Resumo
O artigo discute a escola como um território juvenil, a partir da análise de material de pesquisas etnográficas e atividades de extensão com estudantes de duas escolas públicas de ensino médio em Santos e Guarujá, cidades do litoral de São Paulo. São descritas e discutidas masculinidades e feminilidades, considerando a complexidade das relações e práticas juvenis e a centralidade de tecnologias como internet e celular. A perspectiva assumida compreende que as expectativas de gênero se constituem nos aprendizados. Como resultado do trabalho, foram identificadas reprodução e resistência em relação às posições hegemônicas de gênero e ao disciplinamento dos corpos jovens, compondo estratégias que dão sentido à escola como território juvenil.
JUVENTUDE; TERRITÓRIO; ESCOLA; GÊNERO
Abstract
This article discusses the school as a juvenile environment based on the analysis of ethnographic research and extension activities with students from two public high schools in the cities of Santos and Guarujá, located on the coast of São Paulo. Masculinities and femininities are described and discussed, considering the complexity of relationships and juvenile practices and the centrality of technologies like the internet and smartphones. It is assumed therefore, that gender expectations are shaped through the learning process. As a result of the study, reproduction as well as resistance were identified in relation to hegemonic gender positions and to the discipline of young bodies, developing strategies that give meaning to the school as a juvenile environment.
YOUTH;TERRITORY; SCHOOL; GENDER
Résumé
Cet article aborde l’école en tant que territoire des jeunes, à partir de l’analyse du matériel de recherches ethnographiques et d’activités d’extension concernant des élèves de deux lycées situés à Santos et à Guarujá, villes littorales de l’État de São Paulo. Les notions de masculinités et de féminités y sont décrites et discutées en tenant compte de la complexité des rapports et pratiques juvéniles et de la centralité des technologies, notamment l´ internet et le téléphone mobile. L’approche adoptée est que les attentes en matière de genre se constituent au long des apprentissages. Ce travail a permis d’identifier qu’il existe non seulement une reproduction mais aussi une résistance aux positions hégémoniques de genre et de la discipline des corps des jeunes aboutissant à des stratégies qui donnent un sens à l’école en tant que territoire juvénile.
JEUNESSE; TERRITOIRE; ÉCOLE; GENRE
Resumen
El artículo discute la escuela como un territorio juvenil, a partir del análisis de material de investigaciones etnográficas y actividades de extensión con estudiantes de dos escuelas públicas de enseñanza media en Santos y Guarujá, ciudades del litoral de São Paulo. Se describen y discuten masculinidades y feminidades, considerando la complejidad de las relaciones y prácticas juveniles y la centralidad de tecnologías como Internet y celular. La perspectiva asumida comprende que las expectativas de género se constituyen en los aprendizajes. Como resultado del trabajo, fueron identificadas reproducción y resistencia en relación con las posiciones hegemónicas de género y el disciplinamiento de los cuerpos jóvenes, componiendo estrategias que dan sentido a la escuela como territorio juvenil.
JUVENTUD; TERRITORIO; ESCUELA; GÉNERO
O CONTEXTO E O PROCESSO: PESQUISA A PARTIR DA EXTENSÃO
A reflexão apresentada resulta da experiência de pesquisa de pós-doutorado desenvolvida a partir do acúmulo com um projeto de extensão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), chamado “Juventudes e funk na Baixada Santista: territórios, redes, saúde e educação” (ou Juventudes & Funk na BS), em duas escolas públicas na Baixada Santista. A questão de pesquisa, que também norteia esse processo reflexivo, é entender feminilidades e masculinidades juvenis nos territórios e na escola, tomada como um território juvenil de relevância na constituição das juventudes contemporâneas e das sujeitas2 jovens a partir das performances de gêneros como repetições ou não dos padrões normativos para o masculino e o feminino, elementos importantes para compreender as jovens nas relações cotidianas e os modos como agenciam discursos e aprendizados. O repertório teórico adotado ajuda a entender que os gêneros se apresentam nos elementos discursivos dos aprendizados culturais e agenciamentos experimentados durante o período escolar, incluindo expectativas e vivência da sexualidade e performances de gênero. O trabalho pretendeu apreender como se inscrevem, são representadas e normatizadas as feminilidades e masculinidades nos(as) jovens inseridos(as) em territórios (BUTLER, 1990).
A categoria “território” inspira-se na perspectiva de Perlongher (1988), que faz uma leitura das ruas, dos corpos masculinos, dos afetos, dos interesses, dos desejos como constitutivos de territórios e subjetividades, dando centralidade aos devires, possibilidades que alteram sua dinâmica de forma ininterrupta. Articula-se, também, uma leitura da categoria pedaço (MAGNANI, 2012) como estratégica para apreender a condição juvenil na - e a partir da - escola, dada sua capacidade de conter vários pertencimentos, conformando modos de estar. A escola compõe o pedaço que se configura a partir da sua localização geográfica no bairro e na região da cidade. Pertencer e/ou estar naquele pedaço onde fica a escola tem significados importantes no cotidiano das sujeitas, identificadas como “alguém”, também a partir da escola em que estudam, da região, do bairro. Pertencimentos que compõem o(s) território(s) e as próprias jovens e tramam uma certa dinâmica do pedaço. Na perspectiva de vir a ser, do território vivo, Oliveira e Fonseca (2006) salientam que os devires do território-escola são os trajetos, agenciamentos e múltiplas paisagens que os constituem e o definem como tal.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO
O debate apresentado nesse artigo remete a campos e conceitos em disputa, especialmente considerando a diversidade da produção sobre escola, gênero e juventude com a qual dialogamos, alertando para a necessidade de anunciar o pedaço ao qual pertencemos. Nossa chegada às escolas se deu a partir de atividades de projeto de extensão, com propostas forjadas no campo da saúde coletiva, na interface com a educação, a antropologia e a sociologia, sendo um dos focos principais dessas atividades os direitos sexuais e reprodutivos em suas intersecções com as diferenças de gêneros e sexualidades.
A aproximação e o estabelecimento de relações com as escolas vêm permitindo o desenvolvimento de atividades de extensão e pesquisa, concebidas como encontros que ganham sentidos a partir das sujeitas envolvidas no processo. Alguns dos encontros realizados serviram de base para o processo reflexivo que aqui se apresenta, com destaque para o percurso da pesquisa de pós-doutorado e a de iniciação científica, a ela articulado. O artigo é produzido a partir de reflexões sobre o campo, considerando que as pesquisas se desdobram do projeto Juventudes & Funk na BS e foram realizadas por meio de investigações etnográficas e entrevistas. Trata-se de uma pesquisa que nasce da prática, pretendendo produzir conhecimentos ampliados sobre juventudes, sem perder de vista o risco de reduzir a etnografia à instrumentalização, como nos alerta Pereira (2017), e sem deixar de reconhecer que a prática da extensão também demanda uma orientação etnográfica na condução das atividades em campo. O conjunto do trabalho parte de orientação interdisciplinar para a reflexão, e da articulação entre princípios e práticas no campo científico, tal como proposto por Gusmão (2008), buscando resgatar a cultura a partir de uma perspectiva crítica, como uma questão política.
A pesquisa foi realizada pela autora por um período de cinco meses na escola de Santos e seis meses na do Guarujá. O cotidiano escolar observado foi registrado em diários de campo que serviram de base para análise. Foram realizadas oito entrevistas coletivas que contaram com a participação de estudantes interessadas no estudo, variando entre 6 e 18 jovens, organizadas de acordo com a dinâmica própria da observação etnográfica e do ritmo do tempo escolar. A etnografia, ainda que com suas limitações concretas, permitiu aproximação de práticas simbólicas e mecanismos que reproduzem o poder, a partir do eixo da diferença sexual traduzida em discursos e performances de gênero, praticadas nas relações sociais ocorridas na escola.
