Resumo
The development of the palladium catalyzed cross-coupling reactions employing organosilicon compounds is described. Important synthetic methods utilized to prepare organosilicons and different types of cross-coupling reactions involving these compounds are presented. Mechanistic aspects are also discussed.
organosilicon; cross-coupling reaction; palladium catalyst
organosilicon; cross-coupling reaction; palladium catalyst
REVISÃO
Reações de acoplamento cruzado de organossilanos catalisadas por paládio: aspectos históricos, sintéticos e mecanísticos
Palladium catalyzed cross coupling reactions of organosilicon compounds: historical, synthetic and mechanistic aspects
Róbson R. TeixeiraI; Luiz C. A. BarbosaI; Dorila Piló-VelosoII, *
IDepartamento de Química, Universidade Federal de Viçosa, 36571-000 Viçosa MG, Brasil
IIDepartamento de Química, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal de Minas Gerais, CP 702, 31270-901 Belo Horizonte - MG, Brasil
ABSTRACT
The development of the palladium catalyzed cross-coupling reactions employing organosilicon compounds is described. Important synthetic methods utilized to prepare organosilicons and different types of cross-coupling reactions involving these compounds are presented. Mechanistic aspects are also discussed.
Keywords: organosilicon; cross-coupling reaction; palladium catalyst.
INTRODUÇÃO
Em 1959 descobriu-se que o acetaldeído pode ser sintetizado a partir da oxidação de etileno, pelo ar, empregando-se quantidade catalítica de PdCl21. Esta importante transformação, conhecida como processo de Wacker, marca o início da utilização de compostos de paládio como poderosos catalisadores para promover importantes reações químicas, como reações de hidrogenólise2, formação de ligações carbono-heteroátomo3 e ligações carbono-carbono4.
A construção de ligações carbono-carbono corresponde a um dos aspectos mais relevantes quando se considera o planejamento de uma rota sintética de qualquer complexidade. Portanto, muita atenção tem sido dada à invenção e ao desenvolvimento de reações químicas que promovam a formação de ligações carbono-carbono de maneira eficiente e estereosseletiva4. Dentre os processos que são usualmente empregados para alcançar esse objetivo, pode-se dizer que as reações de acoplamento cruzado correspondem a um dos métodos mais eficientes5. Este tipo de transformação corresponde à reação entre um composto organometálico R1-M e um eletrófilo orgânico do tipo R2-X, originando um composto orgânico R1-R2 no qual houve a formação de uma nova ligação química carbono-carbono (Esquema 1). Essas reações são catalisadas por complexos de metais de transição (Cu, Ni, Fe, Pd), sendo os complexos de paládio aqueles mais comumente empregados.
Tomando-se um catalisador de paládio de fórmula geral LnPd0, a formação de ligações carbono-carbono em uma reação de acoplamento cruzado pode ser racionalizada pela seqüência de etapas do ciclo catalítico simplificado mostrado no Esquema 2.
As primeiras reações de acoplamento investigadas utilizaram como organometálicos os reagentes de Grignard. Essas reações, catalisadas por níquel, foram independentemente descobertas pelos grupos de Kumada6 e de Corriu7 em 1972. Desde então, tem-se demonstrado que a reação pode ser executada com o emprego de vários reagentes organometálicos (Esquema 1).
Os organoestânicos (reação de acoplamento de Stille-Mikita)8, os organoboranos (reação de acoplamento de Suzuki-Miyaura)9 e os organozincos (reação de acoplamento de Negishi)10 correspondem aos reagentes organometálicos mais comumente usados em processos de acoplamento. Esses organometálicos podem ser preparados por vários métodos e não são reativos na ausência de um catalisador. Essas características são extremamente atrativas no planejamento de sínteses orgânicas complexas, nas quais a construção de ligações carbono-carbono e a compatibilidade entre grupos funcionais são questões de fundamental importância.
Embora os organometálicos previamente mencionados sejam amplamente empregados em síntese orgânica, existem importantes problemas relacionados à sua utilização. Por exemplo, os compostos organoestânicos apresentam elevada toxicidade e suas reações geram subprodutos de difícil remoção. A estabilidade limitada dos organoboranos e dos organozincos é um fator importante a ser considerado quando se planeja a utilização desses reagentes.
Em vista desses fatos, torna-se desejável a busca por novos tipos de organometálicos que possam ser empregados em reações de acoplamento cruzado e que sejam capazes de suplantar as limitações mencionadas.
Os organossilanos podem ser considerados uma interessante alternativa ao uso de compostos organometálicos tradicionais de Sn, B e Zn. Importantes características associadas a esses compostos, como elevada estabilidade química, facilidade de obtenção e compatibilidade com vários grupos funcionais, os tornam atrativos como reagentes organometálicos em processos de acoplamento cruzado.
Neste trabalho foram abordadas as reações de acoplamento cruzado que envolvem compostos organossilício, catalisadas por complexos de paládio. Deu-se ênfase às aplicações sintéticas de diferentes tipos de organossilanos, além de aspectos mecanísticos envolvidos nas reações.
O TRABALHO PIONEIRO DE HIYAMA
Reações de acoplamento de viniltrimetilsilano
Os organossilanos são compostos que não apresentam substancial reatividade diante de eletrófilos. Esse fato é atribuído à pequena diferença de eletronegatividade entre carbono e silício, o que faz com que a ligação entre estes dois elementos não seja suficientemente polarizada. Entretanto, a reatividade desses compostos pode ser alterada, ativando-se a ligação carbono-silício, o que pode ser alcançado via ataque de um nucleófilo (por ex., um íon fluoreto) sobre o átomo de silício. Esse ataque gera uma espécie pentacoordenada na qual a ligação carbono-silício se torna mais polarizada, o que facilita a formação de uma espécie nucleofílica (Esquema 3).
Em relação ao íon fluoreto, é importante enfatizar que a força propulsora desse processo é a sua pronunciada afinidade pelo átomo de silício, o que pode ser atestado pelo elevado valor de energia de ligação Si-F (586 kJ/mol)11.
Em 1981, Tamejiro Hiyama iniciou um programa de pesquisa com o objetivo de desenvolver reações químicas com base no conceito de ativação de ligações carbono-silício e silício-silício por íons fluoreto12. Exemplos representativos correspondem às reações de adição de silanos a buta-1,3-dienos (i) e (ii), redução de cetonas com dimetilfenilsilano (iii) e adição de carbânions ao grupo carbonila (iv). Todas essas reações, conduzidas à temperatura ambiente, são mediadas por fluoreto de tetrabutilamônio (TBAF, n-Bu4NF) ou tris(dietilamino)sulfônio difluorotrimetilsilicato (TASF, [(Et2N)3S+ Me3SiF2-] (Esquema 4).
