Open-access COMISSÕES DE HETEROIDENTIFICAÇÃO RACIAL PARA ACESSO EM UNIVERSIDADES FEDERAIS

COMISIONES DE HETEROIDENTIFICACIÓN RACIAL PARA ACCESO A UNIVERSIDADES FEDERALES

COMMISSIONS D’HÉTÉRO-IDENTIFICATION RACIALE POUR L’ADMISSION AUX UNIVERSITÉS FÉDÉRALES

Resumo

O artigo analisa a política de cota racial para acesso à educação superior em uma universidade federal brasileira em seu mais recente ajuste: a instalação de uma comissão de heteroidentificação racial que se baseia no fenótipo dos(das) candidatos(as). A base epistemológico-metodológica parte de uma análise crítica da política, entendendo que a construção dessa ação pública é fruto de embates e disputas entre atores com diferentes concepções de justiça social. O resultado da pesquisa aponta que, na universidade estudada, a instalação da comissão de heteroidentificação retraiu significativamente, desde a implementação da cota racial, em 2008, o acesso de pessoas autodeclaradas negras, indicando que as comissões colocam em causa o significado do que é ser pessoa negra no Brasil.

AÇÃO AFIRMATIVA; COTAS; EDUCAÇÃO SUPERIOR; UNIVERSIDADE FEDERAL

Resumen

El artículo analiza la política de cuota racial para el acceso a la educación superior en una universidad federal brasileña en su más reciente regulación: la instalación de una comisión de heteroidentificación racial que se basa en el fenotipo de los(as) candidatos(as). La base epistemológica metodológica parte de un análisis crítico de la política, entendiendo que la construcción de esa acción pública es fruto de enfrentamientos y disputas entre actores con diferentes concepciones de justicia social. El resultado de la pesquisa apunta que, en la universidad estudiada, la instalación de la comisión de heteroidentificación retraído significativamente, desde la implementación de la cuota racial, en 2008, el acceso de personas autodeclaradas negras, indicando que las comisiones colocan en causa o significado de lo que es ser persona negra en Brasil.

ACCIÓN AFIRMATIVA; CUOTAS; EDUCACIÓN SUPERIOR; UNIVERSIDAD FEDERAL

Résumé

L’article analyse la politique de quotas raciaux pour accéder à l’enseignement supérieur dans une université fédérale brésilienne, d’aprèss sa dernière configuration: la mise en place d’une commission d’hétéro-identification raciale, basée sur le phénotype des candidat(e)s. L’approche épistémologique et méthodologique repose sur une analyse critique de cette politique et reconnaît que la construction de cette action publique est le fruit d’affrontements et de conflits entre acteurs aux différentes conceptions de la justice sociale. Le résultat de la recherche met en évidence que, dans l’université en question, la mise en place de la commission d’hétéro-identification a, depuis la création des quotas raciaux en 2008, considérablement réduit l’accès des personnes qui s’autodéclarent noires, ce qui montre que ces commissions remettent en question la notion d’être noir au Brésil.

ACTION POSITIVE; QUOTAS; ENSEIGNEMENT SUPÉRIEUR; UNIVERSITÉ FÉDÉRALE

Abstract

The article analyzes the racial quota policy for access to higher education in a Brazilian federal university in its most recent adjustment: the implementation of a racial heteroidentification committee whose decision is based on the phenotype of the candidates. The epistemological and methodological basis starts from a critical analysis of the policy, understanding that the construction of this public action is the result of clashes and disputes between actors who have different conceptions of social justice. The result of the research points out that, in the studied university, the implementation of the heteroidentification committee has significantly reduced, since the implementation of the racial quota, in 2008, the access of self-declared black people, indicating that the commissions call into question the meaning of what it is to be a black person in Brazil.

AFFIRMATIVE ACTION; QUOTA; HIGHER EDUCATION; FEDERAL UNIVERSITY

Políticas afirmativas com recorte racial têm suscitado, no campo acadêmico e nos movimentos sociais de coletivos de pessoas negras, diversas discussões e argumentações sobre o sentido de raça e discriminação racial em uma sociedade constituída pela mestiçagem, como é o caso do Brasil. Historicamente, o Estado nacional brasileiro, como forma de organização social da modernidade, tem produzido e reproduzido uma institucionalidade legal que resultou na exclusão da população de pessoas negras do acesso a bens sociais, econômicos e culturais. Esse racismo institucional tem atuado de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, provocando desigualdades na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial (LÓPEZ, 2012). Essa assertiva pode ser atestada por indicadores sociais, produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais, recorrentemente, demonstram que pessoas pretas e pardas são as que mais sofrem com a violência das mais diversas ordens, com o desemprego formal - o que ocasiona altas taxas de ocupações informais, com menores salários em relação a pessoas de cor branca -, com a baixa escolarização causada pela precoce evasão escolar, com ausência de qualificação profissional, enfim, com a miséria estrutural (IBGE, 2019).

A materialidade dessa realidade gerou, ela própria, sua oposição refletida pela organização do movimento social negro, que, neste primeiro quartil do século XXI, luta por políticas públicas que provoquem um processo de desracialização institucional, com impactos em toda a sociedade brasileira. Por outro lado, pesquisas acadêmicas no campo das ciências humanas têm centrado esforços para desvelar o modo de funcionamento dos mecanismos de exclusão social das pessoas negras no Brasil (NEVES, 2018; GOMES, 2012; DOMINGUES, 2007; GUIMARÃES, 2004; CARVALHO, 2003).

Este artigo tem por finalidade abordar a política afirmativa de recorte racial para o acesso à educação superior em universidades públicas federais, examinando o caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O programa de ação afirmativa da UFRGS, de cotas sociais, foi implementado em 2008, com reserva de 30% das vagas em todos os cursos de graduação para estudantes egressos de escolas públicas. Desse percentual, reservou-se uma cota (15%) para estudantes egressos de escolas públicas autodeclarados pessoas negras (pretas ou pardas). Em 2012, com a Lei Federal de Cotas (BRASIL, 2012), a reserva de vagas para egressos de escolas públicas nas Instituições de Educação Superior públicas federais chega a 50%. Na UFRGS, a reserva para egressos de escolas públicas autodeclarados pessoas negras ou pretas, pardas ou indígenas (PPI) passa, considerada a reserva de 50%, para 25%.