O interesse volta-se para sujeitas que, historicamente, são consideradas de menor valor, dadas as diferenças que as constituem e que se tornam centrais para os estudos culturais no campo da educação, justamente porque são capazes de desafiar a ordem social instituída e trazer a vitalidade da alteridade para o cotidiano das relações em territórios escolares. O trabalho está interessado no debate sobre o tema das juventudes e das práticas culturais juvenis, em suas singularidades. Esse interesse se transforma com a aproximação do “chão da escola”, com a vivência do cotidiano (PEREIRA, 2017). Desse modo, as discussões proporcionadas pelos estudos culturais ajudam a compreender a maneira como a escola produz pedagogias que, nos discursos e nas práticas, reificam hierarquias, centralidades e, consequentemente, subalternizam; mas também como produzem subversões, resistências e questionamentos. Assim, buscamos apreender masculinidades, feminilidades e as diferenças constitutivas dos territórios e das sujeitas a partir dos encontros realizados na escola. A partir de suas experiências como educadoras, Oliveira e Fonseca (2006) discutem o “território-escola” e fazem considerações sobre seus devires, procurando demonstrar como o território compõe-se por meio de suas “marcas qualitativas”: barulhos de dentro e de fora; vozes e entonações; a disposição dos corpos e os espaços entre eles. Assim, estando no “chão da escola”, percebemos que os ritmos das estudantes em interação têm cadências distintas em seus momentos ou espaços: no portão; durante a entrada e a saída; na quadra; no pátio; no recreio; na sala de aula; no banheiro; na comunicação com o mundo externo pelos buracos na cerca e no muro; nas mesas; nos bancos; nos corredores laterais do prédio; nas escadas; nos caminhos. O território só pode ser concebido a partir dos agenciamentos territoriais, ou seja, das sujeitas em interação. Ao mesmo tempo, as diferenças e suas significações produzem diversas configurações sobre o território, gerando várias paisagens. Os “corpos configuram paisagens, bem como paisagens contornam corpos” (OLIVEIRA; FONSECA, 2006, p. 248).
Nas escolas, com suas temporalidades, suas relações de poder, suas performances de masculinidades, feminilidades e não binariedades, há encontros entre pessoas que assumem posições e relações de poder que não apresentam coerência e nem correspondência. Trazem componentes de uma pluralidade das sujeitas nos territórios de educação e ganham significados que apontam centralidades e periferias. Por isso, é preciso assumir a relevância das relações entre adultas/professoras e jovens/estudantes e o quanto isso traz contornos ao território escolar. Ser jovem é hierarquicamente inferior a ser adulta, expondo o campo de disputa em torno da própria categoria “juventudes”, de seus sentidos (nos campos do conhecimento que a utilizam) e, ainda, no percurso histórico da própria categoria. Assim, buscamos debater “se a escola faz a juventude”, como apresentou Dayrell (2007, p. 1107, 1112), argumentando sobre a condição juvenil, suas diferentes dimensões e espaços. O autor afirma, ainda, que a escola ganha sentidos próprios, a partir de “estruturas particulares de significados” dados pelas sujeitas que se tornam “ancoragem da memória individual e coletiva”.
Os encontros de pesquisa realizados com jovens permitiram acessar outros territórios juvenis que compõem o cotidiano escolar, materializados nos corpos jovens que ocupam a escola. Apresentaram-se distintos pedaços, que apontaram outros pertencimentos e elementos de um certo modo de ser, de uma certa trajetória na escola. A aproximação com as jovens permitiu identificar a internet como um território-pedaço das práticas juvenis dentro da escola - e também fora dela. Há uma complexidade incontestável nessa dimensão das juventudes na contemporaneidade que se revela, particularmente, nos usos do aparelho celular,3 uma importante ferramenta tecnológica presente no território da escola. A observação do cotidiano da escola possibilitou tecer algumas considerações acerca de como o celular compõe a corporalidade juvenil e o território e como contribui para aprendizados de gênero. Particularmente, a internet acessada pelos celulares proporciona uma permanente relação dentro-fora que constitui a maneira como as sujeitas jovens se comportam como estudantes no território. O modo como o celular é usado revela rigidez e flexibilidade em torno das regras, tornando-as capazes de (re)territorializar, instituir novas normatizações (ou adaptá-las), estratificar sujeitas e, ao mesmo tempo, transgredir normas que se pretendem disciplinadoras. Os espaços e os sentidos também ganham novas reterritorializações nas relações cotidianas quando há contraposição à regra. Foram observados exemplos de reterritorializações nas duas escolas durante o trabalho de campo realizado na pesquisa de pós-doutorado.
QUESTÕES DO CAMPO: OS TERRITÓRIOS ESCOLARES
As escolas que fizeram parte do estudo estão localizadas em cidades vizinhas (Santos e Guarujá) do litoral sul paulista. Santos é o município mais importante da região metropolitana da Baixada Santista e o Guarujá, de menor porte, pode ser classificado como município balneário. Juntos, têm o maior porto da América Latina. São cidades litorâneas com áreas continentais interligadas e uma urbanidade desenhada pelas mudanças provocadas pelas temporadas de feriados e férias.
Em Santos, a escola é de grande porte e está localizada em região central da cidade, com acesso a lazer e comércio. Além do ensino regular, a instituição também oferece o ensino técnico e as estudantes, que passam por um processo seletivo conhecido como “vestibulinho”, vêm de toda a Baixada Santista. Há políticas afirmativas que garantem cotas do total de vagas para negras e indígenas e para pessoas dentro de certo perfil socioeconômico, que cursaram o ensino fundamental II em escola pública. Muitas jovens, entretanto, vêm de escolas privadas. Os cursos são da área de exatas e há uma parte importante das jovens que fazem ensino médio integrado ao técnico.4 Os corpos jovens daquele território são, em sua maioria, masculinos.
No Guarujá, a escola pública de ensinos fundamental e médio fica em um bairro periférico da região de uma das praias mais populares da cidade (está na periferia da área, ainda que seja de fácil acesso e próxima de pousadas e comércio). Fica no “pedaço mais feio da região”, nas palavras de um motorista de Uber que levou a pesquisadora até lá numa ocasião. Essa característica é central para o debate, pois territorialidades devem ser compreendidas para que se conheçam as jovens daquele (e naquele) pedaço. A escola fica no final de uma extensa rua, quase ao pé de um morro ocupado por habitações precárias que vão, cada vez mais, instalando-se morro acima. A escola é cercada por ruas estreitas e, desse modo, as casas do outro lado da rua ficam bem próximas dela, principalmente em uma das laterais e no fundo, ficando colada nas casas, sendo possível vê-las por dentro e observar moradoras em situações cotidianas. Trata-se de uma escola pequena, com apenas três salas de ensino médio - as últimas turmas do médio, que, em 2018, deixaram de existir. A reorganização implantada pela gestão do governador Geraldo Alckmin encerrou o ensino médio na escola, um território íntimo do pedaço onde está localizado e que constitui as trajetórias de jovens que moram ali, tendo muitas delas estudado lá a vida toda. A mudança imposta pela reorganização aconteceu de forma paulatina, sem encontrar resistências como as ocorridas em 2015, quando muitas escolas públicas de ensino médio paulistas foram ocupadas por estudantes que se opunham à proposta de reorganização, acusada de antidemocrática. A coordenadora pedagógica mencionou que algumas estudantes participaram da ocupação de uma outra escola da cidade, que teve suas atividades completamente interrompidas no final de 2016. Na escola em que realizamos a pesquisa, a relação com a comunidade, enquanto parte daquele pedaço, destacou-se como uma dimensão importante da análise.
As regras para entrar e sair das escolas, cotidianamente, são importantes para o debate aqui proposto. As duas escolas onde realizamos o trabalho foram consideradas escolas abertas, quando comparadas a outras em que é muito difícil entrar ou sair em horários diferentes dos preestabelecidos pela instituição, para as estudantes ou mesmo para o atendimento ao público.
