Resumo
Considering the bicentenary of Brazil’s Independence in 2022 and that this year was proclaimed by UNESCO as the International Year of Basic Sciences for Sustainable Development, in mid-2021 the Brazilian Chemical Society (SBQ) launched the “Post 2022 Chemistry Movement - Sustainability and Sovereignty”, with the main goal of promoting different activities so that chemistry contributes for the sustainable development and sovereignty of Brazil in the coming years. One of these activities is the proposal of an action plan, with goals to be achieved by 2030 and 2050. This article describes in detail how this action plan was formulated by a working group, with the help of an advisory council and interviews of 18 professionals from universities, the government, industries, the third sector and other organizations. Mimicking the Agenda 2030 SDGs, the resulting action plan is based on two broad Chemistry Sustainable Development Goals: promoting sustainability through chemistry in basic education, and promoting sustainability in the industry and university through science, technology, innovation, and education (STI&E) in chemistry. After the definition of three driving technological challenges in STI&E, they shall be successively implemented through different actions starting in 2023 yet.
Keywords: sustainability; sustainable development; chemical education; chemistry and sustainability; university-industry partnerships
CONTEXTUALIZAÇÃO
Uma importante iniciativa, em nível global, para garantir o crescimento social, econômico e boas práticas e resolução de questões ambientais são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em 25 de setembro de 2015, chefes de Estado e representantes dos 193 países-membros da ONU se reuniram e aprovaram o documento intitulado: “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, mais conhecido como “Agenda 2030”. Este documento é um plano de ação com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas que passaram a vigorar por 15 anos a partir de 1º de janeiro de 2016.1-3 Estes ODS (listados de forma sintética na Figura 1) e metas propostos são ambiciosos e englobam os principais desafios enfrentados pelas pessoas no mundo. A Agenda 2030 prevê ações transformadoras, a nível mundial, para que sejam trabalhados os grandes problemas enfrentados pela humanidade, como a pobreza, fome, violência, desigualdade de gênero, desemprego e os problemas educacionais, ambientais e outros. A ideia é que essas ações sejam realizadas por cada país-membro, mas de uma maneira globalizada e com grande cooperação internacional para que sejam obtidos resultados efetivos. Conforme pode ser visto na Figura 1, o primeiro grande desafio da Agenda 2030 é a erradicação da pobreza. A seguir, é explicitado cada um dos ODS.3
Esses 17 ODS e suas 169 metas envolvem ações e abrangem as esferas ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável. Sendo assim, é fundamental a consolidação de parcerias entre o governo, o setor privado e a sociedade civil para que essa agenda possa produzir resultados concretos.
Atualmente, a Agenda 2030 e seus ODS caracterizam-se como os grandes direcionadores para tomadas de decisões nessas diferentes esferas. É possível observar ações dos diferentes atores que vão de encontro às metas estabelecidas, como, por exemplo: nas indústrias, em indicadores de sustentabilidade; no terceiro setor, em ações voltadas a projetos sociais para comunidades; no governo, em programas específicos voltados a essa questão; nas escolas e nas universidades, em ações na área de pesquisa e educação.4,5
Uma ação atual e relevante, também relacionada à Agenda 2030 e aos ODS, é a resolução da Assembleia Geral da ONU (aprovada em 2 de dezembro de 2021), por proposta da UNESCO, de que o ano 2022 seja celebrado como o “Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável” (IYBSSD 2022 - The International Year of Basic Sciences for Sustainable Development) - Figura 2.6 De acordo com Michel Spiro, presidente da IUPAP (União Internacional de Física Pura e Aplicada) e responsável pela implementação do IYBSSD 2022, as ciências básicas têm um papel crucial na implementação da Agenda 2030, pois podem fornecer as ferramentas necessárias para lidar com os grandes desafios propostos pelos ODS, como aqueles nas áreas de alimentos, energia, saúde, comunicação, ambiental e outros. Ainda de acordo com Spiro, as ciências básicas são a base dos avanços tecnológicos, estimulam a inovação e ajudam a identificar mecanismos para o uso do conhecimento e transferência de tecnologia.7 Além disso, são essenciais para a formação de profissionais e para instigar a capacidade de participação e tomada de decisões pela sociedade. Sendo assim, o grande foco do IYBSSD 2022 é estimular as contribuições das ciências básicas para a sustentabilidade.8 Nesse contexto, o papel da Química é central.
