Open-access Respostas ecofisiológicas de cafeeiros submetidos ao deficit hídrico para concentração da florada no Cerrado de Minas Gerais

Ecophysiological responses of coffee plants subjected to water deficit to narrow blossom period in the Cerrado in the state of Minas Gerais, Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito de diferentes períodos de imposição do deficit hídrico sobre a concentração da florada do cafeeiro (Coffea arabica), bem como sobre as trocas gasosas, a produtividade, a maturação e a qualidade dos grãos. As cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9 foram avaliadas conforme os seguintes tratamentos: não irrigado (NI), irrigado continuamente (IC), e suspensão da irrigação em 1/7/2010 (D1) e em 1/8/2010 (D2), com retorno desta em 24/9/2010. Cerca de três dias após a retomada da irrigação, registrou-se a ocorrência de uma "chuva de florada", com precipitação de 69 mm. O potencial hídrico foliar de antemanhã (Ψam) nas cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9, em 22/9, foi de -0,59 e -0,82 MPa, -0,53 e -0,79 MPa, e -0,34 e -0,49 MPa, para os tratamentos NI, D1 e D2, respectivamente. O percentual máximo de botões florais no estádio E4, imediatamente antes da ocorrência da chuva, não foi afetado pelos níveis de deficit impostos durante o inverno, independentemente das cultivares. Os níveis moderados de deficit hídrico impostos pelos tratamentos (Ψam ~ -0,80 MPa) produziram pouco ou nenhum efeito sobre as trocas gasosas, a taxa de florescimento ou a uniformidade de maturação - percentagem de cerejas de 66% -, e a produtividade e a classificação dos grãos, de ambas as cultivares. O efeito dos diferentes tratamentos sobre o status hídrico dos botões florais não se sobrepõe ao efeito da chuva de florada, que foi determinante para sua abertura.

Coffea arábica ; floração; irrigação; trocas gasosas


The objective of this work was to evaluate the effect of different periods of water deficit imposition on narrowing coffee (Coffea arabica) blossom period, as well as on gas exchange, coffee bean yield, maturity, and grain quality. The Catuaí Vermelho IAC 144 and Bourbon Amarelo J9 cultivars were evaluated according to the following treatments: nonirrigated (NI), continuously irrigated (CI), and suspension of irrigation on 7/1/2010 (D1) and on 8/1/2010 (D2), which was restarted on 9/24/2010. About three days after irrigation was restarted, a "blossom rain" was registered, with 69 mm precipitation. The pre-dawn leaf water potential (Ψpd) of the cultivars Catuaí Vermelho IAC 144 and Bourbon Amarelo J9, on 9/22, was of -0.59 and -0.82 MPa, -0.53 and -0.79 MPa, and -0.34 and -0.49 MPa for the NI, D1, and D2 treatments, respectively. The maximum percentage of flower buds at the E4 stage, right before rainfall occurrence, was not affected by the water deficit levels imposed during winter, regardless of the cultivar. The moderate water deficits imposed by the treatments (Ψpd ~ -0.80 MPa) had little or no effect on gas exchange, on flowering rate or maturation uniformity - 66% ripe cherries -, and on coffee bean yield and classification of both cultivars. The effect of the different treatments on the water status of the flower buds does not overcome the effects of the blossom rain, which was determinant for their opening.

Coffea arabica ; flowering; irrigation; gas exchange


Introdução

O Brasil é o maior produtor mundial de café, com estimativa de safra para 2014 de 44,57 milhões de sacas (Acompanhamento da Safra Brasileira, 2014). O Estado de Minas Gerais é o maior produtor, com estimativa de produção de 22,99 milhões de sacas para essa mesma safra. As estimativas de produção para a região do Cerrado mineiro, que compreende as regiões do Alto Paranaíba, do Triângulo e do Noroeste do Estado, são de 5,814 milhões de sacas de café arábica. A região do Cerrado mineiro apresenta cafeicultura intensiva, que adota, além da mecanização, a irrigação como uma das principais práticas para garantir altas produtividades (Fernandes et al., 2012).