Escolas costumam ser edifícios cercados, trancados, vigiados, gradeados. De algum modo, as duas escolas estudadas escapam desse modelo por permitirem circulação de pessoas. Sem um rígido controle de entrada e saída do prédio, também circulam pelas escolas territorialidades e pedaços que, muitas vezes (ou quase sempre), contribuem para as especificidades do território. Na escola técnica de Santos é possível entrar e sair sem questionamentos ou impedimentos por parte de alguma adulta, ainda que, em algumas situações, a entrada na escola tenha sido precedida de identificação obrigatória para funcionário da segurança. Na escola do Guarujá, ao contrário, é mais fácil entrar do que sair nos horários não convencionais. Os fluxos de entrada e saída da escola a conformam como território - e sua ocupação, inclusive pela comunidade do pedaço, permite uma permanente relação fora-dentro.
Tanto a escola do Guarujá como a de Santos estão abertas à circulação, embora não possamos assumir que o controle esteja ausente por completo. Se não são totalmente abertas, certamente não são fechadas.5 O controle de acesso é operado por mecanismos e singularidades que o tornam muito menos intenso, chegando a ser imperceptível em alguns momentos. O modelo idealizado de controle - mesmo que presente nas duas instituições - é flexibilizado, permitindo que as escolas se abram e se tornem mais acessíveis e integradas ao pedaço que pertencem. Arriscamos afirmar que tal característica, inclusive, tenha facilitado a entrada e permanência nas escolas para realização dos encontros de pesquisa e daqueles ocorridos no projeto de extensão Juventudes & Funk na BS. Isso deu também maior autonomia para o desenvolvimento do trabalho de campo, ainda que ele tenha sido muito limitado pela temporalidade da escola. Na maior parte das vezes, os encontros não estiveram sob condicionalidades das autoridades ou solicitações complexas para acesso aos espaços da escola e às estudantes.
Na escola do Guarujá, como em boa parte das escolas públicas estaduais paulistas, há muros em torno de todo o terreno. Nas laterais e ao fundo, a altura dos muros é prolongada com cercas de arame, mas há uma parte da cerca retorcida, configurando uma passagem para sair ou entrar. Em um outro ponto, ao fundo, estudantes interagem por um buraco no muro com pessoas que estão fora e estas podem observar o interior da escola. Parece haver explícita tolerância com as relações/interações dentro-fora, seja pelo buraco da cerca, seja pelo buraco no muro. As estudantes compram refrigerantes, alimentos, usam o celular de alguém que está fora, geralmente no intervalo. Também não é incomum ver alguém de fora observando a escola e seus movimentos. A comunidade utiliza a quadra de esportes, principalmente para partidas de futebol no horário noturno, quando não há aulas e nem funcionárias. Quem usa a quadra tem a chave do portão. Certamente, salas, pátio interno, área administrativa e outros espaços ficam protegidos pelas grades com trancas. É também uma Escola da Família6 que parece oferecer programação ativa, sob a coordenação de uma professora bastante envolvida com o projeto. Cartazes alusivos aos direitos humanos, consciência negra, sustentabilidade e paz decoravam o pátio da escola durante o período observado. Aos sábados, uma organização não governamental (ONG), ativista da educação pelo surf, utiliza a quadra para aquecer e treinar os meninos7 (da escola, mas não apenas de lá) antes de seguirem para a praia. Em certo sábado de calor intenso, iniciou-se ali uma passeata pela paz, organizada pela Escola da Família. Participavam estudantes, estagiárias de pedagogia de universidade privada, professoras, pais e mães de estudantes e outros familiares, crianças desacompanhadas de adultas, pessoas da comunidade em geral, o pessoal da ONG mencionada, uma ex-professora da escola e moradora do pedaço, cachorros da vizinhança.
As relações de proximidade entre as pessoas do lugar demonstram um importante pertencimento do território escolar ao território mais amplo, ao pedaço. Os territórios e as sujeitas são conformadas por essas relações. A proximidade física da escola, bem como sua participação nas trajetórias, é tamanha que uma parcela importante dos cuidados de um menino de sete anos, estudante do 1o ano do ensino fundamental I, é assumida pela escola, sob vigilância do Conselho Tutelar. Certa vez, a coordenadora da escola relatou: “ontem fui ali no corredor lateral da escola, bem próxima da janela da casa dele [menino referido] e chamei: Fulano, Fulano! Acorda pra vir pra escola!”. O modo como a escola pertence ao pedaço torna as sujeitas, em interação no território escolar, muito íntimas das questões familiares, de suas complexidades, das violências, das ausências e negligências e das mobilizações e participações.
Na escola de Santos, ao longo de nossa experiência de parceria, vivenciamos poucos momentos de restrição de circulação, principalmente pela entrada principal, operada por um agente de segurança fardado que fica sentado atrás de uma mesa. Mas a discussão sobre manter ou não a escola aberta foi constante e se acirrou após uma agressão praticada dentro da escola por um familiar de estudante. O episódio disseminou a ideia entre pais e mães das estudantes de que “qualquer pessoa pode entrar” na escola, desencadeando mecanismos de pânico moral em relação à segurança dos corpos juvenis. Cabe frisar que, nesse caso, não se tratava de “qualquer pessoa” protagonizando a violência, mas de alguém da própria comunidade escolar. Nos três anos em que desenvolvemos o trabalho de extensão, somente recentemente algumas estudantes extensionistas8 tiveram que se identificar para entrar.
Os portões da escola do Guarujá ficam ora trancados, ora abertos. Quando estão trancados, o acesso depende de a visitante ser vista ou ouvida por alguma funcionária da escola. Nessas situações, a visitante precisa se identificar e informar com quem veio falar e, então, aguardar que a pessoa procurada ou alguém com poder de decisão libere a entrada. Depois disso, é preciso, ainda, aguardar que a funcionária procure pela chave e venha abrir o cadeado do portão. Não demoramos, no entanto, para descobrir um truque: frequentemente os portões ficavam destrancados, apenas encostados, com a corrente e cadeados aparentemente atados, numa tentativa de camuflar a condição destrancada da escola. No entanto, o truque é de conhecimento das pessoas do pedaço. Ainda que tenhamos nos beneficiado da descoberta, continuamos nos anunciando ao entrar na escola, fazendo algum sinal para a funcionária que fica atrás de um guichê gradeado - uma adaptação na parede feita, visivelmente, após a construção da escola. As pistas sugerem que a escola talvez desejasse o portão fechado permanentemente; no entanto, a falta de funcionárias para controlar efetivamente o acesso teria levado ao artifício relatado. Essa flexibilização do controle compõe um fluxo em sintonia com outros fluxos que a escola estabelece com o pedaço ao qual pertence, permitindo trocas.
O COTIDIANO ESCOLAR E AS TECNOLOGIAS JUVENIS
As muitas formas de estar na escola vão compondo o dia a dia e as relações entre as sujeitas, ora com mais horizontalidade, ora com mais hierarquia, nas disputas de poder que surgem a partir das posições levadas para o território, expressando pertencimentos. A participação ou não nas atividades cotidianas propostas na sala de aula e em outros espaços da escola e o modo como ocorre essa participação fornecem elementos da disputa. Ser ou não ser colaborativa, fazer muita, pouca ou nenhuma zoeira, o tipo de relação estabelecido com a professora e com outras e outros jovens. Tudo isso pode servir de pistas para entender a própria escola. Há agenciamentos singulares e, ao mesmo tempo, carregados de aprendizados culturais, particularmente em torno das expectativas para a(s) feminilidade(s) e a(s) masculinidade(s), estruturadas também numa expectativa heteronormativa sobre os corpos e nos currículos, como alertaram Caetano et al. (2017).
As maneiras como as normas são cumpridas, como são agenciadas, chegando mesmo a romper com qualquer rigor pretendido são elementos do cotidiano escolar, assim como “a dispersão e multiplicidade dos ditos em torno da noção de juventude” (ANDRADE; MEYER, 2014, p. 95). O território escolar assume a condição juvenil também pelas transgressões que se materializam nos corpos, roupas e sapatos que não estão em conformidade com as regras que pretendem regular as pessoas. Dada a importância, em termos de pedagogia cultural, sobre a condição feminina e a sexualidade vivida (ou não vivida) por mulheres, focamos o rigor institucional sobre os corpos femininos - que se deu nas experiências no “chão da escola” com o trabalho de pesquisa e de extensão. Sob a mira de resistências e questionamentos, houve uma recorrente “orientação para que meninas evitem o uso de roupas curtas e decotadas”.9 É preciso enfatizar que, em territórios escolares mais abertos, não está ausente a preocupação especial com corpos femininos, incluindo das estudantes universitárias da equipe de extensão. O corpo feminino continua ameaçando a ordem vigente da instituição escolar e sendo violentado por ela ou por outrem, em seus espaços.
