Resumo
Metallic oxides are used in cosmetic shadows formulations in order to highlight the area around the eyes, with different colors. Due to the close proximity to the eye mucosa, these products are a potential source of metal intoxication in human body. Based in this fact, several analytical methods to quantify metals in cosmetic shadows have been proposed in the literature. This paper, propose a contextual experiment to investigated the presence of Al3+, Fe3+ and Cu2+ using UV-VIS spectrophotometric and complexation reactions in solvent mixtures to generate cromophore species. These experiments have the potential to insert a contextual discussion in chemistry and pharmaceutical graduation courses, making a meaningful experimentation in the formative attribute of these courses.
Keywords: makeup; complexation reaction; cosmetic shadows
Keywords: makeup; complexation reaction; cosmetic shadows
INTRODUÇÃO
Os materiais denominados cosméticos apresentam constituição natural ou sintética e são utilizados desde a antiguidade na higiene pessoal, proteção, odorização ou embelezamento. Diversos materiais orgânicos e inorgânicos são utilizados para proteger e/ou destacar traços de beleza, e tais compostos são comumente denominados por cosméticos ou por maquiagens. A origem da palavra cosmético vem do grego kosmetikós, que significa “habilidade em adornar”. Existem inúmeras evidências arqueológicas quanto ao uso de cosméticos para embelezamento e um destaque para a higiene pessoal datados de 4000 a.C.1
No livro sagrado dos cristãos, a Bíblia, é possível encontrar relatos do uso de cosméticos pelo povo israelita e por outros povos que habitavam a região hoje denominada por Oriente Médio, como: a pintura dos cílios (de Jezebel) com um produto à base de carvão; os tratamentos de beleza e banhos com bálsamos que Ester tomava para amaciar sua pele; e a lavagem com vários perfumes e óleos de banho dos pés de Jesus, por Maria - irmã de Lázaro. Óleos e essências de flores, juntamente com tinturas para os cabelos, foram as primeiras formas de maquiar o corpo.2
Os primeiros registros da utilização de cosméticos são encontrados em escritos do Egito antigo. Os egípcios tinham por costume pintar os olhos para evitar a contemplação direta do deus Sol. Para tanto, recorriam à gordura animal e vegetal, cera de abelhas, mel e leite, para realizar o preparo de cremes que iriam recobrir a pele. Na antiga Grécia, ocorria o uso do blush, que era feito com amoras e algas marinhas, substâncias naturais e sua cor era obtida com o uso do cinabre (sulfeto de mercúrio), um mineral de coloração avermelhada. Esse produto era muito usado nos lábios, como o batom é usado hoje. Essa atitude tornava fácil a ingestão do blush, o que provavelmente causava envenenamento.2
A alta sociedade de Roma tinha, por costume, tomar banhos com leite de jumenta, buscando uma forma de embelezar a pele. Os gregos e romanos foram os primeiros povos a produzir sabões, que eram preparados a partir de extratos vegetais muito comuns no Mediterrâneo, como o azeite de oliva e óleo de pinho, e também a partir de minerais alcalinos obtidos da moagem de rochas. Atores do teatro romano eram grandes usuários de maquiagem para poderem incorporar diferentes personagens ao seu repertório. Pastas eram produzidas misturando óleos com pigmentos naturais extraídos de vegetais (açafrão ou a mostarda) ou de rochas. Mortes por intoxicação eram comuns entre os atores, pois muitos dos pigmentos minerais da época continham chumbo ou mercúrio em sua composição.3
De acordo com Vita,2 o costume de pintar as unhas é proveniente da China do século III a.C. As cores do esmalte indicavam a classe social do indivíduo. Os imperadores pintavam as unhas com as cores preta e vermelha, posteriormente, essas cores foram substituídas pelo dourado e pelo prateado.