Durante o desenvolvimento desse programa de pesquisa, Hiyama e colaboradores decidiram investigar se o conceito de ativação da ligação carbono-silício por íons fluoreto poderia ser estendido e aplicado a reações de acoplamento que envolvem organossilanos e são catalisadas por complexos de paládio. A pergunta a ser respondida era: Poderia este íon se ligar ao complexo de paládio e simplesmente desativar o catalisador? Os resultados experimentais mostraram que este não era o caso. Na realidade, demonstrou-se que o íon fluoreto ataca preferencialmente o átomo de silício para gerar uma espécie pentacoordenada in situ. A etapa de transmetalação entre o complexo de organopaládio (II) e organossilanos não ocorre prontamente, devido à baixa nucleofilia do grupo orgânico ligado ao átomo de silício. Entretanto, a nucleofilia desse grupo pode ser aumentada pela formação da espécie pentacoordenada gerada pelo ataque de um íon fluoreto. Investigações posteriores levaram à conclusão de que esse tipo de espécie é de fundamental importância para que o processo de transmetalação possa ocorrer em uma reação de acoplamento com um organossilano12. Assim, em 1983, o grupo de Hiyama demonstrou que a substância trimetilvinilsilano (1) (disponível comercialmente), na presença de TASF e [(h3-C3H5PdCl)2], pode ser acoplada a iodetos de arila. Hexametilfosforamida (HMPA) mostrou ser o solvente mais adequado para esse tipo de reação (Esquema 5). Iodetos de alquenila também podem ser acoplados com (1) em THF. No entanto, as reações requerem a presença do aditivo P(OEt)3 para que os produtos de acoplamento possam ser obtidos com rendimentos satisfatórios13. Pode-se dizer que essa reação de vinilação corresponde ao primeiro método de acoplamento cruzado, empregando-se um organossilano, de utilidade prática em síntese orgânica.
Dimetilfluorossilanos como substratos de aplicabilidade geral
Os resultados satisfatórios obtidos com as reações de acoplamento com trimetilvinilsilano (1) motivaram o grupo de Hiyama a investigar processos de acoplamento com outros alqueniltrimetilsilanos. Entretanto, a tentativa de reação de acoplamento entre (E)-oct-1-en-1-iltrimetilsilano (2) e 1-iodonaftaleno, sob condições similares àquelas descritas para as reações com a substância (1), não resultou na formação do produto de acoplamento esperado. Tanto o organossilano (2) quanto o iodeto de arila foram recuperados inalterados (Esquema 6).
Duas hipóteses foram levantadas para tentar explicar esse fato. A primeira é a de que a introdução do grupo alquila poderia ter aumentado o impedimento espacial ao redor do átomo de silício, dificultando a interação da espécie pentacoordenada com o átomo de paládio durante o processo de transmetalação. Uma outra possibilidade é que este mesmo grupo alquila poderia ter diminuído a polaridade da ligação carbono-silício, o que também não seria benéfico para o processo de transmetalação.
Vislumbrou-se que a substituição dos grupos metila por átomos de flúor poderia contornar os problemas mencionados. Isto pode ser racionalizado da seguinte maneira: uma vez que o raio de van der Waals do átomo de flúor é similar ao do átomo de hidrogênio, a substituição dos grupos metila pelo halogênio diminuiria o impedimento espacial ao redor do átomo de silício. Além disso, devido à sua elevada eletronegatividade, essa substituição resultaria em aumento da polaridade da ligação carbono-silício. Para testar a viabilidade dessa idéia, procedeu-se à síntese de monofluoro, difluoro e trifluoroalquenilsilanos. Estes compostos foram testados quanto às suas reatividades, em reações com 1-iodonaftaleno. As condições de reação empregadas, bem como os resultados encontrados, estão no Esquema 7.
Os resultados experimentais demonstraram que as reações de monofluoro e difluoroalquenilsilanos levaram à formação do produto de acoplamento com bons rendimentos. Surpreendentemente, a reação do trifluoroalquenilsilano não levou à formação do produto de acoplamento, mesmo após 24 h de reação. Essa observação experimental foi interpretada por Hiyama do seguinte modo: os silicatos pentacoordenados, representados no Esquema 8 por [RMe2SiF2]-, correspondem a espécies químicas nas quais os sítios de coordenação ao redor do átomo de silício ainda não foram saturados. Deste modo, esses silicatos podem coordenar-se ao metal paládio, o que possibilitaria a ocorrência do processo de transmetalação via um estado de transição de quatro centros. Os monofluoro e difluoroalquenilsilanos formariam silicatos pentacoordenados na presença da fonte de íons fluoreto (TASF) e poderiam participar efetivamente do processo de transmetalação. Entretanto, o trifluoroalquenilsilano apresenta a tendência de formar silicatos hexacoordenados na presença de íons fluoreto. Neste caso, o átomo de silício dessas espécies hexacoordenadas apresenta-se coordenativamente saturado, o que impediria sua coordenação ao átomo de paládio, dificultando, deste modo, a ocorrência da etapa de transmetalação. Sem a ocorrência desse importante processo, o restante das etapas do ciclo catalítico apresentado na Esquema 2 estaria comprometido.
O estado de transição proposto por Hiyama é similar àquele de um mecanismo SE2 cíclico (ou An + ciclo-DEAEDn de acordo com recomendação da IUPAC14) em processos de transmetalação de certas reações de acoplamento cruzado de organoestânicos15.
Em vista da maior reatividade dos alquenildimetilfluorossilanos, conforme dados do Esquema 7, esses substratos foram escolhidos para serem testados em reações de acoplamento com diferentes iodetos de alquenila e de arila. O acoplamento de (E)-alquen-1-il-1-dimetilfluorossilanos foi realizado em THF (50 ºC) na presença de [(h3-C3H5PdCl)2] como catalisador e TBAF ou TASF como fonte de íons fluoreto, originando os correspondentes produtos de acoplamento com bons rendimentos. Entretanto, processos de isomerização foram observados com (Z)-alquenildimetilfluorossilanos sob condições similares às descritas. Esse problema foi contornado, efetuando-se as reações em N,N-dimetilformamida (DMF) a 60 ºC e empregando-se Pd(PPh3)4 como catalisador16. As reações mostraram ser altamente estereoespecíficas e que diferentes grupos funcionais são tolerantes às condições de reação utilizadas, como ilustrado no Esquema 9.