Versão em português do logotipo do Ano Internacional das Ciências Básicas para o Desenvolvimento Sustentável (gentilmente cedida por Luc Allemand, secretário geral do IYBSSD 2022)6
Por outro lado, o Brasil comemora o bicentenário da sua independência em 2022, mas tem uma enorme dependência de insumos químicos importados, como aliás de muitos produtos industriais, que foi exacerbada durante a pandemia de Covid-19. Juntando-se aos esforços que procuram reagir perante essa situação, em meados de 2021 a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) lançou o “Movimento Química Pós 2022 - Sustentabilidade e Soberania” (MQP 2022),9 cujo logotipo é mostrado na Figura 3.
O Movimento Química Pós 2022 tem como principal objetivo produzir contribuições da Química para a sustentabilidade e a soberania do Brasil. Ele está sendo implementado em diversas frentes, supervisionadas pela diretoria da SBQ.9 Uma dessas frentes é a construção do plano de ação denominado “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”, considerando o período 2022-2050. O objetivo do presente artigo é descrever a metodologia utilizada na construção desse plano de ação, os principais resultados já obtidos, as perspectivas futuras e próximas etapas. Essa construção está sendo realizada por meio de uma frente ampla de trabalho, envolvendo pessoas de universidades, governos, indústrias, terceiro setor e outras organizações.
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PLANO “QUÍMICA E SEUS ATORES PARA UM BRASIL SUSTENTÁVEL E SOBERANO”
A construção do plano de ação está sendo feita com metas de curto (até 2025), médio (até 2030) e longo prazo (até 2050) concentrando-se nas contribuições da Química e de suas múltiplas interfaces. Procura atrair e está recebendo contribuições de cada vez mais pessoas dos mais variados setores da sociedade, de modo que contemple uma visão mais sistêmica de sustentabilidade e Química. O trabalho realizado até o momento pode ser dividido em duas partes: diagnóstico amplo e levantamento de visões; estruturação do plano de ação. A seguir serão descritas as principais estratégias e os resultados já obtidos em cada uma das diferentes fases do seu desenvolvimento.
Em junho de 2021, a convite da SBQ, foi criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Plano de Ação “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”. Esse grupo foi composto por: Ana Paula C. Teixeira (docente da UFMG), Fernando Galembeck (docente aposentado da UNICAMP e empreendedor), Ingrid F. Silva (ex-aluna da UFMG, pós-doutoranda no Instituto Max Planck Institute of Colloids and Interfaces, Alemanha), Pedro H. P. Nascimento (professor na área de design para sustentabilidade e consultor da FIEMG na área de inteligência competitiva), Rochel M. Lago (docente da UFMG), e Romeu C. Rocha Filho (docente da UFSCar e presidente da SBQ - gestão 2020-2022) - vide Figura 4.
Composição do grupo de trabalho, do conselho consultivo e do grupo de pessoas entrevistadas
O grupo de trabalho estabeleceu algumas premissas iniciais: a) as ações do plano deveriam estar focadas no impacto da Química para o desenvolvimento sustentável e soberano do Brasil; b) o documento deveria surgir a partir de uma construção coletiva envolvendo atores de universidades, da indústria, do governo, do terceiro setor e outras organizações; c) o documento não deveria ser somente uma compilação de dados, mas conter propostas de ações concretas e alcançáveis que pudessem ser colocadas em prática e que impactassem a sustentabilidade e a soberania do Brasil.