Na Idade Média, o açafrão (usado como tempero nos dias de hoje) servia para colorir os lábios. Nessa mesma época, o negro da fuligem (extraído das lareiras e chaminés), era usado para escurecer os cílios, assim como a sálvia era utilizada no intuito de clarear os dentes e a clara de ovo juntamente com o vinagre, era empregada para se conseguir uma pele aveludada.4
Entretanto, os cosméticos enfrentaram vários obstáculos ao longo da história. Uma lei grega do século II proibia as mulheres de esconder sua verdadeira aparência com maquiagem antes do casamento. O parlamento britânico, em 1770, permitia a anulação do casamento se a noiva estivesse de maquiagem, dentadura ou cabelo falso. No entanto, nos anos subsequentes, a maquiagem pesada tomou conta da Inglaterra e da França. Na França, a utilização desse modo de maquiar somente cessou após a revolução francesa, admitindo-se que apenas pessoas mais velhas e artistas de teatro a usassem.5
Em 1880, a maquiagem reconquistou as pessoas e essa data é dada como a de nascimento da moderna indústria de cosméticos. Foi somente no século XX, com os avanços da indústria química fina, que os cosméticos se tornam produtos de uso geral. Na década de 70, as cores de maquiagem tornaram-se populares, acompanhando as coleções de alta-costura francesa, italiana e inglesa. Cada vez que um costureiro famoso da época lançava uma nova coleção de cores e formas para as roupas, especifico para os olhos e uma nova cor para boca. Mas apenas no final da década de 80 que entram em lançamento as fórmulas evoluídas para cosméticos pigmentados.6
Os cosméticos pigmentados usam óxidos metálicos insolúveis para gerar cor e a grande exposição do organismo a estes materiais levou a diversos estudos acerca dos malefícios destes materiais no corpo humano.7 Produtos utilizados perto dos olhos e nas regiões próximas a genitália podem entrar em contato com a mucosa, resultando na absorção destes devido à fina camada epitelial destas áreas. Por causa desse tipo de exposição, existe um controle dos metais constituintes das maquiagens. Porém, sempre pode existir contaminação de metais tóxicos e bioacumulativos como Cd, Co, Cr, Ni, As, Hg e Pb, provenientes dos aparatos metálicos utilizados na manufatura do produto.8 Existem diversos estudos acerca da segurança do uso de cosméticos tópicos pelos seres humanos, que indicam que a alergia causada pela exposição de maquiagens está associada a presença de níquel, cromo e cobalto,9 e do potencial perigo da presença de nanopartículas de óxidos metálicos que causam a absorção destes materiais, mesmo eles sendo inertes e insolúveis.9
No Brasil, a ANVISA é o órgão responsável pela legislação dos cosméticos. Cosméticos no Brasil são controlados pela Câmara Técnica de Cosméticos da ANVISA (CATEC/ANVISA) e pela Resolução RDC nº. 211, de 14 de julho de 2005. A definição oficial de cosméticos adotada por essa câmara compreende todos os produtos de uso pessoal e perfumes que sejam constituídos por substâncias naturais ou sintéticas para uso externo nas diversas partes do corpo humano - pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral - com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais, protegê-los e/ou mantê-los em bom estado. A ANVISA ainda regula que Cd, Cr e Pb não podem ser utilizados para a produção de cosméticos e o teor máximo de impurezas em colorantes cosméticos é 500 mg L-1 para Ba, 3 mg L-1 para As, 20 mg L1 para Pb e 100 mg L-1 para outros elementos.10
Na literatura existem diversos trabalhos acerca da determinação de metais contaminantes em diversos itens cosméticos,8-12 o que torna essa abordagem muito promissora acerca da contextualização entre os conceitos relacionados às técnicas e a determinação de metais. Baseado nisso, este trabalho propõe a análise do teor de alguns metais presentes em sombra de olhos, a partir do uso de medidas espectrofotométricas em equipamento de UV-Vis, disponíveis em uma grande parte dos laboratórios de instrumentação para a graduação nas universidades brasileiras. As técnicas de UV-Vis utilizam-se da Lei de Lambert-Beer, que relaciona a concentração das espécies absorventes da radiação eletromagnética com a sua concentração.13 Para a determinação de metais são utilizadas reações de complexação específicas a fim de gerar espécies cromóforas. Diversas reações específicas podem ser utilizadas, como por exemplo, a formação da neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina) para a análise do íon Cu2+,14,15 o tiocianato para a reação do Fe3+15 e a 8-hidroxiquinolina (hydroxibenzopiridina) para a reação do Al3+.16
Nessa perspectiva, o trabalho propõe uma contextualização entre os conceitos relacionados à determinação dos metais e uma realidade muito presente para os estudantes de graduação no que se refere à grande quantidade de cosméticos que se utiliza no dia a dia, seja na forma de propagandas e mídias diversas, seja na dependência de uma série desses produtos em seu consumo.