Os alquenildimetilfluorossilanos correspondem aos primeiros organossilanos de aplicabilidade geral em reações de acoplamento cruzado. Esses substratos podem ser sintetizados a partir dos correspondentes alquinos, via uma hidrossililação catalítica com clorodimetilsilano, seguida pela substituição do átomo de cloro pelo átomo de flúor16 (Esquema 10).
A substância conhecida como NK-104 é inibidora da enzima HMG-CoA; a inibição desta enzima está relacionada à diminuição da produção endógena de colesterol. O processo de acoplamento entre um alquildimetilclorossilano (i) e um iodeto de arila (ii) correspondeu à etapa-chave envolvida na síntese total da referida substância17 (Esquema 11).
Síntese de biarilas
A unidade estrutural biarila é comumente encontrada em uma grande variedade de produtos naturais. Além disso, ligações carbono-carbono do tipo aril-aril são também comuns em vários fármacos e agroquímicos. Compostos poliaromáticos apresentam importantes propriedades físicas que podem resultar nas suas aplicações como semicondutores, cristais líquidos e corantes. Deve ser ainda ressaltado o importante papel desempenhado por vários ligantes, como R-BINAP e S-BINAP, em processos de síntese assimétrica18. Devido à importância da unidade estrutural biarila, a busca por métodos que levem à síntese deste tipo de unidade estrutural é uma área de grande interesse em síntese orgânica19.
As reações de acoplamento cruzado entre haletos de arila (ou triflatos aromáticos) e reagentes organometálicos têm sido amplamente exploradas para formação de ligações carbono-carbono do tipo aril-aril.
Arildifluorossilanos são substratos que podem ser acoplados a iodetos aromáticos para gerar biarilas assimétricas20. As reações entre estes tipos de substâncias são efetuadas em DMF, envolvendo [(h3-C3H5PdCl)2] como catalisador e fluoreto de potássio como ativador (Esquema 12). Processos de síntese de biarilas também são possíveis via utilização de arilclorossilanos21.
O acoplamento carbonilativo e a síntese de diarilcetonas
A utilidade sintética dos arilfluorossilanos também foi demonstrada pelo grupo de Hiyama em processos de acoplamento carbonilativo que levam à síntese de diarilcetonas22. Quando os arilfluorossilanos reagem com iodetos de arila sob atmosfera de monóxido de carbono (1 atm) e na presença de [(h3-C3aH5PdCl)2] como catalisador, diarilcetonas podem ser obtidas com rendimentos satisfatórios (Esquema 13). Acoplamentos carbonilativos também ocorrem entre alquenildifluorossilanos e iodetos de arila23.
Acoplamento de organossilanos com triflatos
Os triflatos são compostos que podem ser prontamente preparados a partir de compostos carbonílicos (via formação de enolatos) ou a partir de fenóis24. Assim como ocorreu com os haletos, demonstrou-se também que triflatos podem ser acoplados a uma variedade de organossilanos, empregando-se Pd(PPh3)4 como catalisador e TBAF como fonte de íons fluoreto25 (Tabela 1).
Um aspecto interessante a ser notado na Tabela 1 é que até mesmo um organotrifluorossilano (Ph(CH2)2SiF3) pode ser acoplado com rendimento satisfatório, sob as condições especificadas anteriormente.
Considerando o envolvimento de um silicato pentacoordenado no processo de transmetalação, Hiyama propôs que as reações de acoplamento cruzado dos organossilanos ocorrem segundo o ciclo catalítico mostrado no Esquema 14.
REAÇÕES DE ACOPLAMENTO DE SILACICLOBUTANOS
Acoplamento de alquenilsilaciclobutanos
Na busca por novos organossilanos com utilidade sintética, os silaciclobutanos, também denominados siletanos, foram considerados candidatos em potencial, uma vez que apresentam pronunciada tendência para formar espécies pentacoordenadas quando atacados por um nucleófilo. É importante lembrar que, conforme proposto por Hiyama, a formação de uma espécie pentacoordenada é uma condição fundamental para o sucesso de um processo de acoplamento cruzado que envolve um organossilano.
Nos anéis dos silaciclobutanos o ângulo de ligação C-Si-C é de aproximadamente 80° e valores de tensão angular desses sistemas são documentados na literatura26. A explicação para a elevada reatividade dos silaciclobutanos diante de nucleófilos está relacionada à capacidade do átomo de silício de sofrer reibridização27. Para os silaciclobutanos, o ataque nucleofílico sobre o átomo de silício leva ao alívio da tensão angular via reibridização desse átomo, passando da geometria tetraédrica para bipiramidal trigonal, devido à formação de uma espécie pentacoordenada (Esquema 15).
Subseqüentemente, Denmark e Choi desenvolveram um método de acoplamento que emprega silaciclobutanos28. Processos de acoplamento entre esses substratos (estrutura geral (3) no Esquema 16) e os iodetos de alquenila ou de arila foram conduzidos na presença de Pd(dba)2 como catalisador e TBAF como ativador. As reações foram realizadas em THF e à temperatura ambiente. As condições brandas de reação, os bons rendimentos obtidos e a elevada pureza isomérica dos produtos de acoplamento são aspectos importantes a serem salientados (Esquema 16).
Os alquenilsilaciclobutanos empregados no desenvolvimento desse tipo de acoplamento foram preparados de acordo com as estratégias mostradas no Esquema 17.
Acoplamento de alquenilsilaciclobutanos: aspectos mecanísticos29,30
Durante o processo de desenvolvimento das reações de acoplamento de siletanos, verificou-se que a ordem de mistura dos reagentes era de fundamental importância, sendo a combinação prévia do siletano e TBAF crucial para obtenção de rendimentos elevados e reprodutíveis. Observou-se ainda que essa combinação correspondia a um processo exotérmico. Procedeu-se a uma investigação mais detalhada da mistura resultante da combinação de (E)-1-(hept-1-en-1-il)-1-metilsilaciclobutano (4) e TBAF para tentar explicar a origem desse processo exotérmico. A investigação resultou no isolamento de dois compostos oxigenados (Esquema 18), correspondentes ao silanol (5) (42% de rendimento) e ao dissiloxano (6) (45% de rendimento).
Assim, o processo exotérmico observado está relacionado à reação de abertura do anel do silaciclobutano, resultante da combinação da ação da substância TBAF com a água presente no reagente comercial (TBAF·3H2O).