Em razão da má distribuição de chuvas na região e da ocorrência de período seco (~3-4 meses) durante a estação fria, a maioria das lavouras é irrigada sem interrupção durante o ano. Entretanto, algumas pesquisas têm apontado que a irrigação contínua, sobretudo no período que antecede a florada, pode atrasar o desenvolvimento do botão floral, em relação a lavouras não irrigadas (DaMatta et al., 2007; Silva et al., 2009). Além disso, chuvas esporádicas e de baixa intensidade, geralmente próximas à primavera, fazem com que ocorram várias floradas, o que leva à desuniformidade na maturação dos frutos (DaMatta et al., 2007).

Para minimizar esses problemas, a aplicação do deficit hídrico durante o inverno, em lavouras irrigadas, tem sido recomendada para a sincronização ou a concentração da florada. Essa técnica baseia-se em evidências de que o deficit hídrico é necessário para a quebra da dormência dos botões, no estádio E4, e que a irrigação (ou mesmo a chuva) após esse período causa antese, pelo rápido aumento na turgescência dos botões florais (Alvim, 1960; Magalhães & Angelocci, 1976; Crisosto et al., 1992; Guerra et al., 2005; Soares et al., 2005; Bomfim Neto, 2007; Silva et al., 2009). Contudo, como as condições edafoclimáticas das diversas regiões produtoras variam muito, ainda não se sabe em que momento e em que nível o deficit hídrico deve ser aplicado para uniformização da florada, sem comprometer a produtividade da lavoura.

Em regiões como a do Cerrado, em que ocorre uma estação seca bem definida na pré-florada, é possível que o deficit hídrico controlado, aplicado em momento e intensidades apropriados nas lavouras irrigadas, contribua para a concentração da florada e, portanto, para a uniformidade na maturação dos frutos. No entanto, estabelecer datas fixas do calendário para suspender e retomar a irrigação, sem aferir o nível de deficit e o estádio do botão floral, como proposto por Guerra et al. (2005), carece de maior comprovação científica, uma vez que diversos fatores alteram a taxa de progresso do deficit hídrico e, consequentemente, o tempo necessário para que se atinja o deficit adequado (DaMatta et al., 2007; Silva et al., 2009).

O objetivo deste trabalho foi testar o efeito de diferentes períodos de imposição do deficit hídrico sobre a concentração da florada do cafeeiro (Coffea arabica L.), bem como sobre as trocas gasosas, a produtividade, a maturação e a qualidade dos grãos.

Material e Métodos

O experimento foi realizado na safra 2010/2011, na Fazenda Transagro (19o14'S, 46o21'W, a 900 m de altitude), no Município de Rio Paranaíba, MG, em lavoura de C. arabica, com as cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9, transplantadas para o campo em dezembro de 2006, no espaçamento de 3,80x0,50 e 3,80x0,80 m, respectivamente, com 5.260 e 3.290 plantas por hectare. A lavoura foi fertirrigada, e os tratos culturais foram realizados de acordo com as recomendações agronômicas adotadas no Cerrado.

Utilizou-se o delineamento de blocos ao acaso, com quatro repetições. Cada bloco foi alocado em uma linha de plantio, perpendicularmente à declividade do terreno. A parcela experimental foi constituída por uma linha de café, com oito plantas, tendo-se considerado as quatro centrais como úteis. Os tratamentos foram definidos conforme as condições edafoclimáticas da região, o sistema de irrigação (gotejamento) e o manejo adotado na fazenda: NI, não irrigado, com suspensão da irrigação em 2/6/2010 até a primeira chuva; IC, irrigação contínua; e suspensão da irrigação em 1/7/2010 (D1) e em 1/8/2010 (D2), com retorno em 24/9/2010, antes da primeira chuva da estação, que ocorreu entre os dias 26 e 28/9/2010. Portanto, foram impostos 117, 85 e 54 dias de deficit para os tratamentos NI, D1 e D2, respectivamente.