De acordo com Wartha, Silva e Bejarano,17 o conceito de contextualização é, de alguma forma, bastante discutido na literatura, mas não necessariamente bem definido. Os autores descrevem uma série de outros trabalhos sobre o termo contextualização e discutem que uma parte considerável deles apresenta o conceito em três principais vertentes e entendimentos: a) contextualização como estratégia para facilitar a aprendizagem; b) contextualização como descrição científica de fatos e processos do cotidiano do aluno e; c) como desenvolvimento de atitudes e valores para a formação de um cidadão crítico.
Assim, além da determinação propriamente dita dos metais nos cosméticos, deseja-se, com essa estratégia de laboratório, que a aprendizagem seja facilitada a partir de um tema próximo aos estudantes, além de possibilitar a reflexão sobre o produto que esse sujeito consome diariamente e o que ele pode ou não trazer de vantagens ou desvantagens. Tais aspectos são relevantes na medida em que uma parte considerável dos experimentos realizados em laboratórios de graduação é distante da realidade em que o estudante atua e que pode dificultar o seu pensamento crítico.
Importante salientar, e os alunos também devem entender tal aspecto, que a experimentação em ciências é diferente da experimentação para o ensino de ciências. A primeira busca a construção efetiva do conhecimento científico e a segunda tem o intuito de propiciar alternativas que possam fazer o estudante discutir e refletir sobre o conceito científico pretendido.18 A proposta de um experimento de laboratório é importante para o aprendizado, no entanto, ela é realizada a partir de técnicas e procedimentos já existentes, como é o caso.
PARTE EXPERIMENTAL
Para esse experimento foram selecionadas três sombras cosméticas, de uma mesma marca, do mesmo fabricante, de cores diferentes, a saber: uma sombra laranja, uma sombra marrom e uma sombra roxa, na perspectiva de presença de diferentes tipos de metais.
Abertura de amostras
A abertura de amostras foi baseada no trabalho de Nibras.19 As sombras cosméticas foram pulverizadas em almofariz com pistilo de louça e o pó obtido foi colocado em frascos devidamente identificados. Do material pulverizado pesou-se para cada tipo de sombra em cadinhos de porcelana, o valor de 1,0 g, sendo realizadas as pesagens em triplicata para cada amostra. Com o intuito de dissolver os óxidos metálicos presentes nas amostras foram adicionados 50 mL de ácido clorídrico 37%(m/m) sob aquecimento e com agitação magnética. Após a fervura e redução do volume em aproximadamente 50%, desligou-se o aquecimento e, sob agitação magnética, foi realizada a adição de 20 mL de água deionizada. Para a remoção da matéria orgânica, a amostra foi filtrada e a solução resultante transferida para balões volumétricos de 100,0 mL, que tiveram seus valores completados com água deionizada.
Determinações espectrofotométricas
Para a construção da curva de calibração e para a determinação do comprimento de onda máximo foram utilizadas soluções padrão de Fe3+, Al3+ e Cu2+. Podem ser utilizadas outras soluções de outros metais. No entanto, para este trabalho, optou-se por estas soluções, considerando-se a disponibilidade delas quando da proposição da estratégia didática.
As reações de complexação são específicas para cada íon metálico, para gerar uma espécie absortiva. As metodologias das reações foram baseadas em trabalhos presentes na literatura.20-23 Vale ressaltar que para os compostos de cobre e alumínio foram utilizados sistemas ternários, com a finalidade de aumentar a absorvância da espécie de interesse.24 Os procedimentos detalhados estão descritos a seguir.