O conflito em relação à exposição do corpo é constitutivo dos modos de estar na escola. Algumas vezes, o conflito se relaciona com valores pregados pela própria instituição ou em torno das questões vividas e/ou expressadas pelas jovens, consideradas problemáticas pelas adultas. Encontramos elementos para desconfiar que as duas escolas, talvez, tenham percebido a falha na sua capacidade disciplinar, tal como discute Sibilia (2012) sobre as escolas na era digital. Ao mesmo tempo que se mostram como territórios escolares mais abertos ao diálogo, vez ou outra e em doses variadas, engendram esforços e arranjos, buscando “manter a ordem”, enrijecendo a conduta disciplinar.
Nas escolas onde se realizou o trabalho de campo, o aparelho celular, como já referido anteriormente, apresenta-se, de modo marcante, como uma dimensão central para entender as práticas e a condição juvenil. Quem observa as jovens nessas escolas nota que os corpos com celulares ganham visibilidade nos territórios e, na dinâmica das interações, esses aparelhos constituem as relações entre as pessoas na sala de aula e em outros espaços. Durante a observação de algumas aulas no Guarujá, notamos que as estudantes faziam uso dos celulares e que isto resultava de negociações e conflitos com a professora, anteriormente ocorridos. Fragmentos desses conflitos ainda estavam presentes e revelavam, em alguns casos, situações tensas do passado. Mesmo havendo possibilidade de se usar o celular para ouvir música em sala de aula, não significava que a professora aceitava ou tolerava totalmente. Em alguns casos, foram criadas regras de uso do celular, que variavam dependendo do dia, do estado da turma, do humor da professora e de outros condicionantes.
A imagem mais comum era a de meninos usando seus celulares, sentados em suas carteiras. Muito mais do que as meninas. Quem usava demonstrava assistir também à aula, pois colocava o fone em apenas um ouvido, deixando o outro disponível e atento para a escuta do conteúdo trabalhado pela professora. O aparelho ficava, geralmente, na carteira ou no bolso da jovem e, quando a professora falava, o aparelho era mantido em repouso, ainda que reproduzindo músicas (e vídeos) que, às vezes, convidavam a movimentos ritmados de alguma parte do corpo, a mexer a boca, a cantar sem emitir som. Movimentos cercados por uma discrição esperada pela professora que, desse modo, permitia o uso do celular sem grandes conflitos. Havia também quem usasse o celular para jogar ou mandar mensagens, formas de utilização mais reprimidas pelas professoras, gerando mais conflitos; ainda que, em alguns momentos, como em atividades em grupo, fossem toleradas.
O celular adquire significados específicos, enquanto tecnologia juvenil, no modo como é utilizado pelas estudantes, como elemento da configuração do território escolar e compondo corpos juvenis também nas suas performances de masculinidades e feminilidades. O trabalho realizado trouxe à tona a necessidade de maiores investimentos em pesquisas que se debrucem sobre os usos do celular por jovens e também por educadoras, incluindo durante sua permanência na escola. Algumas professoras também usaram celular em sala de aula, enquanto estudantes faziam leituras ou trabalhos em grupo. Em alguns casos, esse uso foi reconhecido e manipulado pelas estudantes no agenciamento dos conflitos e normas, em tom acusativo: “elas usam também!”. Em outros casos, tanto na escola do Guarujá como na de Santos, professoras utilizaram o aparelho como parte da aula, para consultas.
Como componente de atividades pedagógicas sugeridas/propostas por algumas professoras da escola de Santos, o celular é considerado uma importante tecnologia juvenil. A melhor forma de reconhecer, na linguagem da educação, é incorporando a tecnologia à própria prática pedagógica. Fora do contexto da aula, o uso compartilhado do celular naquele território ganhava sentidos singulares entre as estudantes. Em pequenos grupos, não raramente, uma pessoa ficava com seu aparelho em uma posição centralizada, de modo a permitir que todas as pessoas assistissem a vídeos, vissem memes, lessem textos, ouvissem músicas... Em pares, trios, ou grupos maiores, discutiam o conteúdo mostrado na tela do celular. Via de regra, nessa escola, não era permitido usar celular de forma lúdica, na aula, ainda que tenhamos relatos de malabarismos para mandar mensagens por WhatsApp, como foi o caso de um rapaz que burlou a regra para responder mensagens de sua mãe, que costumava ficar aflita quando ele não respondia logo às mensagens que ela enviava, mesmo durante o horário de aula.
FEMINILIDADES E MASCULINIDADES NA ESCOLA: CORPOS, RELAÇÕES E TECNOLOGIAS JUVENIS
Outra dimensão importante do debate aqui apresentado é de ordem metodológica e vem intrigando o fazer etnográfico e também a prática de extensão, ainda que com suas especificidades. Nos encontros, apresentam-se diferenças entre as jovens e uma adulta com muitas marcas que não apenas a diferenciam, mas que são representações e constituem significados de leitura: ser uma mulher branca, próxima dos 50 anos, professora universitária é ser carregada de sentidos para as jovens. Assumimos, portanto, a importância de reconhecer a presença de pessoas corporificadas no processo de educação, quando se trata de compreender questões de gênero na escola, como alertou bell hooks10 (1999). Recentemente, um estudante universitário, novo na equipe do Juventudes & Funk na BS, reiterou: “não tem como, você tem cara de professora”. Para ele, era certo que o silêncio, principalmente dos rapazes, durante a discussão em uma oficina na escola do Guarujá, foi causado pela presença do corpo-professora e tudo o que ele pode representar.
Assume-se o desafio de buscar trajetos teórico-metodológicos que permitam relações mais equânimes no processo de produção do conhecimento. Quando há interesse em compreender o território escolar, a centralidade da relação entre adultas-professoras e jovens-estudantes toma corpo na própria experiência do campo, como destacou Pereira (2017) a partir de sua larga experiência com jovens escolares. Nossa experiência de observação no “chão da escola” também se deparou com a persistência dos adultocentrismos nas relações entre professora e estudante, que hierarquizam e geram conflitos, em distintas formas de se manifestar.
Em Santos, as estudantes relataram estratégias pedagógicas que professoras utilizam e que acirram a competição entre jovens, supervalorizando o desempenho individual. Algumas estudantes relataram também que, não raramente, alguns professores11 declaram a condição masculina como dotada de uma “natural” habilidade para as exatas. Meninas dessa escola relataram que não pretendiam continuar na área que cursavam o técnico, no ensino médio, por se considerarem “menos capazes” que “certos meninos”. Um fragmento de fala de uma menina resume a questão: “mano, aqueles meninos da sala parecem ter nascido pra isso [informática]”. De forma mais explícita, presenciamos conflitos tensos na escola do Guarujá, nos quais a professora repreendeu com gritos, broncas e observações valorativas sobre comportamento inadequado do estudante, além de encaminhá-lo para a direção, em uma situação em que o rapaz havia apenas silenciado diante das repreensões ou contestado, em tom baixo, as argumentações da professora consideradas por ele injustas.
Diversas autoras que se interessam pelas culturas juvenis (PEREIRA, 2016a, 2016b, 2017; DAYRELL, 2007; GUSMÃO, 2008) destacam a relevância dos momentos de sociabilidade, que são tomados, tal como aqui, como fundamentais para uma atribuição de sentidos aos territórios, por serem formas genuínas de ocupação juvenil do espaço.