O status hídrico das plantas foi aferido em 27/8, 9/9 e 22/9/2010, pela determinação do potencial hídrico foliar de antemanhã (Ψam), com uso de bomba de pressão (bomba de Scholander). Avaliou-se uma folha por parcela, coletada no terceiro ou no quarto par, a partir do ápice de ramos plagiotrópicos localizados no terço superior da planta. O retorno da irrigação em D1 e D2 foi projetado para antes da ocorrência das primeiras chuvas na região, de acordo com as médias climatológicas. Os dados de precipitação e temperatura do ar foram coletados na própria fazenda.

Nas datas de medição do Ψam, também foram feitas avaliações instantâneas de trocas gasosas, às 8h e às 10h, em folhas semelhantes às utilizadas para a determinação do potencial hídrico. A condutância estomática (gs), a taxa de assimilação líquida de CO2 (A), a taxa transpiratória (E), a eficiência instantânea no uso da água (A/E), a razão entre as concentrações interna e externa de CO2 (Ci/Ca) e o deficit de pressão de vapor entre o interior da folha e a atmosfera (DPV) foram medidos em sistema aberto, sob luz artificial saturante (1.000 mol m-2 s-1) e concentração ambiente de CO2, com uso de analisador de gás infravermelho portátil, modelo LICOR 6400XT (Li-COR, Lincoln, NE, EUA).

Os botões florais de um ramo plagiotrópico, escolhido aleatoriamente no terço superior de duas plantas, em cada parcela, foram contados em 5/8, 26/8, 22/9 e 13/10/2010, de acordo com seus estádios de desenvolvimento (Rena & Barros, 2004): E2, E3, E4 e E6 - neste caso, E6 contabiliza E5 e compreende flores e, eventualmente, algum chumbinho presente na roseta. Em seguida, calculou-se a percentagem de botões em cada estádio.

Em junho de 2011, os frutos das plantas úteis foram colhidos por derriça no pano, e o peso e o volume de "café da roça" foram determinados em seguida. Amostras de 0,5 L de café foram retiradas para avaliação da uniformidade de maturação dos frutos, tendo-se utilizado uma escala visual das classes de maturação (verde, verde-amarelado, cereja e passa), adaptada de Ronchi & DaMatta (2007), e a percentagem de frutos em cada classe também foi determinada.

As amostras de "café da roça" foram secas em terreiro asfaltado, e o volume e o peso de café em coco foram aferidos. O rendimento foi estimado a partir do beneficiamento de uma amostra de 4,0 L de grãos, com teor de umidade padronizado para 11,5%; a produtividade dos tratamentos foi calculada de acordo com o estande de plantas. Uma amostra de 100 g de café beneficiado foi submetida à análise física, para determinação da percentagem de grãos em cada peneira, com base na massa.

Os dados meteorológicos e de potencial hídrico foliar foram submetidos à análise descritiva. Já os dados das contagens de botões florais, para cada estádio de desenvolvimento e época de avaliação; os de trocas gasosas, separados por épocas e horário de medição; os de produtividade e uniformidade de maturação dos frutos; e os de classificação do café foram analisados de acordo com arranjo de parcelas subdivididas, tendo-se considerado as cultivares como parcelas, e os tratamentos de deficit hídrico, como subparcelas. As médias dos tratamentos foram comparadas pelo teste de Tukey, a 5% probabilidade.