Esse resultado demonstrou que os alquenilsilaciclobutanos não estão envolvidos no processo de acoplamento. Deste modo, toda a teoria que foi empregada para o desenvolvimento do processo de acoplamento desses substratos e que também seria útil para explicar o mecanismo da reação teve de ser abandonada. Assim, o processo de acoplamento de alquenilsilaciclobutanos necessitava ser investigado mais detalhadamente.
Uma questão importante foi levantada em vista dos resultados ilustrados no Esquema 18. Estariam o silanol e o dissiloxano, e até mesmo outros organossilanos (por ex., os fluorossilanos empregados por Hiyama), envolvidos no processo de acoplamento? Para responder a esta importante questão, os organossilanos (4), (7), (8), (9) e (10) foram sintetizados e submetidos a reações de acoplamento com 4-iodoacetofenona, sob as condições mostradas no Esquema 19.
Os resultados experimentais revelaram que os diferentes organossilanos reagem qualitativamente com a mesma velocidade. Além disso, as reações apresentaram similaridades quanto aos rendimentos. As similaridades de velocidade e rendimento levaram à postulação de um intermediário comum envolvido nessas reações. Para avaliar esta possibilidade, os organossilanos (4), (7), (8), (9) e (10) foram tratados com um equivalente de TBAF·3H2O em THF-d8 (Esquema 20) e as soluções resultantes foram submetidas a análises de RMN de 1H e de 29Si. Os resultados dessas análises revelaram que todas as soluções eram constituídas por duas substâncias formadas quase que imediatamente após a adição de TBAF. Algumas das substâncias foram identificadas como dissiloxanos (substâncias 6, 10 e 11), cujas estruturas foram determinadas ao se comparar os dados espectroscópicos obtidos com aqueles de amostras autênticas. Com os dados da espectroscopia de RMN de 29Si, constatou-se que as outras substâncias que compunham as respectivas soluções (substâncias X, Y e Z, Esquema 20) correspondiam a compostos que continham o elemento silício na sua composição. No entanto, elas não puderam ser identificadas por comparação de seus dados espectroscópicos com amostras autênticas de compostos conhecidos de silício. A determinação das estruturas das substâncias desconhecidas X, Y e Z não foi uma tarefa trivial. No entanto, informações obtidas a partir da espectroscopia de RMN de 19F permitiram inferir que essas espécies correspondiam, na realidade, a complexos formados pela interação de um organossilanol, via ligação de hidrogênio, com TBAF, conforme ilustrado na Esquema 20.
As análises espectroscópicas ainda levaram a outras importantes observações. Primeiramente, os deslocamentos químicos de 29Si dos compostos desconhecidos X, Y e Z variaram em função da quantidade de TBAF presente em solução; a adição de maior quantidade de fluoreto resultou na alteração desses deslocamentos químicos de 29Si para valores de freqüências mais baixos, enquanto os deslocamentos químicos dos respectivos dissiloxanos permaneceram inalterados. Esse resultado foi interpretado como uma indicação da presença de um equilíbrio de associação entre o íon fluoreto e as substâncias X, Y e Z. Um segundo aspecto importante a ser destacado é que os dissiloxanos (6), (10) e (11) estão, necessariamente, em equilíbrio com os respectivos compostos X, Y e Z. Esta observação é corroborada pelo fato de as razões entre as quantidades dos dissiloxanos e as correspondentes substâncias X, Y e Z variarem em função da quantidade de TBAF. Foi determinado que essas razões aumentam à medida que a quantidade de TBAF é aumentada. Um último ponto a ser ressaltado em relação às investigações espectroscópicas das reações apresentadas no Esquema 19 é que o substrato (7) sofre rápida dimerização na presença de 5 mol% de TBAF, enquanto a substância (8) mostrou menor tendência para o processo de formação do correspondente dissiloxano. Esse fato demonstra a influência do efeito espacial dos grupos sobre o átomo de silício, com relação ao processo de formação do dissiloxano a partir do silanol.
Com o propósito de investigar o papel dos intermediários identificados pelos estudos espectroscópicos, procedeu-se a um estudo cinético da reação de acoplamento entre os silanóis (E)-hept-1-en-1-ildimetilsilanol (7) e (E)-hept-1-en-1-ildiisopropilsilanol (8) com 2-iodotiofeno. A ordem de cada um dos componentes da reação foi determinada, variando-se a concentração de cada componente individualmente e monitorando-se o progresso da reação por cromatografia gasosa (CG). Os resultados encontrados dessas investigações são sumarizados no Esquema 21.
Alguns dos resultados encontrados foram prontamente interpretados com base na similaridade com outros estudos mecanísticos publicados na literatura31. Por ex., notou-se que a ordem da reação em relação ao catalisador de paládio é igual a 1 (Equação (ii), v= k [Pd(dba)2], Esquema 21). Este resultado é consistente com a participação de uma simples molécula do catalisador em cada volta do ciclo catalítico da reação31. A ordem da reação relativamente ao 2-iodotiofeno foi determinada como sendo igual a zero (Equação (iii), v=k[2-iodotiofeno]0, Esquema 21), resultado este que também foi interpretado com base na literatura precedente como correspondente a uma rápida e irreversível adição oxidativa do haleto ao catalisador de paládio31.
Neste ponto seria oportuno destacar que a reação de acoplamento cruzado entre o dissiloxano (10) e 2-iodotiofeno (Esquema 22) também foi investigada, para que a ordem da reação relativa ao dissiloxano pudesse ser determinada.
Concluiu-se que a transformação é de primeira ordem em relação à substância (10). Esta informação, aliada à ordem de reação relativa ao silanol (segunda ordem; Equação (i), v=k[silanol]2[TBAF]n, Esquema 21), levou à conclusão de que o dissiloxano, e não o silanol, está envolvido na etapa determinante da velocidade do ciclo catalítico (etapa de transmetalação).
Os resultados mais importantes do estudo da cinética da reação ilustrada no Esquema 21 estão vinculados à ordem da reação relacionada aos silanóis e ao composto fluoreto de tetrabutilamônio (TBAF). Para melhor compreensão desses resultados, dois pontos importantes necessitam ser mencionados. Primeiro, deve-se lembrar que em uma reação de acoplamento cruzado, envolvendo um organossilano e promovida por íons fluoreto, há a necessidade da ativação de uma espécie que contenha silício para favorecer a ocorrência do processo de transmetalação. Segundo, a correlação direta entre concentração do silanol e velocidade da reação corresponde a uma evidência experimental que corrobora o processo de transmetalação como sendo a etapa determinante da velocidade da reação. Este tipo de correlação foi também observado em reações de acoplamento de organoestânicos31.
