APRESENTAÇÃO
O campo da política educacional é um dos mais desenvolvidos tanto no Brasil como no exterior. À medida que o controle estatal sobre a educação se amplia, crescem também as múltiplas análises produzidas no âmbito da pesquisa. Trata-se, possivelmente, de um dos campos da educação em que os vínculos entre o conhecimento acadêmico e a ação prática são mais visíveis. Pode-se também dizer que o foco mais central dos estudos sobre política educacional no Brasil recai sobre a educação básica. Dos grupos de pesquisa sobre a temática registrados no CNPq, mais de 70% têm a educação básica como objeto. Ou seja, muito tem sido produzido sobre o tema que aqui propomos, o que explicita o vínculo do dossiê com a pesquisa, mas, ao mesmo tempo, exige que se justifiquem sua originalidade e mesmo sua necessidade.
O primeiro eixo dessa justificativa vai no sentido das críticas de que a ampliação e melhoria da pesquisa em educação não têm redundado em melhorias na educação básica. Tais críticas, se não são atuais, têm-se intensificado contemporaneamente. É afirmado que os resultados desse nível de ensino continuam muito aquém do adequado, seja em comparação com padrões internacionais, seja mesmo no que concerne ao desejo de todos nós envolvidos com a educação. Se isso é verdade, não é legítimo que daí se depreenda que a pesquisa educacional não tenha se comprometido, em toda a sua história, com a solução dos graves problemas da educação cotidiana dos atores sociais, especialmente no que tange à educação básica. A análise das teses e dissertações dos programas de pós-graduação demonstra de forma inequívoca o quanto a produção de conhecimento em educação tem tido a escola e os sistemas de ensino como foco primordial. Estranhamente, no entanto, no momento em que a educação entra mais fortemente na agenda política do Estado, são buscados outros parceiros para dar conta da nova política educacional. Se a ampliação dessas parcerias é positiva, não se pode aceitar que se faça sobre o argumento fácil de que a educação não tem se interessado pelos problemas que afetam a educação escolar. Este dossiê pretende ser, assim, uma pequena amostra de como a educação tem-se debruçado sobre questões relevantes da política educacional da educação básica, indo desde a formação de professores às políticas de avaliação e de gestão das redes de ensino. Nesse sentido, os seis artigos aqui apresentados são oriundos de pesquisas baseadas na realidade educacional contemporânea do país, ainda que alguns remetam maior atenção a categorias teóricas.
O segundo eixo dessa justificativa opera com o conceito de política educacional que utilizamos na solicitação dos artigos. Ainda tem sido comum, tanto no Brasil como no exterior, que a política seja pensada numa matriz estadocêntrica em que produção e implementação são tratadas como etapas distintas operadas por agentes diversos. A análise das teses e dissertações sobre política educacional demonstra que é ainda majoritária no Brasil a concepção de que as políticas são produzidas no âmbito dos estados ou governos e aplicadas nas escolas. Dessa concepção depreende-se um conjunto de conclusões que assumimos como teoricamente insustentáveis e politicamente problemáticas. As políticas tornam-se blocos monolíticos produzidos em um Estado em que a hegemonia dá lugar ao fim do político como dimensão do antagonismo social. Postula-se a hegemonia de um dado pensamento, elimina-se o antagonismo social, e é esse pensamento que produz as políticas estatais. Produz-se, assim, um claro apagamento, por exemplo, dos movimentos da sociedade civil que ora somem do jogo político ora são encarados apenas como grupos de resistência. Nesse sentido, estudos do próprio campo da educação chegam a afirmar que as políticas não levam em conta o muito que é produzido na área. A concepção a partir da qual organizamos esse dossiê questiona essa conclusão, entendendo o espaço acadêmico de produção de conhecimento como uma esfera da política educacional. Nela produzimos sentidos que buscamos hegemonizar no jogo político em que as políticas estatais são produzidas. Parte dessa luta em torno da hegemonia de nossas posições envolve tornar público o conhecimento produzido sobre as políticas tais como elas vêm sendo produzidas e, nesse sentido, este dossiê é um instrumento dessa luta.
Se o Estado não é monolítico, se a luta por hegemonizar posições no jogo político envolve o antagonismo que produz políticas sempre híbridas, é também preciso rever o lugar que temos reservado à escola na concepção de política predominante nos estudos de política educacional. Ainda que muitos de nós questionemos fortemente a separação entre produção e implementação de políticas, muitos estudos acabam por reforçá-la ao conceber o Estado como centro de poder. A escola se torna, assim, um espaço de aplicação - mal ou bem-sucedida -, de resistência ou de submissão. Orientamo-nos aqui por uma concepção de política em que as lutas por hegemonizar posições se dão em diferentes contextos interconectados e a escola é um desses muitos contextos de produção de políticas. Assim, na seleção dos textos que compõem este dossiê, é possível perceber algo pouco comum em organizações que visam ao estudo das políticas, qual seja, a presença de estudos da escola em que esta não é tratada como espaço de implementação e resistência, mas de produção de políticas.