Nesse contexto, propomos a análise crítica da política afirmativa da UFRGS, considerando seu mais recente ajuste, isto é: a instalação de uma comissão de heteroidentificação, em 2018, para aferição de candidatas e candidatos autodeclaradas(os) pessoas negras (pretas ou pardas). A comissão verifica a autodeclaração racial tendo o fenótipo do(a) candidato(a) como referência central. Considerando que esse processo não se deu (e nem se dá) sem confrontos e disputas entre os diferentes atores que tiveram e têm atuação sobre a produção de sentidos à política afirmativa de recorte racial na UFRGS e no Brasil, elencamos a seguinte questão para nela basear nosso estudo: quais são os primeiros efeitos/resultados da instalação da comissão de heteroidentificação sobre o acesso de pessoas negras aos cursos de graduação da UFRGS?

Com a finalidade de dar suporte epistemológico-metodológico à argumentação desta pesquisa, compreendemos o estudo da política afirmativa para acesso de pessoas negras às universidades públicas federais como um ciclo de políticas que incorporam contextos inter-relacionados entre si: de influência, de produção de texto e de prática (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994; MAINARDES, 2018).

No contexto da prática, a política pode ser interpretada e recriada pelos atores diretamente envolvidos na demanda social; nesse contexto, que apresenta embates e disputas pela recontextualização e recriação da política, geralmente são produzidos resultados ou efeitos de justiça social. Os atores envolvidos no contexto da prática (no caso da UFRGS, estudantes, gestores da macroestrutura, movimento negro, professores e professoras, equipe técnico-administrativa, etc.) não são meros implementadores da política afirmativa em âmbito institucional. Nesse caso, eles atuam1 sobre a política de modo que o produto desse processo de atuação se constitua em algo diferente daquilo que estava escrito originalmente no texto da política afirmativa, fazendo dela um constructo social e local; contudo se reconhece que a atuação é, em parte, produzida discursivamente, isto é, que as possibilidades de se pensar e falar sobre políticas afirmativas são articuladas e disputadas dentro dos limites de certas possibilidades discursivas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016; MAINARDES, 2018), que incorporam relações de poder com base em hierarquias institucionalizadas (BOURDIEU, 1996).

Para a interpretação das injustiças provocadas pelo racismo e pela discriminação racial, adotamos o conceito de justiça social de Nancy Fraser (2006; 2008), o qual apresenta uma abordagem tridimensional: socioeconômica, cultural e política. Na primeira dimensão, a luta por justiça se dá no âmbito da justa redistribuição dos recursos econômicos com vistas a transformar estruturas econômicas básicas de exploração de classe, e diz respeito à classe social; na segunda dimensão, a luta se dá pelo reconhecimento de igual status a todas as pessoas em interação no espaço social, com vistas a uma mudança cultural ou simbólica, e diz respeito às identidades culturais; a terceira dimensão oferece o palco, a esfera pública, sobre o qual as lutas por redistribuição e reconhecimento se materializam por meio da participação paritária dos sujeitos de direito na produção de sentidos para as políticas públicas. Acreditamos que o racismo e a discriminação racial produzem injustiças nas três dimensões citadas; por esse motivo, a luta da população negra é por justiça social tridimensional.

Diante do referencial apresentado como base teórico-metodológica, utilizamos diversas fontes/dados para a análise crítica da questão levantada sobre o acesso de pessoas negras às universidades federais, tendo em vista a instalação das comissões de heteroidentificação: documentos da política, legislação, dados do IBGE, dados produzidos pela Coordenadoria de Ações Afirmativas (CAF) e pela comissão de heteroidentificação da UFRGS, entre outros.

O artigo apresenta esta primeira seção introdutória, para, na segunda seção, trazer uma perspectiva que revele nossa concepção sobre a ideia de raça e discriminação racial no contexto da modernidade ocidental. Na terceira seção, expomos a especificidade do racismo e da discriminação racial no Brasil com a finalidade de embasar contextualmente a política de cota racial, destacando o protagonismo do movimento social negro. Na quarta seção, empreendemos a análise do caso da política afirmativa da UFRGS em seu mais recente ajuste: a instalação de uma comissão de heteroidentificação racial com base no fenótipo dos(das) candidatos(as) autodeclarados(as) pessoas negras (pretas ou pardas). Por fim, nas considerações finais, retomamos a questão central do artigo submetendo-a a interpretações, ainda que sempre referenciadas por nossas escolhas epistemológicas, de cunho conclusivo.

RAÇA E DISCRIMINAÇÃO RACIAL NO CONTEXTO DA MODERNIDADE

Iniciamos esta seção argumentando, com base nas ideias de Quijano (2014), que a América foi o primeiro espaço-tempo de um novo padrão de poder de vocação mundial, sendo, por essa razão, a primeira identidade da modernidade constituída como fruto dos processos históricos do capitalismo colonial. O novo padrão de poder e de dominação constituiu-se por dois eixos fundamentais: por um lado, a codificação das diferenças entre exploradores e explorados2 na ideia de raça baseada em uma suposta diferença na estrutura biológica, que colocava os explorados numa situação natural de inferioridade e de submissão perante os exploradores; por outro lado, os exploradores articularam todas as formas históricas de controle do trabalho, de recursos e de produtos produzidos pelos explorados, em torno do capital e da construção de um mercado mundial.

No que diz respeito ao primeiro eixo, a formação de relações sociais fundadas na ideia de raça produziu, na América, identidades sociais historicamente novas: índios, negros, mestiços e outras foram redefinidas. Assim, termos como espanhol e português e, mais tarde, europeu, que até então indicavam somente a procedência geográfica ou o país de origem, cobraram, também, em referência às novas identidades, uma conotação racial. À medida que as relações sociais foram se configurando em relações de dominação, tais identidades foram sendo associadas a hierarquias, lugares e papéis correspondentes e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha. Em outros termos, raça e identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da população americana: “En América la idea de raza fue un modo de otorgar legitimidad a las relaciones de dominación impuestas por la conquista” (QUIJANO, 2014, p. 779).

No que concerne ao segundo eixo, as novas identidades históricas, produzidas com base na ideia de raça, foram associadas à natureza dos papéis e lugares na nova estrutura global de controle do trabalho. Logo, ambos os elementos, raça e divisão social do trabalho,3 foram estruturalmente associados e mutuamente reforçados, ainda que nenhum dos dois fosse, necessariamente, dependente um do outro para existir ou mudar. Desse modo, sob o capitalismo colonial moderno na América (entre os séculos XVIII e XIX) se impôs uma sistemática divisão racial do trabalho que se manteve em todo o período colonial. Com efeito, com a expansão mundial da dominação colonial capitalista, de homens brancos europeus, a divisão social do trabalho com base racista foi imposta como critério de classificação social a toda população em escala mundial. Em consequência disso, uma nova tecnologia de dominação/exploração, baseada na relação raça e trabalho, foi articulada de maneira que se sustentasse como uma relação naturalmente associada. Tal arranjo social, até a atualidade (século XXI), tem se demonstrado exitoso (QUIJANO, 2014).