Conforme apresentado no Esquema 21, determinou-se que o processo de acoplamento apresenta ordem de reação igual a 2 em relação ao silanol (Equação (i), v=k[silanol]2[TBAF]n). Em vista dos resultados dos estudos espectroscópicos ilustrados no Esquema 19, atribuiu-se essa ordem de reação à rápida formação do dissiloxano a partir do silanol na presença de TBAF (processo de dimerização).
A ordem da reação relativa ao composto TBAF correspondeu ao resultado experimental mais difícil de ser interpretado. Conforme mostrado no Esquema 21, para o silano (E)-hept-1-en-1-ildimetilsilanol (7) a ordem da reação em relação ao TBAF é igual a 1 para quantidades desse reagente menores que 2 equivalentes, enquanto para quantidades iguais ou superiores a 3 equivalentes a reação é de ordem -1. Essa mudança de ordem com relação ao fluoreto foi interpretada como indicativa de duas rotas possíveis para o processo de transmetalação (etapa determinante da velocidade da reação). Em ambas as rotas, um dissiloxano pentacoordenado é a espécie diretamente envolvida no processo de transmetalação.
Conforme apresentado no Esquema 23, na primeira rota possível do processo de transmetalação a formação do dissiloxano pentacoordenado (12) ocorre a partir de (10). Este processo, como mencionado, é operante para a situação de menor concentração de íons fluoreto (inferior a 2 equivalentes). Desse modo, a formação da espécie pentacoordenada (12) (espécie de silício ativada requerida para a transmetalação) a partir de (10) seria consistente com a ordem de reação igual a 2, relativa ao silanol, e com a de primeira ordem, relativa à substância TBAF (Esquema 23).
Entretanto, como mostrado no Esquema 21, observa-se que a ordem da reação de TBAF é igual a -1 para concentrações mais elevadas de íon fluoreto (3 ou mais equivalentes; R=Me). Neste caso, (14) foi a espécie predominante no equilíbrio, o que é consistente com análises espectroscópicas de RMN que determinaram maior concentração desta espécie sob essas condições. Nesse novo cenário, a espécie pentacoordenada (12), requerida para o processo de transmetalação, seria obtida a partir da espécie (14) via liberação de uma molécula de TBAF para cada duas moléculas da referida espécie, o que corresponderia à ordem igual a -1 observada experimentalmente (Esquema 24, R=Me).
A situação ilustrada no Esquema 24 também se aplica ao composto (E)-hept-1-en-1-ildiisopropilsilanol (8). Análises espectroscópicas de RMN revelaram que (14, R=i-Pr) é a espécie predominante no equilíbrio, mesmo em condições de baixa concentração de íons fluoreto. Conforme descrito, o silano (E)-hept-1-en-1-ildiisopropilsilanol (8) possui baixa tendência de dimerizar-se, o que é atribuído ao volume do grupo isopropila. Desta maneira, para qualquer valor de concentração, a ordem da reação é igual a -1 em relação à substância TBAF (Esquema 24, R = i-Pr).
Os resultados experimentais discutidos anteriormente levam à descrição mecanística que é consistente com um ciclo catalítico que se inicia com a adição oxidativa rápida e irreversível do haleto ao catalisador metálico de paládio. A etapa subseqüente, a transmetalação, corresponde à etapa determinante do ciclo catalítico e pode ocorrer por duas rotas distintas, dependendo da estrutura do silanol utilizado. Em ambos os casos, um dissiloxano ativado pelo íon fluoreto é a espécie que está diretamente envolvida no processo de transmetalação.
Cabe ressaltar que as descrições apresentadas nos Esquemas 23 e 24 são igualmente válidas para outros organossilanos, como siletanos, dissiloxanos e fluorossilanos, e que a rota a ser seguida depende da estrutura do organossilano.
Acoplamento de vinil e isopropenilsilaciclobutanos
A demonstração de que alquenilsilaciclobutanos são substratos úteis em reações de acoplamento cruzado motivou a busca por novos silaciclobutanos com diferentes grupos transferíveis ligados ao silício. Assim, demonstrou-se que as substâncias 1-metil-1-vinilsilaciclobutano (15) e 1-metil-1-(prop-2-enil) silaciclobutano (16) podem ser acopladas a vários iodetos de arila32 (Esquema 25). Nestas reações, quantidades diferenciadas de catalisador foram necessárias, dependendo dos substituintes ligados ao anel aromático e do seu padrão de substituição. Em alguns casos, houve a necessidade da adição de trifenilarsina (Ph3As), a fim de evitar a precipitação de paládio. Ambos os silaciclobutanos também podem ser acoplados a iodetos de alquenila, com rendimentos satisfatórios. Os silaciclobutanos empregados nesses acoplamentos podem ser facilmente preparados pela combinação do composto 1-cloro-1-metilsilaciclobutano com o correspondente reagente de Grignard.
Utilização de silaciclobutanos na síntese de biarilas
Denmark e Wu33 demonstraram que arilsilaciclobutanos podem ser empregados na preparação de biarilas que contêm uma grande variedade de grupos funcionais. Deve-se notar a necessidade da adição de (t-Bu)3P nessas reações, para que os processos de homoacoplamento possam ser suprimidos (Esquema 26).
ACOPLAMENTO DE SILANÓIS
Os organossilanóis são substratos bastante úteis em um número variado de processos de acoplamento. Dentre os processos conhecidos que utilizam esse tipo de organossilano, alguns deles não empregam íons fluoreto como ativador. A seguir serão discutidos acoplamentos com silanóis que requerem íons fluoreto para sua ocorrência.
Acoplamento de alquenilsilanóis
Em 2000, Denmark e Wehrli investigaram o processo de acoplamento de alquenilsilanóis com iodetos de arila e alquenila34. As condições de reação empregadas (Esquema 27) foram idênticas àquelas utilizadas para as reações de acoplamento dos alquenilsilaciclobutanos. Iodetos de arila que continham grupos retiradores e eletrodoadores foram acoplados com a mesma facilidade. A influência na velocidade e na estereoespecifidade da reação de diferentes grupos ligados ao átomo de silício também foi avaliada. Concluiu-se que as velocidades dos processos de acoplamento são comparáveis. Entretanto, notou-se o aumento da estereoespecifidade das reações nas quais foram utilizados silanóis contendo o grupo isopropila ligado ao átomo de silício. As reações com os iodetos de alquenila são mais lentas que as dos iodetos de arila.
