Open-access Tireoidite bacteriana supurativa: relato de caso e revisão da literatura

Acute suppurative thyroiditis: a case report and review of the literature

Resumos

Neste trabalho é apresentado um caso de tireoidite bacteriana aguda em um criança lúpica de nove anos de idade, em que o diagnóstico precoce foi imprescindível pela gravidade do quadro. Em seguida é apresentada uma revisão da literatura sobre o assunto.

Tireoidite bacteriana; Lúpus eritematoso sistêmico; Ultra-sonografia


We present the case of a 9-year-old girl with acute suppurative thyroiditis and systemic lupus erythematosus. Early diagnosis was crucial for the outcome of the patient due to the severity of the disease. A review of the literature is also presented.

Acute suppurative thyroiditis; Systemic lupus erythematosus; Ultrasonography


Relato de Caso

TIREOIDITE BACTERIANA SUPURATIVA ¾ RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA*

Adriana Vieira Pedreira1, Sônia Margarida Duarte Cathalá2, Heleno Cabral Tavares2, Francine Judith Freitas Fernandes1, Cleonice Isabela Santos Silva3

Resumo

Neste trabalho é apresentado um caso de tireoidite bacteriana aguda em um criança lúpica de nove anos de idade, em que o diagnóstico precoce foi imprescindível pela gravidade do quadro. Em seguida é apresentada uma revisão da literatura sobre o assunto.

Unitermos: Tireoidite bacteriana; Lúpus eritematoso sistêmico; Ultra-sonografia - criança.

Acute suppurative thyroiditis - a case report and review of the literature.

Abstract

We present the case of a 9-year-old girl with acute suppurative thyroiditis and systemic lupus erythematosus. Early diagnosis was crucial for the outcome of the patient due to the severity of the disease. A review of the literature is also presented.

Key words: Acute suppurative thyroiditis; Systemic lupus erythematosus; Ultrasonography - children.

RELATO DO CASO

Paciente de nove anos de idade, do sexo feminino, com história de aumento do volume das regiões ântero-laterais do pescoço há quatro semanas, associada a artralgia em mãos e punhos, palidez e febre, tendo feito uso de antibioticoterapia sem melhora, e evoluindo com progressão da tumoração. Ao exame físico, criança em precário estado geral e nutricional, peso de 22 kg e altura de 1,36 m (IMC = 11,9), com manchas hipocrômicas na face e pele descamativa.

A ultra-sonografia da região cervical revelou volumosa formação cística, de configuração simétrica, em correspondência topográfica da glândula tireóide, promovendo deslocamento dos vasos cervicais (Figuras 1 e 2). A formação, de aspecto multiloculado e de paredes anfractuosas, continha líquido espesso com abundantes "débris" em suspensão, e substrato de maior ecogenicidade de tecido tireoidiano remanescente (Figuras 3A, 3B e 4). Não havia evidências de linfonodomegalia cervical. Os lobos e o istmo mediam, respectivamente, 9,5 × 4,8 × 3,9 cm (92,5 cm³) à direita, 8,8 × 5,4 × 6,4 cm (158,2 cm³) à esquerda e 4,0 × 4,8 × 2,8 cm (28 cm³). O volume glandular era igual a 278,7 cm³ (Figura 5). A impressão diagnóstica foi de tireoidite bacteriana supurativa.






A cintilografia, realizada no sétimo dia pós-drenagem, mostrou tireóide normal para a idade da paciente e biotipo, com lobos ligeiramente deformados. A distribuição do radiotraçador fez-se de forma irregular pelo parênquima tireoidiano, observando-se dois focos simétricos de baixa concentração radioisotópica, na metade inferior de cada um de seus lobos.

À ultra-sonografia de abdome total observou-se hepatomegalia homogênea e moderada ascite, além de volumoso derrame pleural no hemitórax esquerdo com septações de permeio.

Da punção tumoral cervical, obteve-se aproximadamente 260 ml de secreção purulenta espessa (Figura 6), de cuja cultura se isolou Streptococcus aureus sensível a oxacilina. Quanto à toracocentese, foram havidos 330 ml de líquido hemorrágico, com pesquisa negativa para células neoplásicas. A investigação para doenças do colágeno revelou fator antinúcleo positivo, 1:1.240, compatível com o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES).


A ultra-sonografia de controle revelou redução significativa do volume da glândula tireóide, restando pequena quantidade daquela secreção espessa em ambos os lobos da tireóide (Figuras 7, 8 e 9).




DISCUSSÃO

As tireoidites compõem um grupo heterogêneo de doenças inflamatórias da tireóide, de etiologias as mais variadas. A tireoidite de Hashimoto, a pós-parto e a silenciosa têm patogênese auto-imune, com aspecto ultra-sonográfico de hipoecogenicidade difusa ou focal, ora com hipo ou eutireoidismo, ora com tireotoxicose transitória. Entre as inflamatórias, temos a tireoidite subaguda, de origem viral, e a tireoidite aguda, de origem bacteriana: a primeira, dolorosa, com múltiplas áreas hipoecóicas migratórias maldefinidas, e a segunda, uma doença rara e séria, com marcada hipoecogenicidade. A tireoidite de Riedel é uma doença inflamatória crônica, rara também e de etiologia desconhecida, caracterizada por densa fibrose tireoidiana, por vezes com hipoecogenicidade importante(1).