Resultados e Discussão

Apesar das condições edafoclimáticas e de manejo terem sido idênticas para ambas as cultivares, elas apresentaram diferentes taxas de utilização de água durante o período de suspensão da irrigação e, consequentemente, atingiram diferentes níveis de deficit hídrico, de acordo com os tratamentos (Figura 1). Naturalmente, o tratamento NI proporcionou o deficit hídrico mais intenso, com valores mínimos de Ψam de -0,59 e -0,82 MPa, para as cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9, respectivamente. Com 85 dias de suspensão da irrigação, o tratamento D1 apresentou valores de deficit muito semelhantes aos de NI, entre -0,53 e -0,79 MPa. No tratamento D2, com 54 dias de suspensão da irrigação, foi observado Ψam de apenas -0,34 e -0,49 MPa, respectivamente, para as cultivares Catuaí Vermelho IAC 44 e Bourbon Amarelo J9.

Figura 1:
Potencial hídrico foliar de antemanhã (Ψam) nas cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 (A) e Bourbon Amarelo J9 (B), em três épocas de avaliação: 27/8, 9/9 e 22/9/2010. NI, não irrigado a partir de 2/6/2010; IC, irrigado continuamente; D1, suspensão da irrigação em 1/7 e retomada em 24/9/2010; D2, suspensão da irrigação em 1/8 e retomada em 24/9/2010.

Como há evidências de que o deficit hídrico na folha e, consequentemente, nos botões florais, é necessário para a quebra da dormência verdadeira de botões florais fisiologicamente maduros, no estádio E4 (Alvim, 1960; Magalhães & Angelocci, 1976; Crisosto et al., 1992; Silva et al., 2009), é desejável que se conheça a magnitude do Ψam associado a esse processo. A queda do Ψam foi lenta nas primeiras semanas e maior entre 9/9 e 22/9/2010 (Figura 1). A variação da temperatura foi determinante para explicar esse comportamento: as temperaturas médias e máximas foram de 19,4 e 28,1, 19,3 e 28,9, e 22,1 e 30,9oC, em julho, agosto e setembro, respectivamente. Entretanto, nas duas últimas semanas de deficit, as temperaturas média e máxima atingiram valores máximos de 24,5 e 35oC, o que teria resultado em elevada taxa de evapotranspiração (DaMatta et al., 2007) e induzido o deficit hídrico nos tecidos vegetais, num curto período de tempo.

Pesquisas relacionadas apontam valores mínimos de potencial hídrico foliar bastante variáveis, para quebra da dormência, de: -0,80 MPa, em Crisosto et al. (1992); -1,1 a 1,2 MPa, em Magalhães & Angeloci (1976) e Bomfim Neto (2007); -1,7 MPa, em Silva et al. (2009); -2,0 MPa, em Guerra et al. (2005); e -2,65 MPa, em Schuch et al. (1992). Contudo, essas pesquisas não informam em qual momento do dia esses potenciais ocorrem (Rena & Barros, 2004) nem revelam seu impacto sobre a produtividade. Nas condições de campo do presente trabalho, apenas a cultivar Bourbon Amarelo J9, nos tratamentos NI e D1, atingiu o status hídrico mínimo indicado por Crisosto et al. (1992) como necessário para a quebra da dormência dos botões florais. Portanto, recomendar a suspensão e a retomada da irrigação com base apenas em datas fixas de calendário (Guerra et al., 2005), sem considerar outros fatores, como, por exemplo, as características edafoclimáticas da região ou o material genético, não é um procedimento adequado.

Na contagem de botões florais feita em 5/8/2010, verificou-se que, independentemente da cultivar e dos níveis de deficit, o estádio predominante foi o E3, com 59% dos botões (Figura 2 A); em 26/8, os estádios predominantes foram E4 e E3, com 52 e 45%, respectivamente (Figura 2 B); e, após um mês, em 22/9, como era de se esperar, predominava o E4, com 67%, seguido de E3, com 26% (Figura 2 C). Assim, observou-se um desenvolvimento natural e rápido dos estádios dos botões florais, nos meses que antecedem o início da primavera, independentemente dos tratamentos. Dessa forma, a taxa diária de surgimento de E4 em agosto e setembro foi de aproximadamente 1%, ou seja, a cada dia desses meses, 1% do total de botões florais na planta inteira atingiu o estádio E4. Mesmo aparentemente normal, pela fisiologia do cafeeiro (Barros et al., 1978; Rena & Barros, 2004), esse tipo de informação não é facilmente encontrada na literatura.