Para auxiliar nas tomadas de decisões e nas sucessivas etapas do projeto, foi criado um conselho consultivo, composto por quatro profissionais com grande experiência nas áreas de educação, pesquisa, indústria e desenvolvimento de grandes projetos e entusiastas de novas ações (vide Figura 4):
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Evaldo Ferreira Vilela: Professor Titular e atualmente professor voluntário/colaborador da UFV. Foi Reitor da UFV e membro do Conselho Curador da Fundação João Pinheiro (2012-2014); membro do Conselho Curador, da Diretoria de Ciência, Tecnologia e Inovação e Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG. Foi Presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa - CONFAP. É o atual Presidente do CNPq.
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Jailson Bittencourt de Andrade: Professor Titular da UFBA aposentado, mas continua atuando na UFBA no âmbito do PROPAP e coordenando o Centro Interdisciplinar de Energia e Ambiente (CIEnAm-UFBA). Professor Titular e Pró-Reitor de Pós-graduação e Pesquisa do Centro Universitário SENAI-CIMATEC. Coordenador do INCT em Energia e Ambiente e coordenador do Estudo Multidisciplinar da Bahia de Todos os Santos - Projeto Kirimurê. Foi Secretário Regional, 1º Secretario, Vice-Presidente, Presidente e Conselheiro da SBQ.
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Mozart Neves Ramos: Professor Emérito da UFPE, atualmente é Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP - Ribeirão Preto (2020). Foi Secretário de Educação de Pernambuco, presidente executivo do movimento Todos Pela Educação e membro do Conselho Nacional de Educação. Também é autor de livros na área de educação.
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Pedro Wongtschowski: Engenheiro químico, mestre e doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP, foi presidente da Oxiteno e da Ultrapar Participações. Atualmente é o presidente do Conselho Superior da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (ANPEI), do Conselho Superior de Inovação e Competitividade da FIESP e do Conselho de Administração da Ultrapar Participações. Coordena a “Mobilização Empresarial pela Inovação” da CNI. Ainda é membro do Conselho do IEDI, do Conselho Diretor do FNDCT, do Conselho Consultivo da USP, do Conselho Superior da Agência USP de Inovação, do Conselho Deliberativo do Fundo Patrimonial dos Amigos da Poli, e dos Conselhos de Administração da EMBRAER, EMBRAPII e Centro de Tecnologia Canavieira.
Este conselho consultivo validou as informações coletadas e a definição de novas etapas do trabalho. Suas contribuições foram de fundamental importância para a estruturação e construção da versão atual do plano de ação.
As informações iniciais foram obtidas em entrevistas realizadas com as seguintes pessoas, de diferentes setores da sociedade e regiões do país (vide Figura 1):
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Aldo Zarbin: docente do Departamento de Química da UFPR;
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Aline Caldas Bressan: Gerente de Sustentabilidade, Meio Ambiente e Inovação - ABIQUIM;
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Ana Carolina Calçado: CEO do Wylinka;
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André Brasil: funcionário da Capes e doutorando da Universidade de Leiden (Holanda);
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Arlene Gonçalves Corrêa: docente do Departamento de Química da UFSCar;
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Cristina Caldas: responsável pelas iniciativas de apoio à ciência e de elaboração de chamadas públicas à busca ativa por pesquisadores e projetos no Instituto Serrapilheira;
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Eduardo Bastos: Diretor de Sustentabilidade da Bayer Crop Science;
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Eron Bezerra: docente e diretor do Centro de Ciências do Ambiente da UFAM;
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Evaldo Ferreira Vilela: presidente do CNPq;
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Gilson da Silva Spanemberg: doutor em Saúde Pública e Meio Ambiente e assessor do CGEE;
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Guilherme Andrade Marson: docente do Instituto de Química da USP;
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Guilherme de Oliveira Marques: Especialista em inovação e sustentabilidade da ABIQUIM;
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Juliana Picoli: mestre em Planejamento de Sistemas Energéticos e integrante da equipe do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV;
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Paulo Almeida: Diretor Executivo do Instituto Questão de Ciência;
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Rafael Almada: docente do IFRJ e coordenador do Comitê de Relações Institucionais e Governamentais do CFQ;
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Rafael Pellicciotta: Gerente de Estratégia, Inovação & Desenvolvimento de Negócios da Braskem;
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Sophia Guimarães Cordeira da Cunha: Gestora Geral do Instituto NAAÇÃO;
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Zuy Maria Magriotis: docente e diretora da Escola de Engenharia da UFLA.