Na escola de Santos, as salas de aula eram recorrentemente ocupadas pelas estudantes como sede de partidas de RPG.12 Como parte da metodologia da pesquisa, lá foram realizados encontros nos quais ocorriam conversas sobre lazer, prazer, sobre as coisas que as jovens gostam de fazer no tempo livre. Praia, festas de vários tipos (open bar em casas alugadas para essa finalidade, música ao vivo na rua, luau na praia), reuniões na casa de amigos, saídas para comer, circuitos de artes (com destaque para música e teatro). Mas a internet, nesse contexto de sociabilidade, apareceu de forma destacada como um território juvenil de lazer. As jovens da escola fazem referências à Netflix, aos vídeos disponíveis no Youtube, aos tutoriais - de receitas culinárias, artesanato, como tirar manchas de roupa, casas pré-montadas, músicas, games, ou seja, de incontáveis temas. Falam de youtubers e das redes sociais, com apreciação crítica. O Twitter aparece como preferido, por sua objetividade na comunicação, o Facebook, por sua vez, é criticado por ser algo “chato”, especialmente pela presença de pessoas adultas, pois familiares, professoras e outras adultas podem ter acesso às comunicações dos perfis das jovens. Consideram também que é um espaço de debate, onde ideias muito distintas disputam visibilidade (“todo mundo quer curtidas”), aumentando a probabilidade de “tretas”. Um território de grande exposição, visto com receio, desconfiança e crítica. De qualquer modo, como alertou Carrano (2017), as redes sociais se constituem em “uma nova realidade” que é, ao mesmo tempo, uma porta aberta para a interlocução com os espaços-tempos clássicos de educação e também um “ruído”, fonte de preocupações por parte da instituição escolar, diante da instantaneidade das trocas empreendidas pelas jovens na escola, a partir da internet.
O território é ocupado - e ganha sentido - a partir dos corpos e gêneros que o constituem: corpos plurais da periferia da cidade-balneário, da orla da cidade, de moças e moços, de classe média, corpos grávidos, brancos, negros, não brancos, de ascendência asiática, corpos cristãos, corpos trans, corpos não heterossexuais, corpos surfistas, corpos de direita ou ativistas, corpos artistas, corpos que resistem, corpos lúdicos. São jovens corporificados a partir de enfeixamentos entre essas (e tantas outras) diferenças. Jovens ocupam o espaço-tempo, atravessam-no com territorialidades de outros pedaços: da rua, da igreja, do bairro, da cidade, da banda, do trabalho, da família. E também da internet, dos conteúdos acessados pelos celulares, como parte dos corpos juvenis. Mas, assim como há jovens que usam o celular, não é tão incomum o uso de aparelhos mais antigos, que restringem o uso da internet. Ouvimos estudantes afirmarem “não gostar de celular”. Entretanto, é o uso dessa tecnologia, das relações que se dão a partir dela, no território escolar e fora dele,13 que confere centralidade para o celular na compreensão das juventudes na contemporaneidade - e, particularmente, na escola, tal como alertou Carrano (2017) ao discutir as redes sociais.
Do nosso ponto de vista, o uso dessa tecnologia pelas jovens nos ajuda na leitura dos aprendizados sobre gêneros e sexualidades - particularmente pelo acesso à internet. A observação dessas estudantes nas escolas revelou que as paqueras podem ser facilitadas pelo WhatsApp, com utilização de “indiretas ou diretas” e de “tretas” no Facebook. São estratégias para, por exemplo, saber “o que pensa o(a) crush”.14 Jovens fazem uso de aplicativos como Tinder para encontrar pessoas para amizade e “algo mais”. O celular permite acesso a vídeos de sexo, a imagens reais de transas de pessoas das redes de relações das próprias jovens.
Certas situações observadas em campo trazem à tona a complexidade que a internet representa, enquanto tecnologia juvenil e como parte do processo de aprendizagem de gêneros e sexualidades. Parece haver uma sociabilidade própria no compartilhamento de imagens e sons a partir do celular utilizado em grupo.
Narrativas de dois rapazes, verificadas em distintas situações, merecem destaque. Na primeira, em uma roda formada por quatro jovens, um rapaz branco de cerca de 16 anos pega seu celular e mostra fotos do(s) namorado(s) de sua mãe, dizendo: “ela sempre manda foto dos caras que ela tá pegando, pra saber o que eu acho”. Essa intimidade compartilhada entre mãe e filho e entre o rapaz e suas amigas é carregada de elementos para pensar as sexualidades vividas em diferentes gerações. O garoto, assumidamente gay, conta ao grupo que sua mãe considera a opinião dele importante. Não há omissão da vida sexual ativa da mãe. Ao contrário, ele diz que a mãe é “pegadora”. A orientação sexual do rapaz pode favorecer a aproximação, dado que homens são também objeto de desejo do rapaz. O filho tem legitimidade, na condição de amigo gay, para falar da beleza de outros homens. É preciso se perguntar se tal situação ocorreria caso o rapaz fosse heterossexual. Um outro menino, também branco, de aproximadamente 17 anos, por sua vez, contou, em duas ocasiões, que seu pai enviava vídeos de suas transas com a(s) namorada(s). O modo como essa informação foi compartilhada com amigas e colegas da escola, e com a pesquisadora, revelou uma relação muito interessante entre pai e filho que, de algum modo, dá outro significado para as hierarquias geracionais entre homem-adulto-pai e homem-rapaz-filho. Pode significar, até, uma atualização da iniciação sexual de rapazes pelos homens mais velhos da família e uma estratégia de manutenção do valor da performance sexual como atributo de uma virilidade esperada para os homens. De qualquer modo, aqui há uma especificidade contemporânea que a tecnologia juvenil permite, indicando necessidade de aprofundamento.
O celular, ainda que limitado pelos pacotes comerciais das operadoras, possibilita acesso à internet, a músicas, vídeos, redes sociais, dicionários, informações sobre conteúdo escolar e explicita, aqui, uma questão de classe: o acesso a esses pacotes de internet é diferente entre as jovens, assim como a possibilidade de adquirir aparelhos mais modernos, que são mais caros por terem capacidade de armazenar dados, independentemente do acesso à internet. Na escola do Guarujá, o uso compartilhado do celular foi menos observado, ainda que vídeos de surfistas pegando ondas fossem de interesse comum dos rapazes da escola que praticam o esporte. O ato de escutar músicas na internet também costuma ser compartilhado. A possibilidade de acesso à internet é menor entre as estudantes do Guarujá do que entre as de Santos; tanto que, por duas vezes, solicitaram às pesquisadoras que pedissem a senha do Wi-fi para a coordenadora, evidentemente com o objetivo de que repassássemos para elas depois.
A flexibilização e o enrijecimento das normas e iniciativas podem ser vistos, tal como outros pesquisadores da juventude descreveram (DAYRELL, 2007; PEREIRA, 2016a, 2016b), no modo como o celular é usado nas duas escolas observadas. O uso do celular na sala, como parte da aula e/ou mediante o estabelecimento de regras, indica algum reconhecimento por parte das escolas, a partir de seus contextos e relações, da importância dele para a juventude na contemporaneidade. Indica, também, uma mudança no ideal de estudante pretendido pelas instituições de ensino e constituído ao longo do tempo, assim como as mudanças no modo de conceber as categorias “juventude” e “adolescência”. A discussão sobre essa trajetória é central para os estudos sobre juventudes, como Groppo (2017) apresenta, de modo didático, em sua introdução à sociologia da juventude.
Geralmente, há abertura das escolas para a realização de atividades de pesquisa e extensão, mas é preciso existir um pacto com as autoridades escolares: direção e coordenação pedagógica são as primeiras instâncias que precisam avaliar as propostas. São elas que darão prioridade (ou não) para esse diálogo e permissão para que uma equipe estranha ao dia a dia da escola aborde questões que, geralmente, são indesejadas ou não prioritárias: gêneros e sexualidades,15 racismos, violências, desigualdades e diferenças e, inclusive, brincadeiras (que são vistas pela instituição escolar de modo muito simplificado; geralmente, como indisciplina, ainda que reconhecidas como inevitáveis no ambiente escolar). Priorizamos as dimensões pouco valorizadas pela escola, tal como aponta Pereira (2016a, 2016b, 2017), ou seja, as diferenças e as estigmatizações em torno dos enfeixamentos que compõem o cotidiano escolar. As marcas nos corpos falam de suas sujeitas o que nos interessa diretamente, assim como compreender as diferenças constitutivas nas relações e nos significados atribuídos a tais diferenças, nas intersecções das situações e relacionamentos e nos posicionamentos das sujeitas em território ajuda a entender as juventudes e a própria escola.