Os silanóis utilizados na investigação das reações de acoplamento discutidas anteriormente foram preparados segundo as reações descritas no Esquema 28.
Acoplamento de alquenilsilanóis com triflatos e nonaflatos
Além de iodetos de alquenila e de arila, alquenilsilanóis também podem ser acoplados a triflatos e nonaflatos, que apresentam diferentes propriedades eletrônicas e estéricas35. A investigação experimental por condições ótimas de reação para o processo de acoplamento revelou que o grau de hidratação dos promotores (fluoreto de tetrabutilamônio,TBAF ou fluoreto de tetrametilamônio, TMAF) é de fundamental importância para inibição da formação de fenol a partir dos correspondentes triflatos e nonaflatos (Esquema 29).
As reações de acoplamento ocorrem sob condições brandas, apresentando elevados rendimentos e estereoespecificidade. O processo de acoplamento também é possível com alqueniltriflatos, embora sejam requeridas condições mais energéticas para a sua ocorrência.
Alquenilsilanóis como substratos para a síntese de álcoois alílicos trissubstituídos
Álcoois alílicos são importantes substratos em síntese orgânica, uma vez que podem ser convertidos em epóxidos assimétricos, via epoxidação assimétrica de Sharpless36. Esses epóxidos, por sua vez, podem ainda sofrer subseqüentes transformações. Em vista de sua importância, processos que busquem a obtenção de álcoois alílicos são de interesse em síntese orgânica.
Álcoois alílicos trissubstituídos podem ser sintetizados pela reação de acoplamento entre alquenilsilanóis e iodetos de arila37. As estruturas de alguns álcoois, protegidos com o grupo THP, obtidos pela aplicação dessa metodologia são apresentadas no Esquema 30, juntamente com os rendimentos e os tempos de reação.
ACOPLAMENTO DE SILIL ÉTERES
Preparação de silil éteres via hidrossililação sin e a síntese de álcoois homoalílicos
O processo de hidrossililação intramolecular é uma estratégia eficiente para obtenção de silil éteres cíclicos. Por ex., silil éteres de estrutura geral (19), de estereoquímica definida, podem ser preparados conforme apresentado no Esquema 31. Assim, o tratamento do correspondente álcool homopropargílico (17) com diisopropil clorosilano leva à obtenção do silil éter (18). Este último, submetido ao processo de hidrossililação intramolecular, leva à obtenção do silil éter cíclico (19), que pode reagir com eletrófilos para gerar os correspondentes produtos de acoplamento (20).
Na rota sintética mostrada no Esquema 31, é importante observar que a geometria da dupla ligação é definida pelo curso estereoquímico do processo de hidrossililação (hidrossililação sin).
Empregando a rota sintética apresentada no Esquema 31, o silil éter (21) foi preparado e acoplado a vários haletos, para gerar álcoois homoalílicos trissubstituídos38 (Esquema 32).
Hidrossililação anti intramolecular
Com o intuito de expandir a utilidade do processo de preparação de álcoois homoalílicos a partir de silil éteres, buscou-se a síntese desses organossilanos via hidrossililação anti39. Uma cuidadosa investigação de catalisadores que pudessem promover tal transformação revelou que os melhores resultados podem ser obtidos com o complexo [RuCl2(benzeno)]2, que promove a formação do silil éter (23) a partir do silano (22) (Esquema 33).
Embora processos de acoplamento sejam possíveis com esse silil éter, as reações ocorrem com baixa velocidade e apresentam rendimentos não-satisfatórios. Para suplantar esta dificuldade, o composto oct-3-in-1-ol (24) foi submetido à hidrossililação na presença do catalisador mencionado anteriormente (Esquema 34).
Apesar de o silil éter (25) formado sofrer rápida oligomerização, demonstrou-se que os oligômeros podem ser empregados em reações de acoplamento com vários iodetos de arila, sob as condições especificadas no Esquema 35.
Síntese de silil éteres via metátese
O processo de metátese pode ser considerado como correspondendo a uma troca mútua de grupos alquilideno, que ocorre entre dois alquenos substituídos. Esta importante transformação tem tido grande impacto em síntese orgânica e revolucionado o modo pelo qual compostos carbocíclicos e heterocíclicos podem ser sintetizados40.
A reação de metátese é uma transformação útil para a síntese de silil éteres cíclicos. Por ex., o organossilano (27) foi obtido a partir do vinil silil éter (26) por intermédio de um processo de metátese41. A preparação de (26), por sua vez, foi possível, partindo-se do benzaldeído que foi submetido à adição de brometo de alil magnésio seguido de um processo de sililação, do álcool obtido no processo de adição, com a substância clorodimetilvinilsilano (Esquema 36).
Complexos de rutênio (catalisadores de Grubbs), comumente empregados como catalisadores nos processos de metátese, foram ineficientes para promover a formação de (27). Entretanto, a formação desse sílil éter cíclico foi alcançada ao empregar-se o catalisador de molibdênio (catalisador de Schrock) (Esquema 36). A substância (27) assim obtida pôde ser acoplada com vários tipos de haletos orgânicos para produzir álcoois homoalílicos altamente funcionalizados41 (Esquema 37).
Acoplamento intramolecular e a síntese de (Z,Z)-1,3-dienos
Silil éteres que apresentam uma cadeia carbônica lateral com uma unidade estrutural correspondente a um iodeto de alquenila são substratos bastante úteis para construção de (Z,Z)-1,3-dienos de vários tamanhos (anéis de 9, 10, 11 e 12 membros)42. Os substratos necessários para esse tipo de conversão podem ser sintetizados a partir dos álcoois correspondentes (Esquema 38).
Os processos de acoplamento intramolecular com os substratos do tipo geral (28) são possíveis ao empregar-se de 7,5 a 10 mol% do dímero do cloreto de alil paládio [(h3-C3H5PdCl)2] e 10,0 equivalentes de TBAF42. Conforme ilustrado no Esquema 39, o processo de acoplamento intramolecular também pode ser empregado para preparação de substâncias heterocíclicas. Cabe ressaltar que esse tipo de acoplamento cruzado intramolecular correspondeu à etapa-chave envolvida na síntese total do heterociclo brasilenino43 (Esquema 39).