Diagnóstico Amplo: levantando as visões de atores das universidades, indústrias químicas, governo, terceiro setor e outras organizações sobre como a Química poderia impactar a sustentabilidade e soberania do Brasil
Esse diagnóstico amplo foi realizado através de diferentes ações, indicadas na Figura 5.
Etapas do processo de diagnóstico e levantamento de visões para a construção do plano de ação
As entrevistas foram estruturadas dentro de quatro temas principais (vide Figura 6): Educação em Química para a Mudança; P&D em Química para a Sustentabilidade; Inovação em Química na Indústria e Social.
Foram feitas pelo menos três reuniões com cada entrevistado, totalizando quase 60 h de conversas. No início de cada reunião foi feito um breve resumo sobre o objetivo do plano de ação e, em seguida, era explicada a dinâmica que seria adotada. A proposta era a coleta do maior número de ideias possível, sem aprofundamento, detalhamento ou julgamento nesse momento, em um processo de brainstorming. Então, os entrevistados foram convidados a explanar sobre suas ideias em diferentes eixos, conforme indicado na Figura 7. Finalmente, os entrevistados foram escutados acerca de informações adicionais que gostariam de contribuir para o projeto.
As entrevistas foram realizadas ao longo dos meses de agosto a outubro de 2021, sendo conduzidas e registradas por pelo menos dois membros do grupo de trabalho. Entre os meses de setembro a novembro, realizou-se um trabalho interno de análise dos dados obtidos nas primeiras entrevistas.
Alguns pontos relevantes que apareceram com frequência nas entrevistas foram:
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A necessidade de um mapeamento e diagnóstico das ações em Química e sustentabilidade já existentes e quais as principais fraquezas que o país apresenta;
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A sugestão de que o plano de ação deveria ter um grande foco em Educação Básica e Educação Superior;
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A necessidade de recursos para financiar projetos na área de sustentabilidade;
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A necessidade de se pensar em áreas estratégicas relacionadas à Química e sustentabilidade;
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A necessidade de um grande foco em indústria e inovação;
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A necessidade do desenvolvimento de estratégias para que as pesquisas produzidas nas universidades pudessem ser aplicadas nas indústrias e na sociedade.
Algumas observações resultantes desta análise foram: de maneira geral os entrevistados não eram especialistas em sustentabilidade, em especial por essa ser uma temática ampla e envolver diferentes áreas e contextos; os entrevistados contribuíram para o projeto com sua visão pessoal, e a de suas organizações, produzindo mais de 150 ideias para um plano de ação. Os grandes focos, áreas de atuação, organizações e ações estratégicas, apontados pelos entrevistados são mostrados na Figura 8 e cada um deles requer ações mobilizadoras estruturantes.
Agrupamento inicial em grandes áreas das principais ações e ideias sugeridas pelos entrevistados.
Além das entrevistas, também foi realizada uma pesquisa ampla sobre: empresas e startups relacionadas à Química no Brasil com projetos, ações e iniciativas em sustentabilidade; projetos e ações em universidades relacionados à sustentabilidade; rankings de empresas e universidades mais sustentáveis do Brasil.