Essas são as linhas políticas e teóricas gerais que usamos para construir o presente dossiê como algo que fala de tema muito estudado - e, portanto, com pesquisas que suportem um dossiê alicerçado em pesquisa - abordando-o sob uma perspectiva diversa. Imaginamos que um dos aspectos interessantes nesse sentido seja o fato de a maioria dos autores não ser claramente vinculada ao tema das políticas educacionais. Currículo, didática, avaliação, formação de professores são as áreas das autoras que contribuíram para este dossiê. Isso justamente porque o que desejamos é um olhar sobre a política que opere na interface entre o contexto do Estado e da escola; que busque o movimento, político por natureza, no dia a dia do que ocorre na educação.
O dossiê foi pensado em torno de textos de natureza mais teórica, que discutem o sentido de política educacional com o qual se opera na sua composição, seguido de um conjunto de estudos de políticas educacionais contemporâneas no que tange à educação básica. Procuramos diversificar os objetos de análise e as referências teóricas, mantendo a coesão do volume em torno da ideia de que as políticas são produzidas em meio a lutas por hegemonia que se dão em diferentes contextos.
Os dois primeiros textos são de natureza mais teórica, embora estejam alicerçados em ampla trajetória de pesquisa de políticas educacionais específicas. Alice Casimiro Lopes, no artigo "Democracia nas políticas de currículo", discute as relações entre representação e democracia, defendendo que toda representação implica a constituição mútua entre representante e representado, na qual é impossível haver uma pura transparência. Analisando as atuais políticas de currículo para educação básica no Brasil, a autora defende não ser possível concluir genericamente em relação ao seu caráter democrático ou não, mas argumenta que, toda vez que sentidos da política de currículo são produzidos na tentativa de garantir supostos consensos a priori, opera-se como se existisse um particular que definitivamente pudesse (e devesse) se hegemonizar como universal e, com isso, são diminuídas as possibilidades democráticas da política. Elizabeth Macedo, por sua vez, no artigo "Currículo e conhecimento: aproximações entre educação e ensino", busca desconstruir os vínculos entre currículo e ensino, de maneira a possibilitar a emergência da diferença no currículo. A autora argumenta, analisando as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, que a centralidade no conhecimento tem reduzido a educação ao ensino. Considerando ser importante bloquear a hipertrofia da ideia de conhecimento como núcleo central do currículo, a autora defende ainda que tal postura implica redefinir o currículo de forma a concebê-lo como um instituinte de sentidos e como enunciação da cultura.
Outros quatro textos operam em níveis diferentes com movimentos políticos específicos. Com o texto "Políticas de currículo e avaliação e políticas docentes", Elba Siqueira de Sá Barretto realiza síntese problematizadora de uma pesquisa sobre as políticas docentes no Brasil, buscando relacionar as atuais políticas de currículo com as políticas dirigidas aos docentes. Com base nesse eixo, são articuladas questões que se ocupam das relações existentes entre a gestão de currículo e o desenvolvimento do profissionalismo docente nas políticas de ciclos e de avaliação de resultados.
Na mesma linha de pensar as possibilidades de ações políticas com vistas à melhoria da formação docente para a educação básica, Vera Maria Nigro de Souza Placco, Vera Lucia Trevisan de Souza e Laurinda Ramalho de Almeida, no artigo "O coordenador pedagógico: aportes à proposição de políticas públicas", analisam o importante papel do coordenador pedagógico na mediação de políticas públicas nas escolas. Para tal, ressaltam suas formas identitárias e suas atuais condições de trabalho. Defendem a possibilidade de articulação do trabalho desse profissional com a formação de professores inicial e continuada. Tendo por objeto a avaliação - um dos aspectos centrais das políticas educacionais recentes - Clarilza Prado de Sousa e Lucia P. S. Villas Bôas defendem no artigo "Avaliação da formação de professores: uma perspectiva psicossocial", elaborado com base na teoria das representações sociais, a abordagem psicossocial da formação e da avaliação docente com ênfase nos processos de produção da subjetividade do professor por meio de relações deste com os demais agentes de sua formação.
Maria de Lourdes Rangel Tura, por sua vez, com o texto "As novas propostas curriculares e a prática pedagógica", traz a dimensão da produção de sentidos da política dentro de uma das escolas da rede pública municipal do Rio de Janeiro. Procedendo a uma análise em torno do significante desempenho escolar - atualmente retratado pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, a autora analisa os discursos da performatividade e dos novos modelos de gerência da vida escolar e do trabalho docente no contexto da prática.
Consideramos que os textos não apenas podem adensar o atual debate teórico-metodológico das políticas educacionais para a educação básica, mas contribuir para que esse debate produza novos discursos em diferentes contextos sociais de produção das políticas.
Alice Casimiro Lopes
Clarilza Prado De Sousa
Elizabeth Macedo
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
13 Mar 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2012