Assim, a ideia de raça e sua relação com outras dimensões da vida social - entre essas, a divisão social do trabalho humano - não têm história conhecida antes da América. Provavelmente se originou como referência às diferenças fenotípicas entre exploradores e explorados. Contudo, logo foi utilizada como referência para uma suposta estrutura biológica diferenciada entre os dois grupos. A suposta superioridade biológica do primeiro grupo, os exploradores, calcava-se no conhecimento racional (científico) da moderna civilização europeia ocidental. Essa racionalidade científica é fomentada, fortemente, no período de 1850-1930 e apoiada, inclusive, pelas ciências sociais, conforme indica Altmann:

Tanbién las ciências sociales se desarrollan en este contexto, enpujadas por los estados - especialmente desde la segunda mitad del siglo XIX - hacia uma concepción estadocéntrica y nomotética (enfocada en reglas generales) de la realidad social. Se insertan, por lo tanto, en la construcción de una modernidad eurocentrada y colonial que estudian en sus efectos sociales y que producen en sus princípios científicos. La sociología (y las demás ciencias sociales) toma su realidad concreta como dada, universaliza la Europa (Y EEUU) del siglo XX, temprano como lo normal - y excluye a todo que no corresponde con esta realidad. (2020, p. 87)

Tal argumentação é reforçada por Araújo e Maeso (2013, p. 151), ao afirmarem que raça e racismo devem ser analisados “como ideias e fenômenos histórico-políticos da modernidade”, isto é, como parte fundamental da constituição do eurocentrismo como paradigma de produção do conhecimento que caracteriza o projeto da modernidade e suas pretensões de universalidade a partir de finais do século XV e, portanto, da formação do capitalismo, dos estados-nação, do colonialismo e da ideia de “Europa”.

A construção dessa discursividade que justifica a dominação eurocêntrica perpetua suas consequências nas redes de significações sociais sobre a população de pessoas negras até os dias atuais. Afinal, cada vez mais e de forma mais insidiosa, temos convivido no interior de Estados democráticos clivados por sociedades fascizantes em que os índices de desenvolvimento são acompanhados por indicadores gritantes de desigualdade social, exclusão e degradação ecológica (SANTOS, 2011).

Essa realidade do século XXI é também destacada por Gentili (2009), ao afirmar que os fatores de desigualdade e injustiça são fortemente marcados pela origem ou etnia dos povos, pois as consequências da pobreza exercem um impacto especial sobre a população indígena e afro-latina. O autor acrescenta que a maior probabilidade de estar excluído do sistema educacional ou de ter acesso a uma escolaridade profundamente degradada em suas condições de desenvolvimento pedagógico é ter nascido negro, negra ou indígena em qualquer país da América Latina ou do Caribe. Fraser (2006), por outro lado, discute a marca do colonialismo como processo histórico que origina a discriminação racial com efeito sobre as injustiças socioeconômicas, culturais e políticas. A materialidade de tais injustiças pode ser percebida na atual divisão social do trabalho, nas diferenças salariais e nas diversas formas de exploração, como o racismo, a desvalorização de uma cultura em detrimento de outra (dominante) e a construção social de estereótipos inferiorizantes de determinados grupos sociais.

Em face do cenário destacado, nossa posição perante a ideia de raça a situa como uma construção social cuja origem está marcada por uma relação de dominação, muito antes do que por uma relação biológica. De fato, na América, raça é uma ideia aplicada pela primeira vez aos índios (isto é, aos povos originários das Américas) e não aos negros (povos originários do continente africano). Ademais, a ideia de raça apareceu muito antes que a de cor na história da classificação social da população mundial: “La idea de raza es, literalmente, un invento” (QUIJANO, 2014, p. 78). Não tem relação com a estrutura biológica da espécie humana. Já os traços fenotípicos estão obviamente no código genético dos indivíduos e grupos e, nesse sentido específico, são biológicos. Contudo não têm relação com nenhum dos subsistemas e processos biológicos do organismo humano, incluídos, por certo, aqueles implicados com os subsistemas neurológicos e mentais e suas funções (QUIJANO, 2014; ARAÚJO; MAESO, 2013; GUIMARÃES, 2004).

No domínio dos Estados nacionais democráticos atuais, a luta contra as diversas formas de exclusão social, como o racismo e a discriminação racial, longe de ser um fenômeno apenas das sociedades das Américas, vem sendo travada em diferentes flancos de batalha ao redor do mundo. O enfrentamento dessas formas de exclusão começou a ser gradativamente desenhado, em âmbito internacional, a partir de conferências organizadas pela Organização das Nações Unidas (ONU), na década de 1970, sendo juridicamente proscritas a partir desse período histórico.4

Cumpre observar, no entanto, que, na década de 1970, período em que se inicia uma crise de produção e consumo do capitalismo moderno, a ONU organiza conferências internacionais que abordam temáticas globais, durante as quais são debatidas questões variadas (como meio ambiente, direitos humanos, assentamentos humanos, desenvolvimento social, entre outras) e de interesse internacional. No entanto, sendo a ONU uma organização constituída pela ordem capitalista global, se apresenta eivada de tensões e contradições. Não se pode esquecer que tais temáticas são abordadas no sentido de manutenção do desenvolvimento do capitalismo internacional, ou seja, o objetivo central é manter um certo equilíbrio social, à maneira funcionalista (DURKHEIM, 2014), por meio de uma gestão dos conflitos sociais (ESTÊVÃO, 2001) que proporcione a diminuição, possível nos marcos do capitalismo, das desigualdades sociais, com a finalidade de garantir o status quo vigente; isto é, a dominação econômica, cultural e política eurocêntrica e dos Estados Unidos da América sobre o resto do mundo.

Nas décadas de 1950 e 1960, o medo das consequências da desestabilização do status quo que legitimava a superioridade do Ocidente impulsionou a rejeição de validade de teorias e políticas raciais, a qual tomou forma na crítica ao racismo científico - entendida sobretudo como uma crítica à manipulação política do conhecimento científico, sendo o Nazismo o exemplo extremo. Foi nesse contexto que a Organização das Nações Unidas para a Educação (Unesco) emitiu várias declarações sobre a chamada questão racial, com o intuito de combater o preconceito racial. A tomada de posição da Unesco, nas décadas de 1950 e 1960, influenciou as conferências da ONU na década de 1970 (ARAÚJO; MAESO, 2013, p. 150).