O emprego de silil éteres em processos carbonilativos: a síntese de aldeídos a,b-insaturados
Aldeídos a,b-insaturados, funcionalizados e de estereoquímica definida, podem ser preparados a partir de silil éteres cíclicos. Este processo envolve três etapas e inicia-se com a reação de álcoois homopropargílicos com diisopropilclorosilano (Esquema 40). Submetendo-se os substratos sintetizados na primeira etapa a uma atmosfera de monóxido de carbono (150 psi), na presença do catalisador [Rh(CNt-bu)4][Co(CO)4], obtêm-se silil éteres cíclicos (29 e 30) com rendimentos satisfatórios.
Os compostos (29 e 30), por sua vez, quando colocados na presença de diferentes haletos de arila e sob as condições descritas no Esquema 41, originam aldeídos a,b-insaturados altamente funcionalizados44.
ACOPLAMENTO DE SILOXANOS
Além dos silanóis e silil éteres, os siloxanos correspondem a uma outra classe de organossilanos oxigenados que podem ser aplicados em processos de acoplamento.
Acoplamento de polissiloxanos
O grupo de Denmark demonstrou que o polissiloxano (31), composto pouco tóxico e disponível comercialmente a baixo custo, pode ser empregado em processos de vinilação de vários iodetos de arila45 (Esquema 42).
Recentemente, Denmark e colaboradores demonstraram que o polissiloxano (31) também é útil para promover a vinilação de brometos de arila46.
O emprego de polissiloxanos gerados in situ em processos de acoplamento
Alquinos terminais, quando submetidos à hidrossililação estereosseletiva com tetrametildissiloxano e t-Bu3P-Pt(DVDS) como catalisador, originam siloxanos de estrutura geral (32). Estes siloxanos, que não necessitam ser isolados, podem ser acoplados a haletos de alquenila e de arila. É interessante observar que o processo descrito corresponde a uma adição formal de um átomo de hidrogênio e um grupo arila (ou alquenila) a um alquino terminal47 (Esquema 43).
Em um processo relacionado, Mori e Suguro demonstraram que alquenilpolissiloxanos podem também ser gerados in situ via hidrossililação de um alquino terminal com PMHS (polimetil hidrossiloxano), utilizando-se quantidade catalítica de (Bu4N)2PtCl648. Os polissiloxanos podem ser posteriormente funcionalizados pela reação com haletos orgânicos sob as condições mostradas no Esquema 44.
Os siloxanos e a síntese de álcoois alílicos
Siloxanos são os precursores-chave de um processo que leva à obtenção de álcoois alílicos trissubstituídos. A reação entre but-2-in-1-ol e tetrametildissiloxano, catalisada por [CuH(PPh3)]6, resulta na obtenção do siloxano (33). Esta substância, quando submetida às condições apresentadas no Esquema 45, origina o organossiloxano (34) de estereoquímica definida.
Iodetos de arila que possuem diferentes grupos funcionais podem ser então acoplados ao siloxano (34), levando à formação de álcoois alílicos com bons rendimentos e excelente estereospecificidade49 (Esquema 46).
Álcoois alílicos de estereoquímica complementar àqueles mostrados no Esquema 46 podem ser sintetizados49. A utilização do silano (33) e do catalisador de rutênio [RuCl2(C6H6)]2 leva a um processo de hidrossililação intramolecular, cujo curso estereoquímico é diferente daquele mostrado no Esquema 46. No entanto, o produto dessa reação corresponde ao oligômero (35) (Esquema 47).
A tentativa de utilização desse oligômero em reações de acoplamento com iodetos de arila mostrou-se bem-sucedida, resultando na obtenção de álcoois alílicos sob as condições apresentadas no Esquema 48.
A síntese de biarilas a partir de siloxanos
Os siloxanos são também importantes como materiais de partida para a síntese de várias biarilas, conforme as metodologias apresentadas resumidamente na Tabela 2. De modo geral, essas metodologias resultam na formação do produto desejado, com rendimento de médio a alto.
REAÇÕES DE ACOPLAMENTO ENVOLVENDO ORGANOSSILANOS QUE POSSUEM SOMENTE ÁTOMOS DE CARBONO LIGADOS AO SILÍCIO
Nas seções precedentes demonstrou-se a utilidade sintética de vários organossilanos em reações de acoplamento cruzado. Embora os processos sejam bastante variados, eles têm uma característica em comum, qual seja: empregam organossilanos que apresentam um ou mais heteroátomos ligados ao átomo de silício. Nos últimos anos tem-se demonstrado que organossilanos que possuem grupos aromáticos ou heteroaromáticos ligados diretamente ao silício também são bons substratos para processos de acoplamento.
Reações de acoplamento de alquenildimetil-(2-piridilsilanos)
Vários alquenildimetil-(2-piridilsilanos) foram empregados por Yoshida e colaboradores54 em reações de acoplamento com haletos orgânicos (Esquema 49). As condições otimizadas de reação empregam TBAF como ativador e PdCl2(PhCN)2 como catalisador.
Alquenildimetil(2-tiofenil)silanos
Em 2002, Hiyama e colaboradores55 demonstraram que a ligação de um grupo 2-tiofenil a um átomo de silício de um alquenilsilano origina um substrato que é bastante reativo em processos de acoplamento. Estes substratos, denominados de alquenildimetil(2-tiofenil)silanos, podem ser prontamente preparados pelo processo de hidrossililação de alquinos com dimetil(2-tiofenil)silano, conforme ilustrado para a preparação dos organossilanos (36) e (37) (Esquema 50).
Quando submetidos às condições otimizadas de reação [(Pd(OAc)2, 5mol%; TBAF, 2,0 equivalentes; THF; temperatura ambiente], diferentes alquenildimetil(2-tiofenilsilanos) puderam ser acoplados com haletos de arila, resultando em produtos com excelentes rendimentos e elevada estereoespecificidade (Esquema 51).
Benzildimetilsil
Trost e colaboradores56 demonstraram que a reação do tipo Alder-eno entre benzildimetilsililalquinos e alquenos, catalisada por 10 mol% de CpRu(CH3CN)3PF6, origina vinilsilanos trissubstituídos. Essas substâncias podem ser posteriormente funcionalizadas pelo acoplamento com iodetos ou brometos de arila. Esta última transformação demonstra a utilidade sintética do grupo benzildimetilsilila em reações de acoplamento. Um exemplo ilustrativo da seqüência descrita é mostrado no Esquema 52.