Estruturação do Plano de Ação: como criar um plano de ação com foco e convergência a partir de tantas ideias sobre diferentes temas em Química e sustentabilidade
A partir das diversas ações na ponta, ou seja, ações específicas e mais pontuais, sugeridas pelos entrevistados, o grupo de trabalho estruturou uma primeira proposta de plano de ação, baseando-se também em alguns pontos que o conselho consultivo considerou importantes: a) o plano de ação deve ser conciso e ter poucos eixos de ação, para que as ideias propostas possam ser colocadas em prática; b) o projeto de plano de ação deve estar acompanhado de uma boa estratégia de comunicação; c) a Educação Básica deve ser um dos principais pontos a ser trabalhado no plano de ação, para que o projeto possa trazer resultados no longo prazo; d) o plano deve ter estratégias efetivas e resultar em uma melhoria nas conexões governo-indústrias-universidades e sociedade.
Para essa estruturação, as ideias foram organizadas e agrupadas em dois grandes objetivos, denominados “Objetivos da Química para o Desenvolvimento Sustentável (OQDS)”, cada um com três eixos de ação (vide Figura 9). Essa estrutura foi inspirada na Agenda 2030 que descreve os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”.
Estrutura dos Objetivos da Química para o Desenvolvimento Sustentável (OQDS) e seus respectivos eixos de ação
No caso do primeiro OQDS, “Promover a sustentabilidade através da Química na Educação Básica”, foi considerado por todos os entrevistados e pelos conselheiros consultivos que a sustentabilidade é um tema amplo e que precisa ser trabalhado, considerando seus diferentes aspectos, desde o Ensino Básico.
Assim, foram propostos três eixos de ação para esse OQDS:
- Eixo 1: Professor de Química protagonista para um mundo mais sustentável
Nesse eixo serão realizadas ações focadas nos professores de Química, para que eles disseminem nas escolas conhecimentos e atitudes com foco em sustentabilidade.
- Eixo 2: Sala de aula como espaço especial para Química e sustentabilidade
O foco desse eixo é propor e implementar atividades, cursos, novos materiais e novos itinerários para serem aplicados em salas de aula do Ensino Básico, focados em Química e sustentabilidade.
- Eixo 3: Escola: projetos em Química e sustentabilidade para a sociedade
Transformar as escolas em espaços centrais de desenvolvimento de projetos em sustentabilidade, envolvendo os alunos e a comunidade, para a solução de problemas locais.
Considerando que um dos caminhos para a obtenção de soluções em sustentabilidade é o do desenvolvimento de ciência, tecnologia, inovação e educação (CTI&E) em química compartilhada entre diferentes setores, o segundo OQDS compreende um outro grande objetivo: “Promover a sustentabilidade através de CTI&E em Química na indústria e na universidade”. Já existem várias ações em sustentabilidade sendo realizadas nas universidades e na indústria, mas ações orquestradas e abrangentes poderão ser muito mais efetivas.
Também foram propostos três eixos de ação para esse OQDS:
- Eixo 4: Indústria Química como uma das líderes na transição para a sustentabilidade
O setor já tem várias iniciativas em sustentabilidade: workshops, relatórios em sustentabilidade e projetos na área social e ambiental, além de mudanças tecnológicas. Destaca-se ainda a preocupação das empresas em se adequarem às metas e abordagens ESG (Environmental, Social, and Governance). Sendo assim, o grande objetivo desse eixo é o desenvolvimento de projetos que vão de encontro às ações e objetivos já propostos pelas indústrias químicas e de áreas correlatas.
- Eixo 5: Interação entre universidade, indústria e sociedade para avanços em Química e sustentabilidade
Uma das questões muito comentada por todos os entrevistados foi a necessidade da promoção da conexão entre universidade e indústria. As universidades e centros de pesquisas são ambientes promotores de conhecimento e importantes criadores de soluções para problemas atuais. Contudo, muitas vezes esse conhecimento é fica restrito à comunidade acadêmica. É necessário o desenvolvimento de meios e estratégias para que as pesquisas desenvolvidas nesses ambientes possam tornar-se soluções para os grandes desafios em sustentabilidade apresentados pelo mundo atual.