Desse modo, a crise do capitalismo demonstrou já não ser conveniente para o sistema a manutenção de uma ideia de superioridade racial. Passa a ser de interesse dos países capitalistas centrais que ocorra maior estabilização econômica e social de países periféricos ditos subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, destacadamente países africanos e da América Latina, a fim de promover uma integração subserviente desses países periféricos ao sistema capitalista global. De resto, ainda se criam/ampliam novos mercados de consumo de mercadorias.

Conforme indicam Araújo e Maeso (2013, p. 150), a segunda metade do século passado foi cenário de uma viragem nos discursos e projetos políticos de vários contextos europeus e norte-americanos: “da celebração da superioridade à aceitação da igualdade racial”. Essa mudança de direção foi fruto das ansiedades perante a “erosão das certezas raciais” e o costumeiro “medo da vingança racial” que o crescente poder de mobilização política dos projetos anticoloniais colocava às elites brancas ocidentais. Nesse contexto, na atualidade, os países signatários dos consensos reproduzidos nos documentos originados das citadas conferências da ONU e discutidas por países da América, África, Ásia e Europa na 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas correlatas de intolerância5 em Durban, 2001, na África do Sul, comprometeram-se com a efetivação de estratégias de enfrentamento às discriminações raciais estabelecidas e naturalizadas em algumas sociedades, como é o caso da sociedade brasileira.

A POLÍTICA DE COTA RACIAL NO BRASIL E O PROTAGONISMO DO MOVIMENTO NEGRO

No Brasil, os desdobramentos das iniciativas internacionais perante o racismo e as discriminações raciais reforçaram as lutas sociais internas, nomeadamente, o movimento social negro (NEVES, 2018; GOMES, 2012; LÓPEZ, 2012; DOMINGUES, 2007). Coletivos de pessoas negras de diferentes campos de atuação adentraram o século XXI lutando pela cota racial obrigatória em universidades públicas e em concursos públicos. Justificaram essa medida política pela exigência urgente de reparação dos efeitos sociais, econômicos e culturais da discriminação sobre a população negra. Tais manifestações culminaram com a formulação e implementação de ações públicas, conhecidas como políticas afirmativas,6 com a finalidade de promover igualdade, equidade e proteção aos grupos sociais, raciais e étnicos afetados por discriminação socioeconômica, cultural, de gênero e demais formas de intolerância social.

Com efeito, considerando a especificidade do caso brasileiro, as políticas afirmativas de recorte racial, a cota racial, têm gerado recorrentes embates e disputas, especialmente no que diz respeito à identificação dos sujeitos de direito fundada em critérios raciais em meio a uma sociedade mestiça.

No caso do Brasil, a hipótese da democracia racial, elaborada pelo sociólogo Gilberto Freyre na década de 1930, a qual afirmava que a miscigenação entre índios, brancos e negros contribuiria com a constituição de uma identidade nacional brasileira, a alma brasileira (FREYRE, 2006). Por não considerar a situação concreta de exclusão social da população negra, na época liberta já há 40 anos da escravização, terminou tendo como efeito o mascaramento do racismo e da discriminação racial. Ainda nesse sentido, a mestiçagem como característica cultural da população brasileira torna opaca às pessoas negras sua identidade ancestral africana. Com essa perspectiva, Carvalho afirma que a ideologia freyriana implicou uma desautorização de identidade. Assim, temos de definir o “racismo não pela adesão a um credo de superioridade racial, mas pelo efeito continuado dos discursos que celebraram a mestiçagem e silenciaram a afirmação da condição de negro no Brasil” (CARVALHO, 2003, p. 169).

Reforçando a crítica a Freyre, Gonzalez (1984) destaca que o efeito do mascaramento da discriminação racial produziu um discurso ideológico com a finalidade de domesticar a população negra. Para a autora, há um processo de naturalização do lugar que expõe a divisão racial do espaço que deve ser ocupado pelo negro desde a época colonial até os dias de hoje. O lugar natural do grupo branco dominante é constituído por moradias saudáveis, situadas nos mais belos recantos da cidade ou campo e devidamente protegidas por formas de policiamento que vão desde os feitores, capitães do mato, até as polícias formalmente instituídas. Por outro lado, o lugar natural do negro é o oposto, evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, invasões, alagados e conjuntos habitacionais precários. Nos dias de hoje, o critério tem sido simetricamente o mesmo: a divisão racial do espaço. No caso do grupo dominado, o que se constata são famílias inteiras amontoadas em cubículos cujas condições de higiene e saúde são as mais precárias: “É por aí que se entende porque o lugar natural do negro sejam as prisões” (GONZALES, 1984, p. 232, grifos da autora).

Assim, considerando a hipótese sociológica da democracia racial, que, segundo Souza (2012, p. 105), se tornou fundamento ideológico da formação da sociedade brasileira, ou, nas palavras do autor, “uma mitologia nacional ideológica e apagadora das diferenças”, se pode apontar que, no Brasil, a discriminação racial não tem origem em eventuais diferenças genotípicas, baseadas na ancestralidade dos sujeitos, o chamado preconceito de origem, comum em países como os Estados Unidos. Tal discriminação, ao contrário, seria pautada nos elementos fenotípicos, nos traços objetivamente identificáveis de indivíduos e grupos sociais. Logo, a existência de discriminação racial com base na cor da pele da pessoa (fenótipo) pode ser considerada um preconceito racial de marca (NOGUEIRA, 2006). Conforme indica o autor:

Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as consequências do preconceito, diz-se que é de origem. (NOGUEIRA 2006, p. 6)

Com essa perspectiva, a política de cota racial, além de ser uma demanda dos grupos sociais excluídos em contexto global de desvelamento do racismo e da discriminação racial, restabelece, por um lado, a discussão sobre o que é ser pessoa negra no Brasil e, por outro, desperta, nessas mesmas pessoas, o desejo de afirmar sua identidade com base na ancestralidade africana, reforçando sua autoestima bem como a estima social. Tal percepção dos sujeitos sobre si mesmos os tem conduzido à resistência ao preconceito racial, assim como a se organizarem7 e lutarem por seus direitos de cidadania na esfera das instituições públicas.

Esse fato é perceptível na luta das pessoas negras em um movimento social que se torna importante ator político ao trazer o debate sobre o racismo para a cena pública e indagar o papel das políticas públicas em seu compromisso com a superação das desigualdades raciais, imbricadas explicitamente com a desigualdade social. Essa (re)ação do movimento social negro, especialmente posta em prática no primeiro quartil do século XXI, “ressignifica e politiza a raça, dando-lhe um trato emancipatório e não inferiorizante” (GOMES, 2012, p. 733).