Figura 2:
Percentual de botões florais em cada estágio de desenvolvimento (E2, E3, E4 e E6), nos dias 5/8 (A), 26/8 (B), 22/9 (C) e 13/10 (D) de 2010, em função dos tratamentos de deficit hídrico, independentemente da cultivar. NI, não irrigado a partir de 2/6/2010; IC, irrigado continuamente; D1, suspensão da irrigação em 1/7 e retomada em 24/9/2010; D2, suspensão da irrigação em 1/8 e retomada em 24/9/2010. Barras seguidas de letras iguais, em cada estádio do botão floral e época de avaliação, não diferem pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. Estádios de acordo com Rena & Barros (2004)

Ao se considerar a elevada percentagem de botões florais (67%), no estádio E4, em 22/9/2010 (Figura 2 C) - coerente com o valor mínimo de 60% proposto por Bomfim Neto (2007) para a época de retorno da irrigação -, e a volta iminente da chuva, optou-se pelo retorno da irrigação, nos tratamentos D1 e D2, em 24/9, para avaliar o efeito da retomada da irrigação na sincronização da florada. Na contagem realizada em 13/10, constatou-se que os tratamentos com algum nível de deficit (NI, D1 e D2) apresentaram elevada uniformidade da florada (~98%), em ambos os genótipos (Figura 2 D). Esses resultados não eram esperados, uma vez que apenas nos tratamentos NI e D1, na cultivar Bourbon Amarelo J9, atingiu-se o limiar mínimo de Ψam (~-0,80 MPa), indicado por Crisosto et al. (1992) como necessário para quebrar a dormência verdadeira dos botões florais e induzir à antese. Além disso, o tratamento IC também proporcionou elevada percentagem de flores (98%) na mesma data (Figura 2 D).

Uma possível explicação para esses resultados foi a ocorrência de uma "chuva de florada", três dias após a retomada da irrigação, com precipitação de 69 mm, acumulada entre os dias 26 e 28/9/2010. Desse modo, essa chuva teria eliminado a dormência das gemas, tanto do tratamento NI quanto do IC, e as induzido à antese. A rápida hidratação causada pela chuva em botões florais sob deficit hídrico (Rena & Barros, 2004) não é o único fator meteorológico capaz de quebrar a dormência. Assim, mesmo botões florais mantidos sob alto Ψam podem ser induzidos à antese, por exemplo, pela queda rápida da temperatura do ar (Browning, 1973; Silva et al., 2009). Apesar de essa possibilidade ainda ser questionada (Rena & Barros, 2004), o presente trabalho traz evidências que a apoiam, como a queda de 9-10°C na temperatura máxima do ar, por um período máximo de 24 horas, simultaneamente ao início das chuvas. Segundo Silva et al. (2009), parece existir um efeito sinérgico de fatores meteorológicos, como precipitações, temperatura e DPV, sobre o desenvolvimento do botão floral, quando esse se encontra em E4.

