., eds. Biossólidos na agricultura. São Paulo, SABESP, 2001. p.89-131.
- USEPA. Process design manual: Land application of sewage sludge and domestic septage. Washington, 1995. 290p.
- USEPA. Standards for the use and disposal of sewage sludge. Washington, 1996. (Code of Federal Regulations 40 Part 503)
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Mar 2009 -
Data do Fascículo
Fev 2009
Histórico
-
Recebido
Mar 2008 -
Aceito
Dez 2008