Para Fraser (2008), todos os afetados por uma dada estrutura social ou institucional têm o status moral de sujeito da justiça com relação a ela. O que transforma um coletivo de pessoas em sujeitos da justiça de uma mesma categoria não é a proximidade geográfica, mas sua (co)imbricação no enquadramento estrutural ou institucional comum, que estabelece as regras da interação social, moldando suas respectivas possibilidades de vida, segundo padrão de vantagens e desvantagens. Com esse sentido, a luta contra o racismo e a discriminação racial é global e local e impulsionada pelos sujeitos de direitos na perspectiva de uma democracia radical.

Em outras palavras, para o movimento negro, a raça é o fator determinante de organização das pessoas negras em torno de um projeto comum de ação (DOMINGUES, 2007). Desse modo, ao contrário do que afirmam os discursos sobre a convivência pacífica das raças no Brasil, as relações entre elas sempre foram marcadas por conflitos e tensões desde a assinatura da Lei Áurea (1888), que liberta, mas relega a população negra ao abandono pelo Estado, em termos de integração cidadã à sociedade brasileira (SOUZA, 2012; GONÇALVES; SILVA, 2000). Por essa razão, é preciso compreender o movimento negro para além do modelo clássico de movimento social, como são aqueles ligados ao mundo do trabalho. É fundamental reconhecê-lo como capaz de mobilizar identidades, ancestralidades e saberes; ele atua como um educador que educa o Estado, a sociedade, a educação e reeduca a si mesmo no trato da questão racial (GOMES; RODRIGUES, 2018).

A COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO RACIAL NA UFRGS

Conforme já indicamos, o contexto da prática é onde a política é sujeita à (re)interpretação e (re)criação, produzindo efeitos e consequências que podem apresentar ressignificações na política original (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016). Os atores que atuam no contexto da prática não enfrentam os textos de políticas como leitores ingênuos ou meros implementadores; eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos, que são diversos e produzem outros textos e outra discursividade. Por isso, as políticas são constructos sociais e locais. Por esse motivo, a interpretação dos textos de políticas é sempre uma questão de disputa, no limite, pelo sentido de justiça social que permeia a ideia de sociedade justa.

Com essa óptica, antes mesmo da existência da política federal de cotas, a chamada Lei de Cotas (BRASIL, 2012), o Conselho Universitário da UFRGS (Consun), no ano de 2007, a partir de demandas do movimento social negro8 - juntamente com grupos de professores(as), técnicos(as) administrativos e educacionais, estudantes, movimento estudantil -, decidiu por instituir o Programa de Ações Afirmativas na Universidade. Estabeleceu que 30% da oferta de vagas para os cursos de graduação seriam para egressos de escolas públicas e, desse percentual, 15% seriam reservados para cota étnico-racial (UFRGS, 2007). O Programa é resultado de grandes embates com grupos sociais elitizados que, historicamente, apropriaram-se das vagas ofertadas pelas universidades públicas federais e que se posicionavam contra a política de cotas (com representantes, inclusive, no Consun) utilizando-se do discurso de mérito escolar e de igualdade de oportunidades (BATISTA, 2015).

Nos primeiros cinco anos de vigência da política afirmativa, exigia-se que os egressos de escolas públicas tivessem concluído tanto o ensino fundamental quanto o ensino médio no sistema público de ensino e o recorte étnico-racial era baseado na autodeclaração como indivíduos negros ou indígenas. Durante esse primeiro período da política, o Consun mais uma vez se constituiu em um espaço de disputa pelo direcionamento que seria dado à política. Dessa vez, o confronto seria no sentido de uma demanda do movimento negro e estudantil (com apoio de alguns grupos representados no Consun) que exigia o reconhecimento social de que o racismo é estrutural e institucionalizado e que, portanto, a cota racial deveria desvincular-se da cota social como forma de romper com a injustiça cultural ou simbólica sobre a população negra (BATISTA, 2015). Ainda que não tenham logrado êxito na demanda, os sujeitos de direito deixaram a marca de seu posicionamento na deliberação pública, reforçando a justiça social em sua dimensão política, pois intervieram e disputaram uma representação justa no processo público de tomada de decisão (FRASER, 2008).

Na sequência, a Decisão do Consun n. 268 (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS, 2012), em vista da Lei de Cotas, revoga a Decisão n. 134, de 2007, e reorganiza o Programa de Ações Afirmativas na UFRGS, estabelecendo, entre outras regras, a exigência de conclusão apenas do ensino médio no sistema público de ensino, maior período de vigência do programa e sua avaliação, que passa de cinco para dez anos de duração, e direciona o recorte étnico-racial para autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI), bem como indica o percentual de 50% de reserva de vagas para a política afirmativa e, desse percentual, 25% para PPI. Já a Decisão n. 312 (UFRGS, 2016a) modifica a decisão n. 268 (UFRGS, 2012) e, entre outras alterações, inclui o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) como alternativa para o ingresso nos cursos de graduação e a possibilidade de prorrogação do programa (de 2022 para 2024), além da criação de quatro modalidades (com base na renda) de inscrição para concorrência às vagas reservadas. Esses procedimentos normativos aumentam substantivamente o acesso de cotistas às universidades federais, com destaque para o ingresso por cota racial (BATISTA, 2018).

No processo de construção da política, demandas dos sujeitos de direito vão sendo apresentadas, culminado em novos ajustes. Com uma aprendizagem sobre a política de cota racial, os coletivos de pessoas negras dentro e fora da universidade passaram a requerer que os gestores da macroestrutura acadêmica se posicionassem diante das denúncias de fraudes9 no acesso às vagas reservadas para autodeclarados(as) negros e negras. O resultado desta demanda, na UFRGS, foi a Portaria n. 9.991 (UFRGS, 2016b), que instituiu a Comissão de Estudos da Verificação de Autodeclarações, a qual tinha por objetivo realizar estudos sobre possíveis critérios relativos aos processos de verificação da autodeclaração de candidatos(as) PPI para o ingresso nos cursos de graduação por meio da política afirmativa. Na sequência, a Decisão n. 312 (UFRGS, 2016a),10 do Consun, institui a Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial (CPVA).

Logo após a instituição da CPVA, é criada a Comissão Especial de Verificação da Autodeclaração Racial (Portaria n. 10.129, de 2017), com o objetivo de realizar a heteroidentificação de estudantes já ingressos por reserva de vagas desde 2008 e denunciados pelos coletivos de pessoas negras da UFRGS (processo ainda inconclusivo). Desse momento em diante, a CPVA (com representantes da comunidade acadêmica e movimento social negro) passou a ser institucionalizada como instância responsável pelos procedimentos de heteroidentificação dos(das) candidatos(as) autodeclarados(as) pessoas negras (heteroidentificação com base no fenótipo e documentos) e indígenas (com base em documentos) nos processos seletivos para ingresso nos cursos de graduação da universidade.