Os tratamentos não diferiram quanto a gs, A, E, A/E e Ci/Ca, na análise realizada em 27/8/2010, em ambas as cultivares (Figura 3), embora tenham ocorrido diferenças significativas nas trocas gasosas entre cultivares, dentro de um mesmo tratamento. Apesar do longo período de suspensão da irrigação, as plantas do tratamento NI apresentavam, nessa época, Ψam de apenas -0,20 e -0,42 MPa, para as cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9, respectivamente (Figura 1). Ainda não se determinou, precisamente, um valor de Ψam a partir do qual as taxas fotossintéticas são afetadas (DaMatta & Ramalho, 2006), principalmente porque uma grande diversidade de fatores interfere na relação entre Ψam e A (DaMatta, 2003). A literatura mostra que, mesmo valores de Ψam bastante negativos, como -1,0 ou -1,5 MPa, ainda são insuficientes para reduzir A em café (DaMatta et al., 2003; DaMatta & Ramalho, 2006). Portanto, os níveis de deficit hídrico obtidos no presente trabalho não teriam sido capazes de afetar significativamente as trocas gasosas, sobretudo com medidas instantâneas, em folhas isoladas, no início do dia.

Figura 3:
Condutância estomática, gs (A, B); taxa de assimilação líquida do carbono, A (C, D); taxa transpiratória, E (E, F); eficiência instantânea no uso da água, A/E (G, H); e relação entre concentrações interna e externa de CO2, Ci:Ca (I, J), medidas em 27/8/2010, às 8h e às 10h. NI, não irrigado a partir de 2/6/2010; IC, irrigado continuamente; D1, suspensão da irrigação em 1/7 e retomada em 24/9/2010; D2, suspensão da irrigação em 1/8 e retomada em 24/9/2010. Para cada variável e horário de medição, barras seguidas de letras iguais, maiúsculas para as barras pretas e minúsculas para as cinzas, não diferem pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. *Diferença significativa entre as cultivares, dentro do mesmo tratamento.

Independentemente dos tratamentos, observou-se intenso aumento na taxa transpiratória do cafeeiro em 27/8/2010, entre as 8h e as 10h (Figura 3 E e F), mesmo com a redução em gs (Figura 3 A e B), pelo forte aumento do DPV, de 1,24 para 4,05 kPa. Também observou-se que A foi maior às 10h do que às 8h, mesmo com a redução em gs nesse período. Embora o aumento do DPV tenha tido maior efeito sobre gs que sobre A (DaMatta & Ramalho, 2006), as reduções verificadas em Ci/Ca, do início para o meio da manhã (Figura 3 I e F), sugerem que houve efeito positivo do aumento na temperatura foliar, de 19,5 para 33,1°C, sobre a etapa bioquímica da fotossíntese (DaMatta, 2004).

As plantas da cultivar Bourbon Amarelo J9 submetidas ao tratamento NI também apresentaram maior eficiência instantânea do uso da água às 10h, a julgar pelo valor significativamente superior de A/E (Figura 3 G e H). Isso provavelmente ocorreu pela manutenção de altas taxas de A (Figura 3 C e D), uma vez que não houve diferenças significativas em gs e E entre os tratamentos (Figuras 3 A, B, E e F). Além disso, a cultivar Bourbon Amarelo J9 apresenta características anatômicas importantes para o cultivo sob restrição hídrica (Batista et al., 2010), como: capacidade de manutenção de potenciais hídricos mais elevados, cutícula mais espessa, maior proporção de parênquima paliçádico, maior espessura da nervura central e maior densidade estomática.

Na segunda época de avaliação, em 10/9/2010, as trocas gasosas não diferiram significativamente entre os tratamentos de deficit hídrico, para nenhum dos parâmetros fotossintéticos avaliados, tanto às 8h quanto às 10h. Da mesma forma, em 22/9, poucos dias antes da retomada da irrigação, as trocas gasosas não foram afetadas significativamente, na medição às 8h, apesar de os tratamentos sob deficit terem atingido Ψam médios de -0,59 MPa (Figura 1). No entanto, às 10h, o tratamento IC apresentou maior valor de gs, o que resultou em maior valor de E, nesse tratamento, mas nenhum efeito positivo sobre A.