Recentemente, vem-se relatando a ocorrência de tireoidite auto-imune, no curso de outras doenças auto-imunes, havendo sido proposto classificá-la em um subgrupo comum de síndrome poliglandular auto-imune. Mihailova et al.(2) descreveram a ocorrência de tireoidite auto-imune em 27 crianças com artrite reumatóide juvenil e 12 com LES, com idades entre 5 e 18 anos e na fase ativa da doença. Distúrbio da função tireoidiana foi observado em 8 das 12 crianças com LES (66,7%); os hormônios T3, T4 e TSH estavam no limite da normalidade. Existe também relato de associação de tireoidite, doença de Addison, falência ovariana e doença celíaca em uma paciente jovem do sexo feminino(3). Além dessas associações, há indícios de que a interrupção de um tratamento com corticóide pode exacerbar transitoriamente a síndrome poliglandular auto-imune, como no caso de uma paciente que cursou com hepatite auto-imune, hipocortisolismo (por provável hipofisite auto-imune) e hipotireoidismo (por tireoidite de Hashimoto), ao cessar o uso de prednisolona (5 mg/diários) para tratamento de uveíte(4).

A tireoidite supurativa aguda é uma entidade distinta, muito rara, freqüentemente relatada em anormalidades congênitas como fendas branquiais, fístulas do seio piriforme(5) ou imunodeficiência. O caso relatado neste trabalho é de uma paciente desnutrida com quadro de doença auto-imune sistêmica, inicialmente com tireoidite de etiologia auto-imune, que evoluiu com infecção secundária, passando a ser uma tireoidite francamente supurativa.

A escolha da investigação diagnóstica pode ser um dilema nesta doença incomum, grave, com terapia própria e relativamente urgente. Em adultos, ainda que o aspecto ultra-sonográfico e os dados clínicos sugiram a etiologia da tireoidite, a punção aspirativa por agulha fina pode ter papel relevante na confirmação diagnóstica. A literatura(6) relata um caso de metástases tireoidianas bilaterais de carcinoma ductal de mama, manifestando-se após longo intervalo livre de doença; os achados ultra-sonográficos simulavam tireoidite aguda - estruturas císticas adjacentes a nódulos. A biópsia aspirativa por agulha fina foi decisiva para o diagnóstico, evitando o procedimento cirúrgico. Outros autores recomendam, quando os dados clínicos e ultra-sonográficos não são característicos, considerar a resposta à antibioticoterapia mais confiável que o aspecto morfológico ou o resultado microbiológico(7). Tomasi et al.(7) relatam o caso de uma criança do sexo feminino de seis anos de idade, com quadro clínico e ultra-sonográfico, a princípio "borderline", cuja biópsia aspirativa por agulha fina não revelou leucócitos nem bactérias, afastando a impressão diagnóstica inicial de tireoidite aguda e conduzindo à instituição inoportuna de tratamento com corticóide. No nosso caso, de aspecto ultra-sonográfico supurativo bem caracterizado, a opção foi drenagem cirúrgica, com boa evolução após o procedimento.

Referências bibliográficas

  • 1.Vitti P, Rago T, Barbesino G, Chiovato L. Thyroiditis: clinical aspects and diagnostic imaging. Rays 1999;24:301-14.
  • 2.Mihailova D, Grigorova R, Vassileva B, et al. Autoimmune thyroid disorders in juvenile chronic arthritis and systemic lupus erythematosus. Adv Exp Med Biol 1999;455:55-60.
  • 3.Valentino R, Savastano S, Tomaselli AP, et al. Unusual association of thyroiditis, Addison's disease, ovarian failure and celiac disease in a young woman. J Endocrinol Invest 1999;22:390-4.
  • 4.Nagai Y, Ieki Y, Ohsawa K, Kobayashi K. Simultaneously found transient hypothyroidism due to Hashimoto's thyroiditis, autoimmune hepatitis and isolated ACTH deficiency after cessation of glucocorticoid administration. Endocr J 1997;44:453-8.
  • 5.Ballesteros A, Martin G, Lassaletta L, Melchor MA, Alvarez Vicent JJ. Acute suppurative thyroiditis secondary to fistula of the pyriform sinus. Acta Otorrinolaringol Esp 1998;49:663-6.
  • 6.Ferrara G, Ianiello GP, Nappi O. Thyroid metastases from a ductal carcinoma of the breast. A case report. Tumori 1997;83:783-7.
  • 7.Tomasi PA, Piga S, Tecleme P, Fanciulli G, Delitala G. Acute thyroiditis in a child: misleading result of fine-needle aspiration biopsy. Horm Res 2000;54: 101-3.
  • *
    Trabalho realizado no Hospital São Rafael (HSR), Salvador, BA.
    1
    . Médicas Residentes de Radiologia do HSR.
    2
    . Médicos Radiologistas do HSR.
    3
    . Médica Cursista de Radiologia do HSR.
    Endereço para correspondência: Dra. Adriana Vieira Pedreira. Rua Carmen Miranda, 52/101, Pituba. Salvador, BA, 41820-230. E-mail:
    Recebido para publicação em 27/2/2002. Aceito, após revisão, em 12/9/2002.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Nov 2002

    Histórico

    • Aceito
      12 Set 2002
    • Recebido
      27 Fev 2002
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