Conforme indica Nunes, a comissão de verificação é uma responsabilidade de gestão de ações afirmativas não pelo que se negligenciou a partir da Lei de Cotas de 2012, favorecendo as fraudes, mas pela emergência de outro patamar de relações sociais em que o corpo possa ser desracializado pelo fenótipo tido como desvirtuoso em relação à virtude branca. Ainda segundo o autor, “As comissões não fazem um julgamento de corpos, mas instauram um processo político de acolhimento e recepção aos corpos esquecidos, interditados e normatizados pelo racismo” (2018, p. 29).

Os dados que seguem demonstram a oferta de vagas e os percentuais de acesso por meio da política afirmativa de recorte racial, considerando os períodos de 2008 (implementação da política afirmativa na UFRGS) até 2018 (com a CPVA instalada). Pelas evidências que são apontadas, é possível perceber os primeiros efeitos da instalação da CPVA no que tange ao acesso de pessoas negras (pretas e pardas) aos cursos de graduação da Universidade. O Gráfico 1 aponta a classificação com base nas vagas ofertadas para as pessoas negras.

GRÁFICO 1
CLASSIFICAÇÃO PARA VAGAS OFERTADAS A PESSOAS NEGRAS (PRETAS E PARDAS) DE 2008 A 2014

A análise do Gráfico 1 aponta para uma baixa classificação entre 2008 e 2012 nas vagas destinadas às pessoas autodeclaradas negras (pretas e pardas), alcançando menos de 50% da oferta. Nesse caso, a Coordenadoria de Ações Afirmativas (CAF/UFRGS), instância responsável pelo acompanhamento e avaliação da política (UFRGS, 2015), identificou, em 2012, a necessidade de um ajuste de equidade na política, objetivando que a cota racial fosse ocupada pelos sujeitos de direito. A Coordenadoria solicitou às instâncias normativas da universidade a modificação dos critérios de pré-classificação dos(das) candidatos(as) à cota racial para avaliação da redação, que ainda tinha critérios classificatórios referentes ao acesso universal e era eliminatória (BATISTA, 2018). Com essa alteração e com a Lei de Cotas de 2012, que passa a reserva de vagas para a política afirmativa para 50%, houve aumento significativo na classificação de pessoas negras para o ingresso na UFRGS não apenas já nos anos de 2013 (74,1%) e 2014 (77,9%), conforme se observa no Gráfico 1, mas também nos anos subsequentes, perceptíveis no Gráfico 2.

GRÁFICO 2
CLASSIFICAÇÃO PARA VAGAS OFERTADAS A PESSOAS NEGRAS (PRETAS E PARDAS) DE 2015 A 2018

Em 2015, a UFRGS optou por aderir ao SiSU, que passa a ser um dos processos seletivos, junto ao vestibular, para o ingresso nos cursos de graduação, gerando um aumento expressivo no número de vagas ofertadas. O Gráfico 2 demonstra o significativo aumento no número de classificados para as vagas destinadas às pessoas autodeclaradas negras (pretas e pardas) entre 2015 e 2017. Em 2018, em comparação, é possível observar significativa redução do ingresso de pessoas negras (436), considerando-se a oferta de vagas (1.535). Tal discrepância com os anos anteriores, provavelmente, é resultado da instalação da CPVA, uma vez que coincide com a inserção dos procedimentos de heteroidentificação fenotípica como etapa obrigatória dos processos seletivos do vestibular e do SiSU.

Esse impacto na redução do ingresso de pessoas negras na UFRGS, ante a heteroidentificação com base no fenótipo, em 2018, parece ser um importante marco que pode vir a romper com a ideia (ideologia) de que, no Brasil, a mestiçagem nos faz todos iguais, tendo em vista uma suposta democracia racial. A partir do momento em que os(as) candidatos(as) mestiços deixam de concorrer por uma vaga de recorte racial, ou não são aferidos(as) como preto(a) ou pardo(a) pela comissão, reconhece-se que existe diferença entre ser mestiço e ter o fenótipo de pessoa negra.

Essa questão é apontada pelo movimento negro da UFRGS, especialmente em relação à Portaria n. 937 (UFRGS, 2018b), que, de forma unilateral, introduziu mudanças no sistema de verificação racial, passando a aceitar recursos que comprovassem a ascendência fenotípica desde a geração dos avós. Em março de 2018, um movimento11 ocupou a Reitoria, exigindo participação na construção das normas para os procedimentos de heteroidentificação. Sem acordo direto com a Reitoria, chegaram a uma conciliação com a participação da Justiça Federal (Ministério Público Federal). Foi elaborado um termo de audiência que modificou alguns pontos da Portaria n. 937, a destacar: que a ascendência fenotípica seria aceita apenas como complementar ao processo de verificação racial, seguindo o fenótipo do(da) candidato(a) como aspecto central; a participação do movimento negro (coletivos de pessoas negras) em todo o processo de heteroidentificação da Universidade, entre outros.

Em termos de justiça social, no sentido apontado por Fraser (2008), a participação do movimento negro em espaços institucionalizados na disputa pelo significado do que é ser pessoa negra, na perspectiva de luta pelo direito ao efetivo acesso às vagas raciais reservadas para os cursos de graduação da UFRGS, cumpre a noção de justiça que demanda que todos(as) os(as) cidadãos(ãs) tenham acesso aos recursos (redistribuição) e ao respeito de que precisam (reconhecimento) para serem capazes de participar em paridade com os demais, como membros integrais da comunidade política.

O procedimento de verificação da autodeclaração étnico-racial exigiu da Comissão de Heteroidentificação da UFRGS uma abordagem às pessoas autodeclaradas negras e indígenas que fosse acolhedora, mas, ao mesmo tempo, de cunho avaliador da veracidade étnico-racial afirmada no ato de inscrição (vestibular e SiSU) pelos(as) candidatos(as). No processo, após a sessão de verificação, os candidatos e as candidatas receberam via portal um parecer da comissão com as seguintes situações: Homologado (aferido como preto ou pardo); Não homologado (não aferido como preto ou pardo); Não homologado (não compareceu para assinar a autodeclaração perante a comissão); Não homologado (deixou o recinto antes de finalizar sua participação nessa etapa administrativa); Não homologado (não entregou autodeclaração étnico-racial de indígena).12 Para as situações de não homologado, existe a possibilidade de interposição de recurso pelo(a) candidato(a), recurso esse que é analisado por uma comissão recursal, autônoma e independente da CPVA.