Não houve interação entre cultivares e níveis de deficit hídrico na maturação dos frutos. A percentagem de grãos cereja foi relativamente alta e não diferiu entre os tratamentos, em razão da sincronização da florada pela chuva, com média de 66%, independentemente das cultivares (Figura 4). O estádio passa apresentou média geral de 21%, e a percentagem de verdes foi igual nos tratamentos NI e IC (Figura 4). Esses resultados diferem dos de Silva et al. (2009), que encontraram, em várias regiões cafeeiras de São Paulo, menor percentagem de cerejas e maior de verdes em tratamentos irrigados ou com baixo nível de deficit hídrico na pré-florada. Essa diferença pode ser explicada pelo fato de, no caso de Silva et al. (2009), não ter ocorrido chuva de florada. Na comparação entre cultivares, constatou-se percentagem igual de grãos cereja (66%), mas maior de passa em Bourbon Amarelo J9 (31%) que em Catuaí Vermelho IAC 144 (12%), em decorrência da maturação ligeiramente antecipada daquela cultivar; as avaliações foram feitas simultaneamente em ambas as cultivares.

Figura 4:
Distribuição percentual de frutos de "café da roça" nos diferentes estádios de maturação, em função dos níveis de deficit hídrico, independentemente das cultivares. Para um mesmo estádio de maturação, colunas seguidas de letras iguais não diferem pelo teste de Tukey, a 5% de probabilidade. As colunas representam a média±erro-padrão (n=8). NI, não irrigado a partir de 2/6/2010; IC, irrigado continuamente; D1, suspensão da irrigação em 1/7 e retomada em 24/9/2010; D2, suspensão da irrigação em 1/8 e retomada em 24/9/2010.

Para a produtividade, houve efeito significativo apenas para cultivares, em que a Bourbon Amarelo J9 apresentou maior produção de "café da roça" e de café em coco, bem como maior volume de café em coco por planta, que a Catuaí Vermelho IAC 144 (Tabela 1). Porém, ao se levar em consideração o estande de plantas, não houve diferença significativa entre as cultivares, independentemente dos níveis de deficit hídrico (Tabela 1). Silva et al. (2009) obtiveram maiores produtividades em tratamentos irrigados ou submetidos a deficits hídricos menos severos, mas também demonstraram que é possível aliar uniformidade na maturação dos frutos e produtividade, desde que se aplique o nível de deficit adequado para cada região.

Tabela 1.
Produção de grãos de café (Coffea arabica) por planta, produtividade e qualidade física dos grãos (peneiras) das cultivares Catuaí Vermelho IAC 144 e Bourbon Amarelo J9, independentemente dos tratamentos de deficit hídrico.

Quanto à qualidade física dos grãos, os níveis de deficit não a afetaram, o que está de acordo com Silva et al. (2009). Entretanto, a cultivar Catuaí Vermelho IAC 144 apresentou maior percentual de grãos nas peneiras 17 e 18 que a Bourbon Amarelo J9 (Tabela 1), o que é um comportamento normal para essas cultivares (Ferreira et al., 2013).

Conclusões

  1. A cultivar de café (Coffea arabica) Bourbon Amarelo J9 atinge maior nível de deficit hídrico que a Catuaí Vermelho IAC 144, quando submetidas a um mesmo período de suspensão da irrigação.

  2. As trocas gasosas, a produtividade, a uniformidade de maturação de frutos e a classificação dos grãos beneficiados não são afetadas por níveis moderados de deficit hídrico, nas cultivares testadas.

  3. O percentual máximo de botões florais no estádio E4, imediatamente antes da ocorrência da "chuva de florada", não é afetado pelos níveis de deficit impostos durante o inverno, independentemente das cultivares.

  4. O efeito dos diferentes tratamentos sobre o status hídrico dos botões florais não se sobrepõe ao efeito da chuva de florada, que foi determinante para sua abertura.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig, Processo CAG-APQ-00328-09), pelo apoio financeiro; e à Fazenda Transagro, pela disponibilização da área experimental e pelo apoio na condução do experimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Jun 2014
  • Aceito
    19 Dez 2014
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