Reação para o alumínio
Foi utilizado o sistema ternário homogêneo de solventes água-etanol-clorofórmio cuja composição volumétrica é respectivamente 1,0:10,0:5,0 mL. A fase aquosa corresponde ao volume de analito. O etanol, por ser um cossoluto, promove a miscibilidade entre a fase aquosa e o clorofórmio com 8-hidroxiquinolina (hydroxibenzopiridina) na concentração de 1,85x10-3 mol L-1.20
Reação para o cobre
Os complexos coloridos de cobre foram preparados utilizando o sistema ternário água/etanol/clorofórmio com neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina).21,22 A solução do agente complexante foi preparada a partir de mistura de uma solução etanol-água 50% (v/v) com a neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina hidroclorada). As amostras solubilizadas constituem a fase aquosa do sistema ternário composto por água:etanol:clorofórmio nas proporções v/v 5,0:10,0:5,0, respectivamente. A montagem do sistema ocorreu adicionando-se ao analito solubilizado em etanol, 5,0 mL da solução de neocuproína (2,9-dimetil-1,10-fenantrolina) de concentração de 1,6x10-3 mol L- em clorofórmio e, após a formação do complexo, adicionaram-se 50 mL de água deionizada para promover a quebra de fases. A leitura foi realizada na fase orgânica, em que se encontra o complexo metálico.
Reação para o ferro
A presença de ferro nas sombras cosméticas foi avaliada pela reação de complexação do ferro com o tiocianato. Não foi necessário uso da metodologia do sistema ternário de fases devido ao complexo resultante apresentar coloração intensa. A reação entre o ferro e o tiocianato foi realizada adicionando-se 5,0 mL da amostra solubilizada em 10,0 mL da solução de tiocianato de potássio na concentração 0,1 mol L-1 .23
Determinação do comprimento de onda de absorção
Para a determinação do comprimento de onda máximo de absorção, foram preparadas, para cada metal de interesse, soluções padrão dos complexos metálicos com concentração de 20 mg L-1. Foi realizado um procedimento de varredura dos comprimentos de onda no intervalo de 320 a 700 nm em um espectrofotômetro monocanal. Foi escolhido o comprimento de onda de absorção máximo para cada analito estudado.
Construção da curva de calibração
As curvas de calibração foram construídas para cada analito, utilizando o comprimento de onda de absorção máximo para cada complexo metálico formado (λ = 400 nm para o complexo de alumínio, λ = 454 nm para o complexo de cobre e λ = 455 nm para o complexo de ferro). As curvas foram construídas a partir da diluição das soluções padrão de 1000 mg L-1, para os complexos de Al3+ e Cu2+, e a partir de uma solução padrão de concentração 800 mg L-1 para os complexos de Fe3+.
Foram utilizados intervalos de análise entre 0-7,5 mg L-1 para os complexos de alumínio, entre 0-28 mg L-1 para os complexos de cobre e entre 0-30 mg L-1 para os complexos de ferro. Foram escolhidos cinco valores de concentração conhecida entre os intervalos estabelecidos e a leitura de cada ponto foi realizada em triplicata. As curvas obtidas estão dispostas nas Figuras 1-3. Essa metodologia está de acordo com a literatura clássica.13,15
Curva de calibração com λ = 400 nm, utilizada na determinação de alumínio em sombras cosméticas
Equação da reta
A partir das curvas de calibração foi obtida a equação da reta que está de acordo com a lei de Lambert-Beer: A = ε x b x c, em que A = Absorvância, ε = Absortividade molar, b = caminho ótico (1 cm) e c = concentração do analito. Os valores de concentração versus absorvância constituem um par ordenado do tipo (x, y), que permitem o uso de um sistema cartesiano para representar a posição de cada par ordenado em um plano.
Colocando-se todos os pontos, nota-se uma tendência entre eles de formar uma reta e apresenta uma equação do tipo y = ax + b. Utilizando uma regressão linear, com uma calculadora ou um programa gráfico, tendo os dados de concentração (x) e absorvância (y), obtêm-se os valores do coeficiente angular (a) e do coeficiente linear (b), desta forma, tem-se a equação que permite obter os valores de concentração a partir dos valores de absorvância.
Determinação dos metais
Uma vez de posse dos dados da equação da reta e da curva de calibração para cada complexo metálico foram realizadas as medidas das soluções das amostras de maquiagem, e as concentrações de cada metal nas soluções e os teores de óxidos metálicos presentes na maquiagem foram determinadas.