Os dados a seguir, com os quantitativos de candidatos(as) convocados(as), ausentes, aferidos e não aferidos, reforçam nossa hipótese de que a heteroidentificação racial pode ser um procedimento que expõe a diferença entre ser mestiço e ter o fenótipo de pessoa negra, sendo esta segunda condição do(a) cidadão(cidadã) brasileiro(a) a que causa a maior exclusão social por meio do racismo e da discriminação racial.

O quantitativo de candidatos(as) chamados(as) para aferição étnico-racial pela comissão, na seleção de 2018, foi de 1.330. Desse total, não compareceram 285 (25,2%) candidatos(as) com autodeclaração de pessoa preta ou parda, restando para a aferição um total de 1.045 (74,8%) candidatos(as). Esse dado já mostra que há uma abstenção alta dos(das) candidatos(as) autodeclarados(das) pessoas negras (pretas e pardas), sugerindo que tais pessoas repensaram sua negritude antes de comparecer diante da comissão.

Do total de 1.045 candidatos(as) que comparecerem para aferição, 357 (34,16%) não foram homologados como pessoas negras, sendo 688 (65,83%) homologados(as). O número de homologações foi significativo, contudo temos de considerar que grande parte dos(das) candidatos(as), de antemão, detinham a informação de que haveria verificação das autodeclarações étnico-raciais por uma comissão, o que pode ter inibido a candidatura por essa modalidade de acesso e fortalecido a inscrição de pessoas efetivamente negras (com fenótipo de pessoa preta ou parda).

Em relação aos recursos interpostos pelos não homologados, incluindo-se nesse cálculo os recursos dos(as) candidatos(as) que não compareceram para a verificação fenotípica, houve um total de 451 recursos. Desse quantitativo de recursos interpostos, 52 foram deferidos pela Comissão Recursal (com verificação fenotípica positiva para pessoa negra), que também considerou fotos e documentos, e 399 foram indeferidos (com verificação fenotípica negativa para pessoa negra ou por não comparecimento à sessão de verificação da CPVA). Dos 740 candidatos(as) homologados, ingressaram efetivamente 436, conforme indicou o Gráfico 2. Isso ocorre porque a homologação das comissões não significa, necessariamente, aptidão à matrícula, uma vez que o(a) candidato(a) passa por outras etapas administrativas, que dependem da sua opção de ingresso no ato da inscrição no concurso, que devem ser comprovadas.

Dos dados apontados, é importante destacar, novamente, que a Comissão Recursal é composta por pessoas que não pertencem à CPVA, o que indica, pela proximidade dos resultados para o número de candidatos indeferidos13 e deferidos, que as comissões (CPVA e Recursal) estiveram em sintonia sobre o significado do que é ser pessoa negra no Brasil. Por outro lado, pode se questionar se o alto número de indeferidos não estaria ocasionando algum tipo de injustiça nos processos de verificação racial, consoante o reclame social (as redes sociais são o meio preferido de denúncia de injustiça) de negritude por grande número de candidatos(as) não homologados. Nesse sentido, Nunes (2018) esclarece que nem todos(as) os(as) candidatos(as) buscam a cota racial com a finalidade de fraudar, mas pelo fato de não estarem apropriados conscientemente da forma injusta como se caracteriza a classificação racial brasileira. Na contrapartida ao modo da democracia racial, naturalizam os privilégios adquiridos ao longo da vida pelo pertencimento a um determinado segmento racial.

Outra questão a ser ressaltada diz respeito aos candidatos(as) homologados pelas comissões (740) e os que não efetivaram a matrícula (304), ou seja, ao fato de que ingressaram na UFRGS, em 2018, efetivamente, 436 pessoas negras (pretas ou pardas). Aqui podemos questionar as formas de disseminação de informações sobre as políticas afirmativas para a educação superior à sociedade e suas regras de ingresso. Sendo as políticas afirmativas mecanismos para a inclusão social de grupos e/ou classes sociais que não tiveram acesso ao capital social, cultural e econômico da sociedade vigente, resultando em exclusão material e simbólica (BOURDIEU, 2013), parece que o dado evidenciou que muitos(as) candidatos(as) são excluídos já na inscrição do vestibular ou SiSU; uma vez que são eliminados, no processo, por falta de conhecimento sobre as regras que regem a política afirmativa. Aqui talvez haja necessidade de mais um ajuste de justiça social.

Para finalizar esta seção, reforçamos a noção de Fraser (2008) sobre participação paritária dos atores demandantes das políticas afirmativas nas instâncias institucionais, como elemento fundamental para a justiça social em suas dimensões política (representação e participação paritária), redistributiva (socioeconômica) e de reconhecimento (identidades culturais). De fato, superar a injustiça significa desmantelar os obstáculos institucionalizados que impedem alguns sujeitos de participar, em condições de paridade, com os demais como parceiros integrais da interação social na esfera pública.

Podemos afirmar que, no Brasil, o fato de o racismo ter sido institucionalizado, provocando a exclusão da população negra dos benefícios das políticas públicas de Estado, criou como oposição a militância negra, materializada historicamente pela resistência e lutas disseminadas na esfera pública, demandando ações governamentais capazes de provocar um processo de desracialização institucional e social (LÓPEZ, 2012). A política afirmativa para acesso de pessoas negras às universidades federais é um efeito de tal conquista. Logo, nesse caso, em termos de redistribuição, entendendo-se que o ingresso nas universidades públicas federais aumenta a possibilidade de acesso ao emprego e maior renda, o movimento negro desestabiliza o instituído que impedia a participação plena dos sujeitos de direito por meio de estruturas econômicas, que, nas sociedades capitalistas, negam os recursos necessários para todos(as) interagirem com os demais na condição de pares. Em relação ao reconhecimento, da ordem das relações simbólicas e culturais, a luta do movimento negro se inscreve na resistência às hierarquias institucionalizadas de valoração cultural que lhes têm negado a igualdade de status, necessária para interagir com paridade nas demandas por direitos na sociedade brasileira (FRASER, 2008).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar nossa argumentação, com base nos dados analisados, podemos retomar o questionamento central deste artigo, que teve em vista investigar os primeiros efeitos da instalação de comissões de heteroidentificação para o acesso de pessoas negras às universidades públicas federais. No estudo, apontamos a instalação de tais comissões como um ajuste de justiça social, demandado pelos sujeitos de direito na trajetória da própria política afirmativa de recorte racial.