- Eixo 6: Educação de químicos para a sustentabilidade
Este último eixo trata de meios e projetos que foquem na formação, inicial ou continuada, de profissionais da Química, em nível de graduação e pós-graduação, que estejam preparados para o mercado de trabalho e focados em sustentabilidade. Um dos grandes desafios atuais, em diferentes áreas, é a formação e requalificação de pessoas com experiências e visões mais estratégicas e que consigam lidar com desafios complexos das empresas e da sociedade.
A proposição final dos dois OQDS, com os seus seis eixos de ação, foi validada pelos entrevistados e pelos conselheiros consultivos. A partir daí a preocupação passou a ser como definir projetos e ações em cada um dos seis eixos, mas que trouxessem um sentido de foco e coesão. Após muitas conversas com os conselheiros consultivos e outras pessoas com experiência em projetos complexos, chegou-se à ideia de definir desafios comuns que pudessem direcionar todas as ações nos diferentes eixos.
Desafios direcionadores em CTI&E para a definição de ações convergentes em cada um dos seis eixos dos OQDS
Nesse momento propôs-se então que grandes desafios direcionadores em CTI&E para a sustentabilidade poderiam ser a forma de unir os eixos dos dois OQDS e dar um sentido de coesão para o plano de ação, como ilustrado na Figura 10.
Desafios direcionadores em CTI&E, uma forma de realizar o desenvolvimento de projetos unindo os eixos dos OQDS
Durante as entrevistas, foram levantados alguns exemplos de desafios/temas, como: captura e uso de CO2, reaproveitamento de resíduos, eficiência energética, materiais inteligentes/sustentáveis, água/efluentes, bioeconomia/biocombustíveis/biorrefinarias e economia circular. Contudo, a escolha dos desafios direcionadores em CTI&E deverá ser feita de forma muito criteriosa e, portanto, um processo especial para essa definição será realizado no futuro próximo por um grupo de inteligência (GI) especialmente montado para isso. O GI será constituído por um time de especialistas, representantes de diferentes áreas, que irão priorizar os desafios brasileiros de sustentabilidade e soberania, levando em conta a Agenda 2030, os ODS e o contexto brasileiro. Planeja-se que esse GI seja montado até o final de julho de 2022 e que até o final de agosto de 2022 já tenha sido realizada a etapa de mapeamento e diagnóstico dos principais desafios em sustentabilidade no Brasil. Em seguida o GI deverá definir três principais desafios direcionadores em CTI&E a serem atacados até 2025. Cada um destes desafios selecionados será sucessivamente trabalhado com o desenvolvimento de diferentes projetos nos três anos seguintes, a partir de 2023, conforme as linhas de tempo indicadas na Figura 11.
Linha do tempo referente ao desenvolvimento de projetos relacionados aos desafios direcionadores em CTI&E tendo 2030 como horizonte
Ainda em 2022, após a seleção do primeiro desafio direcionador em CTI&E (Desafio 1), propõe-se começar os preparativos para a sua execução. Nesse momento serão definidos os participantes e especialistas nas áreas de Química com foco em educação e conexão indústria e universidade para fazerem parte dos grupos de trabalho dos OQDS 1 e 2, respectivamente. Esses grupos de trabalho serão responsáveis pela formatação da dinâmica de atuação para o próximo ano, assim como pela seleção dos projetos que serão executados dentro de cada um dos eixos de ação, considerando o respectivo desafio. Também se espera nesse momento dar início ao projeto de comunicação e divulgação dos resultados que serão obtidos no projeto, na forma de publicações e comunicações em eventos.
Uma vez que os grupos de trabalho definiram a dinâmica de atuação e os projetos que serão desenvolvidos em cada um dos OQDS e em cada um dos eixos de ação referentes ao Desafio 1, a execução dos projetos deste desafio começará já em 2023. Este será um ano de ações intensas com metas estabelecidas para serem atingidas e finalizadas até dezembro. Ainda em 2023, levando em conta o andamento da implementação do Desafio 1, começará a definição da dinâmica de atuação e o preparo para a execução dos projetos referentes ao Desafio 2 para o ano de 2024, nos mesmos moldes de trabalho estabelecidos para o Desafio 1. O mesmo ocorrerá com a dinâmica de atuação e os projetos para o Desafio 3, que serão definidos e preparados em 2024 e executados a partir de 2025.