Público alvo
Essa estratégia pode ser aplicada em cursos de Química (Licenciatura ou Bacharelado), em disciplinas de Química Analítica Experimental ou, ainda, em cursos como Farmácia e outros que tenham disciplinas de química analítica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos comprimentos de onda máximo obtidos (λ = 400 nm para o complexo de alumínio, λ = 454 nm para o complexo de cobre e λ = 455 nm para o complexo de ferro), foram realizadas as construções das curvas de calibração, apresentadas nas Figuras 1, 2 e 3 e, a partir delas, obtidas as equações das retas que foram: ABS = 0,559[Al] + 0,0691, para o complexo de alumínio; ABS = ,0799[Cu] + 0,0122 para o complexo de cobre e ABS = 0,0147[Fe] + 0,0124 para o complexo de ferro. A partir das equações e das medidas de absorvância para cada amostra, foi possível obter os resultados de teor de óxidos metálicos nas maquiagens estudadas, que estão dispostos na Tabela 1.
Resultados convertidos para porcentagem do metal nas amostras estudadas, obtidas determinações partir das determinações espectrofotométricas
Os pigmentos usados para dar coloração às sombras cosméticas não são descritos nos respectivos rótulos e, no site da ANVISA, tem-se apenas os códigos dos pigmentos liberados, mas não especificam qual é a sua dosagem permitida. Isso se deve ao fato de não existir absorção destes óxidos pelo organismo, sendo seguro o seu uso em qualquer quantidade. Isso faz com que os fabricantes de maquiagens não forneçam as fórmulas delas em suas embalagens. Porém, estudos mais recentes indicam que o uso desses materiais na forma de nanopartículas apresentou potencial de absorção pelo organismo9 Alguns destes metais, como o cobre, são acumulativos, que se relaciona com a doença de Wilson.25
Importante destacar que, em relação à vertente da contextualização que diz respeito ao desenvolvimento de atitudes e valores para a formação de um cidadão crítico, a discussão sobre a produção e consumo de cosméticos no Brasil mostra-se como uma possibilidade de inserção de temas que considerem também aspectos econômicos. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), mesmo com o aumento da carga tributária, alta do dólar e crise política, esse setor deve retomar a terceira posição no ranking mundial de consumo com um crescimento de 14,3% até 2020 e, em 2015, o setor alcançou um faturamento de R$ 42,6 bilhões.26
No caso específico dos cosméticos, essa produção representa 34% da indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos no Brasil. Tais dados podem estabelecer parâmetros para discussão sobre a importância desse segmento na economia brasileira, pois, de acordo com Lopes,27 a contextualização refere-se a contextos sociais mais amplos que possam considerar, para além dos conceitos científicos, as relações entre esse conhecimento e aspectos políticos, econômicos e sociais.
Em termos contextuais, ou seja, como estratégia de uma possível contextualização, podem-se trabalhar os resultados obtidos em três frentes:
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Quando consideramos os dados como uma estratégia para facilitar a aprendizagem.
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Quando consideramos os dados para a contextualização como uma forma de discutir e descrever fatos e processos que se relacionem a diversos contextos históricos e sociais do aluno.
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Quando consideramos a possibilidade de desenvolvimento de atitudes e valores para a formação de um cidadão crítico.
Em relação ao item (a), a discussão dos conceitos relacionados à determinação de metais propriamente dito, por meio de uma técnica instrumental, é relativamente simples. No entanto, a estratégia se utiliza de uma amostra que está presente de maneira comum na vida dos sujeitos. Todos os alunos e alunas provavelmente conhecem ou tem contato com diversos tipos de cosméticos que vão de sombras a batons, seja pela sua utilização pessoal, seja pela observação de sua utilização em seus pares ou conhecidos. Logo, torna-se importante entender um conceito relacionado à química analítica a partir de uma realidade que eles conhecem e convivem diariamente. Conceitos relacionados à determinação de metais, tais como abertura de amostras, complexação e medidas espectrofotométricas podem ser discutidas à luz de uma amostra cotidiana e ao alcance de suas realidades.
Um aspecto que remete a esse recorte é o fato de que as amostras analisadas apresentam valores significativos de alumínio e ferro, podendo acarretar danos aos usuários. Em relação ao cobre a quantidade detectada não sugere danos imediatos à saúde do usuário.