Como alerta Louro (2000), as agentes da educação (professoras, coordenadoras, diretoras, zeladoras) tendem a descorporificar as pessoas no cotidiano escolar. Agentes institucionais, de modo geral, pretendem não somente descorporificar, como também reiterar a separação entre mente e corpo, ao mesmo tempo que tentam discipliná-los. Os processos de educação continuam preocupados em vigiar, controlar, moldar e construir os corpos das meninas e dos meninos. Ao mesmo tempo, esses corpos materializam resistências em suas roupas, reações e posicionamentos, recriando os processos educativos. Há resistência também nas dimensões desvalorizadas pela escola: brincadeiras, jogos, conflitos, rompimento de normas e ocupações de espaços de acesso restrito. A linguagem é central para a decodificação dos aprendizados de performances de masculinidades e feminilidades e das concepções de sexualidades entre as jovens. O trabalho no “chão da escola”, no corpo a corpo com as e os estudantes, nos aproximou das linguagens que constituem a corporalidade juvenil de modo plural, das concepções de mundo que se harmonizam ou entram em conflito, como discutiram Gil e Seffner (2016). Entram, nessa equação, os posicionamentos das sujeitas, os repertórios e as performances em relação, que demarcam e ultrapassam fronteiras. Dentro e fora da sala de aula, dentro e fora da escola, estudantes e professoras, meninos e meninas, heterossexuais e não heterossexuais, negras e brancas: são as diferenças que dão contornos para a ideia de fronteira, que, não raramente, compõem posições de subalternidade e centralidade. Corporalidades tanto reproduzem a condição hegemônica de desigualdade e privilégio como questionam a subalternidade. Corpos juvenis são atravessados pelos discursos disciplinadores e, também, ultrapassam fronteiras, borrando pensamentos e expectativas hegemônicos. Uma mesma pessoa, um mesmo corpo, pode resistir e reafirmar hegemonias, ressignificando a escola.
O território escolar é marcado pela forma como os corpos o ocupam. Em algumas situações, as meninas falam alto, dão tapas e socos nos meninos, utilizam xingamentos e protagonizam zoeiras. Na escola do Guarujá, nas aulas, nos intervalos ou na entrada da escola, notamos que algumas meninas ocupam o território, assumindo um lugar ativo. Na escola técnica, onde as meninas são minoria, por vezes assistimos a cenas semelhantes, nos espaços coletivos, mas de forma mais discreta. Lá, o que coloca as feminilidades em destaque é a presença importante do afeto carinhoso entre estudantes, trocado amplamente: abraços, mãos dadas, chamegos entre eles-eles, elas-elas, eles-elas - principalmente fora da sala de aula ou na sala, sem a presença da professora. O protagonismo das meninas, especialmente quando “causam” na sala de aula, gera reação rápida de repreensão por parte das professoras. Reação, de certo modo, até esperada por parte das adultas, que entendem algumas atitudes das jovens em dissonância com os corpos femininos e proferem ordem para que elas “retornem para seus lugares”. O lugar delas não é, para a professora, de agentes da zoeira. Tal como destacado por Pereira (2016a), a zoeira protagonizada pelos meninos, ainda que eles também sejam repreendidos, provoca uma reação diferente, por já ser esperada e não conter nenhum elemento surpresa.
Masculinidades plurais (que, em alguns casos, destoam de padrões hegemônicos) estão presentes na escola técnica, como é o caso dos jogos, que atravessam as relações de ludicidade. Tabuleiros, cartas, xadrez, RPG e games nos celulares16 fazem parte das relações entre os meninos. Há regras, concentração, organização. Algumas meninas também jogam. O afeto entre os meninos se expressa, também, em algumas brincadeiras; os beijos no rosto, na boca e as mãos dadas entre namorados17 não despertam, aparentemente, reações de reprovação. Estudantes, algumas professoras e coordenadoras com as quais conversamos reconhecem haver uma “tranquilidade” em relação aos namoros e afetos gays, lésbicos, bissexuais e heterossexuais que ocorrem no território.18 Há, de modo geral, uma regra para todo tipo de namoro na escola: “não pode ser exagerado”. Educadoras ressaltam, entretanto, haver pais e mães que solicitam intervenção da escola quando se deparam ou desconfiam que sua filha não seja heterossexual. Há elementos complexos, plurais e contraditórios em torno das relações e orientações não heterossexuais presentes no território escolar. O modo como se relacionam aponta para a promoção do diálogo a partir de distintas posições, apoiado explicitamente pela direção e coordenação pedagógica da escola, assim como por parte importante das estudantes.
Na escola técnica, há meninos com cabelos coloridos, compridos, com vários estilos - surfista, roqueiro, bicho-grilo e estilo black. Há rapazes com performances femininas, explicitadas na roupa, no jeito de andar, na voz, no estilo. Nos intervalos, não é incomum a interação entre rapazes e moças e os grupos não são tão divididos por gênero. As meninas, em menor número, parecem se distribuir entre os diversos grupos de meninos, ainda que, nas salas de aula, os agrupamentos sejam bem mais genereficados. Lá, a zoeira mais barulhenta pareceu ser mais rara. Vez ou outra, uma turma sem aula acaba ficando quase inteira na sala, de portas fechadas. De longe, ouvem-se ruídos que rompem com o silêncio dominante. Gritos e risadas altas (ainda que abafadas) revelam uma diversão exaltada. Há forte jocosidade organizando as relações entre as estudantes da escola de Santos e um bom exemplo é uma turma muito brincalhona e com importante participação das meninas. Mais barulhenta do que outras turmas e, também, bem mais afetuosa nas relações entre colegas da sala. Produziram um Quiz19 denominado “Quem é você na [turma tal]?” com perguntas e respostas elaboradas a partir das diferenças reconhecidas pela turma nas pessoas da sala. Estereótipos como “nerds”, “problemas mentais”, “depressivo”, “neurótico” e “psicótico” fazem parte do jogo.
Na escola do Guarujá, muitos corpos sarados pela prática do surf dão contornos específicos para a masculinidade, a partir da prática esportiva e do pertencimento estampado na camiseta da ONG que muitos meninos utilizam. Naquele território, há meninos com sobrancelhas feitas, com cabelos estilizados por cortes elaborados.20 Há um rapaz de unhas compridas, limpas e bem tratadas, cabelos mais longos com corte estilizado e pintado. Ele, recorrentemente, é chamado de “pedófilo”, como parte da zoação das colegas de escola (rapazes e moças). Ao mesmo tempo que sua aparência desafia um padrão de masculinidade, não há desconfiança de sua heterossexualidade, dado que seu gosto é pelas “novinhas”.21 Ele também faz recorrentes comentários de conteúdo machista, especialmente quando está com uma dupla de meninas que, não raramente, grita, xinga e dá tapas nele. A ocupação do espaço escolar é muito mais genereficada na escola do Guarujá. Ou seja, os grupos são, quase em sua maioria, exclusivos de meninas ou de meninos. O contato físico é comumente permeado pelo uso das mãos para tapas/socos/apertos, ainda que a troca de carinhos e as mãos dadas também estejam em cena. Nas áreas comuns, como o pátio, e durante as aulas, as zoeiras e os conteúdos que reforçam estereótipos e subalternidades estão presentes.