Quase um ano após a constituição do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Plano de Ação “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”, o plano de ação encontra-se formatado, conforme acima descrito, sendo que a sua estrutura final foi validada com todos os entrevistados e com os conselheiros consultivos do projeto. Em breve, ações intensas passarão a ser desenvolvidas para garantir a execução do plano de ação, com a montagem do grupo de inteligência e a consequente definição dos desafios direcionadores em CTI&E, seguidas da constituição dos grupos de trabalho e consequente definição da dinâmica de atuação e seleção de projetos que serão executados dentro de cada um dos eixos de ação, a partir de 2023. Essa futura etapa do projeto tem como objetivos principais: realizar a execução do plano de ação; retroalimentar o processo; incentivar a adesão e a participação de cada vez mais atores no projeto e viabilizar o contínuo desenvolvimento de conteúdos e outras ferramentas para a continuidade das ações.
Como resultado da fase inicial do projeto foram elaborados dois documentos, descritos a seguir.
- Carta Aberta à Comunidade de Química e à Sociedade Brasileira: “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”
Essa é uma carta de chamamento para toda a sociedade brasileira sobre a importância da Química e seus diferentes atores para a sustentabilidade. Mostra como a Química pode auxiliar em grandes questões ambientais em diferentes setores: na redução e no aproveitamento de resíduos agrícolas e urbanos; na conservação de alimentos e prolongamento de sua vida útil; na definição de novos materiais mais eficientes, de menor custo e de menor pegada de carbono; na geração de energia limpa; no tratamento de resíduos e efluentes de indústrias de todos os setores, além de questões relacionadas à educação e projetos com caráter social. A carta ainda traz informações sobre como a SBQ, junto com atores das universidades, indústria, governo, terceiro setor e outras organizações, busca impactar a sustentabilidade e soberania no Brasil até 2050. Finalmente é feito um convite de engajamento de diferentes setores e da sociedade civil, através de sugestões de ideias e participação nos diferentes projetos que serão criados e executados.
- Documento sumário do plano de ação “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”
Trata-se de uma apresentação resumida do plano de ação descrito em detalhes neste artigo. Este documento sumário será lançado na 45ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (31 de maio a 3 de junho, Maceió, AL). Sua capa está reproduzida na Figura 12.
Além desses documentos, outras ações foram realizadas. Em outubro de 2021, o Movimento Química Pós 2022 - Sustentabilidade e Soberania foi apresentado aos associados da SBQ, por meio de uma matéria divulgada no Boletim Eletrônico da SBQ.10 Também foi feito um vídeo de apresentação do Movimento, disponibilizado ao público a partir de fevereiro de 2022, na página web da SBQ9 e no seu canal no Youtube.11 Um outro vídeo está em processo final de desenvolvimento, conforme descrito a seguir.