Na questão interpelada, apontamos que os primeiros efeitos da instalação de comissões de heteroidentificação, na UFRGS, foram reveladores de que está em disputa, no atual contexto da política de cota racial, o significado do que é ser pessoa negra no Brasil, um país mestiço. Nesse sentido, a própria instalação da comissão de heteroidentificação é um efeito dessa disputa, que tende a indicar o fenótipo como revelador do que é ser pessoa negra na sociedade brasileira, o que faz com que seja esse o grupo social e cultural que, historicamente, tem sofrido injustiças com o racismo e a discriminação racial. Além disso, os dados apontaram que, após a heteroidentificação por fenótipo, o acesso de pessoas negras diminuiu significativamente na UFRGS. Disso decorre que, provavelmente, as autodeclarações raciais anteriores à heteroidentificação não correspondiam ao significado do que é ser pessoa negra no entendimento dos sujeitos de direito. As comissões frustram também fraudes de candidatos(as), em especial, aos cursos mais elitizados da UFRGS.

Em termos conceituais, destacamos que a ideia de raça (e o racismo) está inscrita nos primórdios dos processos colonizadores europeus da América, tendo sido associada a possíveis diferenças biológicas entre brancos e negros, bem como com os povos originários das Américas, diferenças essas, supostamente baseadas na ciência, com a intencionalidade de dominação social, econômica e cultural. Portanto a ideia de raça é uma construção social que necessita ser entendida como fenômeno histórico-político que foi parte fundamental do projeto societal da modernidade, o qual pretendeu a universalidade por meio da formação do capitalismo, dos estados-nação, do colonialismo e da ideia de “Europa” (ARAÚJO; MAESO, 2013). Ademais, reforçamos a noção de que a ideia de raça não tem relação com a estrutura biológica da espécie humana. Já os traços fenótipos são biológicos, uma vez que têm relação direta com o código genético dos indivíduos e/ou grupos. Todavia não estão relacionados com nenhum dos subsistemas e processos biológicos do organismo humano, inclusive aqueles que dizem respeito aos subsistemas neurológicos e mentais e suas funções (QUIJANO, 2014). No entanto, entendemos que, ainda que não existam raças no sentido biológico do termo, no Brasil, por conta da virada para o aspecto cultural da ideologia da democracia racial freyriana, a representação social da diferença é racializada fenotipicamente (CARVALHO, 2003).

Para a abordagem das injustiças causadas pelo racismo e pela discriminação racial, no Brasil e no mundo globalizado, nos pautamos em concepções de justiça social (FRASER, 2006; 2008) que pudessem incorporar as dimensões econômicas, culturais e políticas das desigualdades sociais. Assim, entendemos que, nas sociedades capitalistas modernas, a estrutura de classe (que corresponde à dimensão redistributiva da justiça) e a ordem de status (que corresponde à dimensão cultural da justiça) são categorias políticas por natureza, já que são contestadas e permeadas por poder, sendo tratadas, frequentemente, como demandas que exigem a tomada de decisão do Estado. Logo, o político é a terceira dimensão da justiça social, constituindo-se no palco em que as lutas por redistribuição e reconhecimento são conduzidas por meio da participação paritária dos sujeitos de direito, que rejeitam a ideia corrente de que devem ser os Estados nacionais ou as elites transnacionais os entes que enquadram o quem e o como da justiça social.

Para finalizar, resta ressaltar nosso esforço ontológico em demonstrar aspectos históricos da construção social da ideia de raça como fator de discriminação e inferiorização da população de pessoas negras na América, mas em especial no Brasil. A política afirmativa com recorte racial, hoje consolidada em todas as universidades federais do Brasil, justifica-se plenamente diante de um contexto social que, lastreado pelos valores da modernidade marcados por modelos identitários eurocentristas, relegou, mundialmente, à população de pessoas negras o papel de subalternidade racial.

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS. Relatório de Acompanhamento Interno - 2018. Coordenadoria de Acompanhamento da Política de Ações Afirmativas (CAF). Porto Alegre, 2018c.
  • 1
    Para aprofundamento sobre a teoria de “atuação em políticas”, em vez de implementação, ver (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016).
  • 2
    Ressaltamos que, no texto original, o autor utiliza os termos conquistadores e conquistados. Adequamos o termo em português para exploradores e explorados, por entendermos que o significado desta tradução expressa de forma mais adequada os processos de exploração da América Latina no período de capitalismo colonial.
  • 3
    Para mais esclarecimentos sobre a especificidade dessa organização do trabalho nas colônias das Américas, com base na raça do trabalhador(a), ver Quijano (2014).
  • 4
    Exceto pela segregação racial legalizada - Apartheid - na África do Sul, que durou 46 anos, com início em 1948, terminando oficialmente em 1994.
  • 5
    Para mais detalhes sobre as discussões e consensos produzidos nessa Conferência, ver Alves (2002).
  • 6
    Reserva de vagas em concursos públicos, em instituições de educação superior e tecnológica públicas para pessoas negras (pretas e pardas) e pessoas com deficiência (PCD).
  • 7
    Por exemplo, a criação do Movimento Negro Unificado (1978), a criação da Fundação Palmares (1988), a marcha Zumbi dos Palmares (1995), a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a População Negra (1995), fruto do discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecendo a existência de racismo no Brasil (NEVES, 2018).
  • 8
    Na UFRGS, o movimento social negro é constituído por coletivos de pessoas negras que se identificam com a agenda do movimento social, contudo cada um possui sua especificidade. Coletivos: NegraAção, Negro das Exatas, Dandara, Afronta, Balanta, Muralha Rubro Negra, Coletivo de Educação Akualtune e Coletivo Corpo Negra.
  • 9
    UFRGS; Universidade Federal de Pelotas (Ufpel); Universidade Federal de Viçosa (UFV); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade de Brasília (UnB); Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre outras.
  • 10
    Essa decisão também modifica a Decisão n. 268 (UFRGS, 2012), e traz a destinação de parte do percentual da reserva de vagas para egressos de escolas públicas (50%) às pessoas com deficiência (PCD).
  • 11
    Esse movimento social reúne os coletivos de pessoas negras da UFRGS e ocupou a Reitoria por oito dias, identificando-se como Ocupação Akilombada.
  • 12
    Houve apenas um candidato que se autodeclarou como indígena, o qual não foi homologado por não ter apresentado a documentação necessária para o efetivo reconhecimento de seu pertencimento à comunidade indígena.
  • 13
    É importante ressaltar que a Comissão Recursal, conforme as normas publicadas no edital (vestibular e Sisu - 2018) para ingresso por ação afirmativa, não reconheceu os recursos interpostos pelos(as) candidatos(as) que não compareceram à sessão de verificação da CPVA, os quais foram todos indeferidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2020
  • Aceito
    13 Maio 2020
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