A escola ganha sentido no seu cotidiano, nas relações que explicitam ideias que circulam entre jovens. O conteúdo escolar, incluindo suas tarefas, também é (re)significado a partir de outros discursos, inclusive sobre gênero e sexualidade, como observado em uma cena em que um grupo de três meninos e uma menina conversavam sobre o seminário que preparavam, solicitado pela professora de biologia, sobre aids. Fragmento etnográfico escolhido pelos elementos que apresentam, coexistindo no cotidiano, revelando a complexidade do território. Em algumas notas de campo, apresentadas a seguir como exemplo, observa-se uma cena carregada de expressões e hierarquias de gênero, além de representações da relação com uma professora, chamada por todas por um codinome carinhoso. Dúvidas e curiosidades foram despertadas com a proposta pedagógica que serviu de cenário para manifestações de expressões de gênero, de valores morais, de concepções sobre relacionamentos afetivos que os rapazes assumiram em uma simples conversa cotidiana sobre uma tarefa escolar:
Um dos rapazes, explicando o que era janela imunológica para detecção do HIV, sem usar estes termos, diz: “você come a mina, tipo, pega aids... e faz o bagulho de sangue, e pode não dar nada. Daí, depois de um ano, aparece. Eu fiquei com medo.” Fez-se um rápido silêncio reflexivo e logo mudam de assunto. [...] Engatam no assunto sobre o final de semana passado e um menino indaga: “o que fui fazer sábado à noite? Trabalho de bio!”. Continuam a conversa e outro rapaz comenta sobre “uma mina que se acha”. A razão era ela ter lhe dado uma bronca. Outro menino concorda, complementando: “ela se acha pra muitas coisas” e o grupo todo diz sentir isso, particularmente, quando fazem trabalhos escolares com ela. O diálogo sobre a menina e sobre a bronca é interrompido com a pergunta: “mas não, meu, cê num tá casado com a mina. E nem se tivesse!”. A legitimidade da bronca da garota também foi questionada pelo fato dela ser “somente uma transante”. Zoaram o rapaz pelo uso do termo, mas gostaram. Muitas risadas e piadas e o assunto continua. Um outro comenta sobre um episódio, falando: “ela não queria ficar comigo, mas ela era muito feia... pediu pra subir nas minhas costas, no show do MC Biel, e, então, eu fiquei com ela”. O outro complementa, compartilhando experiência semelhante, parecendo dar continuidade a uma conversa iniciada um dia antes: “essa mina, que peguei no Humaitá, era mais ou menos... mas também não fiz nada. Mas ela se acha muito... tem que ver ela, viado, ela se acha muito”. (Notas de diário de campo)
O termo “viado” é ambíguo e usado com frequência naquela escola, tanto por meninos quanto por meninas. Mas, entre eles, parece anunciar um sinal de intimidade, entendido como um tipo de xingamento, com conotação afetiva e que parece não causar desconforto, nem entre os meninos que são assumidamente gays. Entretanto, o trabalho também nos permitiu presenciar situações em que estereótipos eram acionados, desdobrando-se algumas vezes em preconceito. Muito comum em situações de zoeira e, não raramente, em momentos de defesa de posicionamentos, quando sujeitas - religiosas, ideológicas, masculinas, femininas, heterossexuais - trazem discursos e moralidades para o diálogo. O lugar de sujeita é também plural e implica agenciamentos de distintos discursos (SILVA, 2008, 2013). Algumas zoeiras entre os meninos da escola de Santos, particularmente em pequenos grupos, são carregadas de elementos discriminatórios. Entretanto, seria um equívoco não reconhecer que, particularmente no caso da escola técnica, a instituição assume a necessidade de reconhecimento da diferença, primando por relações mais respeitosas entre todas as pessoas que convivem no território escolar.
Em um encontro realizado na escola do Guarujá,22 uma das atividades propostas para um pequeno grupo de sete estudantes consistiu em ouvir três músicas, pensar sobre elas e escrever sobre essa reflexão. O propósito foi partir do universo musical tido como próximo da realidade delas e fazer um percurso para chegar nos memes, centrais na referida pesquisa - que os considera um importante signo da cultura juvenil contemporânea. A escolha das músicas foi pautada na imersão na rotina da escola, com ajuda de pessoas da equipe do Juventudes & Funk na BS. Já havia sido anunciada a utilização de um funk “extremamente machista”, na classificação das jovens extensionistas. A letra fala de um rapaz que ameaça uma “novinha” de morte. O funk é elemento importante da condição juvenil na Baixada Santista e, inclusive, justifica o nome do projeto.23 Os territórios configurados a partir do funk são fortemente generificados, assim como os corpos de mulheres e de homens que se apresentam neles e a partir deles (SILVA, 2015). Nos encontros realizados na escola, o funk não apenas é utilizado como estratégia metodológica para investir no diálogo com a pluralidade presente nas distintas territorialidades juvenis, mas também constitui elemento central do cotidiano, trazido pelas próprias jovens.
A música utilizada na oficina foi a composição “Novinha”, de 2009,24 cantada por MC Martinho. Apresenta uma masculinidade hipervalorizada e que precisa ser protegida, se preciso for, com um feminicídio. Um homem que não pode permitir que seu nome seja “sujo pela novinha”, tida como uma mulher que “debocha” quando ele “abre o coração” ou quando “expõe seu proceder”. A música só não era conhecida por uma das jovens - tanto da escola como extensionistas. Um dos rapazes que participavam da atividade se empolgou assim que a música começou e cantou todos os versos. Quando o funk entrou na repetição, ele desanimou e transformou sua empolgação em uma simulação de cochilo sobre a mesa. Nos seus registros sobre a música, escreveu:
Hoje em dia eu acho uma bosta, mas antigamente achava da hora e pá, porque não entendia direito a música. A música fala sobre uma namorada ou mulher do cara, que se acha traficante mas é porra nenhuma... Ele fala, se ela trair ele, ele mata ela. (Notas de diário de campo)
A atividade estimulou e permitiu a zoeira, a partir do conteúdo das músicas utilizadas, e alguns conflitos cotidianos reapareceram sob a forma de debate e em posicionamentos diante das letras. Um dos rapazes elogia a letra, contrapondo-se às companheiras de grupo que, cotidianamente, zoam com ele. Elas, como todas as outras meninas e o outro rapaz, como vimos anteriormente, posicionam-se criticamente em relação à música. Nesse e em outros encontros, apresentam-se elementos da complexidade que atravessa a constituição das sujeitas, como é o caso do funk. A condição juvenil e a escola, então, têm dimensões às quais é preciso dar a devida relevância, particularmente nos territórios periféricos.
PARA FINALIZAR
A pesquisa e os encontros que a atividade de extensão nos proporcionou trazem elementos para apreender os agenciamentos que fazem as jovens e a forma como vivem as diferenças em seus corpos. Ajuda a evitar a armadilha simplificadora de ver, no território escolar, apenas a reprodução de modelos hegemônicos, binarismos e desigualdades, dado que a pluralidade das identidades juvenis, na sua fluidez e inconstância (inclusive nas relações de poder), é elaborada cotidianamente pelos discursos ali atuantes e pelos sentidos juvenis.
O resultado do trabalho realizado deve continuar permitindo um exercício de descentramento do olhar para apreendermos o território subjetivamente. Precisamos, então, ser direcionadas pelos olhares das próprias sujeitas jovens, acessando a complexidade de suas conformações hierárquicas e suas dinâmicas de resistência e subversão. Cada vez mais, percebemos, também, a necessidade de ampliar investimento em aprendizagens que escapem de relações hierarquizadas. A imersão etnográfica deu materialidade para hipóteses acerca da importância da internet como constitutiva das sujeitas em território. Além disso, apontou para a necessidade de se realizarem etnografias virtuais das redes sociais e aplicativos, para melhor compreendermos o uso do celular como tecnologia juvenil na apreensão das juventudes plurais, além da condição de estudante e das questões de gênero e sexualidade presentes no território escolar.
Desse modo, é preciso que permaneçamos atentas aos sistemas classificatórios produzidos pelas diferenças, aos posicionamentos nos encontros e ao pertencimento territorial. É preciso, também, dar atenção aos agenciamentos; singularidades que, ao mesmo tempo, trazem elementos dos pedaços e trazem os códigos compartilhados na escola e na internet. Há distintos sistemas que classificam as diferenças e reforçam a pluralidade como constitutiva da condição de ser jovem na escola - e a partir da escola como território juvenil. Por se deslocarem, esses sistemas são úteis para a classificação de diferenças em outros territórios por onde circulam as jovens.