- Vídeo “Plano de Ação: Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano”
Este vídeo curto apresentará o plano de ação para a comunidade de Química e a sociedade civil, estimulando seu engajamento nos diferentes projetos que serão realizados nos próximos anos. Planeja-se publicar este primeiro vídeo sobre o plano de ação ainda durante a 45ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (31 de maio a 3 de junho, Maceió, AL).12
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este artigo, cabe ressaltar que o Movimento Química Pós 2022 é mais uma das muitas ações da SBQ, ao longo de sua história, visando contribuir para o avanço da área de Química em nosso país. Exemplo marcante disso foram os Eixos Mobilizadores em Química, resultado de uma série de atividades desencadeadas pela diretoria e conselho consultivo da SBQ em 2002, conforme relatado em detalhes por Andrade et al.,13 que também resenharam algumas outras ações anteriores. Na ocasião, foram sugeridos seis eixos mobilizadores. No contexto, dada a significativa transversalidade do eixo 1 (“formação de recursos humanos qualificados”), foram promovidas reflexões aprofundadas sobre a formação do químico, que resultaram em diversas diretrizes e recomendações.14
Nesses artigos,13,14 questões como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade ou química sustentável, ou mesmo química verde, não foram explicitamente mencionadas. Em 2018, Guarieiro et al.15 relataram reflexões relacionadas aos eixos mobilizadores, com significativa ênfase no eixo 1, abordando consequentes avanços e desafios que surgiram desde sua proposição. Agora o desenvolvimento sustentável é mencionado já no primeiro parágrafo do artigo,15 resultado da crescente preocupação com o tema desde o início dos anos 2000, culminando na realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (a Rio+20), em 2012. Neste ano, a SBQ lançou um concurso nacional, “O legado da Rio+20, que futuro queremos?”, destinado a alunos dos três ciclos de ensino, sendo que para alunos do Ensino Médio o tema foi “Sustentabilidade e interdisciplinaridade: a Química em todas as coisas”.16 Em 2017, ao organizar o 46º Congresso Mundial de Química da IUPAC, a SBQ propôs o tema “Sustentabilidade e diversidade por meio da Química”.17 Na realidade, a questão do desenvolvimento sustentável tem sido preocupação explícita recorrente na SBQ há cerca de duas décadas. Ainda, em 2001, o tema da 24ª Reunião Anual da SBQ foi “A Química na América Latina - Integração e desenvolvimento sustentável”. Em 2005, a 28ª Reunião Anual da SBQ teve o tema “Química para o desenvolvimento sustentável e inclusão social”. Cabe ressaltar ainda que a questão da sustentabilidade ou química sustentável (ou desenvolvimento sustentável/sustentado) passou a ser mencionada ou discutida neste periódico, por exemplo em editoriais18-20 ou artigos.21-23
Pelo exposto, o Movimento Química Pós 2022 dá continuidade ao envolvimento da SBQ com a questão da sustentabilidade e da contribuição da Química para o desenvolvimento sustentável. Porém, agora inova, ao ter múltiplas frentes, incluindo a construção e implementação de um plano de ação com foco no engajamento da Química e seus atores na promoção do desenvolvimento sustentável e soberano do Brasil. A humanidade está em uma corrida contra o tempo em busca da sustentabilidade e nosso país, em particular, tem o potencial de ser um dos líderes mundiais nesse movimento. Espera-se que o plano de ação “Química e Seus Atores para um Brasil Sustentável e Soberano” efetivamente ajude que essa liderança se concretize. Para tal, é muito importante que, desde já, participem desse processo todas as pessoas direta ou indiretamente relacionadas com a Química no Brasil.
AGRADECIMENTOS
Agradece-se o apoio das seguintes instituições: INCT Midas, CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Fapemig - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Abiquim - Associação Brasileira da Indústria Química e CFQ - Conselho Federal de Química. Agradece-se ainda a importante contribuição de todas as pessoas entrevistadas no processo de construção do plano de ação, bem como a dos membros do seu conselho consultivo, todos citados no artigo.
REFERÊNCIAS
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» https://www.gov.br/governodigital/pt-br/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods - 5 Malheios, T. F.; Ambrizzi, T. Em Universidade & Sustentabilidade: Práticas e Indicadores; Malheiros, T. D.; Ambrizzi, T.; Saczk, A. A.; Magriotis, Z. M., eds.; USP Sustentabilidade: São Paulo, 2020, cap. 1.
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8 https://www.iybssd2022.org/en/about-us/, acessada em abril 2022.
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9 http://www.sbq.org.br/mqp2022/, acessada em abril 2022.
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10 http://boletim.sbq.org.br/noticias/2021/n3642.php, acessada em abril de 2022.
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11 https://www.youtube.com/watch?v=W6vj9I2ZKFw&t=22s, acessada em abril de 2022.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Jun 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
06 Maio 2022 -
Aceito
07 Maio 2022 -
Publicado
12 Maio 2022