ACOPLAMENTO ISENTO DE ÍONS FLUORETO COMO ATIVADOR
Nas sessões anteriores foram apresentados importantes avanços com relação às reações de acoplamento que envolvem organossilanos e íons fluoreto como ativador. No entanto, a necessidade de utilização desse íon impede a aplicação desse tipo de acoplamento, por ex., em sínteses de moléculas complexas nas quais os substratos a serem acoplados possuam grupos de proteção silil. Além disso, o composto TBAF, uma das fontes de íons fluoreto mais empregadas nessas reações, apresenta custo elevado. Assim, o desenvolvimento de processos de acoplamento de organossilanos e isentos de íons fluoreto como ativador seria desejável. Nesta sessão, serão discutidos os processos de acoplamento que não empregam íons fluoreto. Embora este tipo de acoplamento possa ocorrer com outros organossilanos57, será dada ênfase aos organossilanóis, uma vez que têm sido os substratos mais comumente empregados em processos de acoplamento isentos de íons fluoreto como ativador. Aspectos mecanísticos serão brevemente abordados.
Acoplamento de alquenilsilanóis
Em 2001, Denmark e Sweis58 demonstraram que organossilanóis, na presença da base KOSiMe3, podem ser acoplados a vários haletos de arila. Neste processo, os produtos de acoplamento podem ser obtidos com rendimentos elevados e sob condições brandas (Esquema 53).
A formação dos produtos de acoplamento foi inicialmente explicada pelo mecanismo proposto no Esquema 54. De acordo com essa proposta mecanística, o tratamento dos organossilanóis com a base KOSiMe3 resultaria na formação de um silanoato (38). Este íon, por sua vez, poderia coordenar-se ao átomo de paládio, gerando, assim, o complexo (39). Se o pré-requisito necessário à ocorrência do processo de transmetalação é a formação de uma espécie pentacoordenada, isto poderia ser alcançado pela associação de uma segunda molécula do silanoato ao átomo de paládio, o que resultaria na formação do complexo (40). Nessa espécie, o átomo de silício estaria ativado, o que facilitaria a ocorrência do processo de transmetalação. A última etapa do mecanismo corresponde ao já mencionado processo de eliminação redutiva58.
A análise detalhada da cinética da reação entre 2-iodotiofeno e (E)-hept-1-en-1-ildimetilsilanoato (41) levou à formulação de um mecanismo que difere daquele apresentando no Esquema 54. A ordem de todos os componentes da reação citada foi determinada, plotando-se a velocidade inicial da reação contra diferentes valores de concentração. Os dados obtidos permitiram concluir que o mecanismo da reação, na realidade, envolve uma rápida e irreversível adição oxidativa do haleto orgânico ao átomo de paládio, seguida de uma transmetalação intramolecular59. Este último processo envolve um complexo que possui uma associação silício-oxigênio-paládio (Esquema 55).
Acoplamento seqüencial de 1,4-bis (sililbutadienos)
Com base nas informações adquiridas pelas investigações mecanísticas conduzidas com vários organossilanos e no conhecimento de reações de acoplamento desses compostos contendo grupos aromáticos ou heteroaromáticos ligados diretamente ao átomo de silício, uma interessante metodologia para a síntese de buta-1,3-dienos 1,4-dissubstituídos foi desenvolvida60. Idealizou-se a utilização de um reagente com dois grupos silila, um dos quais seria acoplado sob condições básicas, enquanto o outro seria completamente inerte sob essas condições. O outro grupo sofreria acoplamento sob condições nas quais seria empregada uma fonte de íons fluoreto. Para implementação desse processo, escolheu-se o reagente (42). Na presença de TMSOK, somente o grupo silanol sofre acoplamento com diferentes haletos aromáticos (Esquema 56).
Um segundo processo de acoplamento, desta vez com o grupo benzildimetilsilila e promovido por íons fluoreto, resulta na obtenção dos buta-1,3-dienos 1,4-dissubstituídos (Esquema 57).
A substância conhecida como RK-39 (Esquema 58) faz parte de uma família de macrolactonas que apresentam atividade antifúngica. Na síntese total desta substância, o acoplamento seqüencial descrito nos Esquemas 56 e 57 foi empregado para a construção do polieno conjugado, demonstrando, assim, a utilidade sintética desta metodologia61.
Silanóis heterocíclicos e a síntese de aril indóis
Indóis são heterociclos comumente encontrados em uma grande variedade de produtos naturais biologicamente ativos. Além disso, as suas propriedades biológicas têm sido exploradas em programas de pesquisa de química medicinal. Portanto, vários métodos têm sido desenvolvidos para a síntese de indóis62. Aril indóis de estrutura geral (44) podem ser preparados a partir do composto N-(Boc)-2-indoildimetilsilanol (43). Os processos de acoplamento entre este organossilanol heterocíclico e haletos de arila requerem a utilização de tert-butóxido de sódio como ativador, o uso de quantidades estequiométricas de iodeto de cobre (I) e Pd2(dba)3·CHCl3 como catalisador63. Os produtos de acoplamento foram obtidos em rendimentos que variaram de 70-84%, sob condições brandas de reação (Esquema 59).
Além dos ativadores descritos anteriormente, tem-se demonstrado que organossilanóis podem também ser ativados por óxido de prata ou carbonato de césio, para gerar biarilas64.
CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
Os primeiros estudos conduzidos por Hiyama e colaboradores demonstraram a aplicabilidade de organossilanos em processos de acoplamento. Desde a introdução dos halossilanos como substratos úteis nesse tipo de transformação química, tem-se demonstrado que uma grande variedade de organossilanos pode ser utilizada em reações de acoplamento dentre eles organossilanóis, silaciclobutanos, silil éteres e siloxanos. Certamente, essas reações correspondem a uma interessante alternativa no tocante ao vasto número de reações químicas que um químico orgânico sintético possui à sua disposição.
Embora na literatura sejam conhecidas algumas aplicações de reações de acoplamento cruzado empregando-se organossilanos em sínteses orgânicas mais complexas, elas são restritas aos grupos de pesquisa que desenvolveram as respectivas metodologias de acoplamento. Sendo assim, um maior número de aplicações sintéticas é desejável para expandir a utilidade dos processos descritos.
Em vista das vantagens apresentadas pelos organossilanos (por ex., a baixa toxicidade comparada aos organoestânicos) e das constantes preocupações ambientais, é possível prever que processos industriais que utilizam reações de acoplamento com estes substratos serão uma realidade.
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Recebido em 28/7/06; aceito em 1/2/07; publicado na web em 29/8/07
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Dez 2007 -
Data do Fascículo
2007
Histórico
-
Recebido
28 Jul 2006 -
Aceito
01 Fev 2007