REFERÊNCIAS
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Artigo elaborado a partir da pesquisa de pós-doutorado da autora, denominada Sexualidades e juventudes: aprendizados, territórios e pedagogias culturais, que está conectada à pesquisa de iniciação científica vinculada ao estudo de pós-doutorado, desenvolvida por Priscilla Karaver Gonçalves de Sá (bolsista Fapesp), Gênero e zoeira: etnografia e intervenção em uma escola pública de ensino médio do Guarujá/SP, e também articulada ao Projeto Juventudes & Funk.
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Sujeita foi uma palavra escolhida para trazer ao texto a genereficação da língua portuguesa, que hierarquiza e subordina a condição feminina. O uso desta palavra, que, pela regra da língua, não existe, pretende sinalizar problemas de gênero e a condição de jovens como titulares de direitos. Além disso, a escrita adota o gênero feminino para qualquer situação em que se refere a homens e mulheres. Quando é preciso ressaltar o(s) agente(s) masculino(s) especificamente, faremos um alerta em nota de rodapé. O verbo genereficar e seus derivados são utilizados no artigo como uma forma de descrever e problematizar que lugares, coisas, espaços e pessoas têm gêneros. Organizam, disputam, constituem representações e significados em torno de feminilidades e masculinidades.
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Adotamos o termo celular para os aparelhos que permitem acesso a conteúdos de áudio, vídeo e internet. Sabemos que há tipos distintos de aparelhos, mas escolhemos o termo “celular” por ser utilizado pelas jovens.
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O que faz com que fiquem na escola nos períodos da manhã e tarde.
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Outra escola em que trabalhamos com o Projeto de Extensão, entre 2014 e 2016, é, diferentemente destas duas, uma escola fechada. Para entrar, é preciso comunicar-se do hall do prédio pelo guichê gradeado e marcar hora. Na data e horário agendados, espera-se em pé no hall até a pessoa vir ao nosso encontro, antes de entrar. Em 2016, a direção desta escola nos comunicou não ter condições de dar continuidade ao trabalho em parceria com Projeto de Extensão e nem de acolher atividades da pesquisa de pós-doutorado. Embora tenha sinalizado não se tratar de um encerramento das atividades, até o momento não conseguimos retomar o trabalho.
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Programa da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo criado em 2003. Preconiza abertura das escolas aos finais de semana, com a intenção de “criar uma cultura de paz, despertar potencialidades e ampliar os horizontes culturais” e oferecer às comunidades “atividades que possam contribuir para a inclusão social tendo como foco o respeito à pluralidade e a uma política de prevenção que concorra para uma qualidade de vida, cada vez melhor”. Disponível em: http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/subpages/sobre.html. Acesso em: 10 fev. 2018
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O uso do plural no masculino é proposital, para evidenciar a condição de masculinidade que se apresenta na discussão.
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A pesquisa de pós-doutorado aconteceu paralelamente à continuidade das atividades do Projeto de Extensão Juventudes & Funk na BS. Extensionistas é como são nomeadas as estudantes universitárias que fazem parte da equipe do Projeto de Extensão e são responsáveis pelo desenvolvimento de ações variadas nas escolas parceiras do projeto. Para esse artigo, não foram tomadas atividades específicas das extensionistas e nem seus diários ou relatórios, mas sim os diários da autora do artigo, produzidos na pesquisa e a partir das atividades de extensão que participou, das supervisões da equipe que realizou e de discussões das reuniões de equipe sobre os encontros ocorridos com as jovens em uma das escolas.
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Em todas as escolas com as quais a pesquisadora teve alguma interlocução para a pesquisa de pós-doutorado ou com trabalho de extensão, questões sobre a roupa das meninas estavam presentes.
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bell hooks grafa seu nome com minúsculas, assumindo resistência às regras e convenções acadêmicas e pretendendo enfatizar o conteúdo da escrita e não sua pessoa, como autora.
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Foram relatadas situações em que eram sempre professores os protagonistas nestas situações.
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RPG é a sigla para a expressão em inglês role-playing game. Nesse tipo de jogo, participantes criam enredos e narrativas e interpretam personagens em cenários fictícios.
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As jovens da escola do Guarujá disseram que o acesso à internet é feito, quase sempre, pelo celular.
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Termo em inglês, utilizado para se referir a pessoas por quem se sente atração, por quem se tem uma queda.
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No Guarujá, o trabalho foi aceito pela escola condicionado ao compromisso de discutir sobre gravidez na adolescência como parte das atividades futuras do Projeto de Extensão a serem desenvolvidas lá. As professoras anunciam o tempo todo a gravidez das meninas daquele território.
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Para entender melhor o território, é importante informar que um dos cursos técnicos da escola é de informática voltada para jogos de internet - que, atualmente, é coordenado por uma professora.
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Aqui estamos destacando corpos masculinos, mas também há casais e troca de afetos entre meninas.
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Algumas interlocutoras da escola mais próximas da equipe de extensão vêm afirmando que a ausência de discriminação por parte das estudantes é resultado das oficinas executadas pelo projeto de extensão Juventudes & Funk na BS. Por outro lado, relataram também haver professores que reclamam do resultado permissivo do trabalho de extensão. E, tal como em outras situações, aqui são referidos apenas professores. Diante do reclame, direção não dá resposta à queixa, encerrando, de algum modo, o assunto.
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Pode ser definido como um tipo de jogo em que as pessoas que participam devem responder a questões que servem tanto para avaliação de aquisição de conhecimentos quanto para medir algo, ou calcular um resultado (como é o caso do Quiz aqui referido).
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Uma estética periférica de masculinidade muito relacionada com o movimento funk. A sobrancelha pode estar raspada de modo a desenhar linhas paralelas, tal como o cabelo.
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A categoria “novinha” também é do universo funk, que exalta a sexualização das meninas bem jovens.
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Oficina foi parte da pesquisa de iniciação científica desenvolvida por Priscilla Karaver Gonçalves de Sá, citada em nota anterior. Para este trecho, tomamos o conteúdo de seus diários de campo e dos diários da autora.
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Projeto de extensão “Juventudes e funk na Baixada Santista: territórios, redes, saúde e educação”.
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Considerando o ano de lançamento da música, podemos afirmar que as jovens conhecem o funk desde os nove ou dez anos de idade.
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NOTA FINAL:
Destaca-se a relevância do trabalho coletivo, protagonizado por toda equipe do Projeto de Extensão Juventudes & Funk na BS. A participação de todas, de algum modo, foi importante nesse processo reflexivo e portanto é preciso agradecer, nominalmente, à cocoordenação e parceria com Patrícia Leme de Oliveira Borba, à colaboração das professoras Débora Galvani e Gabriela Vaster e a toda a equipe atual de estudantes extensionistas: Bruna Carolina Silva dos Reis, Fernanda Soncini, Gabriela Borges, Gabriele Almeida, Gabrielle Cabral, Giovanna Zanchetta, João Saldanha, Karen Sales Corrêa Stein, Karina Mateus Nascimento, Leonardo Graco de Oliveira Braz, Maíra Nobre Coelho, Márcia Lima, Mariana Pereira Romano, Priscilla Karaver Gonçalves de Sá, Raissa Mian Terra e Vitória Hiraiashi e às estudantes que, pelo trabalho no Projeto de Extensão, também contribuíram: Adrienne Okoudowa, Ana Carolina Siqueira, Barbara Senna, Bruna Caroline Guimarães Vieira, Carolina de Moraes Pereira, César Mezzomo Keinert, Carolina Linhares, Douglas Santos, Gabriel Santos Francisco, Ingrid Stein, Joaquim Alves, Júlia Cupello Silva Takeuchi, Lúcio Girotto, Luma Belisario Nunes, Marcelo Pereira, Mariana Skruzdeliauskas, Maytê Mayara Amorim Mussato, Nathalia Evelyn Firmino Silva, Nathalia Mizuni, Paula Gonçalves Freire e Tainá Moreira Gatti.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Maio 2019 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2019
Histórico
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Recebido
27 Fev 2018 -
Aceito
24 Out 2018