Ao tratarmos do item (b), podemos estabelecer relações com a História da Química, revisitando fatos sobre contaminação por chumbo a partir do uso de substâncias compostas por esse metal em povos antigos como os egípcios, gregos e chineses.28 Galembeck e Csordas,29 ao apresentarem um histórico dos cosméticos associando o contexto químico, explicitam que:
Atores do teatro romano eram grandes usuários de maquiagem para poderem incorporar diferentes personagens ao seu repertório. Pastas eram produzidas misturando óleos com pigmentos naturais extraídos de vegetais (açafrão ou a mostarda) ou de rochas. Mortes por intoxicação eram comuns entre os atores, pois muitos dos pigmentos minerais da época continham chumbo ou mercúrio em sua composição.
Considerando o item (c), dentre a proposta de se trabalhar a contextualização como estratégia de ensino para o recorte em questão, ressaltamos que a formação de profissionais em nível superior precisa também contribuir para a formação cidadã a partir da perspectiva de letramento científico e tecnológico, como sinalizado por Santos.30 Para o referido autor, o letramento científico dos cidadãos considera tanto o entendimento dos fenômenos do cotidiano quanto “a capacidade de tomada de decisão em questões relativas à ciência e tecnologia em que estejam diretamente envolvidos, sejam decisões pessoais ou de interesse público”.
Um dos aspectos que podem ser evidenciados, nesse sentido, refere-se às questões ambientais, pois a própria técnica analítica pode ser ponto de discussão quando se trata, por exemplo, do uso de solventes. O uso dessas substâncias, apesar de ser de extrema importância para a efetivação de diversas técnicas químicas, é também fonte de possíveis contaminações. A partir disso, um dos princípios da Química Verde direciona-se para o uso de solventes e auxiliares mais seguros.2 Dessa forma, discutir aspectos que estabeleçam interfaces entre as questões ambientais e o processo analítico desenvolvido pode contribuir com a conscientização dos futuros profissionais em relação a atitudes e valores relacionados ao exercício de atividades futuras.
Importante salientar que, ao trazermos essas três possibilidades de contextualização para a discussão decorrente do processo analítico dos cosméticos, não as apresentamos em caráter fechado, mas trazemos exemplos que deixam margem para outros caminhos argumentativos que possam ser estruturados dentro de um planejamento didático visando contextualizar o experimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para este trabalho foram escolhidos os metais Al, Cu e Fe por estarem presentes nas sombras selecionadas e suas cores. No entanto, procedimentos semelhantes com outros complexantes podem ser utilizados para outros metais, ou ainda, de acordo com a disponibilidade de cada instituição ou laboratório de graduação.
No caso presente, salientamos ainda a própria composição das sombras escolhidas. Elas geralmente são compostas por óxidos metálicos diversos. Sombras marrons têm óxidos de ferro, sombras laranja contém uma mistura de óxidos de ferro e alguns pós de alumínio e as sombras roxas apresentam óxidos de alumínio para dar tons perolados, além de óxidos de cobre. No entanto, quase todas as sombras contam com uma série de óxidos de metais diversos para a sua pigmentação. É interessante utilizar métodos analíticos para contextualizar o funcionamento de um laboratório de análises, que tem como objetivo quantificar teores dos constituintes químicos em determinados produtos, mesmo quando os fabricantes não são obrigados, em termos de lei, a apresentar as suas concentrações.
As potenciais abordagens desse tópico em sala de aula são inúmeras, que pode ir desde o uso de metodologias químicas para comparar os constituintes químicos de dois produtos de marcas diferentes, atestar a qualidade dos produtos a partir das concentrações dos óxidos, ou até mesmo abordar alguma discussão na área forense, na parte da identificação de materiais em uma cena de crime, considerando que dois fabricantes não produzem o produto com exatamente os mesmos constituintes, já que a lei não exige que as empresas mostrem a concentração deles.
Além disso, o desenvolvimento de práticas experimentais que visem identificar a composição desses produtos pode possibilitar a inserção da discussão contextual em graduações das áreas de Química/Farmácia, tornando a experimentação mais significativa no âmbito formativo destes cursos.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPQ por fornecer a bolsa de IC, ao UNIFOR-MG pela disponibilidade dos laboratórios.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
02 Maio 2019 -
Data do Fascículo
Mar 2019
Histórico
-
Recebido
01 Set 2018 -
Aceito
17 Dez 2018 -
Publicado
30 Jan 2019